Eduardo de Almeida Navarro de Método Moderno Tupi Antigo A língua do Brasil dos primeiros séculos 3a edíçâo revista e aperfeiçoada © Eduardo de Almeida Navarro, 2004 I* Edição. 2‘ Edição, Vozes 3‘ Edição, Global 7‘ Reimpressão, 2008 Diretor Editorial Jefferson L. Alves Editor Assistente Luiz Guasco Gerente de Produção Flávio Samuel Assistente Editorial Ana Cristina Teixeira Revisão geral: Almir Batista da Silva, Benigno Oruè, Célio Cardoso, Deolinda Oruê, Júlio César de Assunção Pedrosa, Roberta Kobayashi Revisão Global Cláudia Eliana Aguena Capa Eduardo Okuno Ilustração de Capa Célio Cardoso Projeto Gráfico Reverson R. Diniz Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) {Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Navarro. Eduardo de Almeida Método moderno de tupi antigo : a língua do Brasil dos primeiros séculos / Eduardo de Almeida Navarro - 3. ed. rev. e aperfeiçoada. - São Paulo : Global, 2005. ISBN 85-260-1058-1 I.Tupi 2. Tupi - Gramática - Estudo e ensino 1. Título. 05-7642 CDD-498.38295 índices para catálogo sistemático: 1. Gramática tupi: Linguistica 498.38295 2. Tupi antigo : Gramática : Linguistica 498.38295 Direitos fteseruados GLOBAL EDITORA E DISTRIBUIDORA LTDA. Rua Pirapitingúi, 111 - Liberdade CEP 01508-020 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3277-7999 - Fax: (1 1) 3277-8141 e-mail: [email protected] www.globaleditora.com.br Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. EDITOU AVnjADA n° de catAlogo: 2605 "O que é da terra é da terra e fala da terra." (S. João, III, 31) À memória de meu avô, Belizárío de Almeida, sertanista e fundador de cidades, A meus pais, Gabriel Navarro e Dalva de Almeida, com minha gratidão, à Rose Pires da Basiléia e ao Arjun Mandai de Calcutá, meus amigos, dedico este livro. índice geral Prólogo .................................................................................................................................................................................9 Introdução.........................................................................................................................................................................11 lição 1 - CHEGAM OS PORTUGUESES [os verbos da 1“ classe ou da 13 conjugação; as transformações fonéticas; a posposição em tupi: -pe, supé, pupé, sul; o adjetivo etá].........................................................................21 tição2 -NA CARAVELA [os pronomes pessoais; os adjetivos; os demonstrativos; a relação genitiva em tupi] ...........32 lição 3 - RERTTIBA [os possessivos; mais uma transformação fonética; nomes possuíveis e não possuiveis; algumas transformações fonéticas; a interrogação em tupi; alguns pronomes e advérbios interrogativos]...................................................................................................................................................44 lição 4 -0 MENINO PINDOBUÇU [os verbos transitivos; mais transformação fonética; a colocação dos termos da oração em tupi; as partículas abé, bé, -no, a'e; mais algumas transformações fonéticas] .................58 lição 5 - EM IPANEMA [as categorias de substantivo, adjetivo e verbo em tupi - sintese; algumas transformações fonéticas; os verbos da 2a classe ou da 2a conjugação; o verbo haver em tupi; mais alguns interrogativos em tupi]...................................................................70 lição 6 -A CHEGADA DO ABARÉ [verbo irregular 'u; verbo irregular íur/ ur(a); o modo imperativo; formas irregulares do imperativo; a conjug^ão negativa do modo indicatívo; mais uma regra de transiformação fonética] ...................................................................................................80 lição 7 - TUPÂ NHE’ENGA [os substantivos pluriformes; alguns substantivos pluriformes irregulares; os substantivos transitivos - revisão; os numerais; o modo permissivo]...........................................88 lição 8 - ÍAGÚARAI [o tempo nominal em tupi; transformações fonéticas com ram(a) e -púer(a); mais uma regra de transformação fonética; a forma substantiva do verbo; os verbos pluriformes] ...................................................................................................................................................106 lição 9-0 CURUPIRA [verbo irregular iub, ub(a) (tt~); os adjetivos pluriformes; os pronomes pessoais do caso obliquo; os graus do substantivo - aumentativo e diminutivo; mais uma regra de transformação fonética; a conjunção mas em tupi] ..................................................................................120 lição 10-AO PÉ DO FOGO [o futuro; tema verbal incorporado; as posposições pluriformes; a forma negativa com ruã; os usos predicativos do substantivo - considerações complementares...................135 lição 11 - CANÇÃO DE AMOR [os pronomes pessoais objetivos; o imperativo e o permissivo na forma negativa; o sufixo e'ym com idéia de privação; alguns interrogativos]................................................................146 lição 12 - A CAÇADA [o gerúndio; morfologia do gerúndio; mais algumas regras de transformação fonética; o gerúndio com verbos transitivos e intransitivos; o vocativo; os nomes de parentesco] ......157 lição 13-A PESCARIA [o gerúndio dos predicados nominais - verbos de tema em consoante; os gerúndios dos verbos da 2a classe; a forma negativa do gerúndio; a conjugação perifrástica com o gerúndio].................................................................................................................................................................169 lição 14 - YBYRAPYTANGA [verbo irregular 'ab; verbo irregular V / 'é; o modo indicativo circunstancial; morfologia; o verbo '/' / 'é, dizer, e suas particularidades; discurso direto e discurso indireto; as partículas é / aé]...........................................................................................................................................................185 lição 15 - É GUERRA! [formas verbais propriamente ditas e formas nominais do verbo - síntese; alguns verbos irregulares já estudados - síntese; a voz causativa; transformações com mo-; o verbo 'i / 'é, como auxiliar; o pronome reflexivo em tupi - continuação; o indefinido opà (todos, tudo) e suas particularidades sintéticas]....................................................204 tição 16-1ÍUKÁ-PYR-AMA [os deverbais com -ba'e; regra de transformação fonética 4 - complementação do §56; a voz causativo-comitativa; mais uma regra de transformação fonética; o verbo ikó (estar) com a posposição -(r)amo (como, na condição de)]........................................220 lição 17- FAZENDO CAUIM [verbo irregular e? (-10- s-); os nomes derivados com -(s)ar(a); transformações fonéticas com -(s)ar(a); as orações subordinadas do português em tupi; as orações adverbiais temporais em tupi; a construção monhang + -(r)amo ou apó + -(r)amo; mais uma regra de transformação fonética] .......................................................234 lição 18 - ABÁ-PORU [verbo irregular iar / ar(a) (t, t); os nomes derivados em emi-; transformações fonéticas com emi-; o uso adjetival dos verbos intransitivos; o uso de poro- e mba'e- como índices de forma absoluta; a partícula gúá (ou ybyá, byá, ybá) - índice de indeterminação do sujeito]...............................................................................................................248 lição 19-A PAJELANÇA [verbo irregular rung; outros usos da posposição esé (r-, s-); a partícula serã; a partícula amê; os nomes derivados em -pyr(a); o verbo ukar; os pronomes indefinidos mba'e e abá].............................................................................................................................................263 lição 20 - UM FUNERAL [os significados das posposições esé (r-, s-) e ri - síntese; os nomes derivados com -(s)ab(a); sintaxe dos nomes derivados com -(s)ab(a); transformações fonéticas com -(s)ab(a); outros empregos dos nomes derivados com -(s)ab(a); os relativos]............................276 lição 21-0 MITO DE SUMÉ [diferenças entre íabé e -(r)amo; verbo irregular manõ / e'õ (t); - verbo irregular iur / ur(a) (t, t); verbo irregular ikó / ekó (t); os deverbais em -(s)ab(a) com posposições; a negação com e'ym(a) - síntese; os verbos retransitivados]..................................290 lição 22-0 BOITATÁ [verbo irregular só; a expressão da causa em tupi; sentidos da posposição -(r)eme - síntese; transformações fonéticas com -(,r)eme; a composição em tupi - síntese]................304 lição 23-A TERRA SEM MAL [verbo irregular V / 'é; verbo irregular iké / eiké (t); as orações subordinadas condicionais e os adjuntos adverbiais de condição em tupi; o modo condicional em tupi; o modo optativo; temas nominais com valor adverbial modal].....................................315 lição 24-0 PADRE POETA [verbo irregular in / en(a) (t); verbo irregular iub / ub(a) (t, t); a reduplicação; os deverbais em -bor(a); os deverbais em -suer(a); notas sobre os deverbals e nomes derivados; os deverbais com -tyb(a); formas verbais propriamente ditas e formas nominais do verbo - os sistemas de derivação verbal em tupi - síntese final; as posposições -pe, -bo e -i - comparação]......................................................................326 lição 25 - TUPÃ SY-ETÉ [os usos de pora; a expressão da comparação em tupi; o sufixo -í e a partícula nhã com temas verbais]............................................................................................................................................................342 lição 26 - O PAI NOSSO [o sufixo -súar(a) [-nduar(a)]; os sufixos com as composições].............................................................350 lição 27 - PITANGI-MORAÚS UBARA [o prefixo número-pessoal ia- de 3a pessoa] .................................................................................................357 lição 28 - COLÓQUIO DE CHEGADA AO BRASIL [as particuias; particularidades do verbo pab; as particularidades do substantivo tinga; interrogativas com marã - síntese]..........................................................................................................366 lição 29 - COLÓQUIO DE CHEGADA AO BRASIL II [outras partículas; partículas que podem levar o verbo para o gerúndio; partículas com o verbo 7 / 'è, como auxiliar; alguns temas nominais especiais; a negação em tupi - síntese; usos particulares de e'ym].........................................................................376 tição 30 - KARAIBEBÉ [diferenças entre (a)pé (r-, s-J e piara; verbo irregular ityk / eityk(a) (t); outras partículas; a expressão da finalidade em tupi - síntese; os numerais - complementação; o sufixo -ygõar(a)/-ygúan(a)]......................................................................j ..............................................................393 lição 31 - NA ALDEIA DE GUARAPARIM [verbo irregular iar, ar(a) (t, t); o prefixo m- (mb-) de forma absoluta de substantivos; os demonstrativos com função adverbial; o pronome pessoal recíproco; a expressão da concessão em tupi]........................................................................................................................402 lição 32 - NO HORTO [o uso de puer(a), ram(a) e rambuerfa) como predicativos; outros usos do verbo ikó / ekó (t); usos particulares da posposição -bo]_________________-...................................415 lição 33 - MONÓLOGO DE GUAIXARÁ [o uso dos sufixos -(g)úasu e -usu com adjetivos e verbos; algumas partículas importantes] .......424 lição 34-A NEGAÇÃO DE PEDRO [posposições reflexivas e recíprocas]...............................................................................-....................................433 lição 35 -NA CORTE DO REI DA FRANÇA .........................................................................................................440 lição 36 - CARTA DO ÍNDIO DIOGO CAMARÃO..............................................................................................445 BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................................................................450 ÍNDICE DOS ASSUNTOS GRAMATICAIS .455 Prólogo Este trabalho tem a finalidade básica de ensinar a língua indígena clássica do Brasil, a que mais importância teve na construção espiritual e cultural de nosso país, a velha língua brasílica dos primeiros dois séculos de nossa colonização, o tupi antigo. Essa foi a língua que os marinheiros de Cabral ouviram quando aqui chegaram em 1500. Essa foi a língua que falaram Tibiriçá, Caiobi, Araribóia, Felipe Camarão, Cunhambebe, Bartira, João Ramalho, Caramuru, Soares Moreno, Martim Afonso Leitão, nomes a todos nós familiares, língua que foi descrita e falada por Anchieta, por Luís Figueira, falada por António Vieira, língua que, em forma já evoluída, as bandeiras levaram para regiões interioranas do Brasil, língua que Gonçalves Dias e José de Alencar tentaram aprender para compor suas obras e afirmar uma literatura nacional. Em poucos países da América uma língua indígena teve a difusão que o tupi antigo conheceu. Foi, por séculos, a língua da maioria dos membros do sistema colonial brasileiro, de índios, negros africanos e europeus, contribuindo para a unidade política do Brasil. Forneceu milhares de termos para a língua portuguesa nacional, nomeou milhares de lugares no nosso país, esteve presente em nossa literatura colonial, no Romantismo, no Modernismo, foi a referência fundamental de todos os que quiseram afirmar a identidade cultural do Brasil. "O seu conhecimento, sequer superficial, faz parte da cultura nacional" (Lemos Barbosa, 1956). Esta terceira edição sai mais condensada e escoimada dos defeitos das anteriores. Nosso objetivo é capacitar o aprendiz a ler os textos quinhentistas e seiscentistas nessa língua, "a tabuada de nossa civilização", na expressão feliz de Afrânio Peixoto. Tivemos também a preocupação de mostrar a penetração do tupi antigo na toponímia brasileira, na língua portuguesa do Brasil, em nossa literatura. Assim, escrevemos não somente um método de aprendizagem de língua, mas introduzimos o aprendiz na cultura dos povos que a falaram no passado. Procuramos conciliar a cientificidade do estudo com seu objetivo precípuo, que é o de vulgarizar u conhecimento da língua. Que não nos exprobrem o tom religioso que certas lições podem ter assumido: quase toda a literatura em tupi, em que nos fundamos para redigir as lições e donde tomamos os textos originais apresentados, quase toda ela é de cunho religioso, feita por missionários jesuítas. Contudo, soubemos explorar ao máximo textos não religiosos, como os de Léry, os de D'Abbeville, os dos índios Camarões e o que se pode respigar das obras de Cardim e de Staden. Alguns desses autores, que reproduziram diálogos ou apresentaram o que o próprio índio falou ou escreveu, desmentem afirmações apressadas daqueles que, nada sabendo de tupi antigo, propagam a idéia de que essa língua seja uma criação dos jesuítas, chegando até a chamá-la de tupi jesuítico. O que os missionários escreveram era exatamente o que os índios da costa falavam, mesmo que trabalhassem a língua literariamente. Que bons frutos possa colher o leitor do estudo deste livro, fazendo crescer, assim, seu conhecimento de lídimas raízes da cultura brasileira. Eduardo de A. Navarro 9 Tupi, termo genérico e específico já no século XVI Desde os primeiros tempos de colonização do Brasil, constatou-se que, na costa brasileira, desde o Pará até o sul do país, aproximadamente até o paralelo de 27 graus (segundo informações do cronista Pero de Magalhães Gândavo), falava-se uma mesma língua. Cardim nos diz que ela era falada por tupiniquins, potiguaras, tupinambás, temiminós, caetés, tabajaras, tamoios, tupinaés etc. Já no século XVI e, mais ainda, no século XVII, foi dado a ela pelos portugueses o designativo de língua brasílica. Ela tinha algumas variantes dialetais: "A língua de que usam, toda pela costa, é uma, ainda que em certos vocábulos difira em algumas partes, mas não de maneira que se deixam uns aos outros de entender." (Gândavo, Tratado da Terra do Brasil, p. 122) Qual teria sido o nome dado pelos índios a essa língua da costa? Os textos antigos não no-lo esclarecem. Só no século XIX o termo tupi passou a ser corrente para designá-la. Ora, o termo tupi tin^a, já no século XVt, dois sentidos, um genérico e um especifico. Como termo genérico, designava os índios da costa falantes da língua brasílica, apresentando o caráter de um denominador comum. Isso o prova o auto Na Aldeia de Guaraparim, de Anchieta, escrito entre 1589 e 1594, nos versos 183-189, onde um diabo, personagem do auto, diz: - Paranagoaçu raçapa, - Atravessando o grande mar, ibitiribo guibebebo, voando pela serra, aço Tupi moangaipapa vou para fazer os tupis pecarem. (...) Um outro personagem pergunta: - Bae apiaba paipó7 - Que índios são esses? O primeiro personagem responde: - Tupinaquijã que igoara - Os tupiniquins, habitantes daqui. Isto é, Anchieta está a reconhecer aí que tupiniquim é um termo compreendido no termo tupi, empregando este último como um genérico, como um termo de maior extensão. Ao fazer seu personagem perguntar que índios são esses, Anchieta deixa evidente que tupi designava mais de um grupo indígena. Simáo de Vasconcelos corrobora tal idéia: 11