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Memória, escrita da história e cultura política no mundo luso-brasileiro PDF

316 Pages·2011·2.421 MB·Portuguese
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Jacqueline Hermann Francisca L. Nogueira de Azevedo Fernando Catroga (Organizadores) Memória, escrita da história e cultura política no mundo luso-brasileiro CAPES PPGHIS 2011 Apresentação - Jacqueline Hermann Parte I: Escrita da História 1 - João Pedro Ribeiro e a erudição em Portugal Manoel Luiz Salgado Guimarães 2 - A operação historiográfica na Classe de Literatura Portuguesa da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1814) Taise Tatiana Quadros da Silva 3 - As incertezas da escrita da história. Ensaio sobre a subjetividade na Historia Geral do Brazil de Varnhagen Temístocles Cézar 4 - Oliveira Martins e Sampaio Bruno: leituras do Brasil pela intelectualidade portuguesa de fins dos oitocentos Joel Carlos de Souza Andrade 5 - Historiografia e Estética Política – Desafios Contemporâneos Rui Cunha Martins Parte II – Culturas Políticas 1 - D.Sebastião, sebastianismo e “Memória Sebástica”:as invasões francesas e os impasses da história portuguesa Jacqueline Hermann 2 - Minha mãe, e minha senhora: cartas de D. Pedro à Carlota Joaquina Francisca Lucia Nogueira de Azevedo 3 - Movimentos Revolucionários de 1848 - a Memória da Revolução Maria Manuela Tavares Ribeiro 4 - Discursos Biopolíticos sobre a cidade. A violência e a prostituição (Lisboa, 1912) Maria Rita Lino Garnel 5 - O Moderno do Antigo: a estesia cívica do jovem Almeida Garrett nas Revoluções Liberais ibéricas Joana Duarte Bernardes 6 - Excepcionalidade como ambivalência: versões do império colonial português e da nação miscigenada brasileira Monica Grin 7 - Quimeras de um façanhoso Império. O patriotismo constitucional e a independência brasileira Fernando Catroga Sobre os autores Apresentação “Quem busca encontrar o cotidiano do tempo histórico deve contemplar as rugas no rosto de um homem, ou então as cicatrizes nas quais se delineiam as marcas de um destino já vivido. Ou ainda, deve evocar na memória a presença, lado a lado, de prédios em ruínas e construções recentes, vislumbrando assim a notável transformação de estilo que empresta uma profunda dimensão temporal a uma simples fileira de casas....Por fim, contemple a sucessão de gerações dentro da própria família, assim como no mundo do trabalho, lugares nos quais se dá a justaposição de diferentes espaços de experiência e o entrelaçamento de distintas perspectivas de futuro, ao lado de conflitos ainda em germe. Esse olhar em volta já é suficiente para que se perceba a impossibilidade de traduzir, de forma imediata, a universalidade de um tempo mensurável e natural – mesmo que esse tempo tenha uma história própria – para um conceito de tempo histórico” Reinhart Koselleck, Futuro Passado1 Experiência e expectativa formam o binômio da tese de Koselleck para discutir as múltiplas combinações entre passado e futuro na conformação de um certo tempo histórico. Estudioso da profunda crise de paradigmas que atravessou o século XVIII e buscou variadas formas de acomodação ao longo do todo o século XIX e XX, suas reflexões nos ajudam a pensar sobre os muitos desdobramentos dessa transição que inaugurou modalidades inéditas de relação com o presente, a projeção do futuro e a explicação do passado. Das subjetividades aos conceitos, dos comportamentos individuais aos sentimentos coletivos, das formas de ordenar e lembrar o passado à escrita da história como base de construção de identidades, por todos os veios essa crise se espraiou e cobrou inesperados e por vezes indesejados ajustes. O livro que ora se publica, Memória, escrita da história e cultura política no mundo luso- brasileiro, aborda alguns aspectos dessa conturbada transição em Portugal e no Brasil desde o início do século XIX. O contexto das invasões napoleônicas e da vinda família real portuguesa para o Brasil são o pano de fundo de um amplo leque de temas e tensões que atravessaram a Europa e a América desde fins do século XVIII. As discussões acerca da tradição e da revolução, os muitos impasses gerados pela repulsa ou combinação entre o antigo e o moderno, monarquia e liberalismo, escravidão, colonialismo e império colonial expressaram transformações que alcançaram das mais altas questões de Estado e da política às formas mais íntimas e subjetivas de relação familiar e de vivência do tempo e da própria noção de mudança na contemporaneidade. Os textos reunidos neste livro resultaram de pesquisas realizadas no âmbito de um projeto 1 Reinhart Koselleck. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro. Contraponto, 2006, pp.13-4. desenvolvido pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-UFRJ) em parceria com o Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGH-UFRGS) e o Instituto de História e Teoria das Idéias, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Entre 2008 e 2010 nove professores e quatro doutorandos das três instituições realizaram pesquisas e atividades acadêmicas no Brasil e em Portugal, em convênio apoiado pela Capes e pela Fundação de Ciência e Tecnologia de Portugal, agências às quais agradecemos, confiantes no pleno cumprimento do trabalho proposto. Além do intercâmbio e da colaboração entre pesquisadores brasileiros e portugueses, o diálogo historiográfico então estimulado permitiu um raro exercício de balanço e análise crítica a partir do recorte temático do projeto, cujos resultados seguem impressos nos doze textos que compõem esta coletânea. O projeto foi por mim coordenado no Brasil, e em Portugal por Fernando Catroga. O livro foi dividido em duas partes, Escrita da História e Culturas Políticas, temas gerais que nortearam as pesquisas desenvolvidas, parte delas concentrada no século XIX, outra voltada para os impasses ainda em aberto desde então. A primeira parte é iniciada com um texto de Manoel Luiz Salgado Guimarães, um dos grandes responsáveis pela abertura e consolidação de um campo de estudos voltado para a escrita da história e da historiografia brasileiras. Com o texto João Pedro Ribeiro e a erudição em Portugal, Manoel voltou-se para o final século XVIII e início do XIX ao analisar a trajetória de um dos responsáveis pela valorização da pesquisa e dos acervos documentais para identificação e classificação dos arquivos portugueses. Esse processo acompanhou o surgimento de uma nova proposta de escrita da história, na qual a autoridade dos escritores antigos deixa de ser a base de legitimidade e autoridade para narrar o passado. Surge então uma história “nova”, com exigências de objetividade e submetida às regras da ciência, cujo o objetivo era estabelecer a verdade acerca da história de Portugal. O segundo texto, A operação historiográfica na Classe de Literatura Portuguesa da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1814), de Taíse Tatiana Quadros da Silva, reflete sobre as relações entre o Estado e parte da elite letrada portuguesa na conjuntura do iluminismo. Ao analisar os temas e debates de intelectuais acerca da política e da vida social, a autora nos apresenta uma das muitas traduções da ilustração em Portugal, através da análise de textos que, ao exaltarem o monarca, estimularam críticas que viriam a minar as concepções da sociedade aristocrática da época. Temístocles César, em As incertezas da escrita da história. Ensaio sobre a subjetividade na Historia Geral do Brazil de Varnhagen, discute as possíveis influências ou escolhas individuais presentes na narrativa histórica produzida pelo famoso historiador, em que pese a retórica nacionalista que marcou esta obra. O autor defende a ideia de que essas referências estão presentes na organização do texto e da narrativa de Varnhagen. Em Oliveira Martins e Sampaio Bruno: leituras do Brasil pela intelectualidade portuguesa de fins dos oitocentos, Joel Carlos de Souza Andrade analisa as imagens do Brasil na obra de dois importantes autores portugueses no final do século XIX. Para o autor, essas obras demonstram o quanto parte da intelectualidade acompanhava atentamente o que se passava no Brasil, em momento de grandes e estruturais transformações políticas e sociais – fim da escravidão, proclamação da República. Enquanto Portugal vivia mais uma grave crise política, as leituras sobre o Brasil moviam-se em duas direções: a tentativa de reinterpretar as relações com a antiga colônia, e as novas perspectivas que se abriam para o futuro. No último capítulo desta parte, Historiografia e Estética Política – Desafios Contemporâneos, Rui Cunha Martins discute os desafios dos regimes de temporalidade da cultura contemporânea, a partir de duas questões: a complexidade assumida pelas novas modalidades de mudança e a reorganização das “geometrias identitárias”. Dividido em duas partes, Estética de Mudanças e Estética de Demarcações, o autor procura conjugar as novas formas de pensar os regimes de historicidade de hoje, com as exigências do cenário político atual, perguntando-se como articular o novo, sempre em movimento, e o histórico. O autor defende a necessidade de novos conceitos para refletir sobre a complexidade da linguagem e analisa os desafios teórico- metodológicos para construção de um texto histórico contemporâneo. A segunda parte, Culturas Políticas contempla algumas dimensões do cruzamento entre história política e história social da cultura, abordando de caminhos de construção da memória histórica à reelaboração de práticas e comportamentos sociais, conhecimentos e embates entre o antigo e o moderno, nas letras e na política do mundo luso-brasileiro. No primeiro texto, D.Sebastião, sebastianismo e “Memória Sebástica”: as invasões francesas e os impasses da história portuguesa, analiso as fundas raízes do sebastianismo português a partir do ressurgimento do debate sobre a crença na volta de D.Sebastião no contexto das invasões napoleônicas. A produção e circulação de número expressivo de escritos sobre o tema, as formas como foram retomados marcos da história portuguesa e o amplo conhecimento de personagens e aspectos da peculiar crença messiânica surgida em fins do século XVI, levaram-me a formular o que chamei de “Memória sebástica”. Ao invés de tomar o mito como espécie de patrimônio cristalizado e retomado para preencher momentos de anomia, defendo a ideia de que a história convocou o mito para rever o passado e pensar o futuro de Portugal. No capítulo seguinte, Minha mãe, e minha senhora: cartas de D. Pedro à Carlota Joaquina, Francisca L. Nogueira de Azevedo analisa aspecto ainda pouco estudado na dinâmica das relações de membros da realeza: a afetividade. Observada através da correspondência privada entre filho e mãe, no caso sempre tomadas como distantes e pouco amistosas, revelam não só a intimidade dos personagens, mas as formas de sociabilidade no mundo da corte e outras facetas do Príncipe D.Pedro, atento à saúde da mãe e das irmãs, cuidadoso com a chegada de D.Leopoldina, sua futura mulher, preocupado com as dificuldades enfrentadas pelo Brasil depois da volta da família para Portugal. Como a comunicação familiar se confundia com a gestão da política, do conhecimento da vida privada se tem acesso à vida pública de vultos da história brasileira ainda hoje presos a estereótipos, contra os quais textos como o de Francisca nos ajudam a pensar. O texto de Maria Manuela Tavares Ribeiro, Movimentos Revolucionários de 1848 - a Memória da Revolução, estuda o impacto dos acontecimentos de 1848 na Europa e suas repercussões em Portugal e no Brasil. Herdeiros da Revolução mitológica de 1789, os revolucionários dos anos seguintes agregaram romantismo aos arroubos democratizantes e republicanos, que em Portugal tiveram pouco eco popular. A autora analisa a linguagem política disseminada pela imprensa, o apelo da linguagem direta e as ideias do socialismo utópico, bem como os limites de Portugal para a adesão aos princípios revolucionários, modulados pela profunda raiz cristã do mundo ibérico. No Brasil a Revolução Praieira filtrou a seu modo os ecos tardios de 1789. Em Discursos Biopolíticos sobre a cidade. A violência e a prostituição (Lisboa, 1912), Maria Rita Lino Garnel estuda a relação entre ordem e marginalidade através dos exames de vítimas de crimes violentos na Lisboa do início do século XX. Através de expressivo levantamento documental – mais de 3.000 casos -, a autora discute como se configurou, a partir do século XIX, a associação entre criminalidade e classes populares. Vistas como moralmente degeneradas, foram consideradas perigosas fontes de doenças físicas e sociais, o que justificou o emprego de violenta repressão e controle. Joana Duarte Bernardes, em O Moderno do Antigo: a estesia cívica do jovem Almeida Garrett nas Revoluções Liberais ibéricas estuda a formação literária e política do poeta português, buscando as bases de sua expressão estética. Em que pese o contexto efervescente dos anos de 1820, a autora discute os limites da influência romântica no liberalismo português através da obra de Garret. Sua poética da revolução patriótica foi exemplo da combinação do antigo e do novo, apegado ao classicismo, de um lado, estimulado pela luta contra a tirania e pelos princípios da Revolução Vintista, de outro, e cuja influência política e estética ecoou também no Brasil. No capítulo seguinte, Excepcionalidade como ambivalência: versões do império colonial português e da nação miscigenada brasileira, Monica Grin analisa criticamente dois mitos da historiografia: a singularidade do Império português e a controvertida democracia racial brasileira. Para isso, a autora compara alguns exemplos de representações ambivalentes dos chamados “mitos de excepcionalidade” presentes em estudos sobre o império ultramarino português em dois momentos: entre o período que compreendeu a proclamação da República em Portugal (1910) e as guerras coloniais nos anos de 1960, e os estudos sobre miscigenação racial no Brasil, realizados ao longo do século XX. Para tanto, a autora explora os argumentos com os quais a crítica, tanto no passado como hoje, busca desmontar os “mitos de excepcionalidade” presentes tanto no imaginário nacional português, quanto no brasileiro – especialmente pelas histórias ambíguas e singulares de interseção de fronteiras entre “raças”, etnias e agentes coloniais – em nome de narrativas de “normalização” sociológica. O texto de Fernando Catroga, Quimeras de um façanhoso Império. O patriotismo constitucional e a independência brasileira, fecha o livro com uma profunda reflexão sobre o embate histórico entre o conceito de Império e de Estado-Nação na conjuntura do início do século XIX. Ao buscar na gramática imperial a raiz da nova formulação política que despontava na Europa, o autor se debruça sobre o caso português e na intrincada relação estabelecida entre metrópole e colônia depois da vinda família real para o Brasil. Mais que resultado da oposição dicotômica entre absolutismo e liberalismo, a conformação do constitucionalismo português, expresso na Revolução de 1820, foi antes produto da orfandade de um reino sem rei e, segundo alguns, transformado em colônia do Reino Unido instalado no Brasil, do que insurgência contra a tradição ou à monarquia. Enquanto em Portugal o conceito de “patriotismo constitucional” decorreu de antigo sentimento de fidelidade ao monarca, no Brasil a construção da ideia de nação no Brasil de 1822 prescindiu desse sentimento quando inaugurou novo momento de sua vida política. Eis os temas e debates que este livro oferece ao leitor, na expectativa de abrir novos caminhos de reflexão e discussão. Mas em que pese o alcance de todos os objetivos, terminamos essa jornada mais pobres: perdemos na caminhada nosso querido Manoel. Um dos mentores do projeto e artífice desse encontro luso-brasileiro, deixou, além de imensas saudades, um vazio na área em que foi importante especialista e formador de quadros acadêmicos. A ele dedicamos este livro. Jacqueline Hermann Para Manoel, in memoriam Parte I: Escrita da História João Pedro Ribeiro e a Erudição em Portugal Manoel Luiz Salgado Guimarães2 1. O problema Ao introduzir o debate em torno dos regimes de historicidade com sua obra publicada no ano de 2003, o historiador François Hartog indicava uma profunda alteração com relação à percepção do transcurso do tempo para as sociedades contemporâneas. Tais mutações deixam-se perceber não apenas por uma experiência acelerada do tempo, potencializada pela cultura eletrônica que invadiu nosso cotidiano, como também por uma resignificação do passado através de uma pluralidade de formas narrativas demandadas socialmente: da política do patrimônio como parte integrante das agendas políticas contemporâneas ao interesse por parte da cultura midiática pelo passado, vivenciamos novas demandas e perguntas ao passado que têm ocupado parte da produção historiográfica recente. O passado tem sido interrogado também a partir das novas exigências decorrentes de profundas transformações sociais como o fim de regimes ditatoriais e do “apartheid” da África do Sul para só ficarmos como alguns desses exemplos. Essas novas exigências e demandas tem também estimulado uma importante reflexão acerca dos temas tradicionalmente caros à pesquisa e investigação histórica: o problema da memória e dos usos políticos do passado tomou enorme força quando nos debruçamos sobre a produção historiográfica recente em língua francesa, alemã ou inglesa para além do espaço que vem ganhando também entre nós. Como afirma Beatriz Sarlo em recente estudo acerca da cultura da memória, o passado é, antes de tudo, uma captura do presente, do que uma torrente de lembranças que oriundas de outro tempo derramam-se sobre o presente das sociedades. Nesse movimento, a discussão em torno dos suportes da memória adquiriu igualmente enorme centralidade alargando por essa via os horizontes da interrogação historiográfica. Quer pensemos na história oral, na importância que os estudos acerca da cultura visual e, last but not least, os recentes estudos sobre o papel do arquivo na constituição de uma memória e suas conseqüências para o trabalho do historiador, constata-se uma importante e significativa mutação na abordagem destas questões. O arquivo, condição indispensável para o trabalho do historiador, veio a ser problematizado e pensado a partir de sua historicidade, 2 Este texto resultou da pesquisa desenvolvida pelo autor no projeto que originou este livro. Embora já deixe claros o tema e as questões estudadas, trata-se de texto inacabado. Optamos por publicá-lo na íntegra, tal como estava, pois mesmo sem as notas, o leitor é capaz de identificar as fontes e a bibliografia de base.

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