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MCK não quer o El Dorado, quer o futuro de Angola PDF

48 Pages·2012·5.8 MB·Portuguese
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Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 www.ipsilon.pt NTE ME A D A R A O SEP D DI N VE R DE SE O O P Ã N O, E C BLI Ú O P D Nº 7977 O Ã Ç DI A E D NTE A R G NTE RTE I A AZ P O F NT ME UPLE A ESTE S H N U O C R D E P Retrato de uma geração de artistas que faz ouvir a sua voz MCK não quer o El Dorado, quer o futuro de Angola Birdsong Unipessoal h O V UI Q R A OS/ M A R M s RTI A M Junho é o mês JP Simões: a “Carta Branca” do Centro Cultural de Belém é dia 2, o musical tragicómico a no São Luiz tem estreia a 27 Sacha Guitry JP Simões revisitado entre Lisboa e Guimarães colheita l Sacha Guitry (1885-1957) foi um dos 2012: maiores e continua a ser, em Portugal pelo menos, um cineasta teatro F muito desconhecido. Numa colaboração entre Guimarães 2012 no S. Luiz, Capital Europeia da Cultura e a Cinemateca Portuguesa, Fevereiro volta a trazer Guitry em quantidade, canções 18 anos depois de uma retrospectiva quase integral na Cinemateca. São novas cinco filmes em Guimarães e dez em Lisboa (dois dos quais, “Le Comédien” e “Aux Deux no CCB Colombes”, são inéditos por cá, tendo ficado de fora da retrospectiva de 1994). Vai ser um ano agitado O segredo do génio de Guitry, para JP Simões, marcado oriundo da mais nobre aristocracia por dois grandes teatral francesa, foi, para além do seu talento para as palavras e para momentos com os quipróquós, o desprezo que apresentação pública em votava ao cinema (a que chamava Junho. A 2, o Centro “teatro em conserva”): isso Cultural de Belém (CCB) protegeu-o, durante boa parte da concede-lhe “Carta obra pelo menos, da malfadada “correcção técnica”, do cinema que Branca” – à semelhança bbaallaannççããoo ddiizzeerr é “assim” porque é “assim” que do que fez noutros anos bbrasiilleiiro”” e uma outtra ‘‘estáá aquii um papell, uma tall Sumário deve ser. Foi livre e imaginativo com Jorge Palma, Camané, abordagem em que trabalha ‘Íntima Farsa’, quero saber como, entre os seus Fausto e Carlos Tê – para por estes dias e que se mais alguma coisa sobre MCK 6 contemporâneos, talvez só Renoir. um espectáculo em que encontra “numa área isto’. E então mandei-lhe de Falso misógino - todos os seus De Angola, com protesto filmes são declarações de amor a deverá mostrar uma bastante híbrida”: “Não sei novo aquilo que tinha feito, mulheres, a mulheres em especial e fornada de novas canções bem o que é, mas a minha com alguns acertos. O que The Thing + Atomic 14 às mulheres em geral -, torceu como em processo de fabricação. guitarra tem andado a ficou da estrutura inicial foi O jazz escaldante que veio ninguém a boa moral da mais fina Mais tarde, a 27, estreia-se sonhar com aquilo que a primeira inspiração – um do frio sociedade francesa, virando do no Teatro Municipal São ouve às vezes na guitarra do livro do Boris Vian, ‘A Erva avesso as suas instituições (o matrimónio, sobretudo) e as Luiz, também em Lisboa, o Norberto Lobo”, diz o Vermelha’. Peguei nisso e Air 16 relações entre classes. Usurpando- “musical tragicómico” músico. Por isso, sob os estruturei a peça em três Regresso à lua, 14 anos lhe as armas: os códigos, a “Íntima Farsa”, com texto comandos de Tomás dimensões: uma atrás da depois linguagem, o sentido das seu e música assinada em Pimentel estarão tanto tela, em que a história de conveniências e das aparências. Um parceria com Marco alguns músicos brasileiros fundo é uma sessão de Fernando Assis Pacheco 20 farsante em constante combate contra a hipocrisia do senso Franco, e em que que tocam com Simões na psicanálise; a meio, na tela, Crónica de um bom comum: “- Quer dizer que temos a participará também como Orquestra Arte & Manha depoimentos e coisas que malandro eternidade? - Melhor do que isso, actor. (Tercio Borges, Gabriel servem para atazanar, uma temos três dias!”. É o diálogo final O concerto no CCB terá Godoi e Juninho Ibituruna), caricatura da super- O Que Há de Novo dos amantes de “Faisons un Rêve” provavelmente como título como Marco Franco (ligado informação a alta no Amor? 24 (1937), e como isto nunca mais ninguém escreveu. genérico “Vida Ilustrada” e à música improvisada e à velocidade; e, finalmente, “Making-of” de um fi lme a 12 terá por companheira a música para dança) e outros os actores de carne e osso”. mãos obra do designer e pintor ainda por confirmar. Os actores, para além do Luís Lázaro. As imagens Quanto a “Íntima Farsa”, próprio JP Simões, serão Art Spiegelman 26 partilharão com as canções tudo começou com o Teresa Sobral, Joana “MetaMaus”, a história de as temáticas habituais no entusiasmo do anterior Manuel e Manuel Mesquita, uma BD que fez História músico, resumidas na director do S. Luiz, Jorge ficando a música em palco a sequência “nascer, ficar Salavisa, que no final de um cargo de Marco Franco Ficha Técnica com medo, crescer, o amor, concerto abordou JP e (director musical), Tomás o sexo, as complicações abriu-lhe a porta para Pimentel, Sérgio Costa e Directora Bárbara Reis Editor Vasco Câmara, entre responsabilidade avançar com uma proposta João Hasselberg. A Inês Nadais (adjunta) colectiva e liberdade de raiz. O músico escreveu encenação deste “Édipo Conselho editorial Isabel pessoal”. A ideia, depois, é um pequeno guião, versão 4.000.324”, uma das Coutinho, Nuno Crespo, Cristina encetar uma pequena destinado à prateleira possibilidades de leitura Fernandes, Vítor Belanciano viagem, de destino ainda durante quatro anos. segundo JP, caberá a Victor Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara desconhecido. O certo é “Quando o José Luís Hugo Pontes. Se tudo correr Directora de arte Sónia Matos que estas novas criações de Ferreira chegou à bem, tudo culminará com o Designers Ana Carvalho, JP Simões deverão dividir- direcção”, lembra JP, lançamento de dois discos e Carla Noronha, Mariana Soares Sacha Guitry vai ter se entre “temas que têm um “recebi um telefonema a um livro. Gonçalo Frota E-mail: [email protected] uma retrospectiva em 15 fi lmes Ípsilon • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • 3 h s a Os cartazes e as fotografi as reunidos pelo Museu l F do Quai Branly reconstituem a história de como o Ocidente viu “os selvagens” O italiano Vittorio Gregotti, que projectou o Centro Cultural Os zoos de Belém com Manuel Salgado, dá uma conferência a 8 de Março humanos em Paris Tudo terá começado com os seis índios que Cristovão Colombo trouxe da América em 1492 para apresentar à corte de Espanha. Os O cineasta gravou “Concerning europeus olharam fascinados para The Entrance Into Eternity” com os “selvagens” para perceber até o holandês Jozef Van Wissem que ponto eram semelhantes a eles. Mas só muito mais tarde,, no início do século XIX, éé que a prática de exibir homens e mulheres trazidos das colónias se UUniversidade do Porto (FAUP), em Ridley Scott quer generalizou. A história pparceria com esta instituição, vai de como os europeus o guião de Cormac Jim Jarmusch promover na cidade ao longo dos criaram jardins também próximos meses. Assumindo “a McCarthy zoológicos para a condição histórica de um lugar e de exibição de outras raças tem um disco uma comunidade”, e tomando O que daqui pode sair ninguém – numa prática como referência a aventura comum sabe ainda exactamente, mas as transformada em O realizador de cinema americano percorrida por Fernando Távora, possibilidades são estimulantes. O divertimento de massssaass mais querido do universo indie, Jim Álvaro Siza e Eduardo Souto de romancista Cormac McCarthy acaba – é contada na Jarmusch, vai lançar um álbum, Moura – o mesmo é dizer a Escola de completar o seu primeiro exposição “A Invenççããoo ddooo seguindo as pisadas recentes de do Porto –, os promotores da argumento original para cinema, Selvagem”, no Museeuu ddoo David Lynch. Não se pode dizer que iniciativa querem debater a “The Counselor”, a história de um Quai Branly, em é propriamente uma surpresa. O evolução da arquitectura nas suas advogado que se deixa arrastar para Paris, até 3 de cineasta de “Flores Partidas” ou dimensões de “prática disciplinar e o mundo da droga. E o primeiro Junho. “Stranger Than Paradise” já foi experiência artística – criação, cineasta a interessar-se pelo guião Um dos casos mais curador do festival de música All pensamento, conhecimento”. O parece ser Ridley Scott. “The célebres é o de Tomorrow’s Parties e as calendário abre já no dia 22 com a Counselor” está nas mãos dos Saartje Baartman, cumplicidades com gente da música intervenção de dois portugueses: produtores Nick Wechsler, Steve conhecida como a – de Tom Waits a John Lurie – têm Gonçalo Canto Moniz (Universidade Schwartz e Paula Mae Schwartz, Vénus Hotentote sido uma constante do seu de Coimbra), que está a investigar o que já haviam estado por trás da (recentemente, o percurso. O álbum, de nome ensino da arquitectura em Portugal, adaptação ao cinema de “A Estrada” filme “Vénus Negra””,, “Concerning The Entrance Into e José Miguel Rodrigues (FAUP), um por John Hillcoat, mas, segundo o de Abdellatif Kechichhee,, Eternity”, resulta de uma dos autores do projecto da Nova “site” Deadline New York, o recordava a sua colaboração com o músico Aldeia da Luz, no Alentejo. Entre os realizador tem falado directamente história). Foi trazidaa ddaa holandês Jozef Van Wissem, e será participantes estrangeiros, realce com o escritor e parece querer África do Sul para a lançado a 28 de Fevereiro. Não é a para o regresso a Portugal de filmar o guião após terminar Europa e exibida em Paris e Londres, onde durante anos primeira vez que os dois colaboram, Vittorio Gregotti, o italiano que “Prometheus”, a prequela/revisão despertou uma curiosidade mórbida pela deformação física que tendo-o efectuado em Junho projectou, com Manuel Salgado, o de “Alien” que estreará em Junho. tinha nas ancas e na bacia. passado, no disco “The Joy That Centro Cultural de Belém McCarthy não se pode queixar da Na Europa do século XIX, os indígenas trazidos das colónias Never Ends”. Resta dizer que (conferência a 8 de Março), e a vida que os seus romances tiveram eram apresentados ao lado de anões, de pessoas sofrendo de Jarmush toca guitarra e que, pela presença do francês Jean-Philippe no cinema – que incluiram até agora obesidade mórbida ou das célebres “mulheres barbudas”. Os primeira amostra que já se faz ouvir Vassal, da Universidade de Berlim também “Este País Não É para ocidentais perguntavam-se se os “selvagens” pensavam como por aí (“The sun of the natural (22 de Maio). Os espanhóis Velhos”, dos irmãos Coen, e uma eles, se tinham alma, se estariam mais próximos dos homens ou world is pure fine”), dir-se-ia muito Francissccoo JJaarraauuttaa ((1199 ddee AAbbrriill)),, aaddaappttaaççããoo ddee “BBeellooss CCaavvaallooss” qquuee o dos animais. influenciado pela forma dissonante Mauriccii PPllaa ((2266 ddee AAbbrriill)),, LLuuiiss rreeaalliizzaaddoorr BBiillllyy BBoobb TThhoorrnntton Ao mesmo tempo, a Europa tentava dar uma caução científica a de tocar guitarra dos My Bloody Santa-MMaarriiaa ((33 ddee MMaaiioo)),, LLuuzz ddeessaauuttoorriizzoouu aappóóss uumma este “estudo”, com especialistas registando as características Valentine. Já Van Wissem é mais Valderrraammaa ((1177 ddee MMaaiioo)) ee lloonnggaa bbaattaallhhaa ccoomm oo físicas dos “selvagens”, medindo-lhes o tamalho das cabeças, harmónico na sua forma de estar, Federiccoo SSoorriiaannoo ((2244 ddee eessttúúddiioo ––,, mmaass SSccoott comparando tons de pele ou cores dos olhos (uma exposição encarregando-se do alaúde. Maio), oo ffrraannccêêss JJaaccqquueess eessttáá lloonnggee ddee sseerr recente no nosso Instituto de Investigação Científica e Tropical, Vítor Belanciano Lucan ((1155 ddee MMaarrççoo)) ee oo cciinneeaassttaa ccoonnsseennssual “Viagens e Missões Científicas nos Trópicos 1883-2010”, britâniccoo AAnntthhoonnyy VViiddlleerr ((66 ee hháá jjáá qquueemm eesstteeja mostrava alguns destes instrumentos de medição utilizados nas de Junhhoo)) ttaammbbéémm aa aaffiiaarr aass ffaaccaass.. AA missões portuguesas nas antigas colónias). Práticas da integraamm oo ppaaiinneell ddee vveerr oo qquuee ddaaqquuii ssai. Os “gabinetes de curiosidades” iniciais evoluíram para os Arquitectura em confereenncciissttaass,, ddee qquuee ffaazzeemm “jardins zoológicos de aclimatação”, onde podia ser mostrada parte aaiinnddaa MMaarrttaa OOlliivveeiirraa por exemplo uma caravana egípcia (em Lisboa, na Exposição do debate no Porto (23 de FFeevveerreeiirroo)),, Mundo Português, em 1940, homens e mulheres trazidos das Jorge FFiigguueeiirraa colónias eram apresentados em espaços que reconstituíam os Haverá arquitectos, investigadores e (1 de MMaarrççoo)) seus habitats naturais). professores de Arquitectura vindos e Alexaannddrree Ridley Scott parece disposto A exposição do Quai Branly reúne perto de 600 peças (entre de Espanha, França, Itália e Alves CCoossttaa a fi lmar “The Counselor” pinturas, esculturas, cartazes, postais, filmes, fotografias, Inglaterra, mas também vários (31 de assim que terminar a prequela moldes e roupas) relacionadas com a “indústria do espectáculo portugueses a participar no ciclo de Maio). de “Alien” exótico”, que se prolongou até há muito pouco tempo (os conferências “Prática(s) da Sérgio CC.. comissários estabelecem como balizas as datas de 1800 a 1958) e Arquitectura – Projecto. Andraddee que levou à exibição de cerca de 35 mil pessoas, marcando Investigação. Escrita”, que a profundamente a forma como o Ocidente aprendeu a olhar para Associação de Estudantes da o Outro. Alexandra Prado Coelho Faculdade da Arquitectura da 4 • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • Ípsilon AGENDA CULTURAL LANÇAMENTOS EXPOSIÇÕES FNAC APRESENTAÇÕES MÚSICA AO VIVO EVENTOS DIÁRIOS de ENTRADA LIVRE APRESENTAÇÃO ENCONTRO COM JOÃO TORDO Apresentação da obra Anatomia dos Mártires Num encontro com o público, o autor dá a conhecer o seu mais recente romance. Uma obra que relata simultaneamente duas histórias verdadeiras transformadas em ficção. 11/02 SÁB 16H00 FNAC NORTESHOPPING MÚSICA AO VIVO CAPITÃES DA AREIA O Verão Eterno Ténis brancos muito mal tratados, praia, calças às cores e as riscas verticais da Costa Nova compõem o imaginário dos quatro rapazes de Lisboa. A não perder no Fórum FNAC. 10/02 SEX 21H30 FNAC ALFRAGIDE 18/02 SÁB 17H00 FNAC ALMADA 11/02 SÁB 17H00 FNAC VASCO DA GAMA 18/02 SÁB 21H30 FNAC COLOMBO MÚSICA AO VIVO UXU KALHUS Extravagante Com temas que combinam novas abordagens ao cancioneiro português e composições originais, sempre com um toque festivo e camaleónico, como é habitual na banda, este disco pretende ser ainda mais ousado do que os trabalhos anteriores. 16/02 QUI 20H30 FNAC CHIADO 17/02 SEX 18H30 FNAC CASCAISHOPPING 19/02 DOM 17H00 FNAC COLOMBO 17/02 SEX 22H00 FNAC ALMADA 25/02 SÁB 15H30 FNAC ALGARVESHOPPING LANÇAMENTO GOVERNO DE PIMENTA DE CASTRO - UM GENERAL NO LABIRINTO POLÍTICO DA 1ª REPÚBLICA Livro de Bruno J. Navarro Esta obra tenta trazer alguma luz sobre um período conturbado da história do século XX português. O lançamento do livro conta com a presença do autor e do representante da Presidente da Assembleia da República. A apresentação está a cargo do Prof. José Santos Alves. 10/02 SEX 18H30 FNAC COLOMBO EXPOSIÇÃO ARREFECEU A COR DOS TEUS CABELOS Fotografias de Lara Jacinto Novo Talento FNAC Fotografia 2011 – Vencedora Evocando os temas do amor, do hábito e da solidão, esta exposição testemunha a relação de um casal que procura vestígios do que foi, ao mesmo tempo que toma consciência de que tudo se altera à passagem do tempo. 24/01 > 24/03/2012 FNAC CHIADO apoio: Consulte os eventos FNAC em culturafnac.pt A H UN Voz C O R D E P Filho dos bairros periféricos de Luanda, estudante de Direito, licenciado em Filosofi a, é o rapper mais ouvido de Angola Há um mês, MCK fez o lançamento a falta de emprego, a pobreza oficial do seu último álbum, “Proibido extrema”. 54 por cento dos an- Ouvir Isto”. Há muito que era espera- golanos vivem abaixo do li- do o sucessor de “Nutrição Espiritu- miar de pobreza, com menos al”. Há muito que se esperava ouvir de um euro por dia. No seu em canção o que tinha a dizer sobre último relatório dedicado a Angola onde nasceu em 1981. Lan- a Angola, a Human Rights çado em Luanda, Benguela, Malange Watch denuncia restri- e Cabinda, “Proibido Ouvir Isto” atra- ções à liberdade de im- vessou Angola num ápice. A palavra prensa ou a reiterada espalhou-se como fogo em palha seca. proibição de manifesta- Em quatro horas voaram dez mil dis- ções anti governamentais, cos. Números impressionantes. MCK o que contraria a Consti- de volta: “Eu avisei que era proibido tuição aprovada em 2010. ouvir isto, mas vocês carregaram play. Enquanto isso, um jornalis- Estou di volta na caminho di luta, em ta como Rafael Marques escre- busca de justiça, paz e liberdade”. ve sobre os atentados aos direi- Quem é MCK? É um rapper que uti- tos humanos perpetrados sobre os liza o hip hop como arma de interven- mineiros das Lundas e expõem em ção e cuja música, divulgada nos can- acções judiciais teias de corrupção dongueiros que transportam as po- que atravessam o Estado angolano. E pulações no lufa lufa do quotidiano, MCK, por cantar o que canta, já teve publicitada pelos piratas que vendem uma pistola apontada à cabeça – “é CDr na rua, partilhada em larga esca- um recado para pensares no que an- la na net, se transformou na voz não das a fazer”, disseram-lhe -, já recebeu oficial de Angola, o que muito desa- ameaças por carta, sms e por vultos grada ao Estado angolano – “tenho um surgidos no escuro da noite. Carrega caminho premiado de proibições”, consigo a morte de Arsénio Sebas- dir-nos-á. É, também, representante tião “Cherokee”, um lavador de de uma geração que conheceu a guer- carros de 27 anos cujo assassina- ra civil que paralisou o país durante to em 2003 por membros da décadas, mas que não aceita que a Guarda Presidencial, à vista de guerra continue a ser invocada pelo quem passava no embarca- Estado como desculpa para as injus- douro do Mussulo, por can- tiças sociais. Foi uma das personali- tar “A Téknika, as kausas dades ouvidas pela presidente alemã, e as konsekuências”, Angela Merkel, quando esta, em visi- crítica nada discreta ta oficial a Angola, em Julho de 2011, ao governo angolano, quis auscultar a sociedade civil. E é, causou escândalo in- ambição máxima, alguém que preten- ternacional. Não, o de cumprir o sonho por cumprir das Eldorado não mora independências africanas, citando aqui. E MCK não está Kwame Nkrumah, líder do Gana in- sozinho. dependente, Julius Nyerere, primeiro Músicos activistas presidente da Tanzânia, ou o tão pró- como Ikonoklasta ou ximo Agostinho Neto como inspiração Carbono amplificam para a criação de um país que tenha palavras de ordem consciência da sua riqueza cultural e como “o país não que orgulhe os angolanos, “fazendo- tem dono, An- os sentir incluídos nessa vitória que gola é de to- é a subida do PIB, pela distribuição dos nós” equitativa dos rendimentos do pa- ou, em ís”. referên- cia aos Ums pistola apontada anos à cabeça d e Diz: “A geração que viveu 1975 tinha o desafio da independência. Nós te- mos os nossos desafios. A corrupção, 6 • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • Ípsilon Angola de OO rraappppeerr MMCCKK llaannççoouu eemm JJaneiro “Proibido Ouvir Isto” e, em quatro horas, de norte a sul ddee AAnnggoollaa,, vvooaarraamm 1100 mmmil cópias. Fala com eloquência do país que existe para além ddoo EEllddoorraaddoo ddee ppeettrróólleeeoo e diamantes. O poder angolano não gosta do que ele canta. EE aallgguuéémm qquuee rreepppresenta o desejo de futuro da sua geração. Mário Lopes presidência de José Eduardo dos San- Isso é uma vantagem: “Temos muito rio cheio. Estavam lá nomes impor- ram kuduru com a música das déca- tos, “32 é demais”. São frases ouvidas que aprender e, se nos mantivermos tantes do hip hop nacional como das de 1960 e 1970 preservada nos da boca de pessoas que começaram focados nas coisas certas, teremos Valete, Chullage ou o angolano radi- arquivos da delegação angolana da a sair à rua em manifestações para argumentos para reclamar de forma cado em Portugal Bob Da Rage Sense. Valentim de Carvalho (o álbum cha- exigir maior liberdade de expressão consequente, e de hoje, novas solu- Lá estavam Conductor, nome fulcral ma-se “Dance Mwangolé” e é acima ou o fim da pobreza extrema, enfren- ções rumo a uma vida melhor”. da criação de uma identidade no hip de recomendável). Coquenão mostra tando a agressividade da polícia e, em MCK tem noção perfeita do que são hop angolano, através do admirável as últimas pérolas do passado ango- vários casos, a detenção nas prisões. para si as coisas certas, esgrime os Conjunto Ngonguenha, e, mais tarde, lano que descobriu nos arquivos. MCK Quer a voz se erga ou não em disco seus argumentos com sageza e tom já em Portugal, um dos fundadores reconhece algumas. Ouvia-as na Rá- ou em manifestações, quer falemos certeiro. Para Nástio Mosquito, não é dos Buraka Som Sistema. A apresen- dio Nacional de Angola, enquanto de gente que nasceu e sempre viveu surpreendente o seu impacto e a tação do álbum foi um misto de con- crescia. em Angola, quer falemos daqueles abrangência da sua voz, que começou ferência política e de sessão musical, Nasceu em Luanda, no município que tiveram o privilégio de sair para por chegar à comunidade hip hop, o que faz todo o sentido: “Aborreço- da Ingombota, no bairro do Maculus- estudar fora e conhecer mundo, é mas que há muito extravasou as suas me batendo nas mesmas teclas / Falo so, filho de um motorista e de uma inegável nesta geração um dese- fronteiras, abrangendo o povo dos 7, muito de política. Poderia cantar fu- empregada doméstica, e é o mais no- jo de futuro, de construção. o que já nasce a ouvir rap, aos 70, o tilidades para distrair o povo”, diz vo de oito irmãos. Quando os pais se O multifacetado Nástio que vê o hip hop com desconfiança, MCK. separaram, mudou-se com a mãe pa- Mosquito, músico, videasta, mas que aprendeu a admirar as pala- Acompanhado por Mr Isaac e por ra o Catambor, “um dos bairros peri- fotógrafo e artista plástico, vras e a música de MCK. Diz-se que DJ Nel Assassin, rappou canções do féricos com maior foco de crime”. ele que se descreve como uma canção sua é mais relevante po- novo álbum, foi filmado pelas deze- Mudou-se novamente pouco depois, “vagabundo criativo com liticamente e mais ouvida que os dis- nas de telemóveis, arrancou aplausos “para um bairro um pouco mais preocupações sócio-eco- cursos políticos na Assembleia Nacio- quando chegou “Atrás do prejuízo”, TOS N nómicas” (“tem que che- nal angolana. “A parte importante canção maior que nos atira para o A SA gar”, acrescenta), ele [em tudo isto] é a comunicação”, re- centro da vida quotidiana dos habi- R EI que nasceu no Huambo flecte Nástio Mosquito. “Não acho tantes dos musseques, ou quando RR E e que passou parte da uma coisa surpreendente que alguém apresentou “No país do pai banana”, O F N adolescência em Por- eloquente como o MCK, e sendo do retrato de uma dependência e reve- U N tugal, vivia em Lon- ‘povo’, tenha maior impacto no ‘po- rência, imposta mas já inculcada na dres quando a paz se vo’ do que uma assembleia adorme- população, perante um homem pro- instalou em Angola. cida e distante do que se passa nas videncial acima de qualquer crítica Decidiu regressar. ruas”. Escrito isto, questiona, “é di- (que pode ser o patrão, o chefe da “Teria de sentir de ferente em Portugal?” A distância repartição, o Presidente da Repúbli- perto o que estava a entre as acções da classe política e a ca). acontecer. Não mais realidade nas ruas e a desconfiança, Quando o vimos pela primeira vez, voltei a Londres. Divór- quando não indiferença, com que ela no vídeo de “Atrás do prejuízo”, era cio, novo ‘guarda-roupa’ é ouvida, também faz parte da reali- um rapaz de boné e camisola larga e uma atitude de reconstru- dade portuguesa. Mas MCK, e o per- que correspondia à imagem b-boy do ção”, escreve-nos por email. curso de MCK, e a resposta das auto- hip hop. Hoje, de óculos e casaco de Ao observar o seu país hoje, as ridades a MCK, é uma história ango- bom corte, surge-nos na sua elegância contradições entre o poder económi- lana. Da Angola de hoje. descontraída como artista com algo co pujante e a incapacidade de o fazer Estamos num estúdio lisboeta pro- de estadista, ouvindo compenetrado verter ao todo social, algo que, res- tegido do frio do Inverno. MCK está as perguntas e, ponderado, pausado, salva, não vê como particularmente em Portugal para lançar o seu álbum, alinhando cuidadosamente as respos- “Devemos ser dos poucos países que têm um presidente vivo nas suas notas” distinto das realidades do Ocidente que será aqui distribuído pela Rádio tas e utilizando aqui e ali um humor com que foi contactando – a diferen- Fazuma, grande ponte musical com certeiro. ça é que, ali, “as coisas são de facto África, em particular a lusófona. No Encontrámo-lo no dia seguinte, no mais evidentes” -, Mosquito tem a dia anterior, MCK estivera na loja estúdio protegido do frio. Pedro Co- sensação “que quem olhar para An- FNAC do Centro Comercial Colombo, quenão está connosco. Figura de des- gola com olhos de ver verá como o para o lançamento oficial de “Proibi- taque da Radio Fazuma, é membro mundo moderno foi ‘construído’”. do Ouvir Isto”. Recebeu-o um auditó- dos Batida que, há dois anos, cruza- Ípsilon • Sexta-feira 10 Fevereiro 2011 • 7 P F A A/ CI R E U G GI UI NL A GI Mercado de São Roque, Luanda “A pobreza leva-te a experimentar um pouco de tudo. Fazes aquilo que podes e não aquilo que queres” ppeessaaddoo””,, oo MMaarrggoossoo,, ou “Chabá”. não só. “A pobreza leva-te a experi- um resgate e uma valorização cultu- nalmente. Trabalha numa empresa AA eedduuccaaççããoo rreelliiggiioossaa qquuee recebeu por mentar um pouco de tudo. Fazes ral, uma visão mais integradora e um de transportes, desenvolve projectos iinnfflluuêênncciiaa ddaa mmããee,, tteesstemunha de aquilo que podes e não aquilo que maior respeito pelo sentido de patrio- como freelancer em comunicação e JJeeoovváá,, sseerrvviiuu ddee pprrootteeccçção. Não fosse queres”, confessa. Não é por acaso tismo. Associei isso ao facto de o ele- marketing, estuda Direito à noite e é eessssaa pprreesseennççaa ee ““aattéé aaooss 12 anos”, co- que diz sentir-se um vencedor: “Ape- mento mais forte de transmissão de um independente que gere uma pe- mmeennttaa,, ““eessttaarriiaa lliiggaaddoo ao crime ou sar de crescer naquela confusão, na- conhecimento que temos em Angola quena editora, a Masta K Produções, sseerriiaa aallccooóólliiccoo””.. OO sseeuu ppercurso estu- quela promiscuidade em que é quase ser a oralidade. Tem força vinculativa e que nem sempre consegue “juntar ddaannttiill éé uumm ffrreenneessiimm.. ÉÉ llicenciado em impossível sobreviver honestamente, e faz com que a música não seja só 60 mil dólares” para lançar um novo FFiilloossooffiiaa,, mmaass tteemm ttaammbém o curso preservei a ética e o sentido de vida música. É um instrumento de luta, de álbum – “sou um bocadinho aquilo bbáássiiccoo ddee FFiisioterapia. E honesta. E contribuí para a constru- partilha de educação, de passagem que é o modelo de Angola, um labo- ttaammbbéémm passou pelo ção desse espírito na comunidade de testemunho.” A identidade musi- ratório de sobrevivência”. ccuurrssoo ddee Administra- angolana. Conseguir sobreviver sem cal estava definida – o hip hop, que Vê os seus discos como “interpre- ççããoo PPúúbblica do Insti- me corromper já é uma vitória”. cumpre a mesma função que a músi- tações” do tempo que passou e do ttuuttoo MMédio de Eco- Durante este percurso, a música ca de protesto nas décadas de 1960 e que mudou na sociedade entretanto. nnoommiia. E, termina- atravessou-se no seu caminho. Come- 1970, a acolher no seu seio a tradição Nesse sentido, diz, “cinco anos são ddaa aa filosofia, está çou pelo breakdance, influenciado musical angolana e a diversidade cul- um bom espaço de tempo que ofere- aaggoora a estudar pelo cinema americano. Depois che- tural do país. Depois, a realidade à cemos a qualquer governação demo- DDireito. Sede garam os sons de Run DMC ou Public sua volta deu-lhe as palavras de que craticamente eleita”. Nesse espaço de dde conheci- Enemy, primeiro, chegaram depois precisava. tempo, viu a paz chegar definitiva- mento? Cer- os brasileiros Racionais MCs e Gabriel Em 2002 lançou o primeiro álbum, mente e, com ela, surgir por fim a tamente. Mas O Pensador, chegou de Portugal a “Trincheira de ideais”. Em 2006 o possibilidade de pensar em mais que compilação “Rapública” e, mais tar- segundo, “Nutrição espiritual”. E ago- a sobrevivência até ao dia seguinte. Nástio Mosquito, de, Boss AC. Quando tomou contacto ra chega “Proibido Ouvir Isso”. São, Mas assistiu também ao “boom” do músico, videasta, com a literatura das independências à primeira vista, para quem pretende petróleo e a tudo o que isso implicou fotógrafo, regressou africanas, com os ideais do pan afri- intervir tão proximamente na reali- económica e socialmente. Critica a de Londres a Luanda canismo e com o “renascimento” da dade angolana, muitos anos entre cultura materialista, a “cultura do pe- para ver Angola comunidade afro-americana, tudo se cada disco. MCK corrige-nos. Antes tróleo e do diamante”, que tomou em paz conjugou. “Todos eles aconselhavam de mais, não vive a música profissio- conta da mentalidade angolana. Cri- 8 • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • Ípsilon que “compram casas onde desejam e compram tudo o que querem no Co- Não é contra a censura que lombo”. Não vê fraternidade e desejo de conhecimento mútuo nessa rela- ção. Não vê nisso futuro risonho. Não lutam. É contra a autocensura vê vantagens reais para Angola – diz mesmo que Angola devia procurar parceiros que conseguissem dar mais vantagens ao povo que Portugal. Têm aversão à política porque, sem uma sociedade civil forte, vêem-na associada ao Partido MCK pertence a um nova geração no poder. O seu primeiro gesto, portanto, é artístico. Ana Dias Cordeiro de angolanos que pretende um outro país. A sua voz chega a todos, toca a todos. Em 2011, as manifestações na rua mostraram a face mais visível de Corrupção pode querer dizer muitas uma contestação às desigualdades e coisas. E Angola é muito mais do à prepotência do estado que aqueles que corrupção. Mas ao comporem o que aompanhavam os discos e as can- quadro de uma sociedade, corruptos ções da comunidade hip hop já co- e corrompidos entram de forma nheciam. São momentos de aprendi- subtil ou irónica nalguma da arte zagem para todos, refere. O futuro que se faz hoje em Angola. há-de chegar. E MCK estará cá para Ela está lá, com poesia e em forma cantá-lo. de canção de amor, em “Serenata a Nástio Mosquito também estará Angola” do músico angolano Paulo nessa Angola do futuro. Cidadão do Flores, como noutros dos seus temas, mundo, que leva os seus filmes e fo- que juntam o melhor e o pior de tografias a Berlim, ao Dubai ou ao Angola. Brasil, escreve-nos que o que lhe per- mite “viver e trabalhar hoje em Luan- “(...) Vou cantar para te dizer da é o facto de o nosso sistema sócio- Que é por ti que eu consigo político estar em constante mutação Por ti que eu canto assim desde 1992”. Vê o seu país como um Explorador dos oprimidos, Fora. grande espaço em aberto, cheio de Os corrompidos, Fora. possibilidades. “Tudo está a começar O patife que desvia, Fora. (...)” agora”, diz. “Temos de trabalhar e deixar clara a relevância do que faze- “A minha música é crítica com mos. Relevância lúdica, prática e, em o que nós vivemos mas ela é consequência financeira. O estado e apaixonada pelas pessoas”, diz Paulo o governo têm o seu papel, mas An- Flores (n. 1972, Luanda), prova de gola só existe porque os angolanos que Angola é muito mais que um existem”. Ouvimo-lo cantar “Angola estereótipo, uma imagem parada e não me respeita”, vimos o seu vídeo projectada para fora, com uma carga “My African Mind” em que reenqua- negativa que os artistas rejeitam e dra e questiona com humor descon- desconstroem. certante – porque é riso e um tiro no Não é contra o Presidente José Kuduru, Fogo no estômago – a narrativa africana criado Eduardo dos Santos que a nova Museke (2007) é um dos pelo Ocidente. Não se diz um artista geração de artistas (que já surgiu documentários da Trilogia da político: “O meu trabalho é artístico”, depois de Paulo Flores) ergue a voz. Música angolana do realizador discorda. “Pode ser considerado so- O regime não é o inimigo, excepção português, a viver em Angola, cial”, concede. E as angústias sociais feita a alguns nomes do rap, do hip- Jorge António. Aqui, deixa-se “a são respondidas também politica- hop ou do kuduru – a arte subversiva voz livre” aos músicos e eles mente. Se o meu trabalho é político ou direccionada (quase) fi ca por aqui. fazem críticas profundas à é na consequência e não no ponto de A música é, por excelência e tradição, gestão do poder do MPLA partida”. o meio que melhor assume esse Em 2011, ano em que fundou a “fá- papel de resistência ao poder, tenha brica de ideias” Dzzzz, observou as ele sido o colonial, o de partido único manifestações na rua angolana como depois da independência ou seja “sinal real que a sociedade não está ele o dos dias de hoje. Numa cidade parada”: “Estamos em movimento e de um país que conquistou a paz há tica o poder angolano pela corrupção a articular aquele que é o nosso pre- apenas dez anos e onde em tempos endémica e o culto de personalidade sente semeando um futuro que hoje imperou o recolher obrigatório, o em torno do Presidente – “devemos é difícil de ter claro”. domínio cubano e o receio de um ser dos poucos países que têm um 2012, será um ano musical para cerco da UNITA, uma nova geração presidente vivo nas suas notas”. E não Nástio Mosquito. Lançará um álbum de artistas começou a despontar, já poupa o conformismo de tantos, que duplo que será divulgado numa di- depois da criação da Companhia de muito contestam no sofá de casa mas gressão por Angola e pelo resto do Dança Contemporânea de Angola, que na rua, como diz numa das novas continente africano. Chama-se “Se Eu em 1994, a única companhia de canções, “é tudo sim chefe”. E apon- Fosse Angolano”. dança profi ssional, cujos criadores ta o dedo aos governos ocidentais, em estão “atentos às realidades e especial ao português, por não ques- contextos onde vivem e que os tionarem de onde vem o tanto dinhei- preocupam”, nas palavras da ro que Angola tem agora para investir. directora Ana Clara Guerra Marques. Agrada-lhe a ideia de uma irmandade No meio artístico, como um lusófona e, de resto, vê-a concretiza- mosaico, há os artistas mais da no plano artístico: a sua música conotados com o regime e alguma circula pelos países lusófonos, os mú- instrumentalização da sua arte para sicos colaboram entre si, e a sua Mas- enaltecer a nação; mas são os nomes ta K distribui em Angola Sam The Kid, de uma nova geração, muito presente Valete ou o moçambicano Azagaia. nas artes plásticas, que melhor Mas diz-se ofendido enquanto ango- representam o que hoje se pode lano ao perceber que tantos portu- defi nir como arte contemporânea gueses só vêem Angola como o angolana e que chamam mais a Português Suave Esta “país onde se faz dinheiro rápi- atenção internacional – Yonamine, serigrafia integra uma série de do”, sem qualquer interesse em Kiluanji Kia Henda, Ihosvanny, 2007 que o artista Yonamine (vive aprofundar outros laços que Nástio Mosquito, Ndilo Mutima, Nelo e trabalha entre Luanda e Lisboa) não os comerciais. E ofende-o Teixeira, para citar alguns. aponta como exemplificativa da igualmente a atitude dos angola- Fará sentido falar em “dentro” mensagem mais directa que nos que se vangloriam de serem e “fora” do sistema? Angola tem alguma vez fez com a sua arte, hoje “colonos do português”, por- uma realidade própria e o seu meio ironizando com o passado artístico também. “O meio artístico, colonial português. “Hoje acho em Angola, ainda é muito pequeno. que estou numa fase diferente, MCK há uns anos viamo-lo É portanto difícil ter um percurso talvez menos óbvia.” como um rapper clássico; hoje a sua pose tem algo de estadista Ípsilon • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • 9 Z O O B AUL como a Guerra Fria e a guerra civil turbilhão de mudanças que sente R que marcaram a sua juventude, as quando vai a Angola – como já lá não várias culturas nacionais dentro do está o mercado de Kinaxixe, pérola Estado-nação, a relação hipócrita da arquitectura colonial e símbolo da com Portugal, os contrastes sociais cidade de Luanda enquanto lugar de da veloz urbanização angolana e da história e património cultural. não distribuição da riqueza, mas não A imagem da demolição do creio que haja um posicionamento Mercado do Kinaxixe, em 2008, assumido contra o que quer que para aí ser construído o Shopping seja”, considera. Além disso, nota: Centre Kinaxixe, podia ser uma “Têm toda uma aversão à política cena de “Barroco Tropical” (2009), porque, devido à ausência de em que o escritor José Eduardo sociedade civil, vêem-na sempre Agualusa retrata a demência de associada ao Partido [MPLA, no uma cidade, em 2020, metáfora para poder] e não como intervenção ou aquilo que critica, como os extremos activismo.” desequilíbrios. “O Povo, ou Eles, é Mas perante a falta de força da como em Angola nós, os ricos, ou oposição, contrapõe o realizador os quase ricos designamos os que português Jorge António a viver em nada têm. Os que nada têm são a Angola há 20 anos, a força vem dos esmagadora maioria deste país.” jovens artistas e das associações Não haverá muitos como ele a estudantis. “Mesmo os políticos da fazer clara crítica social, mesmo se oposição são pessoas dentro de um em “O Desejo de Kianda” (1994) de ‘status quo’ e têm regalias” como os Pepetela já havia prédios a ruir e que estão no poder, acrescenta Jorge noutros romances do autor havia António. “É mais a sociedade civil, os crítica à corrupção e nos livros de jovens estudantes, os jovens músicos Manuel Rui críticas ao poder. Muitos Companhia de Dança Contemporânea “Peças para uma completamente alternativo, da periferia que fazem valer a sua escritores têm um percurso de vida sombra iniciada e outros rituais mais ou menos” é uma das criações quando os espaços, as estruturas e os voz.” E que têm, como pano de fundo, ligado à política, do tempo da luta mais recentes da Companhia. Um espaço aberto a todos e não apenas a circuitos estão ainda por criar”, diz ao os extremos entre ricos e pobres, pela independência. uma elite – aqui oferecem-se bilhetes a estudantes e deixam-se os sem- Ípsilon por email o artista Yonamine visíveis na capital. A resistência na música começou abrigo entrar. Subitamente, diz o realizador Jorge António que também (n. 1975, Luanda). “Acabamos por muito antes da independência – com é produtor da companhia, o público que está à espera de ver um grande estar sempre inseridos no ‘sistema’ Dois mundos distintos os N’Gola Ritmos, diz o realizador bailado, vê personagens a dizer coisas sobre uma realidade presente directa ou indirectamente.” Luanda é hoje uma cidade português Jorge António, que fi lmou sobrelotada de milhões de pessoas, uma Trilogia da Música em três Mensagem subliminar com arranha-céus que deslumbram documentários – “Angola – Histórias A haver mensagem na obra destes os que procuram uma nova Dubai, da Música Popular” (2007), “Kuduru, artistas, ela é indirecta, subliminar, prédios que desabam ou caem por Fogo no Museke” (2007) e “O Lendário e pode ou não estar imbuída de força de um centro comercial de luxo ‘Tio Liceu’ e os Ngola Ritmos” – que um espírito que cresce num país que se impõe sobre um mercado tenta recuperar nomes de pessoas onde a juventude nas ruas ou nos histórico. que a Música Popular Angolana, blogues perde o medo de manifestar É a falta de água, de luz e, ao desde os tempos da luta contra o descontentamento e contesta a mesmo tempo, a festa. O kuduru em colonialismo até à geração mais nova permanência do Presidente há mais cada bairro, o hip-hop que dispara do rap e do kuduru. de 32 anos no poder. contra o poder e os seus abusos, as Quando aparece, o kuduru começa Não é contra a censura que lutam. manifestações de estudantes que por ser difundido, em cassette ou CD, É contra a autocensura. É contra exigem maior justiça social. É o nos candongueiros – os táxis que o próprio silêncio e conformismo fervilhar da energia própria de um trazem as pessoas dos bairros para – também ele incutido. É também país que ainda agora começou. E a a cidade e onde se partilha também político o olhar que os artistas têm ironia traduzida em obras singulares a música de Paulo Flores que, para Máscara Com a forte presença de uma sobre o que os rodeia. A guerra de artistas que se afi rmam longe de Jorge António, mistura um lado de comunidade chinesa envolvida na reconstrução em deixou marcas, a presença colonial Angola, que documentam este seu poesia da escrita com mensagens de Angola, o artista plástico Délio Jasse retrata nesta também. país e, ao mesmo tempo, refl ectem crítica social e tem a particularidade fotografia o que vê como uma relação de Mas a política não os apaixona, um estado do mundo. de chegar a todos – desde o cidadão cooperação desigual e em que quem mais lucra é a fi cam fora dela. O principal era a Délio Jasse (n.1980, Luanda) na rua aos salões das elites. China e não Angola. A máscara protege a independência e essa está ganha. também não fala de política, “Culturalmente, a música de trabalhadora chinesa da poluição que o resto da A haver crítica contida na arte, ela antes deixa a sua fotografi a ou Angola sempre teve esse cariz de população constantemente respira é mais social, menos política. E instalações falar por si, como na intervenção, desde o tempo em A provoca, mais do que contesta. Será pequena série de fotografi as sobre que era colónia”, completa Paulo M AL ela uma forma de resistência? a comunidade chinesa em Angola Flores. Começou com a semba, e P GE “Estar fora de assuntos políticos em que questiona a existência de os primeiros grandes sucessos R O é comum em Angola. Penso que dois mundos distintos e paralelos, que hoje são clássicos, músicas J são traumas de guerra. Há uma fechados e num só sentido, num em quimbundu, língua do Centro autocensura que temos que contexto, diz, em que a China tem e Norte de Angola, “que passavam combater em nós próprios”, continua mais a ganhar nos lucros que retira uma mensagem de esperança e de Yonamine. O artista prepara uma da presença das suas empresas em revolta, e de união das pessoas”, exposição individual para Março na Angola, do que o inverso. Mais do lembra. Galeria Cristina Guerra em Lisboa, que realidade, elas retratam a forma Quando lançou o seu primeiro uma intervenção em Abril em do artista olhar e sentir a realidade. disco de originais “Kapuete Guimarães (projecto comissariado Délio Jasse tinha 18 anos quando Kamundanda” (1988), nele constava por Paulo Cunha e Silva) e uma deixou Angola para escapar ao o tema “Por que choras Pió Pió”, exposição individual em Luanda, recrutamento para a guerra em sendo Pió-Pió uma criança que é a no fi nal de Abril. “Não uso o meu 1998 quando o confl ito entre MPLA expressão de um desencanto. trabalho para relatar, denunciar e UNITA entrou na última e mais “Porque choras PióPió ? ou criticar qualquer aspecto da violenta fase. Hoje, vive em Portugal Se o mais velho tá contente sociedade angolana. Pretendo que – trabalha com a Galeria Baginski, Diz que Luanda está boa a minha acção artística seja mais em Lisboa, e prepara uma exposição, Tá melhor do que Lisboa poética, mais universalista e ao a primeira mostra individual em Diz que é mesmo independente mesmo tempo mais provocadora, Angola, no Instituto Camões de (...)” Biombo Nesta peça, em que uma das portas é um espaço aberto, numa espécie de grande ecrã visível Luanda, mas multiplica viagens à “Na altura, já era crítico mas sem Délio Jasse questiona o vazio da velocidade da mudança a que se assiste para todos”, continua. sua capital – onde cada estadia, com aquela consciência política que hoje em Luanda. A cidade mais cara do mundo vive um “boom” excessivo, diz Marta Lança, directora da pouco tempo de intervalo, revela tenho”, diz o músico. “Eu não tinha o artista que aponta a demolição de edifícios históricos para se plataforma “Buala – cultura uma cidade em constante mutação. noção que aquilo ia mexer tanto com construirem centros comerciais como sinal desse turbilhão que arrasa contemporânea africana”, e que a sociedade.” Foi talvez dos primeiros símbolos em nome de uma lógica mercantilista. Quando olham para a mantém em Angola, onde viveu, Símbolos que caem a aparecer “com uma linguagem tão Luanda, conta, as pessoas deslumbram-se: “Está a ficar parecido com o projectos de jornalismo e produção O grande edifício de apartamentos, directa”, mas “com a ingenuidade de Dubai”, dizem cultural, alarga esta visão a outros com o logo da cerveja Cuca no topo, não saber o que aquilo representava artistas. “Podem pontuar nas suas era um dos “ex-líbris” da cidade. para todos”, apenas sabendo que obras grandes cenários políticos “Já lá não está”, diz para enfatizar o aquilo lhe tocava a ele. 10 • Sexta-feira 10 Fevereiro 2012 • Ípsilon

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tendo ficado de fora da retrospectiva de 1994). O segredo do génio de Guitry, oriundo da mais nobre aristocracia teatral francesa, foi, para além do.
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