UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS LITERÁRIOS RAQUEL D’ ELBOUX COUTO NUNES MAYA ANGELOU: GÊNERO, AUTOBIOGRAFIA, VIOLÊNCIA E AGENCIAMENTO EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS MACEIÓ 2011 RAQUEL D’ ELBOUX COUTO NUNES MAYA ANGELOU: GÊNERO, AUTOBIOGRAFIA, VIOLÊNCIA E AGENCIAMENTO EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Estudos Literários no Programa de Pós Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas. Orientação de Profª Drª Izabel de Fátima Oliveira Brandão. MACEIÓ 2011 Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Central Divisão de Tratamento Técnico Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale N466m Nunes, Raquel D’Elboux Couto. Maya Angelou : gênero, autobiografia, violência e agenciamento em I know why the caged bird sings / Raquel D’Elboux Couto Nunes. – 2011. 111 f. Orientadora: Izabel de Fátima Oliveira Brandão. Dissertação (mestrado em Letras e Linguística: Estudos Literários) – Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Maceió, 2011. Bibliografia: f. 105-111. 1. Angelou, Maya, 1928- . – Crítica e interpretação. I know why the caged bird sings 2. Gênero. 3. Mulheres. 4. Violência. 5. Feminismo. 6. Agenciamento. I. Título. CDU: 820-09:396 AGRADECIMENTOS À Professora Izabel, mestra e amiga, por acreditar, incentivar e compartilhar conhecimento e alegria a cada conquista; Às Professoras Ildney e Jerzuí, pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação; Aos Professores, pelas importantes sugestões; Ao querido Miguel, companheiro e amigo, pela paciência, incentivo e auxílio; Aos meus pais Lalá e Clemente, aos meus irmãos Débora e Athos, e à minha querida sobrinha Rebeca, pelo carinho e apoio; À amiga e conselheira Sandra Miranda, por incentivar meu crescimento intelectual e pessoal; Aos colegas do curso de Mestrado, por compartilharem momentos, materiais, e pela alegria de traçarmos juntos essa jornada; A Deus, a Jesus Cristo e a Maria, pilares da nossa fé, que possibilitam e sustentam nossa existência; A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. RESUMO Esta dissertação examina o gênero autobiográfico, como expressão da mulher afroamericana, na obra I Know Why the Caged Bird Sings, a primeira autobiografia de Maya Angelou, de 1969. A perspectiva teórica parte de estudos biobibliográficos da autora trabalhados pelo viés feminista. Na seção primeira, é feita uma análise do gênero autobiográfico, tendo como teóricos principais Lejeune (2008) e Foucault (2002), e, sob uma perspectiva feminista, Smith & Watson (1992, 1998 e 2001) e Cosslett, Lury e Summerfield (2000). A segunda seção traz como enfoque a representação da violência contra a mulher afroamericana na obra de Maya Angelou, tendo como teóricas principais hooks (1981 e 2000) e Grosz (1994). O agenciamento é tratado na terceira seção, sob a perspectiva de Bhabha (2010), de Spivak (2010) e de Butler (2008). Por ser o contexto relacionado ao mundo pós-colonial e multicultural, são também discutidos conceitos de Hall (2006) e de Bhabha (2010), no tocante a tensões culturais. A conclusão aponta para o caráter híbrido do gênero autobiográfico e para a complexidade de se tratar da escrita da mulher negra sem incorrer em dicotomias essencialistas, questão resolvida com o a noção de “essencialismo estratégico”, conforme Spivak (2010). Palavras-chave: Maya Angelou. Gênero. Autobiografia. Feminismo. Violência. Agenciamento. ABSTRACT The purpose of this paper is to analyze the genre autobiography, as an expression of the African American woman, in Maya Angelou’s I Know Why the Caged Bird Sings (1969). Theoretical perspectives focus on bio-bibliographical studies of the author, from a feminist point of view. In the first section, the autobiography genre is analyzed, having as main theorists Lejeune (2008) and Foucault (2002), and, from a feminist perspective, Smith & Watson (1992, 1998 and 2001) and Cosslett, Lury and Summerfield (2000). The second section focuses on the representation of violence against the African American woman in Maya Angelou’s book, whose analyses are supported mainly by the theories of hooks (1981 and 2000) and Grosz (1994). Agency is addressed in the third section, from the perspective of Bhabha (2010), Spivak (2010) and Butler (2008). As the context is related to post colonialism and multiculturalism, this paper discusses concepts by Hall (2006) and Bhabha (2010), as to cultural tensions issues. The conclusion points to the hybrid character of the genre autobiography and to the complexity of studying the writing of the black woman without falling into essentialist dichotomies. This matter is resolved with Spivak’s notion of strategic essentialism (2010). Keywords: Maya Angelou. Gender. Autobiography. Feminism. Violence. Agency. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 07 2 O GÊNERO AUTOBIOGRÁFICO EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS 11 2.1 A autobiografia e as mulheres afroamericanas 11 2.2 A autobiografia e a ficção 22 2.3 Caged Bird em diálogo com a narrativa de escravos 33 2.4 Caged Bird em diálogo com o Bildungsroman 37 3 THE RUST ON THE RAZOR – A VIOLÊNCIA EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS 39 3.1 As mulheres afroamericanas e a violência 39 3.2 A violência na forma de estupro 45 3.3 A violência e a somatofobia 48 3.4 A violência e a falta de pertencimento 58 3.5 A violência e o silêncio 62 3.6 A violência e a segregação racial 69 4 BREAKING FREE FROM THE CAGE – O AGENCIAMENTO EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS 83 4.1 O agenciamento e a escrita das mulheres afroamericanas 84 4.2 O agenciamento e a protagonista de Caged Bird 90 4.3 O agenciamento e a raiva 96 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 102 REFERÊNCIAS 105 7 1 INTRODUÇÃO Esta dissertação apresenta reflexões sobre o gênero autobiográfico na obra I Know Why the Caged Bird Sings1 (1969), da escritora afroamericana Maya Angelou. Nascida Marguerite Johnson em 1928, nos Estados Unidos, a autora é considerada uma das vozes mais importantes entre as escritoras afroamericanas da atualidade, destacando-se por seus escritos autobiográficos e poesia, tendo também participado como ativista no movimento pelos direitos civis e apoiado movimentos feministas na década de setenta, nos Estados Unidos. A autobiografia das mulheres afroamericanas destaca-se por criar uma “tradição dentro de uma tradição” (BRAXTON, 1989, p. 2-3), uma vez que os escritos do grupo foram excluídos da literatura considerada canônica no Ocidente. Assim, essa literatura se constitui um “ato de criar um lugar no mundo”, uma vez que ela “[...] passa da esfera privada para a pública, para tomar uma posição política [...]. As mulheres negras carregam a tradição, valores de zelo, cuidado, provimento, proteção, e, principalmente, a sobrevivência da raça”.2 I Know Why the Caged Bird Sings, a primeira autobiografia de Maya Angelou, inicia com a infância de Maya3 e de seu irmão Bailey, criados pela avó, em Stamps, Arkansas, nos Estados Unidos, no contexto do ambiente hostil do sul norteamericano, no início do século XX, e termina com o final da adolescência, o início da fase adulta. A importância da obra nessa nova tradição literária afroamericana é reconhecida pelo valor artístico com que a autora reúne o elemento privado com o público, ao mesmo tempo em que traça a trajetória da menina rejeitada rumo ao agenciamento. O texto de Maya Angelou, segundo Braxton (1989), mescla a consciência individual com a percepção das realidades políticas da vida dos/as negros/as no sul norteamericano e a responsabilidade que esse conhecimento traz. Gilbert (2002) considera que Caged Bird enriquece e transcende a narrativa pessoal, uma vez que a linguagem oscila entre o ponto de vista da garota que vive num ambiente rural e o da escritora experiente. Por mesclar a linguagem cotidiana e a literária, e trazer elementos como o diálogo e a interação com outras personagens, Lupton (1998) considera que a obra de Maya Angelou deva ser classificada como “autobiografia literária”, devido a essa preocupação com a linguagem, 1 Neste trabalho, a obra em estudo é referida apenas como Caged Bird. As citações literárias apresentarão as iniciais CB, seguidas do número de página. Para referência completa, ver final da dissertação. 2 Trecho original: “[...] crosses from the private sphere into a public arena to take a political position [...]. Black women have been carriers of tradition, and values of care, concern, nurturance, protection, and, most important, the survival of the race”. Todas as traduções desta dissertação são de minha responsabilidade, e foram realizadas para fins de citação neste trabalho, excetuando-se os casos sinalizados nas referências ao final. 3 Aqui, o nome Maya é utilizado nas referências à protagonista do romance. O nome Maya Angelou será utilizado nas referências à escritora enquanto sujeito histórico. 8 estilo e técnica (LUPTON, 1998, p. 40). A meu ver, a denominação do texto como “autobiografia literária” deixa implícito que exista uma diferença nítida entre a “autobiografia”, como reflexo objetivo da vida de um sujeito, e a “literatura”, como artifício ficcional. É justamente o caráter fronteiriço da autobiografia que defendo neste trabalho. Mais adiante discuto a complexidade de se distinguir o romance e a autobiografia, o fato e a ficção. A narrativa em Caged Bird, que trata de infância, violência, educação, racismo, sexismo, entre outros temas, dialoga com outros gêneros e com outras obras literárias. Por meio de uma obra de uma autora pouco estudada no Brasil, apresento, neste estudo, uma reflexão crítica sobre o gênero autobiográfico e sua complexidade. Na seção 2 desta dissertação são discutidos conceitos da autobiografia, no tocante à tradição ocidental e a outros entendimentos contemporâneos, que abrangem textos não considerados canônicos por essa tradição. Os conceitos sobre a autobiografia sustentam-se em pressupostos teóricos de Lejeune (2008), cuja obra compreende uma coleção de ensaios como “O Pacto Autobiográfico”, “O Pacto Autobiográfico (Bis)” e “O Pacto Autobiográfico, 25 Anos Depois” (publicados em 1975, 1986 e 2001, respectivamente), entre outros. O teórico faz uma autocrítica de seus trabalhos, considerando cada vez mais a complexidade do gênero autobiográfico. Também busco sustentação teórica em estudos de Smith e Watson (1992, 1998 e 2001), Smith (1993) e de Cosslett, Lury e Summerfield (2000), que analisam a escrita autobiográfica por um viés feminista. Nessa parte do trabalho, são analisados textos de estudiosos da autobiografia e de outros teóricos e críticos, como Lupton (1998), Braxton (1989) e Bloom (2002 e 2009). Ensaios organizados por Andrews (1993) também são comentados, por tratarem especificamente da tradição autobiográfica afroamericana, que vem contestar o cânone ocidental, composto por narrativas teleológicas, de autoria de homens brancos. São também apresentados alguns trechos de Caged Bird que ilustram as discussões teóricas apresentadas, como uso da primeira pessoa, nome próprio, intersubjetividade e memória4. São discutidos aspectos que fazem da autobiografia um gênero fronteiriço, que mantém diálogo com outros gêneros, como o romance, o discurso histórico, a narrativa de escravos e o Bildungsroman. 4 Aqui o termo memória não se refere ao gênero literário, mas a informações lembradas, referentes a experiências ou a pessoas (PROCTER, 1995). O campo é vasto e complexo. No campo científico, ainda se investigam como o cérebro representa percepções e lembranças (TSIEN, 2008). Humm (1989) indica referências a teorias feministas que analisam como a memória estrutura conceitos do self. Smith e Watson (2001) exploram a memória como parte do ato autobiográfico e sua relevância, para as mulheres, na produção de sentido, na política cultural, no trauma, e nas experiências coletivas.
Description: