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Memórias de uma alma PDF

225 Pages·2016·0.93 MB·Portuguese
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MEMORIAS DE UMA ALMA JOSÉ SURIÑACH Memórias de uma Alma JOSÉ SURIÑACH Memórias de uma Alma Romance real de ADRIANO DE MENDOZA psicografado no CENTRO ESPÍRITA "CRISTÃO" FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA DEPARTAMENTO EDITORIAL Rua Souza Valente, 17 20941-040 - Rio-RJ - Brasil ISBN 85-7328-115-4 9ª edição Do 46ª ao 52º milheiro Capa de CECCONI NRBN 15-AA; 000.7-O; 8/1997 Copyright 1935 by FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA Casa-Máter do Espiritismo) Av. L-2 Norte — Q. 603 — Conjunto F 70830-030 — Brasília-DF — Brasil Reprodução fotomecánica e impressão offset das Oficinas do Departamento Gráfico da FEB Rua Souza Valente, 17 20941-040 — Rio, RJ— Brasil C. G. C. n° 33.644.857/0002-84 I.E. n° 81.600.503 Impresso no Brasil PRESITA EN BRAZILO Pedidos de livros à FEB — Departamento Editorial, via Correio ou, em grandes enco mendas, via rodoviário: por carta, telefone (021) 589-6020, ou FAX (021) 589-6838. Reminiscências Ao pairar na atmosfera radiosa, flutuando nas ondas do éter, a medir, de relance, os páramos do Infinito, sinto-me tão pequenino qual ínfimo grão de areia perdido no oceano, e, possuído de santo respeito, exclamo entusiasmado: — Meu Deus, como sois grande! Contemplando os jogos de luz que em apoteo se excelsa se desprendem artisticamente da imensa catarata de mundos, rápidos a evolucionarem na imensidade do espaço e envolvendo-me na filigrana de um íris de indefinível policromia, deslumbrado, por completo, digo: — Meu Deus, como sois belo! Ponderando a perfeita harmonia das leis sábias, a que obedecem todas as forças do Universo, cujos efeitos se manifestam na fúlgida maravilha da Obra da Criação, curvo a fronte perante a vossa onipo tência e, admirando a vossa ciência, repito: — Meu Deus, como sois sábio! Que seria de nós sem o divino impulso da vossa vontade soberana?! Não existiríamos, simplesmente! Se hoje, pequenino, já posso conceber-vos e ima ginar o foco da vossa pura luz, que não será no dia em que, no templo da ciência, puder admirar vossa excelsa irradiação! Onde assentará o imaculado Oceano, no qual vai confundir-se a acidentada correnteza das nos sas múltiplas existências? Arcano misterioso! Anacronismo do porvir! Podereis ser, jamais, desvendado por nossas po bres almas, que não têm um momento de repouso, ávidas de pesquisar o vosso princípio e fim, coisas ambas que permanecem envolvidas no denso véu de um mistério impenetrável?! Vejo-me rodeado de um formigueiro de mun dos que atentamente contemplo e.. . todos habi tados ! Compreendo, Santo Deus, que à alma lhe são necessários esses mundos transitórios, pontos de apoio no espaço, onde pode desviar, embora por um instante, o seu olhar do Infinito, cuja eterna contemplação chegaria a embotar-lhe os sentidos, pois a coisa que mais esmaga é a monotonia do incompreensível. Assim, nas diversas moradas espalhadas na imensidade, a alma vai aumentando o cabedal de conhecimentos que, cada vez mais, alargam o voo das suas percepções. Ao relembrar meu passado e dirigir retrospec tivo olhar ao ponto mais afastado das minhas re cordações, ó Santo Deus, que vejo? Um poético recanto, oásis encantador, que à minha vista se oferece qual miragem deliciosa de sonho paradisíaco. Uma relva abrilhantada pelos raios do sol nas cente, onde as aves mais formosas fazem ouvir as cadências dos seus trinos e gorjeios. Árvores seculares ostentam, altivamente, ra magens frondosas revestidas de folhas verdes. Eu. . . sinto-me pregado ao solo, num tapete esmeraldino, matizado de florzinhas em cujas pé talas perfumadas perlífero orvalho cintila. A meus pés, alegremente, brinca cristalino manancial cujo burburinho suave acompanha o cântico das aves. As flores vizinhas comprazem-se, vaidosas, con templando a própria imagem no límpido espelho das águas. Sentindo também veemente desejo de contem plar-me, inclino-me, instintivamente sobre a relva da margem. Olho e... oh! assombro! Desenhada na pura linfa vejo a plástica delicada de uma suave flor de lindo aspecto e alvinitente cor, que, impelida bran damente pela brisa matutina, suavemente balança no hastil alongado. Diante de tão belo espetáculo, sinto no meu íntimo algo de inexplicável, que não posso expri mir, mas que manifesta a harmoniosa unidade da corrente misteriosa que, suspensa na imensidade, se perde no Infinito. Do átomo à molécula, do grão de areia ao rochedo, da flor à ave ligeira, do reptil ao quadrú pede, vai o princípio anímico, de evolução em evo lução, sofrendo transformações, ganhando faculda des, até ser digno de entrar na própria Humanida de e, dela sem parar um instante, sempre em voo ascendente, desprendendo-se mais e mais das suas imperfeições, atravessando atmosferas, cruzando novos espaços, percorrendo vastos horizontes, en trando a fazer parte das humanidades que se agitam em belas e radiosas esferas até, finalmente, chegar vitorioso, cheio de glória, ao ponto culminante da obra da Criação, templo sacrossanto da ciência e da Perfeição, éden sublimado no qual a alma se identifica com Deus. Corria o mês de Dezembro de 1670. Acabavam de bater sete horas no relógio colocado na elevada torre da Giralda (catedral), célebre relíquia arqui tetônica erigida na Praça maior de Sevilha, for mosa cidade de Espanha, que naquela hora matu tina aparecia adormecida sob um manto de puro arminho. Quase fronteiro à Giralda, ostentava-se o an tigo castelo do Barão de Calatrava, nobre cavalheiro possuidor de avultada fortuna. D. Armando, homem dos seus quarenta e cinco anos, era o protótipo da bondade. A uma alma hu milde e bondosa conjugava-se o coração magnânimo, generoso, verdadeiro coração de ouro. Sentia intensa devoção pelas letras, porém, sua paixão favorita era o estudo das ciências naturais, às quais dedicava grande parte do seu tempo. Isto não o impedia de adorar a estremecida esposa, com a qual se casara havia alguns anos. Homem de costumes sóbrios, suspirava cons tantemente pelo nascimento de um filho, que viesse perpetuar o nome preclaro dos seus antepassados. Após quinze anos de perspectivas esperançosas, engastadas no céu da sua felicidade, e quando já principiava a declinar ao amargor da realidade, Deus favoreceu-o com a realização de suas dou radas ilusões. D. Marta acabava de completar trinta e dois anos. Dama formosíssima e virtuosa, que amava o marido, dedicava-se inteiramente a proporcionar-lhe uma existência feliz e venturosa. Vivia retirada, recebendo poucas visitas e sain do apenas para encaminhar-se ao templo, a cum prir os preceitos que lhe impunha a religião cató lica, que, desde criança, professava; ou, então, para transportar-se a algumas das míseras choupanas dos arrabaldes afastados, onde deixava o seu óbolo em benefício daquelas pobres criaturas que, ao se despedir, lhe inundavam as mãos com o benéfico orvalho do reconhecimento. A baronesa regressava ao solar, sensibilizada com as manifestações de alegria daquelas almas simples, algumas das quais, deitadas em miseráveis enxergas, pareciam ter nascido para sofrer toda a sorte de privações e beber, a grandes sorvos, a taça amarga da dor. Logo se dedicava às ocupações próprias de seu sexo, elevando uma prece ao Criador, prece que condensava a ideal aspiração de toda mulher que pe netra nos domínios de Himeneu: — ter um filho no qual pudesse concentrar toda a meiguice da sua alma delicada, comunicando-lhe toda a vida, todo o calor do seu coração maternal. Possuir um ser, carne da sua carne, sangue do seu sangue e alma da sua alma! Um ser que lhe roubasse todo o seu tempo, ao qual pudesse aper tar nos braços, beijar a seu bel-prazer e secreta mente confiar-lhe suas dores, alegrias, desânimos e ilusões. .. Essa, toda a sua aspiração! Belo ideal que dignifica a mulher, colocando-a no ponto mais elevado das posições sociais. Belo ideal, que transforma a mulher, para con vertê-la em mulher-mãe. Mãe! Que é mãe? É um ser todo-amor, todo ternura, todo meiguice, todo suavidade. Um ser que não tem vida própria, pois a sua vida é a do filho. Um ser que reúne todos os amores da Terra. Um ser que, qual divina vestal, sabe sustentar sem pre vivo o fogo sagrado do amor. Haverá amor mais nobre, mais sublime, mais puro e santo que o materno? Não! Jamais! Depois do amor de Deus, o amor materno é o que mais sobreleva a todos os amores. E a mu lher que em seu coração o sente, sob o influxo po deroso dessa divina vibração, deixa de ser mulher para transformar-se em anjo. Chegará, pois, o instante desejado e ao mesmo tempo temido de toda mulher. O instante em que, finalmente, se quebraria o dique que continha a impetuosa corrente dos arroubos do seu coração, para que a corrente se precipitasse em ondas har moniosas do mais puro dos amores — o maternal. Armando de Calatrava passara toda a noite na antecâmara, sentado numa poltrona e com um livro na mão, livro que nem sequer via, apesar de fitá-lo com os olhos fatigados, pois sua atenção estava toda concentrada na alcova da baronesa, assistida pela parteira e pelo médico da família. De repente, o barão levantou-se, abandonando o livro. Acabava de surgir o doutor, que vinha felicitá- -lo pelo feliz nascimento do seu primogênito. — Meu amigo, disse o doutor, dignai-vos re ceber meus parabéns. Que o vosso lar seja envol vido numa atmosfera de felicidade com a vinda des se anjinho. — Mas.. . doutor, interrompeu o barão. . . Marta? — Está livre de perigo. Agora, só depende do trabalho da parteira. O doutor saiu. No mesmo instante em que o eco da última badalada das sete horas se perdia no espaço, a porta que comunicava com a alcova da baronesa se abria, aparecendo no limiar a austera figura da dama de companhia, a sustentar uma almofada de ve ludo escarlate, sobre a qual se debatia um robusto menino de fresca e rosada carnadura.

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