Mentes que Lideram Mentes que Lideram Como Líderes Eficazes Criam e Executam Howard Gardner Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra Do original: Leading minds: An anatomy on leadership Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Perseus Books Copyright © 1995, 2011 by Howard Gardner © 2013, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n° 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Copidesque: Isis Batista Pinto Revisão: Gabriel Augusto Alves Pereira Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra Editoração Eletrônica: Thomson Digital Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16° andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Rua Quintana, 753 – 8° andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340 [email protected] ISBN 978-85-352-7082-2 ISBN digital 978-85-352-7409-7 ISBN original 978-04-650-2773-6 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G214m Gardner, Howard, 1943- Mentes que lideram : como líderes eficazes criam e executam / Howard Gardner ; tradução Afonso Celso da Cunha Serra. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2013. 23 cm. Tradução de: Leading minds: an anatomy on leadership ISBN 978-85-352-7082-2 1. Liderança. 2. Administração. I. Título. 13-03150 CDD: 658.4092 CDU: 65:316.46 Dedicatória Em memória de Judith Krieger Gardner (1943-1994), que influenciou os pensamentos, sentimentos e ações de todos que a conheceram, e de Erik Homburger Erikson (1902-1994), professor e amigo que influenciou os pensamentos, sentimentos e ações de uma geração. Prefácio à edição de 2011 ANTECEDENTES DESTE LIVRO Dos muitos livros que escrevi nos últimos 40 anos, Mentes que lideram talvez seja o que envolveu maior salto. Antes de sua publicação, via-me, e era visto por outros, como psicólogo que estuda o desenvolvimento humano, em especial na esfera cognitiva. Já havia escrito dezenas de livros sobre a mente humana, mais da metade deles contendo a palavra “mente” no título. Até início da década de 1980 eu era, basicamente, psicólogo pesquisador que escrevia para outros psicólogos. Mas depois da publicação, em 1983, de meu livro Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences, convergi o foco para questões da educação; com efeito, os tópicos sobre os quais escrevi e o público a que me dirigia eram oriundos do setor da educação. Mas, então, à primeira vista de maneira repentina, em 1995, com a ajuda proficiente de Emma Laskin, publiquei um livro sobre liderança. Nesse livro, cujo prefácio você está lendo agora, concentrei-me em um tema tradicionalmente considerado no âmbito da ciência política ou da história. Eu estava escrevendo não só sobre um tópico que parece pouco relacionado com o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, mas também fazendo-o de maneira mais voltada para o leitor generalista que para o es- pecialista. Além disso, meu conceito de liderança parecia idiossincrático. O que pessoas como a antropóloga Margaret Mead, o físico J. Robert Oppenheimer ou o intelectual Robert Maynard Hutchins estavam fazendo em companhia de um papa, de uma primeira-ministra e de um general do exército? Com efeito, Mentes que lideram constitui um ponto de inflexão para mim, uma oportunidade de dirigir-me a novos públicos nas áreas de política e de negócios, e de “sondar” tópicos relacionados com os eventos em curso. No entanto, com o benefício da retrospectiva – pelo menos para mim – é fácil ver por que, em plena meia-idade, resolvi escrever e publicar um livro sobre liderança. Desde a infância, sou fascinado por política e história; sempre devorei jornais e revistas; também sou ouvinte e expectador compulsivo de noticiários. A decisão de es- crever sobre liderança possibilitou que eu explorasse minhas paixões como aficionado de histórias e de notícias. Nesse sentido subjacente, eu já vinha trabalhando neste livro havia décadas. Este livro, de imediato, também pode ser considerado resultado orgânico de minhas preocupações nos anos imediatamente anteriores. Depois de publicar um livro sobre diferentes formas de inteligência, não raro me perguntavam se havia diferentes formas de criatividade. Resolvi focar nessa questão de duas maneiras: (1) formulando, com a ajuda dos colegas Mihaly Csikszentmihalyi e David Henry Feldman, um arcabouço geral para a compreensão do surgimento de novas ideias e práticas; e (2) realizando ix x Prefácio estudos de casos de pessoas que, assim pensei, se destacavam em termos de criatividade em vários campos intelectuais. Apenas dois anos antes da publicação de Mentes que lideram, publiquei um livro com minhas conclusões. Em Creating Minds: An Anatomy of Creativity Seen Through the Lives of Freud, Einstein, Picasso, Stravinsky, Eliot, Graham e Gandhi (1993; nova edição de 2011), estudei sete indivíduos criativos exemplares, cada um dos quais realizou seus feitos mais notáveis por volta de 1900. Entre esses criadores, constatei muitas semelhanças impres- sionantes, assim como algumas diferenças espantosas. No entanto, logo ficou evidente para mim que Mahatma Gandhi divergia, em aspectos essenciais, dos outros seis in- divíduos, que eram líderes dentro de determinadas áreas de realizações, como física, pintura ou poesia. Gandhi tentava inspirar e mudar toda uma nação –- e como acabou ocorrendo, todos os seres humanos. Mentes que lideram representa um esforço para ir além dos seis primeiros criadores que acabei de listar, no intuito de compreender o que distingue as pessoas cuja liderança permeia diferentes domínios e grupos de interesses. Enquanto eu refletia sobre indivíduos que se destacam pela criatividade ou pela lide- rança, também prosseguia em minhas investigações sobre como melhor educar os jovens. Em The Unschooled Mind: How Children Think, and How Schools Should Teach (1991; nova edição em 2011), procurei compreender por que as crianças absorvem experiências e desenvolvem diversas habilidades com tanta rapidez nos primeiros anos de vida, e, no entanto, têm tanta dificuldade em dominar as disciplinas que formam o cerne da escolaridade comum. Minha pesquisa me convenceu de que, por volta dos 5 anos, os seres humanos já têm uma bem formada “mente não escolarizada”, que consiste em teorias simples sobre mente e matéria. Essas teorias podem parecer encantadoras, mas são, quase sempre, equivocadas ou totalmente falsas. Embora a educação formal se esforce intensamente para reformular a mente da criança de 5 anos, de modo a convertê-la na mente de alguém capaz de formular conceitos, a maioria das escolas, em quase todas as localidades, fracassa nessa missão. Com efeito, à exceção dos indivíduos que se tornam especialistas em determinados domínios e efetivamente passam a pensar de maneira fundamentalmente diferente sobre o mundo, a maioria dos adultos continua a teorizar muito à semelhança de como faziam quando eram crianças. As implicações dessa conclusão são admiráveis sob o ponto de vista científico e problemáticas sob uma perspectiva social. Se um líder pressupõe falar às massas de um país, transpondo os dialetos de diferentes domínios, então, com efeito, ele ou ela deve começar dirigindo-se ao que denomino “mente de 5 anos”. O líder precisa aceitar a mente da criança como dado ou, à maneira de determinado educador, tentar remodelar essa mente. Conforme esmiuçado em The Unschooled Mind, a tarefa de orientar indivíduos além do alcance da mente de uma criança em idade pré-escolar se revela formidável. O ARGUMENTO DO LIVRO Embora, de início, não tivesse consciência disso, as diferentes linhas de estudo que eu vinha perseguindo, quase simultaneamente, em Creating Minds e em The Unschooled Mind, se juntariam em Mentes que lideram. Neste livro, estudo vários Prefácio xi líderes do século passado, a fim de explicar o que vejo como as principais facetas da li- derança, sob a perspectiva da psicologia. Para resumir sucintamente minha formulação, o líder é um indivíduo (ou, raramente, um conjunto de indivíduos) que influenciam, de maneira expressiva, os sentimentos ou os comportamentos de um número significativo de indivíduos. A maioria dos líderes reconhecidos – considere, por exemplo, Franklin Roosevelt ou Winston Churchill – são “diretos”; eles se dirigem ao público face a face. Mas tenho chamado a atenção para um fenômeno até hoje não reconhecido – a liderança indireta: nessa variedade de liderança, os indivíduos exercem impacto por meio das obras que criam. Direta ou indiretamente, os líderes formulam histórias – principalmente histórias de identidade. É importante que o líder seja um bom contador de histórias, mas, igualmente, crucial é que o líder personifique a história em sua própria vida. Quando o líder conta histórias a especialistas, suas narrativas podem ser muito sofisticadas; no entanto, quando o líder se dirige a um grupo diversificado e heterogêneo, a his- tória deve ser suficientemente elementar para que seja compreendida por mentes sem educação formal, ou “não escolarizadas”. Longe de ser uma equipe variegada, os líderes aqui incluídos foram escolhidos de maneira cuidadosa e estratégica, no intuito de reforçar os argumentos deste livro. Eu queria esclarecer, por meio desses exemplos, que a lacuna entre o líder indireto típico e o líder direto típico não é absoluta; alguém pode partir, passo a passo, de um Einstein ou de uma Virginia Woolf e perfazer todo o percurso até uma Margaret Thatcher ou um Gandhi. O que cria condições para que um Einstein ou um Picasso influencie outras pessoas são menos as palavras que pronunciam na presença delas e mais as ideias e obras que, em geral, trabalhando sozinhos, concebem e divulgam. Casos como os de Margaret Mead, J. Robert Oppenheimer e Robert Maynard Hutchins representam hipóteses intermediárias instigantes: começam produzindo obras que influenciam seus colegas nos respectivos campos de atuação, como antropologia, física e direito. Mas, eventualmente, em consequência do poder de suas ideias e de suas decisões, ingressam no âmbito público, e passam a assumir pelo menos alguns dos traços dos líderes diretos. Por meio dessa gama de exemplos, eu pretendia mostrar as maneiras como as histórias devem ser alteradas, à medida que não mais nos dirigimos apenas a um grupo pequeno e relativamente homogêneo (como um conjunto de acadêmicos de uma disciplina ou universidade) e nos voltamos para a população numerosa e muito heterogênea (como uma multidão de indivíduos carentes ou os cidadãos de um país). Embora eu pudesse ter escolhido outros exemplos em cada categoria (Henry Ford, em vez de Alfred Sloan, como chefe de uma empresa; Ronald Reagan, em vez de Margaret Thatcher, como líder de um país), as categorias, e a ordem em que são apresentadas são fundamentais para transmitir os principais pontos deste livro. Além dos retratos detalhados dos 11 líderes, também incluo um estudo de 10 importantes líderes políticos e militares do século XX. Ademais, as informações detalhadas constantes dos Apêndices possibilitam comparações entre meus 11 líderes e um “grupo de controle” relevante. xii Prefácio QUESTÕES SUSCITADAS Ao publicar o livro, deparei com numerosas questões de que não tratei, ou que abordei de maneira inadequada, na primeira edição. Para começar, perguntaram-me se a escolha dos líderes não recaíra, principalmente, sobre indivíduos de quem eu gostava ou que admirava. Decerto prefiro certos líderes a outros, e minha amostra pode estar enviesada, até certo ponto, em favor de pessoas que tenho em alta conta. É crucial, porém, não confundir o descritivo e o narrativo. Meu objetivo em Mentes que lideram é descrever aspectos da liderança eficaz, independentemente de gostar ou não das pessoas em questão ou das políticas que promoveram. Com efeito, a análise seria inaceitável como acadêmica caso se aplicasse apenas a indivíduos em relação aos quais tenho sentimentos positivos. Um propósito do levantamento no Apêndice é estender o arcabouço a indivíduos dentre os quais se encontram muitos que eu, como o resto do mundo, considero repugnantes. Outra questão que surgiu foi se, em meus estudos sobre liderança (e em meus es- tudos sobre criatividade), eu estava sendo elitista. Sem dúvida, estou escrevendo sobre pessoas extraordinárias. E o faço para reparar um desequilíbrio na literatura científica. A premissa predominante é que, se entendermos as formas comuns de criatividade ou liderança, compreenderemos melhor as mais notáveis realizações. Acredito que esse argumento precisa ser invertido. É muito mais provável que interpretemos melhor as formas comuns de liderança se conhecermos com mais profundidade os exemplos inequívocos de liderança poderosa. Mas quero suscitar outro ponto. Os indivíduos extraordinários podem ser produtos de acidentes, mas suas realizações – positivas ou negativas – constituem parte impor- tante da história humana. Pense no século XIX sem Napoleão ou Lincoln, ou no século XX sem Stalin, Hitler ou a família Roosevelt. De fato, para ser um tanto provocante, imagine a primeira década do século XXI sem considerar Osama Bin Laden. No calor da ideologia, críticas pós-modernas à liderança – que questionam o papel do líder ou qualquer pretensão de excepcionalidade – correm o risco de obscurecer uma realidade duradoura da vida humana. E quanto a meu foco, tanto na educação quanto no estudo da liderança, sobre o poder da mente não escolarizada? Meu tratamento levanta a questão de se, de alguma maneira, seria possível convencer o público em geral a adotar posição mais sofisticada em relação a qualquer assunto. Realmente, todos os meus estudos reforçam o poder das teorias iniciais das crianças e destacam a dificuldade de introduzir maneiras de pensar mais complexas e diferenciadas. Eu não estaria sendo coerente com minhas próprias descobertas caso sustentasse que seria possível atingir com facilidade maior grau de sofisticação. Entretanto, apesar dos horrores da história da humanidade e não obstante as os- cilações do pêndulo, pode-se apontar para o desenvolvimento gradual de maneiras de pensar mais sofisticadas nas áreas de moralidade e civilidade. Meus heróis pessoais são indivíduos como Mahatma Gandhi, Jean Monnet e Nelson Mandela, que traba- lharam durante décadas para desenvolver em seus liderados maneiras de pensar mais Prefácio xiii complexas sobre as relações humanas. Deparo-me concordando com Freud, quando um dia escreveu: “A voz do intelecto é suave, mas não descansa até ser ouvida. Em última instância, depois de reiteradas recusas, que parecem infindáveis, ela é bem- sucedida.” Esse é um dos poucos pontos em que podemos ser otimistas sobre o futuro da humanidade. REFLEXÕES SOBRE OS ÚLTIMOS 15 ANOS Embora as questões sobre liderança e o campo de “estudos da liderança” decerto já existissem antes, poucas pessoas estavam preparadas para a explosão de interesse sobre o tema nos últimos anos. Com toda a probabilidade, meu livro foi muito mais manifestação do que causa ou catalisador desse novo interesse. As contribuições de certos acadêmicos importantes – Warren Bennis, James McGregor Burns, John Gardner e Barbara Kellerman – foram alguns dos ingredientes. A preponderância crescente do setor de negócios nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos bem como o papel crucial do CEO e de outros membros da equipe de liderança de organizações sem dúvida também foram fatores relevantes. A maior conscientização quanto aos problemas globais – por exemplo, pobreza, mudança climática, tratamento de doenças e corrupção – e as dificuldades relacionadas com o seu manejo também destacaram a necessidade de líderes qualificados, esclarecidos e justos. Os vários traumas do período – os ataques terroristas de 11 de setembro, os colapsos financeiros de 2000 e de 2008 e a instabilidade de grande parte da África e do Oriente Médio – todas essas ocorrências chamaram a atenção para os custos dos líderes deficientes ou ineficientes. Estou menos certo de por que, nas brochuras e sites de instituições educacionais, se destaca com tanta frequência o treinamento de líderes. Não está claro para mim até que ponto o público espera que nossas instituições treinem líderes, em contrapartida às entidades que tentam distinguir-se pela promessa de cultivar oferta abundante, para a qual talvez não haja demanda correlata. Dito isso, é difícil não se deixar impressionar pela alegação quase universal, por parte de instituições que abrangem desde escolas de ensino médio até escolas de pós-graduação em todo o mundo, de que elas – e talvez até apenas elas – descobriram a fórmula mágica de forjar a liderança. O campo – o conjunto de instituições sociais e de guardiões preocupados com a questão da liderança – vicejou. Ninguém consegue acompanhar a profusão de pu- blicações, periódicos, sites, instituições, organizações e programas de treinamento que tratam de liderança. O aumento no conhecimento – e na sabedoria – sobre liderança não é, de modo algum, tão impressionante, mas eu gostaria de pensar que a avalanche de trabalhos, inclusive este livro, pode, ao menos, ter aguçado e aprofundado nossa compreensão da natureza da liderança, de como melhor cultivá-la e de se é possível estimular a liderança para fins positivos. Depois de ter selecionado, quase duas décadas atrás, 11 líderes em quem concen- trar a atenção, fico pensando sobre se hoje teria elaborado uma lista algo diferente. Ao menos em relação aos setores, como militares e clero, acho que tomei decisões razoáveis. Alguns nomes, como Martin Luther King, Jr., ainda são hoje tão eminentes