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Mecanismos internos : ensaios sobre literature (2000-2005) PDF

179 Pages·2011·15.105 MB·Portuguese
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Copyright ©2007 byJ.M. Coetzee Sumário Copyright da introdução ©Derek Attridge Todos osdireitos reservados. Tradução publicada mediante acordo com Peter Lampack Agency, Jnc. 551Fifth Avenue, Suite 1613, New York, NY 10176-0187, Estados Unidos. Grafia atualizada segundo oAcordo Ortográfico da Língua Portuguesa de1990, que entrou em vigorno Brasil em 2009. Título original Jnller workillgs - Literary Essays 2000-2005 Capa Kiko Farkas eThiago Lacaz/ Máquina Estúdio Preparação Cados Alberto B,írbaro Revisão Erika Nakahata Camila Saraiva Créditos 7 DadosInternacionais deCatalogação naPublicação (CIP) Introdução 9 (Câmara Brasileira doLivro,SI',Brasil) Coelzee, J.M. Mecanismos internos: ensaiossobreliteratura (2000-2005) / 1. Italo Svevo 17 JF.laMks.mCano.elz-eeSã;oinPlaroudlou:çãCoomDpearnehkiaAdllarisdLgeetra;st,ra2d0u11ç.ão Sergio 2. Robert Walser 33 Título original: Inner workings- LiteraryEssays2000-20°5 3. Robert Musil, O jovem Türless 51 Bibliografia 4- Walter Benjamin, Passagens 62 ISBN 978-85-359-1808-3 5. Bruno Schulz 9° }.Literatura - História ecrítica I.Attridge,Derek. 11.Título. 6. Joseph Roth, os contos 106 1l-00209 CDD-809 7. Sándor Márai 122 Índice paracatálogo sistemático: 8. Paul Celan e seus tradutores 1.Literatura: História ecrítica 809 144 9. Günter Grass e o Wilhelm Gustloff 165 10. W. G. Sebald, After Nature 180 [20n] Todos osdireitos desta edição reservados à 11. Hugo Claus, poeta 193 EDITORA SCHWARCZ LTDA. 12. Graham Greene, O condenado [Brighton Rock] 198 Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 °4532-002 - São Paulo - SP 13. Samuel Beckett, os contos 2°9 Telefone (n) 37°7-35°0 14- Walt Whitman 214 Fax (n) 37°7-35°1 www.companhiadasletras.com.br 15. William Faulkner e seus biógrafos 231 16. Saul Bellow, osprimeiros romances 251 Créditos 17. Arthur Miller, Os desajustados 268 18. Philip Roth, Complâ contra aAmérica 274 19· Nadine Gordimer , 293 20. Gabriel García Márquez, Memórias de minhas putas tristes 308 21. V. S. Naipaul, Meia vida 324 Notas 347 O ensaio sobre Arthur Miller foi publicado originalmente em Writers atthe Movies [Escritores no cinema]' org. Jim She pardoNova York:HarperCollins, 2000. O ensaio sobre Robert Musil foi publicado originalmente como introdução aThe Confusions ofYoung Torless [Asconfu sões do jovem Ti;irless]' trad. Shaun Whiteside. Londres: Pen gUIn, 2001. O ensaio sobre Graham Greene foipublicado originalmen te como introdução aBrighton Rock. Nova York:Penguin, 2004 O ensaio sobre Samuel Beckett foi tirado da introdução ao quarto volume de Samuel Beckett: The Grave Centenary Edition. Nova York:Grove, 2006. O ensaio sobre Hugo Claus foipublicado originalmente co mo apresentação à edição em brochura de Hugo Claus, Greetíngs: Selected Poems, trad. John Irons. Nova York: Harcourt, 2006. Todos osdemais ensaios foram originalmente publicados na New YorkReview of Books. 7 Introdução Por que razão alguém pode sentir-se atraído pela leitura de uma coletânea de resenhas de livros e apresentações literárias de um escritor conhecido acima de tudo por sua ficção? Os ro mances de J. M. Coetzee conquistaram aclamação em todo o planeta; dois deles receberam o Booker Prize, e foi por sua obra de ficcionista que conquistou o prêmio Nobel de literatura em 2003. Alguns de seus livros combinam ficção e não ficção, e ele emprega com frequência uma persona fictícia - especialmen te uma escritora australiana chamada Elizabeth Costello - para abordar certas questões importantes do momento atual. Em Me canismos internos, contudo, ele nos fala com sua própria voz, dan do prosseguimento a uma prolífica carreira de resenhista e críti co que já resultou na publicação de três coletâneas de ensaios. Existem dois incentivos óbvios para nos voltarmos da ficção para a prosa crítica: a esperança de que estes textos mais diretos possam lançar alguma luz sobre seus romances muitas vezes oblí quos, eaconvicção de que um escritor que em suas obras imagi nativas se mostra capaz de penetrar até o cerne de tantas ques- 9 tões urgentes deve ter muito aoferecer quando escreve, por assim te convidado arefletir sobre cada uma delas por vez, oleitor deste dizer, com a mão esquerda. Em especial, há sempre o interesse volume é estimulado avê-Iasem relação umas com asoutras. em ver como um escritor de primeira linha trata os seus pares, A maioria dos capítulos que se seguem apresenta um re comentando não como um crítico de fora mas na qualidade de trato do artista como o contexto para o livro ou oslivros em dis alguém que trabalha com as mesmas matérias-primas. Há far cussão, que tomados em conjunto ilustram com riqueza de deta tos indícios de que asegunda expectativa tende aser atendida. A lhes avariedade eaimprevisibilidade das vidas dos escritores do obra não ficcional e semificcional de Coetzee, encarada em seu século xx. (Há entre eles um escritor do século XIX, Walt Whit conjunto, representa uma contribuição substancial e significati man, poeta fora do seu tempo mas ao mesmo tempo muito re vaàdiscussão permanente sobre olugar da literatura na vida dos presentativo.) Os primeiros sete - !talo Svevo, Robert Walser, indivíduos e das culturas. Asentrevistas eosensaios publicados Robert Musil, Walter Benjamin, Bruno Schulz, Joseph Roth e em Doubling the Point [Voltando ao ponto], os estudos sobre a Sándor Márai - formam um aglomerado com lImitas inter-re literatura sul-africana eacensura em White Writing [Escrita bran lações: todos nasceram na Europa no final do século XIX eviven ca] eGiving Offense [Ofendendo], eas"lições" de Elizabeth Cos ciaram, na juventude ou na meia-idade, as reviravoltas da Pri tello investigam, entre muitos outros tópicos, a relação entre a meira Guerra Mundial, tendo muitos deles ainda atingido, ou arte eapolítica, acontinuidade entre oestético eo erótico, asres atravessado, também a Segunda Guerra Mundial. Apesar das dis ponsabilidades do escritor eopotencial ético da ficção. O fato de paridades de suas origens nacionais eétnicas (italiana, suíça, po os romances e memórias de Coetzee apresentarem questões se lonesa, galiciana e húngara), das diferentes línguas em que es melhantes é testemunho da integridade e da persistência de sua creveram e das trajetórias muito diversas de suas biografias, há concepção do papel do artista. entre eles conexões claramente perceptíveis. Todos sentiram ane Em 2001 Coetzee publicou Stranger Shores [Margens estra cessidade de explorar, na ficção, a extinção do mundo em que nhas], uma coletânea de ensaios datados de 1986 a 1999, em sua tinham nascido; todos registraram as ondas de choque do novo maioria publicados originalmente na New YorkReview ofBooks. mundo que emergia. Suas origens burguesas não osisentaram das Continuou a escrever regularmente para o mesmo periódico, e tribulações do exílio, da destituição e, àsvezes, da violência pes este livro é novamente composto quase todo de resenhas produ soal. Quatro deles eram judeus, e dois morreram em decorrên zidas segundo os padrões da revista, generosos e estritos ao mes cia da perseguição nazista. (Entre ossete, aúnica exceção aesse mo tempo, juntamente com uma seleção de outros ensaios escri padrão é um dos judeus: !talo Svevo, que permaneceu arraiga tosquase sempre como introdução àreedição de obras literárias. do em Trieste até amorte. O rumo diferente da sua vida pode ser Embora os capítulos desses dois livros ostentem a aparência do parcialmente explicado pelo fato de ter morrido em 1928; como artigo ocasional, eles dão continuidade, num outro plano, àinves nos conta Coetzee, aviúva de Svevopassou escondida osanos da tigação de Coetzee sobre olugar eafinalidade da literatura - e, guerra, e o neto dos dois, escondido com ela, acabou fuzilado não sepode deixar de enfatizar, sobre seus prazeres, além dosseus pelos nazistas em 1945.) O que emerge desse conjunto de ensaios desafios. Enquanto oleitor das resenhas originais era basicamen- é uma Europa em transição dolorosa, e uma série de obras lite- 10 11 rárias cuja originalidade é vista corno a resposta necessária do claramente o compromisso de Coetzee tanto com a arte quanto artista a mudanças de tamanho alcance. Urna figura óbvia está com a ética quando ele apresenta, ao final do capítulo sobre o ausente (embora seja mencionado em conexão com vários dos filme, um comentário especialmente revelador sobre adiferença escritores abordados): Franz Kafka, cujas obras parecem apre entre a imagem fotográfica earepresentação literária: oscavalos sentar de forma concentrada muitas das paixões e dos percalços selvagens cercados no filme estavam de fato aterrorizados. explorados de maneira mais extensa por esses sete escritores. O próprio Coetzee costuma servisto corno um escritor nem Num segundo grupo, somos levados da crise da metade do europeu nem americano: passou quase toda avida de escritor na século XX na Europa para o período que a sucedeu. Nesses estu África do Sul, emetade dos seus romances transcorre nesse país. dossobre Paul Celan, Günter Grass, W. G. Sebald eHugo Claus Hoje mora na Austrália, e um de seus romances mais recentes, torna-se mais difícil discernir um padrão comum, na medida em Homem lento, é ambientado em sua cidade adotiva, Adelaide. que ashistórias tanto nacionais quanto individuais divergem de Os últimos três escritores da coletânea têm origens igualmen maneira mais acentuada, embora a sombria história recente da te não metropolitanas, e também foram agraciados com o reco Europa permaneça um ponto elereferência constante. nhecimento mundial na forma do Prêmio Nobel de Literatura: A segunda metade do livro, Coetzee dedica basicamente Nadine Gordimer, Gabriel García Márquez e V. S. Naipaul. a obras em inglês. (Corno relata em Infância, foi criado falan Aqui, Coetzee assesta ofoco em obras determinadas, em vez de do inglês corno primeira língua, embora seus pais falassem o enquadrar avida dos autores: lemos estes seus ensaios não corno africânder; também se sente à vontade com o holandês e o ale urna avaliação feita em retrospecto, mas corno expressão do seu mão, corno sugerem seus comentários sobre obras nessas lín compromisso com os contemporâneos. Coetzee espera que sua guas.) A atenção de Coetzee é capturada pela intensidade mo própria ficção seja avaliada à luz dos mesmos padrões de rigor ral de Graham Greene, pela intensidade existencial de Samuel que aqui aplica aos outros. Beckett e pela intensidade homoerótica de Walt Whitman. E o Ninguém poderia imaginar depois de ler apenas seus ro estudo sobre Whitman conduz a outro grupo, dessa vez de es mances, mas Coetzee éum resenhista ideal. Parece ter lido tudo critores americanos, que tiveram dificuldades e oportunidades que érelevante sobre oseu terna, muitas vezes inclusive oslivros de criação totalmente diversas das dos europeus. Abiografia de mais obscuros da obra de um autor; escreve com familiaridade Faulkner, e as biografias escritas sobre Faulkner, são o terna de fluente sobre opano de fundo histórico, cultural epolítico, seja outro capítulo, e a história dos anos desperdiçados escrevendo ro ele o Império Austro-Húngaro ou o Sul dos Estados Unidos; e teirospor encomenda em Hollywood parece muito diversa da luta ainda sedá à pachorra de resumir osenredos para que osleitores para escrever contra um pano de fundo de nações em guerra. Nos mais ocupados possam descobrir "o que acontece" da maneira primeiros romances de Saul Bellow, no filme Os desajustados, menos trabalhosa. Pouco se percebe do romancista de folga: os de Arthur Miller eJohn Huston, ena fantasia histórica de Philip floreios literários são poucos, e não senota nenhum sinal daque Roth Complô contra aAmérica, ternos mais três versões sem re la voz interna antes rabugenta que marca boa parte da ficção toques dos Estados Unidos no século xx. É possível perceber recente de Coetzee. (Podemos sentir, no entanto, a solidarieda- 12 13 de que lhe inspira a luta do escritor para manter-se fiel à sua vo moestava seu colega romancista por não ter se posto a serviço cação apesar de tudo.) Coetzee não hesita em emitir julgamen . das demandas éticas e políticas da África do Sul daquela época. tos, mas é um leitor generoso, aberto a uma ampla variedade de Coetzee, que se manifestou ele próprio em tom severo em ava temas e estilos. liações anteriores da obra de Gordimer, mostra-se aqui generoso E quanto ao segundo motivo para ler estes ensaios, aspossí ao reconhecer a busca da justiça como o princípio constante e veis revelações sobre a obra ficcional do próprio Coetzee? Será supremo da escritora; e ao assinalar que O engate, que ele classi que o leitor deste livro, voltando aos seus romances, irá desco fica de "um livro extraordinário", introduz uma nota espiritual brir que de alguma forma se modificaram? Um efeito pode ser inédita na obra da autora, parecendo recebê-Ia num campo em descobrir oquanto lhe éinadequado orótulo de escritor "sul-afri que já transitava, nem sempre com conforto, havia algum tem cano" (ou, nos diasque correm, "australiano"): acriação de Coet po. Pois, se existem vislumbres de transcendência nos romances zee se dá a partir de um rico diálogo com escritores de várias de Coetzee, elesnão sãosugestões de uma justiça possível, mas de tradições. Em especial, seu fascínio evidente pelos romancistas uma justiça animada, além de posta à prova, por uma deman europeus da primeira metade do século sugere que, embora da mais obscura ainda, que adefinição de "espiritual" se limita XX jamais tenha morado na Europa continental, ele é,visto de certo a indicar - uma demanda já prenunciada, desde Dostoiévski, ângulo, um escritor profundamente europeu. Igualmente óbvio por seus formidáveis antecessores europeus. é seu interesse profundo pelas mais minuciosas questões da lin guagem: os ensaios sobre os escritores que não escreveram ori Derek Attridge ginalmente em inglês sempre trazem um exame detalhado do ofício dos tradutores. E, para dar oexemplo de uma conexão mais específica, os leitores de Infância ficarão intrigados com os co mentários sobre a criação de um alter ego autobiográfico por Philip Roth em Complô contra aAmérica. Entretanto, muitos leitores à procura de pistas sobre a cria ção literária do próprio Coetzee ficarão tentados a debruçar-se sobre oúnico capítulo dedicado aoutra romancista da África do Sul, seus comentários ao romance O engate, escrito por Nadine Gordimer em 2001. O questionamento que Coetzee faz a Nadi ne Gordimer só pode ser lido como uma pergunta que também coloca para sipróprio: "Que papel histórico está disponível para uma escritora como ela, nascida numa comunidade colonial tar dia?". Nadine Gordimer escreveu uma conhecida resenha sobre Vida e época de Michael K, romance de Coetzee, em que ad- 14 15 1. Italo Svevo Um homem - um homem imenso, ao lado do qual você sesente muito pequeno - decide convidá-Io para conhecer suas filhas, afim de escolher uma delas para esposa. Elas são quatro, todas com osnomes começando em A;oseu nome começa com Z. Você vai visitá-Ias em casa e tenta travar uma conversa civili zada, mas não consegue evitar que insultos se despejem da sua boca. Você se descobre contando piadas indecentes, que são re cebidas com um silêncio glacial. No escuro, você murmura pa lavras sedutoras para a mais bonita das A; quando as luzes se acendem, descobre que quem vinha cortejando era aAde olhos estrábicos. Você se apoia descuidado em seu guarda-chuva; o guarda-chuva separte ao meio; todos riem. Issotudo parece, senão um pesadelo, um dessessonhos que, nas mãos de um vienense devidamente habilitado para interpre tá-Ios, como por exemplo Sigmund Freud, acabam revelando muita coisa embaraçosa a seu respeito. Entretanto não se trata de um sonho, esim de um dia na vida de Zeno Cosini, herói de A consciência de Zeno, romance de Halo Svevo (1861-1928). Se 17 Svevo é de fato um romancista freudiano, será freudiano na me ticos alemães. Não obstante as vantagens que seu aprendizado dida em que mostra oquanto avida das pessoas comuns é reple alemão podia trazer aseus negócios no Império Austro-Húngaro, ta de lapsos, parapraxias esímbolos, ou na medida em que, usan acabaram por privá-Io de uma formação literária italiana. do como fontes Ainterpretação dossonhos, O chiste esua relação De volta a Trieste, Svevo matriculou-se aos dezessete anos com o inconsciente e Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, no Instituto Superiore Commerciale. Seus sonhos de tornar-se ele cria uma personagem cuja vida interior obedece àslinhas des ator tiveram fim quando foi recusado num teste devido à sua critas pelos manuais freudianos? Ou será ainda que tanto Freud elocução defeituosa do italiano. quanto Svevo pertencem a uma era em que cachimbos, charu Em 1880, Schmitz pai sofreu reveses financeiros e seu filho 1 tos, bolsas e guarda-chuvas pareciam impregnados de significa precisou interromper os estudos. Obteve um emprego na filial dos secretos, enquanto nos dias de hoje um cachimbo é apenas em Trieste do Unionbank de Viena e, pelos dezenove anos se um cachimbo? guintes, trabalhou no banco. Fora do expediente, lia osclássicos italianos e avanguarda europeia em geral. Zola tornou-se o seu "Italo Svevo" (Italo, o Suevo) é obviamente um pseudôni ídolo. Frequentava salons artísticos eescrevia para um jornal sim mo. O nome original de Svevo era Aron Ettore Schmitz. Seu avô pático ao nacionalismo italiano. paterno era um judeu vindo da Hungria eestabelecido em Tries Entre os trinta e os quarenta anos, tendo experimentado o te. Seu pai começou a vida como mascate e acabou como um sabor de publicar um romance (Una vita, 1892 [Uma vida]) por bem-sucedido comerciante de artigos de vidro; sua mãe vinha de conta própria e vê-Io ignorado pelos críticos, eprestes arepetir a uma família judaica de Trieste. Os Schmitz eram judeus pra experiência com Senilidade (1898), Svevo casou-se com uma re ticantes, mas de observância não muito rígida. Aron Ettore ca presentante da proeminente família Veneziani, proprietários de sou-se com uma convertida ao catolicismo, epor pressão dela aca um estabelecimento que revestia cascos de navios com uma subs bou se convertendo ele também (um tanto a contragosto, vale tância patenteada que retardava a corrosão e impedia o cresci dizer). Abreve autobiografia publicada sob seu nome num mo mento de cracas. Svevo foi admitido na empresa, onde era en mento posterior da vida, quando Trieste setornara parte da Itália carregado da preparação da tinta apartir de uma fórmula secreta e a Itália se tornara fascista, é bastante vaga quanto a seus ante e supervisionava os demais funcionários. cedentes judaicos e não italianos. Asmemórias que sua mulher Os Veneziani já eram contratados por várias forças navais Livia publicou aseu respeito - com uma certa tendência hagio de todo o mundo. Quando oAlmirantado Britânico assinalou gráfica, embora plenamente legíveis - são igualmente discretas seu interesse, apressaram-se em abrir uma representação em Lon na matéria.' Em seus escritos, não se encontram personagens ou dres, gerenciada por Svevo. Para aperfeiçoar seu inglês, Svevo temas abertamente judaicos. teve aulas com um irlandês chamado James Joyce, que leciona O pai de Svevo - uma influência dominante em sua vida va no curso Berlitz de Trieste. Depois do fracasso de Senilida f - mandou osfilhos para um colégo interno de comércio na Ale I de, desistira de escrever asério. Agora, porém, no novo professor, manha, onde em suas horas vagas Svevo mergulhou nos român- encontrou alguém que gostava dos seus livros e entendia assuas 18 19 intenções. Animado, retomou o que chamava de suas garatujas, mo uma espécie à parte, coexistindo às turras com ostipos sau embora sóvoltasse apublicar alguma coisa na década de 1920. dáveis e irreflexivos que poderiam ser definidos como os "mais aptos" do jargão darwiniano. Com Darwin - lido através de Predominantemente italiana em sua cultura, a Trieste dos uma lente schopenhaueriana - Svevo manteve uma teimosa tempos de Svevo ainda assim fazia parte do império dos Habs implicância avida inteira. Seu primeiro romance pretendia tra burgo. Era uma cidade próspera, o principal porto marítimo de zer no título uma alusão a Darwin: Un inetto, "um inepto", ou Viena, onde uma classe média esclarecida tocava uma econo "mal-adaptado". Mas seu editor foi contrário, e ele acabou esco mia baseada na navegação, nos seguros e nas finanças. Aimigra lhendo obem mais inexpressivo Una vita. Num estilo exemplar ção levara para lá gregos, alemães e judeus; o trabalho braçal mente naturalista, o livro acompanha a história de um jovem era feito por eslovenos ecroatas. Em sua heterogeneidade, Tries bancário que, quando finalmente se vê obrigado aadmitir que te era um microcosmo de um império etnicamente variado em sua vida édesprovida de qualquer desejo ou ambição, toma apro que eram cada vez maiores asdificuldades para manter sob con vidência correta do ponto de vista evolucionário, e sesuicida. trole inúmeros ressentimentos interétnicos. Quando esses ódios Num ensaio posterior, intitulado "O homem eateoria dar explodiram, em 1914, o império mergulhou na guerra, arrastan winiana", Svevo mostra Darwin por um viés mais otimista, que do a Europa consigo. acaba conduzindo àspáginas de Zeno. Nossa sensação de nunca Embora acompanhassem Florença nas questões culturais, estarmos à vontade no mundo, sugere ele, resulta de um certo os intelectuais triestinos tendiam a mostrar-se mais abertos às inacabamento da evolução humana. Para fugir a essa triste con correntes do norte que seus equivalentes da Itália. No caso de dição, há osque tentam adaptar-se aseu meio. Outros preferem Svevo,primeiro Schopenhauer eDarwin, emais tarde Freud, des ocontrário. De fora, os inadaptados podem parecer formas rejei tacam-se como asprincipais influências filosóficas. tadas pela natureza, mas, paradoxalmente, podem mostrar-se mais Como qualquer bom burguês do seu tempo, Svevo preo aptos que seus vizinhos bem-adaptados para enfrentar o que o cupava-se muito com sua saúde: o que constituiria a boa saú futuro imprevisível possa nos trazer. de, de que modo podia ser adquirida, e como mantê-Ia? Em sua obra, a saúde acabou assumindo uma ampla gama de sentidos, A língua de casa de Svevo era o triestino, uma variante do indo do físico e do psíquico ao social e ético. De onde vem a dialeto veneziana. Para tornar-se escritor, ele precisava dominar sensação insatisfeita, própria da humanidade, que nos diz que oitaliano literário, baseado no dialeto toscano. Mas jamais alcan não estamos bem e de que tanto desejaríamos ver-nos curados? çou o domínio que almejava. Para aumentar suas dificuldades, E essa cura, será possível? E se nos obrigar anos conformarmos tinha pouca sensibilidade para asqualidades estéticas da lingua com amaneira como ascoisas são, será essacura necessariamen gem, e especialmente nenhum ouvido para apoesia. Arreliava te uma coisa boa? seu amigo, ojovem poeta Eugenio Montale, dizendo que lhe pa Aos olhos de Svevo, Schopenhauer foi o primeiro filósofo a recia um desperdício usar apenas uma parte da página em bran tratar aspessoas acometidas do mal do pensamento reflexivo co- co quando pagara por toda ela. P.N. Furbank, um dos melhores 20 21

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