TRUIIERSA trupe de tradução de teatro antigo apresenta MEAEIA de ru R r7T rô eç »rnrçÃo E cooRDENlçÃo cERAL TEREzA vrncíNre RrBErRo BARBosA Apoio Pós-Lit/ CAPES/PRPql PROEX/FALE/UFMG/Fapemig Ateliê Êditorial Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração - CBMM Copyright @ zor3 by Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa (traduçáo) Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.6ro de r9 de fevereiro de 1998. É proi bida a reproduçâo total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora. Dados Internacionais de Catalogação na publicação (cru) (Câmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil) Eurípides Medeia / deEarípides; direçáo e coordenação geral Tereza Virgínia fubeiro; tradução Trupersa (Tiupe de tradução de teatro antigo). - São Paulo: Ateliê Editorial, zor3. IsBN 928-85-748o-658-7 Título original: Medeia. Bibliografia. Medeia da Trupersa: (Jma Experiência de Tradução em Cena - OlimarFlores-lúnior . ....7 r. Teatro grego I. Barbosa, Terezayirglnia Ribeiro. Prefácio. .. '..'13 73-07688 cDD-882.or Mponre .......41 Índices para cat:ilogo sistemático: r. Teatro: Literatura grega antiga 882.01 Radionovela Baseada na Argoná:utica de Apolônio de Rodes e naMedeiadeEuríPides .....155 Amor,AbismadoAmor . . . . .L55 Capítulol. ..156 Direitos reservados à Capítulo2. . ..t65 ArrrrÊ E»rrorr.c,r_ 2 Estrada da Aldeia de Carapicuíba, 897 Capítulo , 06709-300 - Granja Viana - Cotia - Sp Telefax (rr) 46rz-9666 Capítu4lo4.... ..183 www.atelie.com.br / [email protected] Medeia Ficha Técnica de 191 2O13 Printed in Brazil Bibliografia ...-195 Foi feito o depósito legal MEDEIA DA TRUPERSA: UMA ExPERTÊNcIA DE TRADUçÃo EM CENA Olimar Flores-lúnior Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais O mito é bem conhecido: Medeia é a mulher que, hábil em ma- gia e encantos, mas sucumbindo ela mesma ao encanto da paixão, comete em seu nome uma série de atrocidades - dentre elas o fratri- cídio - para acompanhar o amado em uma terra estrangeira; mais tarde, traída e forçada ao exílio em vista da conveniência e das am- biçoes do marido, mata os próprios filhos para purgar no sofrimento deste homem que é o pai das crianças o ultraje da rejeição e a dor do abandono. Todavia a tragédia de Eurípides, como aliás toda tragé- dia, dá à monstruosidade dos crimes perpetrados em seu entrecho uma outra dimensão, na medida em que recupera neles o resultado do jogo complexo das forças que subjugam o homem, cada homem e cada mulher, no curso de sua existência; são forças que, conquanto possam ser obra de um deus, parecem nascer do homem, imprevi- síveis, imponderáveis e insidiosas, e que o homem só controla - se é que ele as controla - ao preço do próprio dilaceramento, que não raro coloca em perspectiva a hierarquia dos valores. Assim, face ao drama do herói dilacerado - no caso, uma heroína -, o espectador se surpreende a si mesmo dilacerado e, preso na tensão entre terror e piedade (como já observava Aristóteles), frui o impasse do julga- §. i'i MEDEIA MEDEIA DA TRUeERSA: uiue sxpstlÊNclA DE TRADUçÃo eu ceNa mento: se a tragédia em seu efeito próprio depende inteiramente riência próprias, à trama objetiva do palco. Ainda que - se náo pelo da consciência de uma ficção plantada na mais profunda realidade método, ao menos por princípio - nenhuma arte possa ser o resulta- da nostra res agitur (segundo o calque latino lembrado por Albin do de um solepsismo radical, o teatro, de um ponto ao outro de sua Lesky), ela então, de alguma maneira, nos acusa e nos designa, a nós cadeia de significação, e em todas as suas camadas, é antes de tudo que estamos instalados na distância da plateia, como cúmplices e um fenômeno coletivo. juízes do crime que ela poe em cena. É justamente no âmbito do esforço de recuperar esse traço Mas debruçar-se sobre as contingências e vicissitudes do ser maior do teatro grego, através da tradução da Medeia de Eurípides humano não é privilégio da tragédia. O mundo em que o homem que ora vem à luz, que se inscreve o trabalho da Trupersa, grupo que habita e o mundo que nele habita, com a instabilidade que permeia uniu numa empresa comum jovens de orientação acadêmica à gente um e outro fazendo vacilar crença e moral, ocupam não só o espaço do teatro, sob a coordenação experiente de Tercza Virgínia Ribeiro da cena, como fornece, por exemplo, o material que move o discur_ Barbosa, professora de língua e literatura gregas da Faculdade de so filosófico ou a explicação da história. O próprio da tragédia não Letras da Universidade Federal de Minas Gerais', que contou ainda, é portanto o quê, mas o como. A meio caminho entre a experiên- sobretudo para os aspectos propriamente cênicos do projeto, com a cia em primeira pessoa e a reflexão objetiva projetada em exemplos colaboração da não menos experiente atriz e diretora Andréia Ga- abstratos, atragédia revela, na atualidade do espetáculo, uma outra ravello (que aliás desempenha o papel de Medeia na montagem da ordem de theoria: contemplando a trama que se oferece aos seus peça). Trata-se sem dúvida de um grupo heterogêneo e, em alguma olhos e ouvidos, o espectador sofre uma dor que só é sua na medida medida heteróclito que, no entanto, sem comprometer a unidade em que é de outro e pode assim ter dela uma compreensão que o formal do estilo e do registro linguístico do produto acabado, sou- simplesmente vivido não comporta. Na aisthesis do teatro, através befazer da diversidade um elo forte e enriquecedor no desenvolvi- de uma "subjetividade por procuração" fundada pelo pacto ficcional mento de um trabalho cuja originalidade repousa precisamente na e operada pela ação das personagens, o espectador engaja sua pró_ tentativa ideal de abordar o fenômeno antigo pelo prisma de seu elã pria verdade como uma síntese possível da verdade do grupo a que fundador. Apenas por isso, essa nova tradução de Medeiajá merece ele pertence. ser saudada. Nesse sentido, uma peça de teatro - de teatro grego em parti_ Na base desse laboratório - e o termo parece se adequar ple- cular -, tendo em seu horizonte a expectativa mesma desse engaja- namente aos fins e ao método do projeto - estão uma constatação mento, é o produto de uma carpintaria complexa: a lenda heroica ou e, solidária a ela, uma hipótese. A constatação: a grande maioria a saga dos deuses que compÕem os mitos tradicionais, funcionando - se não a totalidade - das traduções do teatro grego em língua como o depositário da identidade de todo um povo, é a matéria_ brasileira parecem visar antes o texto escrito, ou seja, a forma fixa -prima onde geralmente tudo tem seu princípio; matéria plástica que na sua origem mais remota estava inteiramente subordinada que recebe sua forma a partir das intenções de um poeta para em seguida passar pelavoz e pelo gesto dos atores e do coro e atingir r. Para uma amostragem de seus muitos trabalhos, veja-se o recente Sófocles, Os lcneutas' enfim, no espaço de um edifício público, um grupo de espectadores os Sátiros Rastreadores. Fragmentos de um drama satírico reconstruido para a contem- poraneidade com base nos aparatos de Stefan Radt e Hugh Lloyd-fones com traduçáo e que reagem simultaneamente, no foro de sua sensibilidade e expe_ comentário de Tereza Yirgínia Barbosa, Belo Horizonte, Editora urrrc, 2012. MEDEIA A: uMA ExpERrÊNcre or rneouçÃo EM cENA ll ao drama, à açao; a hipótese que se segue a essa constatação iden- pel e ganhou a cena, e a cena é, nesse sentido, o espaço de verificação tifica-se com a possibilidade vislumbrada de que um texto teatral das ürtudes do texto (re)escrito. traduzido, ainda que texto escrito, guarde as marcas do movimen- Pelo princípio mesmo de sua proposta, a empreitada não podia to da cena original, ou que pelo menos o favoreça. Acrescente-se ser coisa fácil. A tragédia grega que hoje goza da reputação de arte a isso o dado de que a grande maioria das traduções tenham por difícil, reservada a uma minoria dita - e que se diz - esclarecida, trás de seu texto final a mão de um único tradutor, e o que em uma arte cujo pleno entendimento parece semPre reclamar alguma princípio não seria mais do que um detalhe anódino e circunstan_ erudição, era na Atenas do século v a.C. um espetáculo para gran- cial adquire, no caso da tragédia grega, uma maior relevância. Na de público. Para ele concorriam largos subsídios do estado e a sua verdade, em tais condições, a tragédia se aproxima perigosamente produção mobilizava o conjunto dos cidadãos; muito mais do que do diálogo filosófico, reavivando uma simpatia que nem sempre uma opção delazer esporádico, que se opõe à regularidade neces- foi pacífica: não terá sido um mero acaso o fato de que, a tomar sária das atiüdades produtivas, o teatro, realizado no contexto de por certos testemunhos como o de Diógenes Laércio, platão tenha grandes festivais de caráter religioso, era em sua origem uma expe- sido poeta de tragédias antes de se "conyerter" à filosofia e tenha, riência cívica, de caráter propriamente político: como já se escreveu, após essa "conversão", submetido as propriedades da arte miméti- na Grécia de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, a cada peça encenada é a ca por excelência ao crivo de uma crítica rigorosa; por outro lado, cidade inteira que se faziateatro. Por outro lado, seria um equívoco Aristóteles, o mais ilustre dentre os alunos de platão, observa o definir a tragédia grega como uma "arte popular", no sentido que carâter eminentemente filosófico da tragédia, no que - sublinha o emprestamos hoje a esse termo. Se a comédia (e em alguma medida estagirita - ela é superior à história por dizer esta o que aconteceu, o drama satírico), em vista mesmo dos efeitos a que visa, incorpora e aquela o que pode acontecer segundo as regras da verossimilhan- em sua trama a atualidade e os elementos de um quotidiano mais ça e da necessidade. prosaico e comezinho, a tragédia preserva em sua fatura a solenida- No intuito de restituir o próprio da tragédia, a Medeia da Tru_ de dos temas e dos personagens que dão substância ao seu enredo. persa substituiu a figura de um único tradutor que sozinho comu- Nesse contexto, a ação e a palawa dos reis e dos heróis, memória nica o poeta antigo com seu novo público e que sozinho decide as atemporal de uma outra época, bem como a presença de deuses e formas da porosidade que devem conduzir um texto determinado semideuses, ganham vida com o artifício de certas formas poéticas e à sua versão traduzida, por um colégio de tradutores que explora a de uma dicção que, sem obliterar a inteligibilidade imediata da cena, matriz de uma história bem conhecida alargando o espectro de sua não corresponde inteiramente aos meios da comunicação habitual. recepção e de suas possibilidades interpretativas através de uma es- O pathos da tragédia se constrói portanto, também no registro da pécie de "convergência de sensibilidades múltiplas". Logo, no lugar linguagem, entre estranhamento e participação. de algo próximo de um exercício filosófico individualizado, o que se Está posto o problema: como traduzir (e representar) uma tra- tem ao fim do processo é o resultado de uma experiência plural e, gédia grega quando se quer tradtzir não apenas os temas universais em certo sentido, catártica, que por antecipação imprime no novo que ela evoca mas também a stta maneira de tratá-los? Como in- texto os efeitos que ele deverá produzir em cena. E, de fato, no caso terpelar a sensibilidade moderna com um material antigo no breve dessa nova e inovadora companhia o projeto da tradução saiu do pa- tempo de um drama que, como a própria vida, não permite voltar MEDEIA , a uma página virada nem tampouco consultar uma nota explicati- P REF ACIO va? Como garantir a fruição espontânea de um objeto preservando nele aqueles elementos que parecem nos escapar e se refugiar num outro mundo, num mundo de uma alteridade aparentemente já in- transponível, sem dissipar a carga de sentidos que lhe é própria? São questôes que o projeto da Trupersa levanta e tenta responder com esta Medeia. Um pouco indiferentes ao juízo do especialista e à opi- nião do erudito, o acerto dessa resposta, sua pertinência e eficácia, apenas pela experiência direta do texto, no papel ou no palco, se deixarão julgar. Por fim, considerando que o que se nos oferece aqui é apenas uma de um repertório de trinta e duas tragédias gregas conservadas integralmente (e de outras tantas comédias, convém lembrar), per- manece aberto diante da Trupersa um yasto terreno a ser explorado, de muitas e diferentes possibilidades. Antes que eu coloque a máscara e a tragédia comece... Esta tradução da Medeia de Eurípides é fruto de três anos de conyivência bastante próxima entre a Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (Fale-uruc) e a Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Centro de Comunicação e Expressão Universidade Federal de Santa Catarina (rcer-ursc). A aproximação dos dois programas de pós- -graduação foi proporcionada pelo Programa Nacional de Coopera- ção Acadêmica, mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Nivel Superior (Capes). Com a pesquisa realizada, temos, enfim, a satisfação de oferecer para os leitores o que chamamos de "tradução brasileira coletiva funcional e cênica" de teatro grego clássico. Um produto cujo diferencial explicaremos com detalhe. Até o momento - e excluídas as adaptações üolentas que modi- ficam, reescrevem e mutilam os textos antigos -, o teatro grego, em todo o território brasileiro, vem sendo dedicado a uma elite intelec- tual de acadêmicos e artistas selecionados. As razões são muitas e en- tre elas destacamos a que julgamos ser a mais pesada na escolha dos 13 PREFACIO MEDEIA atores, diretores e encenadores: a tradução erudita e sofisticada que pecíficos da tradução de textos dramáticos e os testemunhos dos tradutores que o fazem deixam muitas vezes pensar que a metodologia usada no pro- lhes chega às mãos não se adequa à encenação para o grande público. cesso de traduçáo é a mesma com que são abordados os textos narrativos. De fato, o que temos traduzido, embora de excelente qualidade E, todavia, mesmo uma reflexão superficial sobre o assunto é suficiente acadêmica e mesmo artística, exige leitura delicada, lenta, cuidadosa para mostrar que o texto dramático náo pode ser traduzido como um texto e dedicada. Seu enfoque é quase exclusivamente linguístico. São tex- narrativo. Para começar a leitura de um texto dramático é diferente. Ele é tos para se apreciar na solidão e não mais no meio de muitos, em um lido como algo incompleto enâo como uma entidade inteiramente acabada, estádio ou em um grande teatro aberto como aqueles que se veem em pois é só no espetáculo teatral que todo o potencial do texto é atualizado. ruínas na Grécia. E quando ocorre serem estes textos oralizados no flu- O que coloca ao tradutor um problema central: traduzir o texto como um xo contínuo da encenação, o entendimento do léxico, a assimilação da texto puramente literário ou tentar traduzi-lo na sua função de mais um sintaxe complexa e a projeção de uma encenação hierática, sobretudo elemento de outro sistema mais complexot. se pensarmos que o público não pode reler ou rever a cena nem resol- ver a angústia dos termos obscuros deixados para trás durante o espe- Pois bem, leitores e estudiosos da teoria de Bassnett, resolvemos táculo, quando ocorre serem eles encenados, o ato de comunicação e encarar de frente a incompletude e a função do texto trágico grego. a cumplicidade do espectador com o ator simplesmente não acontece. E quando falo "nós", falo em nome da trupe de tradução e ence- Não se condene, contudo, a tendência vigente. Tais traduções nação Trupersa. Nós pleiteamos e sonhamos ver o teatro chegar a foram feitas por e para um público diferenciado: os helenistas e es- muitos. Por isso nossa pespectiva é outra. Traduzimos para o teatro, tudiosos de teatro preocupados com os rigores acadêmicos, a fide- encenamos e queremos encenar Medeia - com o texto grego tradu- lidade histórica, os requintes filológicos e as discussões filosóficas. zido na íntegra em todos os seus detalhes gramaticais - nas regiões Sem dúvida, assim como estão, estas traduções ensinam muito e é mais carentes do país, queremos falar para todas as gentes brasi- com elas que todos aprendemos o nosso grego para poder traduzir. leiras; aliás, em parte essa meta vem sendo cumprida: já estamos Mas acrescente-se: desde sempre a tradição nos estudos clássicos encenando, pois o texto, antes de se fixar no papel, foi testado em para o teatro privilegia o texto e vê a sua espetacularização como parques e praças da periferia de Belo Horizonte sempre com público possibilidade remota. Tal posicionamento supõe um contentamen- heterogêneo e, segundo alguns, despreparado para textos eruditos; to por obter equivalências semânticas bem-sucedidas e sofisticadas depois em faculdades e universidades, desde a UFMG até aquelas em- soluções tradutórias entre o grego e o português as quais, porém, brenhadas nos mais remotos lugares de Minas Gerais. Até agora, não almejam ver a palavra corporificada saltando do papel. Há ainda felizmente, o texto agradou. Sim; o texto foi traduzido diretamente um entrave e, para relatá-lo tomamos palavras da comparativista e do grego e tornou-se acessível para todos. Para isso, seguimos, de pesquisadora de tradução Susan Bassnett: perto, todas as pegadas de Eurípides; usamos as mesmas roupagens, metáforas, hipérboles, quiasmos enfim, guardamos suas preciosi- No que respeita aos estudos tradutológicos orientados para os modos dades para oferecê-las a todos, em português. O nosso processo de literários, se é certo que a maior parte se centra nos problemas envolvidos na tradução de poesia lírica, também é verdade que os textos dramáticos têm sido muito esquecidos. Há muito poucos dados sobre os problemas es- r. CSuasmapno Bs aFsisgnueetitr,e dEos,t uLrliossb odae, FTurandduaççããoo: CFaulonudsatme eGnutolbse ndkeia unm,2a00 D3,i scpippl.i n1a8,9 tr1a9d0.. Vivina de MEDEIA P REFAC I O t7 manipulação ateve-se não somente aos recursos linguísticos, esti- lar', de teor perfeitamente adequado para o contexto dionisíaco da lísticos e literários, mas à escolha lexical, ao uso dos arcaísmos e ao hybris. Neste sentido, também quebramos aprimazia do texto escri- aproveitamento de intertextualidades pertinentes para uma elocu- to - que afirma uma única leitura como a maneira certa de repre- ção atualizada dos atores. sentar - e introduzimos uma interpretação imiscuída da brasilidade da canção popular. oür< eioi Fev [^ror nqiôeç, oiôo ôà 10óva Igualmente recuperamos falas de poetas queridos, um deles foi geúyovraç qpoç xai onavl(ovrcç glÀcov; Mario Quintanaa e com ele traduzimos os versos 934-g4o, abaixo. roút' évvoqOeio' oOópr1v ôpouÀlov fl noÀÀr1v é1ouoo rcoi párr1v 0ugoupévr1. ênei tupávvotq yÍç U' qTrooteÍÀot ôorcei rôpoi ráô' êoti ÀQota, yLyvóorco roÀôç, Crianças? |á não tenho? E não sei que somos pllt' êpnoôôv ooi prlte xoLpávoLç 10ovôç fugidos da terra e precisamos de amigos? voíerv: ôoxÕ yàp ôuoprev4c eivoL ôópoLq Aí, pensei e percebi a insensatez que tenho. . . rlgeiç gàv êr yr1ç trloô' ônopoúprev 9u111, tao descuidada... por nada tao desalmada. naiôeq ô' ónoç ôv êxtpagóor ofl 1epí, aitoú Kpáovto trlvôe pr1 geúyetv 10óvo. A intertextualidade, claramente costurada na tradução dos ver- sos 882-883, provoca no ouvinte uma sensação de conforto. Ele es- fá pros tiranos está resolvido: devo ir daqui da terra cuta o lugar da brasilidade e o lugar do estranho ao mesmo tempo; - para mim, também isso é o melhor; eu sei, nào lembra-se de Tom fobim e de Vinícius de Moraes, vê que estamos yolr atravancar o teu caminho, nem a terra no mesmo barco; todos, brasileiros ou gregos, temos nossos mo- dos chefes habitar; pelo jeito, sou rival da casa real. mentos de insensatez no amor. O ouvinte, assim, prevê que vem por Nós, desta terra, partimos em fuga, mas aí uma tempestade, que Medeia hâ de fazer |asão chorar de dor, pois os meninos, para que sejam criados por tua mão, foi ele quem, primeiro, semeou o vento e, por isso, colherá a gran- pede a Creonte: não sejam banidos deste cháol de tormenta. Afinal, tudo o que aparece em Medeia acontece ainda Homenagens à parte, voltemos à nossa metodologia. Intencio- hoje, nos moldes de Agamben em seu renomado ensaio O eue E nalmente ensaiamos todo o tempo numa escola que abrigou, tem- o Contemporâneo?2 A estratégia da intertextualidade visou a nossa porariamente, menores infratores. Nosso trabalho, no princípio, foi tentativa de realizar um teatro que fosse popular e elitista para to- insuportável. As crianças fugiam das classes, interrompiam os ato- dos. O leitor poderá observar outras mais imperceptíveis, com a do v. 4r4, "A minha vida há de ser gloriosa. Famas vão rolar!", quando, de leve, nos remetemos à marchinha carnavale sca As Águas Vão Ro- 3. "As águas váo rolar: /Garrafa cheia eu náo quero ver sobrar./Eu passo a mão nâ sâcâ, saca, saca-rolha/E bebo até me afogar. Deixa as águas rolar!/Se a polícia por isso me prender/E na última hora me soltar,/Eu pego a saca, saca, saca-rolha/E bebo até me afogar./Deixd as águas rolar!" a. Cf. Mário Quinlana, Caderno H: Mário Quintana,Tania Franco Carualhal (ed.), São Paulo, z. (iiorgio Aganrben, O Que E o Contemporâneo? E Outros Ensaíos, trad. Vinícius Nicastro Editora GIobo, 2006,p.107: "Poeminha do contra/ Todos esses que aí estão/ atravancando Honesko, Chapecói SC, Argos, 2009, pp. 5Z -23. o meu caminho,/ eles passarão. ../ eu passarinho!" MEDEIA PREFACIO 19 res, entravam correndo na sala de ensaio, atrapalhavam, macaquea_ somente para marcar que o texto pode surgir em cena a partir de vam cenas. Ouvíamos batidas na porta todo o tempo; uns alunos uma "traição" do autor pelo diretor6. se faziam espias delicados, outros, mais atrevidos, soltavam gritos Neste ponto, a terminologia metaforica "fidelidade e traição" assustadores e inesperados nas janelas. Com o tempo, porém, al- para o processo de tradução cabe bem. Realmente, em tempos em que guns deles pediram para assistir aos ensaios. Atualmente, muitos já o modelo já está ultrapassado, o jogo humano que se reflete em todas sabem trechos do texto euripidiano de cor. Essa novidade deu-nos ímpeto dionisíaco e por isso me dispus afalar, em nome do grupo, as instâncias da vida e do qual não se foge alarga-se. Sabemos que to- dos traímos e que, igualmente, todos somos fiéis. Resta saber a quem, sobre o processo, como foi e onde ele nos leyou. quando e por que traímos e somos fiéis. A consciência do ato, a sua Entendemos o texto teatral como uma composição de palavra transparência nos justificará. A oscilação de um sentido interpretado propriamente dita e de execução cênica - de autoria diversa e múlti_ (garantido ou traído), contudo, é guardada por um núcleo essencial (o pla - que pode, inclusive, contradizer o registro da expressão escrita qual é controlado frouxamente pela escritura muda ou pela situação no momento de representação. Pelo menos é o que demonstra Sallie motivadora da ação). Mas é preciso admitir: o texto escrito é apenas Goetsch na análise da montagem da tetralogia Les Atrides produzi- um dos componentes do teatro a ser encenado e ainda assim, para o da pelo Théâtre du Soleil e dirigida por Ariane Mnouchkine'. Nessa texto escrito - se ele for bem escrito - não há uma só maneira certa de montagem, segundo Goetsch, Mnouchkine, engajada em propósi- Ier. É fato, a partitura teatral tem a mutabilidade como um dos seus tos essencialmente feministas, enfrenta o um grupo de peças viris e constituintes básicos; cercear possibilidades e estabelecer fetiches sub- másculas e sucumbe ao machismo do seu autor. Goetsch se decep- ciona com isso. juga e mutila o alcance do conjunto escrito. Pensando assim, não só é impossível congelar o texto teatral como também é inaceitável sacra- Não vimos o espetáculo, infelizmente, mas nos parece inte_ lizâ-lo aponto de bloquear a imaginação cênica de modo a obliterar ressante que a própria crítica comente seus desapontamentos e, ao abeleza poética focalizando somente as questões filológicas, sintag- fazê-lo, deixe manifestos alguns pontos fracos em sua argumenta- máticas e sintáticas. "A tradução é muito mais do que a substituição ção, por exemplo, o incômodo pelo fato de que, apesar de Ésquilo de elementos lexicais e gramaticais entre línguas", "ela pertence mais informar que as Erínias eram figuras femininas, a diretora Mnouch- propriamente à semiótica"'. Os diálogos (e monólogos) que se desen- kine - contra toda expectativa - tenha optado por delinear esses vin- volvem em cena são fruto do espaço, do tempo e estão, por sua vez, gadores como seres "perturbadoramente assexuados". O ponto de integrados a situações extralinguísticas8. Se, nos dizeres de Bassnett, a interesse é que a eliminação da sexualidade (que, para a helenista, tradução é um processo semióticoe, então a tradução de teatro o é à parece ser antifeminista), para nós soa como libertária. Afinal, por potência máxima. No teatro, os sentidos migram. que esses entes tão execráveis deveriam manter-se sempre femini_ nos? Enfim, não vamos discutir o espetáculo aqui. O exemplo serviu 6. Sallie Goetsch, Playing Against the Text, "Les Atrides" and the History ofReading Aeschy- lts, The DramaReview, vol. 38, no 3 (Autumn ' 1994)'pp.76 e 85. 5. Vencedora da 39, edição da Bienal de Veneza, 2007 com o prêmio ,,Leão de Ouro,, pelo 7. Susan Bassnett, op. cit., pp.54 e 35, respectivamente. conjunto de sua obra. 8. ldem,p.l9l. 9. Hipótese de liriLevy apudSwarl Bâssnett, p.71. MEDEIA PREFACIO 27 Num palco, o ator e o encenador teriam de decidir como interpretar pe francesa já mencionada antes, a truPe do Théâtre du Soleil. Sim, a expressáo com base no seu conceito de encenaçâo bem como do sentido confessamos: traduzimos por um processo coletivo o qual acredita- global e da estrutura da peça. A interpretação seria expressa através da in- mos ser, devido ao seu caráter coletivo, um feito altamente criativo. flexão da vozro. Fomos inspirados pelo trabalho de Ariane Mnouchkine e pela ideia do processo colaborativo de inspiração político-social. Vestimos a O poder do ator é inegável. Os artifícios que ele tem para dar máscara de um diretor de tradução e representamos o papel de um vitalidade e vigor às suas próprias intençôes, independentemente organizador de hermenêuticas que pariu um organismo vivo. do texto escrito, nos levam a supor uma neutralidade quase total Na primeira etapa buscamos trabalhar com jovens pesquisado- da partitura. Sejamos francos: precisamos libertar os personagens res (graduandos, mestrandos e doutorandos) a fim de garantir para gregos, deixando-os falar para todos e deixando todos falarem por o texto traduzido frescor, vivacidade e atualidade' Estes novos he- eles; só assim veremos a sua novidade escondida. "A tradução tem lenistas (Ana Araújo, Ana Cristina Fonseca dos Santos, Alexandre um papel crucial a desempenhar ao contribuir para melhorar a com- Cardoso Nunes Magalhães, Carlos Eduardo de Souza Lima Gomes, preensão de um mundo cadavezmais fragmentado"rl. E o que pode Douglas Cristiano Silva, Flávia Freitas Moreira, Gustavo Henrique ser lido nas brechas das frases, que sugestões o texto propõe na sua Montes Frade, losiane Félix dos Santos, Maria de Fátima Lanna, incompletude é matéria de interpretaçáo multifacetada, passível de Marina Pelucci Duarte Mortoza, Priscilla Adriane Ferreira Almeida, captura de diferentes modos nas diferentes idades, nos diferentes Vanessa Ribeiro Brandão), entre os quais se contam também atores, gêneros e nas múltiplas culturas, daí a necessidade do múltiplo na atrizes, escritores, poetas, cantores e bailarinos, foram introduzidos, leitura, na interpretação e na realizaçáo do jogo teatral. durante o processo de tradução, nas técnicas de atuação e, em du- Portanto, para nós, o texto teatral não é de um só, nunca, nem plas - observando sempre que possível a lógica de manter um re- mesmo quando e se foi escrito por uma única mão, pois, de saída, presentante do sexo masculino e um do feminino -, assumiram os não há teatro sem plateia e ainda se houvesse, na interpretação do papéis na peça na categoria que chamamos de atores de tradução. ator, toda a intenção fabricada textualmente pelo autor pode ser so- Obtivemos, assim, uma fala andrógina e individualizada para cada lapada, pois em cena o ator é rei. Ele é o único dono da palawa quan- personagem. O trabalho dos atores foi dirigido pela professora de do a cena acontece; emrazáo disso, estabelecemos que prescindir do grego responsável pela criação do método e pela traduçáo,Teteza ator na tradução é temerário (aliás, recorde-se: Ésquilo, Sófocles e Virgínia Ribeiro Barbosa, e pela atriz Andréia Garavello. O proce- Eurípides foram homens de teatro antes de serem poetas). E nós, que dimento eliminou um problema graye na transposição da escrita de sabemos grego e na grande.maioria somos "letrados", para aliüar a teatro em qualquer língua, a dicção particular da personagem forja- tensão, nos aliamos às gentes de teatro. Elas podem amenizar o pro- da em bigorna poética que revela somente, pelo uso das palavras, o blema de verter a Antiguidade nos nossos dias por várias estratégias. caráter peculiar de cada uma. Voltaremos a esste Ponto. As nossas foram adyindas da observação de uma prática da equi- Antes, todavia, pensemos; se admitirmos que Platão temrazáo, na passagem da República 392a394e, ao propor que o texto teatral é uma narrativa onde é hábito o autor se esconder sob uma máscara, rto,. ISduesman, pB.2as.sneÍt, op. cít.,p.48. personaque atua, personagem, se aceitamos a suposição do filósofo,