MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX SUM`RIO O drama de BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu - o mØdico, as malhas da Inquisi(cid:231)ªo e a obra - Maria Antonieta Garcia..........................................................................................................................................6 Escorbuto, pepinos, inquisi(cid:231)ªo e opœncias na Øpoca de Amato Lusitano (1511-1568) - Alfredo Rasteiro ....................................................................................................................................................23 Sentir Dor no tempo de Amato Lusitano - Ant(cid:243)nio Louren(cid:231)o Marques...................................................................................................................................37 Amato Lusitano (1511-1568) e o homem esse desconhecido - Fanny A. Font Xavier da Cunha.............................................................................................................................42 De um caso de raiva contado por Amato Lusitano, em Salonica do sØculo XVI, aos casos de raiva na regiªo de Castelo Branco em finais do sØculo XIX - Maria Adelaide Neto Salvado................................................................................................................................47 Raiz da China - Uma planta com sentidos... - Maria de Lurdes Cardoso.....................................................................................................................................55 Novos dados sobre o Real Hospital Militar de S. Joªo de Deus na Pra(cid:231)a de Penamacor - Augusto Moutinho Borges.....................................................................................................................................61 A Higiene e a Salubridade na Urbe Albicastrense durante o sØculo XIX - Manuel Morais Martins..........................................................................................................................................65 Evoca(cid:231)ªo/Mem(cid:243)ria de alguns MØdicos notÆveis da Beira Interior - concelho do Fundªo (V) - Joaquim Candeias da Silva.................................................................................................................................70 Os Sentidos na Poesia Popular da Regiªo de Castelo Branco - Francisco Henriques - T(cid:226)nia Gon(cid:231)alves - Joªo Caninas ...................................................................................76 As doen(cid:231)as na Gardunha - Crendices, Benzeduras e Curativos - Albano Mendes de Matos .....................................................................................................................................82 Sob a Protec(cid:231)ªo de Lucina - Aspectos da Medicina ObstØtrica e Ginecol(cid:243)gica Antiga - Maria do Sameiro Barroso ...................................................................................................................................86 Fleming: hist(cid:243)ria da medicina e saber comum - Joªo Rui Pita - Ana Leonor Pereira......................................................................................................................97 Medicina e Juda(cid:237)smo na transi(cid:231)ªo para a modernidade - Joªo-Maria Nabais ............................................................................................................................................101 A Gravidez Il(cid:237)cita de Rubena: dualidade entre vergonha e sofrimento - Rita Diana de SÆ Lobato Moreira......................................................................................................................106 Masculino - Feminino: uma Constru(cid:231)ªo Cultural no Ocidente - Ant(cid:243)nio Maria Romeiro Carvalho.......................................................................................................................113 Contributos para a Hist(cid:243)ria da Saœde em Macau - (dos finais do sØc. XIX (cid:224)s duas primeiras dØcadas do sØc. XX) - JosØ da Concei(cid:231)ªo Afonso................................................................................................................................118 EXPOSI˙ˆO - A Arte ao Servi(cid:231)o dos Cuidados Paliativos...................................................................................127 A Exposi(cid:231)ªo (cid:147)Os olhares das ausŒncias. Interioridade e B(cid:243)cio(cid:148) - Pedro Miguel Salvado........................................................................................................................................128 Conclusıes..........................................................................................................................................................132 Os Sentidos - Maria de Lurdes Gouveia da Costa Barata.......................................................................................................133 2 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX Medicina e Utopia A ciŒncia e a medicina fazem habitualmente parte da urdidura das mais cØlebres utopias. Tendo estas em vista a realiza(cid:231)ªo de uma sociedade perfeita, igualitÆria, fraterna e onde todos os seres humanos sejam felizes, tais per(cid:237)cias nªo parecem ser de modo nenhum dispensÆveis. Pressupıe-se que a felicidade passa, obrigatoriamente, por cada um ter um corpo e uma mente saudÆveis, com os quais se sinta bem, e que lhe permita realizar em pleno as suas harmoniosas actividades, durante longos anos. Qui(cid:231)Æ, na œltima das œltimas utopias, os seres humanos devessem ser mesmo imortais! (cid:201) que da narrativa fundadora, por Tomas Morus (1516), baseada em particular na excelŒncia do governo da sociedade, se chegou hoje (cid:224) idealiza(cid:231)ªo da (cid:147)utopia da saœde perfeita(cid:148) (Lucien Sfez). E como a morte necessita, em princ(cid:237)pio, de algum desarranjo talvez essa perfei(cid:231)ªo pudesse ser o caminho da indescrit(cid:237)vel imortalidade. Os pilares de tal utopia radicam hoje nos projectos sobre o Genoma humano, a Biosfera II e a Vida Artificial. Ora, se, historicamente, a medicina funcionou como um impulso poderoso da gØnese das utopias, o que se passa hoje Ø que Ø a pr(cid:243)pria utopia que impulsiona em alguns casos a mesma medicina. Nªo raro, por trÆs dos seus desenvolvimentos mais radicais, estªo ideias que (cid:224) partida pareciam puras impossibilidades. No limite, pretende-se que os mØdicos e os bi(cid:243)logos se preparem para fabricar organismos totalmente novos, imunes (cid:224) doen(cid:231)a e ao envelhecimento. Perfeitos e iguais. A(cid:237) estªo, neste sentido, a procria(cid:231)ªo in vitro, a clonagem, a biologia molecular, etc., processos que bebem na essŒncia da utopia e como que desafiam o caminho da sua concretiza(cid:231)ªo. (cid:147)Medicina na Beira Interior - da prØ-hist(cid:243)ria ao sØc. XXI(cid:148) continua tambØm o seu percurso, o qual nªo sendo de modo nenhum ut(cid:243)pico, resiste, apesar de tudo, ao tempo desgastante, mas tambØm, em simult(cid:226)neo, enriquecedor. O estudo da obra de Amato Lusitano e das particularidades da medicina da Beira Interior, atravØs das Øpocas, e ainda de aspectos da hist(cid:243)ria da medicina mais geral que conformam a nossa realidade, continua a ser o objectivo que mobiliza os inœmeros estudiosos e investigadores que anualmente se reœnem na cidade natal do grande mØdico da Renascen(cid:231)a. Desta vez, serÆ abordada a influŒncia da cultura religiosa naquele que foi o destino da medicina atØ hoje. No fundo, perscrutar-se-ªo ideias, tambØm religiosas, que no seu tempo marcaram a marcha deste destino. (cid:201) que nªo custa a crer, que a utopia, pelo menos, precisou tambØm de tal atmosfera. O Director 3 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX XVII Jornadas de Estudo (cid:147)MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XXI(cid:148) AUDIT(cid:211)RIO DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCA˙ˆO CASTELO BRANCO 11 e 12 de Novembro de 2005 Mesa de abertura das XVII Jornadas. Da esquerda para a direita: Dr.” Ant(cid:243)nio Louren(cid:231)o Marques (Director dos Cadernos de Cultura), lendo as palavras introdut(cid:243)rias; Dr.” Sanches Pires (Director do Hospital Amato Lusitano); Dr.“ Ana Maria Malva (Presidente do Instituto PolitØcnico de Castelo Branco); Dr.” Lu(cid:237)s Louren(cid:231)o (Presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas MØdicos); Dr.” Ant(cid:243)nio Salvado, da Organiza(cid:231)ªo. Dia 11 - 18.30h. apresentadas as seguintes comunica(cid:231)ıes: - Escorbuto, pepinos, inquisi(cid:231)ªo e opœncias na SESSˆO DE ABERTURA: Øpoca de Amato Lusitano (1511-1568) - Prof. Doutor Alfredo Rasteiro. Palavras de abertura: - De um caso de raiva contado por Amato Lusitano ConferŒncia inaugural: (cid:147)O drama de BrÆs Lu(cid:237)s de aos casos de raiva na regiªo em finais do sØc. XIX - Abreu Dr.a Maria Adelaide Neto Salvado. -o mØdico e as malhas da inquisi(cid:231)ªo(cid:148) - Prof. Doutora - Amato Lusitano e o Homem, esse desconhecido - Antonieta Garcia; Dr.“ Fanny A. Font Xavier da Cunha. - Inaugura(cid:231)ªo da exposi(cid:231)ªo colectiva de artes - Sentir dor no tempo de Amato Lusitano - Dr. Ant(cid:243)nio plÆsticas: (cid:147)A arte pela vida(cid:148) (9 artistas portugueses Louren(cid:231)o Marques. associam-se ao movimento dos cuidados paliativos); - Raiz da China - Uma planta com sentidos - Dr.“ - Inaugura(cid:231)ªo da exposi(cid:231)ªo de fotografia: (cid:147)Os olhares Maria Lurdes Cardoso. das ausŒncias: interioridade e b(cid:243)cio(cid:148); - Novos elementos do Real Hospital de S. Joªo de - Apresenta(cid:231)ªo do volume N.(cid:176) 19 dos Cadernos de Deus da Pra(cid:231)a e Vila de Penamacor - Dr. Augusto Cultura (cid:147)Medicina na Beira Interior - da prØ-hist(cid:243)ria ao Monteiro Borges. sØc. XXI(cid:148).Dia 12 - 9.30h: ln(cid:237)cio dos trabalhos, com - Sob a protec(cid:231)ªo de Lucina - Alguns aspectos da intervalos para cafØ e almo(cid:231)o, em que foram medicina obstØtrica e ginecol(cid:243)gica antiga - Dr.“ Maria 4 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX do Sameiro Barroso. Joªo Pedro Chorªo (1853-c. 1930) - Doutor Joaquim - A Mulher da Beira Interior nas suas rela(cid:231)ıes com Candeias Silva. a Medicina - sØc. XVI a XIX - Eng.” Manuel da Silva - As doen(cid:231)as da Gardunha - Crendices, Benzeduras Castelo Branco. e Curativos- Dr. Albano Mendes de Matos. - Masculino - Feminino: (cid:147)Uma constru(cid:231)ªo cultural - Subs(cid:237)dios para a Hist(cid:243)ria da Saœde em Macau, no Ocidente(cid:148) Dr. Ant(cid:243)nio Maria Romeiro Carvalho. entre finais do sØculo XIX e princ(cid:237)pios do sØculo XX - - Magalhªes de Lemos - a prop(cid:243)sito dos 150 anos Arquitecto JosØ Afonso. do seu nascimento - Dr. JosØ Morgado Pereira. - Medicina e Juda(cid:237)smo na transi(cid:231)ªo para a -Egas Moniz - um cidadªo que tambØm foi mØdico - modernidade - Dr. Joªo-Maria Nabais. no cinquentenÆrio da sua morte - Dr.“ Benedita Duque - MØdicos `rabes da Pen(cid:237)nsula - Doutor Ant(cid:243)nio Vieira. Meyrelles do Souto. - Fleming: hist(cid:243)ria da medicina e saber comum - - A relev(cid:226)ncia dos Cadernos de Cultura (cid:147)Medicina Prof. Doutor Joªo Rui Pita; Prof.“ Doutora Ana Leonor na Beira Interior da prØ-hist(cid:243)ria ao sØc. XXI(cid:148) como Pereira. publica(cid:231)ªo cient(cid:237)fica da hist(cid:243)ria da medicina em Por- - (cid:147)A higiene e a salubridade na urbe albicastrense tugal - Prof. Doutor Romero Bandeira Gandra. durante o sØculo XIX(cid:148) Prof. Doutor Manuel Alfredo de - Leitura das conclusıes e encerramento dos Morais Martins. trabalhos. - Evoca(cid:231)ªo/Mem(cid:243)ria de alguns mØdicos notÆveis - Jantar gentilmente oferecido pela C(cid:226)mara Munici- da Beira Interior - Concelho do Fundªo (V) - O Dr. pal de Castelo Branco. 5 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX O drama de BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu - o mØdico, as malhas da Inquisi(cid:231)ªo e a obra Maria Antonieta Garcia* Introdu(cid:231)ªo despertarÆ o interesse de Camilo Castelo Branco.1 Diremos que historiadores, mØdicos, etn(cid:243)logos, Contam-se aos milhares as pÆginas que relatam a psic(cid:243)logos, soci(cid:243)logos, gente das letras descobrirªo agonia de pessoas torturadas, destru(cid:237)das pela na vida e obra do mØdico matØria para o entendimento mÆquina inquisitorial. da primeira metade do sØculo XVIII Os discursos de vida sªo portuguŒs. expectÆveis: o ex(cid:237)lio, a prisªo, a Na verdade, os dom(cid:237)nios do saber ru(cid:237)na entrecruzam-se em destinos (e da ausŒncia dele), as referŒncias que se enrolam ao pesco(cid:231)o, ideol(cid:243)gicas e cient(cid:237)ficas, a anÆlise dos quando se nascia cristªo-novo ou costumes, tra(cid:231)am um retrato global do judeu, em Portugal, em tempos de pa(cid:237)s, elaborado a partir do (cid:226)ngulo de Inquisi(cid:231)ªo. visªo de um mØdico, nas setecentas Perseguidos pelo medo de areia e sessenta e trŒs pÆginas da obra que fina, como definiu Federico Garcia nos servirÆ de referŒncia. Lorca, homens, mulheres e Fruidor das artes de Apolo, BrÆs crian(cid:231)as sabiam/ sentiam a Lu(cid:237)s de Abreu ensaia narrativas, omnipresen(cid:231)a de muitos olhos e drama, tradu(cid:231)ıes, poesia, inclui ouvidos; por zelo religioso e pelas relatos de enfermidades e de curas. indulgŒncias com que acenavam a A abordagem da obra privilegiarÆ um quem denunciasse ou ajudasse a olhar s(cid:243)cio-cultural. Questıes de prender os hereges. Delatores de ordem religiosa, Øtica, filos(cid:243)fica, so- voca(cid:231)ªo e profissªo alimentavam cial e econ(cid:243)mica configuram a um catolicismo intransigente, cosmovisªo de uma Øpoca, de uma sustentavam o Tribunal do Santo Of(cid:237)cio. sociedade. (cid:201) certo que a Restaura(cid:231)ªo da independŒncia Falamos de um tempo em que a repressªo do poder portuguesa, em 1640, gerou um abrandar de prÆticas inquisitorial obrigava a buscar na intimidade e na na institui(cid:231)ªo. A voz de Padre Ant(cid:243)nio Vieira soava clandestinidade ou na auto-puni(cid:231)ªo, uma linguagem firme, desafinando do coro; em 1674, desvela ao Papa libertadora. Alguns renunciavam, exteriormente, (cid:224) Clemente X, um tribunal movido pela avareza, pela ira cr(cid:237)tica do mundo, mas sublimavam, atravØs da arte, a e nªo pela piedade, castigando culpados e inocentes. crise e a angœstia. Sªo distintos os discursos: hÆ os A evidŒncia do que o jesu(cid:237)ta afirma conduz (cid:224) de rebeldia e de conformismo. Descobrem, porØm, o suspensªo do confisco de bens. Bem depressa a desencanto e a frustra(cid:231)ªo de homens exilados de um actividade serÆ retomada, e o santo Of(cid:237)cio continuarÆ tempo, condenados por Deus ou por um poder a uma a queimar na fogueira heterodoxias e heresias, atØ ao puni(cid:231)ªo que aceitam ou rejeitam. O sujeito, face ao liberalismo. caos social, despreza o mundo; outros criticam-no; Os cristªos novos pagarªo duramente, em vªo, serªo menos os militantes da mudan(cid:231)a. O quatro perdıes gerais; entre o ex(cid:237)lio e o baptismo, pessimismo invadia os esp(cid:237)ritos; anatemizam-se as escolheram o œltimo, para nªo ter de partir, ou porque conquistas, a vaidade e a soberba, mostrando a nªo puderam partir. inutilidade do empenho em empresas tªo Aprenderam a medir o cerco, a aferir as malhas que determinantes quanto as das Descobertas. se teciam, a peregrinar. Afinal, criam, Deus castiga os que ama, pıe (cid:224) prova (cid:201) neste contexto, num clima de repressªo inquisi- os eleitos, desafia como fez com Job, para permitir torial que impunha uma rigorosa disciplina ideol(cid:243)gica, que acedam a um reino celestial (era necessÆria a que esmagava dissidŒncias nascidas do confronto utopia). entre a Reforma e a Contra Reforma, que nasce BrÆs Um duplo impulso envolve o homem barroco: uma Lu(cid:237)s de Abreu. atrac(cid:231)ªo apaixonada pela realidade concreta mescla- Autor da obra Portugal MØdico, a sua biografia se com a fuga para o infinito, com o desejo de 6 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX aprofundar e espiritualizar o sens(cid:237)vel. Na verdade, reiteramos, a par desta faceta pessimista do homem e da vida, coexiste o apelo (cid:224) frui(cid:231)ªo e (cid:224) valoriza(cid:231)ªo dos bens terrenos; ao lado de uma visªo idealizada do amor ou do privilegiar o amor divino, o sensualismo, o erotismo podem raiar a obscenidade. EstØtica de contrastes, em mundo de aparŒncias em que o riso, se Ø fingimento da agonia, tambØm significa desafio ao poder, rebeldia, (cid:224)s vezes mesmo heresia, na cidadela da ortodoxia cat(cid:243)lica. BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu vive neste mundo, dividido, v(cid:237)tima de um drama que as malhas da Inquisi(cid:231)ªo teceram. A diversidade de temas e os limites de um trabalho desta natureza obrigam a uma selec(cid:231)ªo. Come(cid:231)aremos, assim, por contar abreviadamente a trÆgica vida de BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu, recorrendo ao texto de Camilo Castelo Branco. Seleccionaremos tra(cid:231)os e epis(cid:243)dios relevantes, real(cid:231)ando aspectos mais directamente relacionados com a constru(cid:231)ªo do Perfil do mØdico ideal que emerge das palavras do autor de Portugal MØdico, no theatrum mundi coevo. Ø sustentada pela ausŒncia de not(cid:237)cias. Francisco O Drama visto por Camilo Castelo Branco Lu(cid:237)s de Abreu crŒ que o amigo e a mulher faleceram. Porque cristªo-novo vivia, tambØm, no fio da navalha, Filho de Ant(cid:243)nio de SÆ Morªo, mØdico, cristªo›novo aprendera a pressentir o perigo; avisado que a dos quatro costados, nascido na Guarda, e de Maria Inquisi(cid:231)ªo podia prendŒ-lo, o doutor Abreu hesita, Cabral, filha de Fernªo Cabral, morgado de Carrazeda, simula um catolicismo beato, adia a partida; que fazer a hist(cid:243)ria do autor de Portugal MØdico preenche todos ao afilhado? os c(cid:226)nones para inspirar Camilo Castelo Branco. Decide finalmente refugiar-se em Damasco; as Os amores de Ant(cid:243)nio de SÆ Morªo e de Maria redes familiares garantiam a sobrevivŒncia, e naquela Cabral eram proibidos; diferen(cid:231)as religiosas - ela cidade escolhida residia um tio, Pedro Lopes, que cat(cid:243)lica, ele judeu - e de status social - ele plebeu, exercitara a profissªo de boticÆrio no Fundªo, atØ ela fidalga-desencadearam o drama. Comandada pela 1654. paixªo, Maria foge de casa para a Guarda, cidade de Para BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu Ø a vez de se transferir, residŒncia dos pais de Ant(cid:243)nio Morªo. O fidalgo de novamente, para outra fam(cid:237)lia. Acolhe-o outro cristªo- Carrazeda nªo se conforma e persegue o casal. novo, Francisco Morais Taveira, de Vila Flor. Para Fidalguia e Inquisi(cid:231)ªo entendiam-se; na Guarda, os guardar segredo, o apoio ficava entre irmªos de pais de Ant(cid:243)nio de SÆ Morªo sªo presos, os bens cren(cid:231)as. A chegada de um filho, Heitor Dias da Paz, inventariados, sequestrados. O casal refugia-se, du- que vivia em Amsterdªo, para cursar Medicina, em rante treze meses, onde Ø poss(cid:237)vel; escondem-nos Coimbra, altera o destino de BrÆs. Aos dez anos muitas solidariedades e cumplicidades. Nasce-lhes seguirÆ com Heitor para a lusa Atenas. A crian(cid:231)a Ø um filho. O cerco da Inquisi(cid:231)ªo, todavia, apertava-se, identificada como um (cid:243)rfªo que o estudante e o pai decidem partir, mas estªo sem dinheiro. Ajuda-os, haviam agasalhado. Francisco Lu(cid:237)s de Abreu, um colega de Medicina, Na Universidade, Heitor gera suspeitas; o seu saber cristªo-novo tambØm. Disponibiliza uma verba para contrastava com o da maioria dos colegas; os dog- sa(cid:237)rem de Portugal; aceita, tambØm, acolher o filho, mas nªo se coadunavam com o saber adquirido um menino de quinze dias, que identificarÆ como noutras europas; amigo do debate desperta (cid:147)afilhado(cid:148). Francisco Lu(cid:237)s de Abreu entrega-o a uma desconfian(cid:231)a, Ø denunciado; aos 28 anos serÆ preso ama, em Coimbra; todos presumem tratar-se de um e queimado, no auto da fØ de 12 de Setembro de 1706. filho natural. Terminado o curso, em 1697, casa com O pai suicida-se, quando vŒ o filho condenado. Francisca Rodrigues de Oliveira, judia abastada, de BrÆs estudava no colØgio de Sªo Paulo; estÆ, de OurØm. A crian(cid:231)a acompanha-os. novo, s(cid:243). Bom aluno, os frades acolhem-no para o As cartas de Ant(cid:243)nio de SÆ Morªo noticiavam que fazer frade. BrÆs, porØm, escolherÆ Medicina. estivera em Marselha e na Holanda; mais tarde, fora No 3.(cid:176) ano adere (cid:224) vida boØmia e violenta dos convidado para ir para o CanadÆ e aceitara a proposta. estudantes; descreve-a com rigor Ribeiro Sanches A possibilidade de terem sido v(cid:237)timas de naufrÆgio que quando disserta sobre o Rancho da Carqueja; numa acontecera a uma embarca(cid:231)ªo, durante essa viagem, luta, perde o olho direito: serÆ o Olho de vidro, que 7 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX serve de t(cid:237)tulo ao romance camiliano. da fØ e as mudan(cid:231)as de fam(cid:237)lia urdiram a teia que Em 1714, obtØm o grau de licenciado em Medicina. ocultara os pais de BrÆs, originaram a mudan(cid:231)a de Identifica-se como BrÆs, como escolhera o padrinho, identidade da mªe, no regresso a Portugal, teceram e Lu(cid:237)s de Abreu como vira escrito no primeiro livro o casamento entre irmªos. Homem dividido, onde aprendera as primeiras letras. BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu atordoado, BrÆs, (cid:224) maneira da Øpoca, auto-pune-se: se chamou. veste o hÆbito da Ordem Terceira; os filhos do casal Tenta descobrir as ra(cid:237)zes, parentes, sem sucesso. foram conduzidos ao Convento de Santo Ant(cid:243)nio. Um Inicia a actividade profissional em Viseu - 1715 -; em serÆ jesu(cid:237)ta, outro dominicano. D. Josefa e as filhas 1717 publica a primeira obra, em Coimbra. Titula-a (cid:224) entrarªo, tambØm, num convento. moda da Øpoca: `guilas hijas del sol, que vuelan sobre Decisªo dura e perturbadora, a de BrÆs Lu(cid:237)s de la luna. Representaci(cid:243)n de la imborrable victoria Abreu. Que pensaria o mØdico? Em que acreditava? gloriosamente alcanzada por las Æguilas imperiales Como julgaria os cristªos portugueses que contra las nocturnas aves otomanas en el campo de perseguiram os pais, obrigaram Francisco Lu(cid:237)s de Peter Varandin, dia 5 de Agosto aæo 1716. Abreu a partir, queimaram Heitor Dias da Paz, Em 1718 vivia no Porto. Nesse ano, D. Ant(cid:243)nia da destru(cid:237)ram os cristªos-novos que o acolheram, ao Piedade acompanhada pela filha, Josefa Maria de longo da vida? Castro, consulta o mØdico; a enfermidade vencerÆ, A obra Ø, de alguma maneira, elucidativa da divisªo apesar dos esfor(cid:231)os de BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu. O jovem que marcou a vida deste mØdico. mØdico casa com Josefa Maria de Castro e, em nove (cid:201)poca tensa, em que se debatiam cren(cid:231)as e anos de casados, nascem-lhes cinco filhas e dois sentimentos religiosos da igreja cat(cid:243)lica e de outras filhos. confissıes religiosas, perante a tragØdia, o devoto O doutor enriquece; em 1725, publica um novo livro procura decifrar a mensagem moral. O sentimento do Sol nascido no Ocidente e posto ao nascer do sol. desengano, o mal-estar, o des(cid:226)nimo, uma quase Santo Ant(cid:243)nio PortuguŒs. Ep(cid:237)tome hist(cid:243)rico e loucura grassavam numa sociedade em busca de uma paneg(cid:237)rico da sua admirÆvel vida e prodigiosas reconcilia(cid:231)ªo consigo pr(cid:243)pria. ac(cid:231)ıes. BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu renunciava, exteriormente, ao Rico, famoso, moralista e autor de obras piedosas, mundo, sublimava a angœstia, despojava-se de uma alcan(cid:231)a o t(cid:237)tulo de familiar do Santo Of(cid:237)cio, que nªo hist(cid:243)ria, de uma perten(cid:231)a. Exilava-se de um tempo, lhe averiguarÆ a ra(cid:231)a atØ (cid:224) quarta gera(cid:231)ªo, como condenado por Deus ou por um poder que nªo estipulava o Regimento dos MØdicos e BoticÆrios, entendera. Julgara o nada que representariam as suas adjunto aos Estatutos da Universidade de Coimbra, ac(cid:231)ıes frente ao caos social, e, por isso, afastava-se datados de 1653. do mundo? Em 1726, sai a lume a mais conhecida publica(cid:231)ªo Na verdade, a cosmovisªo da Contra Reforma do autor: Portugal mØdico, ou monarquia mØdica opunha ao Penso, logo existo, cartesiano, o lembra›te lusitana. Hist(cid:243)ria, prÆtica, simb(cid:243)lica, Øtica e pol(cid:237)tica. que Øs homem e nada podes. O lema, Hominem te Fundada e compreendida no dilatado (cid:226)mbito dos dois esse cogita, assenta num discurso de autoridade que mundos criados, macrocosmo e microcosmo2. O t(cid:237)tulo, redunda em catarse (cid:237)ntima do penitente, do praticante. extenso, continua em vÆrias linhas3. Os conventos, institui(cid:231)ıes repressoras, envolvidas Na Holanda, Francisco Lu(cid:237)s de Abreu tem por um quimØrico esp(cid:237)rito de tons franciscanos conhecimento do primeiro livro; vŒ-o assinado pelo tornaram-se os garantes poss(cid:237)veis para uma sa(cid:237)da da afilhado. Regressado a Portugal, depois do agonia, do mundo. falecimento da mulher, procura-o. Finge-se doente, D. Josefa, irmª e mulher, morre em 1735; uma filha, consulta o mØdico, torna-se visita do casal, ouve›lhes Ana Maria, falece no mesmo ano, aos dezoito anos. a hist(cid:243)ria de vida. Libertar-se-ªo, da vida conventual, as filhas, Ant(cid:243)nia Descobre, assim, que os pais de BrÆs tinham Maria e Sebastiana InÆcia que casam, desfeitos os sobrevivido ao naufrÆgio, que as not(cid:237)cias rarearam votos, com fidalgos de Condeixa a Nova. porque ficaram cativos, com uma filha, durante 15 anos. O capitªo que os aprisionara, sabe que Ø mØdico Portugal MØdico e convida-o para sua casa; nªo conseguirÆ sair da ilha, apesar dos muitos pedidos; adoece e morre em BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu segue o modelo da cultura 1716. Regressam a mulher, Maria Cabral, que muda portuguesa da primeira metade de Setecentos. Era o de identidade, e a filha, Josefa de Castro. tempo das polianteias, de publica(cid:231)ıes/ compila(cid:231)ıes BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu e D. Josefa de Castro para apoio dos menos inspirados, ou sabedores. confidenciam como se conheceram, a hist(cid:243)ria da Os mØdicos relatavam saberes, curas; Portugal fam(cid:237)lia da mulher, e Francisco Lu(cid:237)s de Abreu desvenda MØdico Ø um manual que se integra neste (cid:226)mbito. A o drama. obra inclui o elogio da Medicina, tra(cid:231)a o perfil do mØdico A Inquisi(cid:231)ªo obrigando a fugas, os medos, os autos ideal, descreve enfermidades e as formas de as sanar. 8 MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PR(cid:201)-HIST(cid:211)RIA AO S(cid:201)CULO XX Cumprindo os c(cid:226)nones, dedica-a a D. JosØ Fran- por toda a parte achei que eram mais os mØdicos que cisco e a Frei Gaspar da Encarna(cid:231)ªo. Ao primeiro os doentes... elogia-o; afirma que, se o aumento das felicidades Enumera: Vi Cirurgiıes romancistas, vi BoticÆrios, nos povos depende das prudentes direc(cid:231)ıes dos vi Barbeiros, vi Sangradores, vi Algebristas, vi Pr(cid:237)ncipes, o aumento de saœde dos enfermos provem Alveitares, vi Soldados, vi Ciganos, vi Judeus, vi dos acertos racionais do mØdico. A Frei Gaspar, que Idiotas, vi Ladrıes, vi Estrangeiros, vi Alquimistas, vi fora prelado da Universidade de Coimbra, qualifica-o Mezinheiros, vi Benzedores, vi Parteiras, vi Beatas, e de egrØgio Mecenas de singular honra. vi Feiticeiros e Feiticeiras todas, e todos revestidos Seguem-se as licen(cid:231)as do Santo Of(cid:237)cio. Frei Ant(cid:243)nio de MØdicos, e enfronhados em Doutores vendendo da Cruz data a sua aprecia(cid:231)ªo a 26 de Junho de 1722; Medicinas a meio mundo... considera a obra como Tesouro de remØdios para os Rol extenso de gentes que fazendo jus ao aforismo enfermos. Frei Boaventura de S. Giªo di-la preciosa De mØdico, poeta e louco todos temos um pouco, nªo s(cid:243) pela matØria que trata, como pela bem cotada surpreende pela complexidade de abordagens que as pena deste dign(cid:237)ssimo Professor, o melhor diferentes nomea(cid:231)ıes auguram. Considerando a instrumento da sua fortuna, pois lhe adquire a biografia de BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu, desafia o facto de a venera(cid:231)ªo dos presentes e lhe segura gloriosa fama farpa atingir, tambØm, os judeus. Que razıes explicam na mem(cid:243)ria dos vindouros. a sua inclusªo na lista dos que responsabiliza pelo De acordo com os preceitos em vigor, usam a f(cid:243)rmula (mau) estado da Medicina, ideia que reitera, mesmo obrigat(cid:243)ria que garantia que a obra nªo inclui cousa que cite e lembre, ao longo da obra, como veremos, alguma que se oponha (cid:224) fØ ou bons costumes. muitos que se celebrizaram na profissªo? A 19 de Abril de 1724, a licen(cid:231)a do Santo Of(cid:237)cio Tra(cid:231)a o plano geral da obra que divide em trŒs partes: estava completa. A licen(cid:231)a do Pa(cid:231)o, datada de 1 de Cabe(cid:231)a, Peito e Ventre, regiıes, como afirma, Outubro de 1723, Ø da autoria de D. Cipriano Pina; doutissimamente anatomizadas, definidas e expostas qualifica BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu como elegante; o escritor pelo Insign(cid:237)ssimo Doutor Manuel Freire, que foi um Ø ingenioso; a obra laboriosa pela vastidªo de not(cid:237)cias dos mais profundos te(cid:243)ricos; adicionarÆ ainda o saber que contØm. Conclui que Nªo poucos livros mØdicos do Preclar(cid:237)ssimo Doutor Manuel da Costa Pereira, tŒm sa(cid:237)do (cid:224) luz no nosso Reino Lusitano, e no nosso digno Procurador do nosso Seren(cid:237)ssimo Monarca e PortuguŒs idioma; porØm livro mais œtil aos Arquiastro incomparÆvel de toda a Monarquia MØdico Portugueses que este, ainda se nªo deu ao prelo. Lusitana. Assumindo um (cid:226)ngulo de visªo neutral, o autor Superlativos insuperÆveis para Mestres que venera, declara: aqui pretendo falar-te de verdades nuas de cuja autoridade ilustra e sustenta a elabora(cid:231)ªo da obra. qualquer afecto (por isso) deve autorizar-me o assunto, Nos Reinos Animal, Vegetal e Mineral apontarÆ quem verdadeiramente as soube dizer despidas de virtudes, propriedades, v(cid:237)cios e excelŒncias que toda a lisonja. associa ao homem; ao mØdico. CrŒ que hÆ brutos Admirador do introdutor do dolce still nuovo em que podem dar doutrinas a homens. Como autoriza Portugal, justifica: S(cid:243) o famoso SÆ de Miranda com o SÆ de Miranda: Portugal velho da sua Musa, pode vigorosamente de- fender o novo Portugal de Apolo... Cr(cid:237)tico de uma Falas-me nos Animais sociedade onde proliferava a inveja e a futilidade, A quem N(cid:243)s Brutos chamamos aponta a Natureza, as florestas, o locus amoenus Que guardam leis naturais; clÆssico, como refœgio para a vivŒncia de uma Æurea N(cid:243)s outros nªo nas guardamos mediocritas, de uma Idade Dourada. A isso obrigados mais. As florestas, para BrÆs Lu(cid:237)s de Abreu, como diz, sªo os melhores autores a que recorre para entender Na avalia(cid:231)ªo social, dÆ uma demªo na cr(cid:237)tica e descobrir os valores da Natureza. Afinal, a literÆria, (cid:224) boa maneira da Øpoca. Segue D. Francisco preclar(cid:237)ssima arte da Medicina adoeceu porque hÆ Manuel de Melo no Hospital das Letras4 (que tudo Medicastros avessos (cid:224) sÆbia Natureza. estava enfermo e padecia no reino da Arte de Furtar5), Escreve: vi e ouvi que a pobre Medicina se achava e Padre Ant(cid:243)nio Vieira, censurando: Nªo me dou bem tªo adulterada, em muitos dos alunos, e tªo com certos ret(cid:243)ricos que formam senten(cid:231)as das descomposta nas normas, tªo confusa nas praxes, e conson(cid:226)ncias; e julgam que as futilidades dos seus tªo incivil nas pol(cid:237)ticas (e isto pela vÆria sorte dos conceitos podem passar pra(cid:231)a de provØrbios (...); Professores) que me pareceu entªo, (como ainda reprova: muitos se o primeiro hemist(cid:237)quio acabou em agora me parece, e parece a muitos) que assim como amar, o segundo, ainda que tal palavra nªo venha para houve Apolo, que inventou a Arte de curar aos ali, hÆ-de findar em morrer; se o primeiro Ø ex(cid:243)tico, o homens, seria necessÆrio outro, que descobrisse uma segundo hÆ-de acabar em cr(cid:237)tico; alØm das nova arte de curar a Medicina. correspondŒncias por contrariedades, como sªo vida Os sintomas da enfermidade sªo vÆrios; explica: e morte; Luz e sombra; Terra e CØu; Pena e Gl(cid:243)ria; e 9
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