l,l~Ul:l~l),\MJ\il:Mí\il(:,-\ NATALIA BEBIANO DA PROVIDÊNCIA MATEMATICA OU MESAS, CADEIRAS , EC ANECAS DE CERVEJA ' ' Não há homens mais inteligentes do que aqueles que são capazes de inventar os jogos. É aí que o seu espírito se manifesta mais livremente. Seria desejável que existisse um curso inteiro de jogos tratados matematicamente. ' ' Leibniz, 1715 A matemática é um vasto e diversificado corpo de conhe cimentos com origens no dealbar da civilização, alguns dos quais utilizamos sob diversas formas no quotidiano. Este livro é um convite à contemplação do mundo maravi lhoso das matemáticas, um mundo de ideias no raio verde da intuição, imaginação, criatividade e ideal estético de perfeição. Apresenta conceitos fundamentais e métodos de criação matemática, privilegiando perspectivas históri cas, filosóficas e culturais, em detrimento de aspectos técnicos e de pormenor. São potenciais leitores deste livro aqueles que estudam, ensinam, criam matemática e ainda todos aqueles que, não sendo cultores desta arte-ciência, a consideram parte absolutamente essencial da cultura da humanidade. NATÁLIA BEBIANO DA PROVIDÊNCIA é licenciada e doutorada em Matemática pela Universidade de Coimbra, onde exerce actualmente funções de professora catedrática. O seu domínio de investigação é álgebra-teoria das matrizes. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Além de matemática, tem interesses literários, tendo publicado seis livros na área da ficção juvenil e do conto distinguidos com prémios. ISBN 972-662-713-3 111 1 9 789726 627135 NATÁLIBAE BIADNAOP ROVIDÊNCIA MATEMATICA ou MESACSA,D EIRAS EC ANECADSEC ERVEJA1 gradiva © Natália Bebiano da Providência/Gradiva - Publicações, Lda Revisão do texto: José Soares de Almeida Capa: Armando Lopes com ilustração de José Bandeira Fotocomposição: Gradiva Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda Reservados os direitos para Portugal por: Gradiva - Publicações, Uª Rua Almeida e Sousa, 21, r/c esq. - 1399-041 Lisboa Teles. 21 397 40 67/8 - 21 397 13 57 - 21 395 34 70 Fax 21 395 34 71 - Email: [email protected] URL: http://www.gradiva.pt 2.ª Edição: Outubro de 2001 Depósito Legal n.º 170 310/01 iite ~ej~.b nosso ·• nà Intêrnêtw http;/(~.grlilfi~a:pt . , Ind1ce Poema das coisas belas .. . . . . . . . .. . . . . . . ..... .. .. . . . . . . . . . . . . . . ..................... ..... .. . . .................. .... 9 Matemática, o que é matemática?......................................................................... 11 Matemática e beleza................................................................................................. 19 A concepção utilitarista ........................................................................................... 23 Ao leitor ............................................ ... .. .................. ... .... .............. ............................. 25 1. O último teorema de Fermat ............................. ................. ............. .............. ... 27 A álgebra alexandrina - Diofanto................................................................................. 28 Equações diofantinas ............................... .'........................................................................ 30 O décimo problema de Hilbert .. .................. .... .. .................. .... .. .. ...... .. .. .. .. .. .. .... .... ........ 32 Pináculo de ciência ou virtualmente inútil? ................................................................ 33 Margem alguma poderia contê-lo.................................................................................. 35 Onde fica a barreira da decidibilidade? ....................................................................... 36 Wiles e Taylor e a conjectura STW ................................................................................ 37 A parametrização de Weierstrass ....................................................................................... 40 A proposta de Shimura, Tanyiama e Weil........................................................................ 41 A conjectura STW cede .................................................................................................... 42 Para além do último teorema ......................................................................................... 43 A curva de Frey ................................................................................................................ 46 Códigos secretos ..... ... .. ... .................................................................. ..... ... .. ....................... 48 2. Os primórdios da matemática .. .. .. .......... .......... ..... .. .. .... ...... .. .............. ............. 49 Antiguidade oriental ........................................................................................................ 49 Os hieróglifos do Egipto .. . . .. .. . . .................... ... ............. ............ ...... .. . .. . ... ... ........... .......... 50 A história começa na Suméria ........ ........ ...... ........... ......................... .............................. 53 Os lendários matemáticos da Jónia ............................................................................... 56 Tales de Mileto ........ ........ ... . . . ............................. .... .. . . . . ......... .. . . . . .. . . . . . . . ..... ... . . .. . . . . .. ........ ... 57 Pitágoras de Samos ........................................................................................................... 58 Os pitagóricos.................................................................................................................... 59 A crise dos incomensuráveis .......................................................................................... 60 O misticismo do número................................................................................................. 62 A cosmologia pitagórica .................................................................................................. 63 Os números figurados...................................................................................................... 64 O pentagrama pitagórico................................................................................................. 65 A escola eleática ................................................................................................................ 68 Os paradoxos de Zenão ................................................................................................... 68 3. C>s Elementos de Euclides................................................................................... 73 Os Elementos....................................................................................................................... 73 O que é um axioma? ........................................................................................................ 75 Sistemas axiomáticos ........................................................................................................ 76 Consistência, completude, independência.................................................................... 77 O postulado das paralelas ..... . . . . . . . . . . ... .. ... . . . . . ... .. ............ ..... ..................... ........................ 79 Críticas a Euclides ............................................................................................................ 81 Tentativas de demonstração do postulado das paralelas .......................................... 82 Saccheri e Lambert . .. . . ................ ............ ... .. ............... ...... . . .. .. . . . . .. ... . . . .... . .. .. . . . . . . . ... ........... 84 4. O infinito.............................................................................................................. 87 O infinito matemático numa perspectiva histórica..................................................... 89 Infinito actual e infinito potencial ................................................................................. 91 Descida infinita ou subida infinita ................................................................................ 92 Galileu e o infinito............................................................................................................ 94 O paraíso de Cantor......................................................................................................... 95 Qual será maior: o todo ou a parte?............................................................................. 96 A hipótese do contín-p.o ................................................................................................... 98 O axioma da escolha........................................................................................................ 101 A actualização do infinito ............................................................................................... 103 O hotel de Hilbert............................................................................................................ 104 Paradoxos do infinito....................................................................................................... 105 O infinito existe? ............................................................................................................... 106 Somas paradoxais............................................................................................................. 108 Fantasmas desaparecidos................................................................................................. 109 5. A quadratura do círculo .................................................................................... 113 O século de Péricles ......................................................................................................... 113 Os três problemas clássicos............................................................................................. 114 Impossível-que significa?............................................................................................ 116 Construindo polígonos .................................................................................................... 117 Divagando pelo mundo dos números .......................................................................... 118 Os mistérios da transcendência...................................................................................... 119 Ainda 1t ............................................................................................................................... 121 Sobre a história de e ................... ......... .. .. ...... .......... ............................... .... .. ........... ......... 122 Logaritmos ......................................................................................................................... 124 Quadrando a parábola ..................................................................................................... 125 Quadrando a hipérbole ............... .... ......... ............... .. .. . . .... ....... ....... .. ... .............. ... ........... 126 A espiral logarítmica .. . ..... ...... ... .. ........ ... .. .. .. .. . ............ ..................... ........... ........ ............. 128 A espiral de Arquimedes ................................................................................................. 131 6. Passatempos destes e de outros tempos ......................................................... 133 Sistema binário .................................................................................................................. 133 Adivinhando números ..................................................................................................... 134 Multiplicações curiosas.................................................................................................... 135 A torre de Hanói ............................................................................................................... 138 Os anéis de Cardano .. .. ... ... .. . . . . .. .......... .. .. . . .. . . . . . .. . . .......... .. .. . . .. .. . . . . . ............... ...... .. ... .. . . . ... 142 O jogo do Nim .................................................................................................................. 143 O sistema binário e a informática.................................................................................. 145 Bibliografia......................................................................................................................... 145 7. Os primos ............................................................................................................. 147 Primos - o que são?........................................................................................................ 147 Infinitos primos................................................................................................................. 149 Crivo de Eratóstenes ........................................................................................................ 150 Números perfeitos............................................................................................................ 150 Números de Fermat ......................................................................................................... 152 Conjecturas......................................................................................................................... 152 A conjectura de Goldbach ................ ..................... ...... ............................ ... ......... ... ............. 152 A conjectura dos primos gémeos ............................................... ................... ..................... 152 Factorização ....................................................................................................................... 153 Códigos secretos................................................................................................................ 153 Testando a primalidade .. . .. .. . . . . . .. . . .. ...... .. .. . . . . . . .. ... .. ...................... ................ .. .. . .. ......... .... 155 A distribuição dos primos ......... .. .. ................................... ........... ........... .. .. .. . . .. ....... ... ..... 156 Euler .................................................................................................................................... 157 A hipótese de Riemann.................................................................................................... 158 Bibliografia ......................................................................................................................... 160 8. Os imaginários .................................................................................................... 161 Imaginários - o que são? ............................................................................................... 161 Ars Magna........................................................................................................................... 163 Os imaginários são reais! ................................................................................................. 165 A fórmula milagrosa de Euler ........................................................................................ 168 Os quatemiões ................................................................................................................... 170 A análise complexa........................................................................................................... 170 Bibliografia ......................................................................................................................... 171 9. A divina proporção ............................................................................................ 173 A divina proporção........................................................................................................... 173 Fibonacci............................................................................................................................. 175 O teorema binomial.......................................................................................................... 178 Números de Fibonacci ..................................................................................................... 180 Número de ouro e filotaxia ............................................................................................ 182 10. A harmonia das esferas .................................................................................... 185 As teorias planetárias dos antigos................................................................................ 185 Aristarco de Samos ......................................................................................................... 189 Distância da Terra à Lua ................................................................................................ 190 Raio da órbita terrestre................................................................................................... 191 Medição de distâncias por triangulação .. .. . . . . . . . . .. . . ............. ... .. ..... .. ... .. . .. . ....... .. .. . . . . . . . . . 191 O raio da Terra ....... ..... ....... .... .............. ....................... ............ .. .. . . .. . . .. . . ..... .. .. .. . . .. ........ .... 192 Cláudio Ptolemeu de Alexandria ................................................................................. 193 Nicolau Copérnico........................................................................................................... 195 Distâncias do Sol aos planetas ......... ......... ... .. . . . . . . ........... ..... ........................... ... .. . ........ 197 Joannes Kepler................................................................................................................. 198 As três leis de Kepler . ........ ..... .......... ......................... ............... ... .. .. . . .. ........... ... .. ...... .. .. 202 Primeira lei de Kepler (lei das órbitas) ............................................................................ 202 Segunda lei de Kepler (lei das áreas) ............................................................................... 203 Terceira lei de Kepler (lei dos períodos).......................................................................... 205 ~;~~;~i;ia~~~~.~~.~~~.~~.:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: ~~~ 11. De Galileu a Einstein ........................................................................................ 211 Galileu Galilei ................................................................................................................... 211 Os sistemas do mundo ................................................................................................... 213 Ciência e religião............................................................................................................. 214 Galileu e o método experimental ................................................................................. 216 Controvérsia em tomo da experimentação galilaica ................................................. 220 Avanços da ciência moderna à luz do paradigma galilaico .................................... 220 Fenómenos de luz ........................................................................................................... 222 Os princípios da relatividade de Galileu e de Einstein............................................ 223 Bibliografia ................ ... ........... .. ... .. . .. .... .. .. . . . . . .................................. ...... .. .. . . . .. ............. ..... 226 12. Do espaço euclidiano ao espaço curvo .. . ... ... .. .. .... ............ ...... ............ ...... ..... 227 A descoberta das geometrias não euclidianas .. . . . . ... ... .. .. .. . . . . . . . .. . .. . . ........ ... .. . . . . .. ..... .... 227 A geometria de Bolyai-Lobatchevski ........................................................................... 228 Riemann e o espaço curvo ... .. ... ............ ..... .......... ..... ............ ... ... ... ... .. . . ........... ... .. .. ... .... 230 A teoria mágica de Einstein........................................................................................... 231 Lei de Hubble .................................................................................................................. 234 O big bang ....... .... ........ ... ........ .. .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. ........ ... .. .......... .. .................... .. .. .. . . . ..... 234 Modelos .. ... .. ................ .................. ............... ............... ............ ........ ... .. . . . . . . . . . . . . . . . ........ ...... 236 Axiomas de Hilbert para a geometria euclidiana ............. ... .. . . . . . . . ..................... ..... ... 238 Será o espaço físico euclidiano?.................................................................................... 240 Bibliografia........................................................................................................................ 243 13. Simetria ............................................................................................................... 245 Simetria, o que é simetria? .. ... .. . . . . . . . .. .. . .. . . . . . . . . . .. . ......... .. .. .... ........... ... .. . .. .. .. ............. .. .. .. 245 O conceito de grupo ....................................................................................................... 249 Galois e a quíntica ........................................................................................................... 251 O programa de Erlãnger de Klein .. . ....................... .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ......... .. .. . . . . . . . . .. .. . . . 253 Leis de conservação e simetria ..................................................................................... 254 Simetrias dinâmicas .. .. .. . .. . . . . . . .............. .. ........... .......... ... ... .. . . . . . . . . . . .. . . . . .... .. .. . . . . . . . . . . .. ...... ... 257 Bibliografia ................................................................................................................. 261 Agradecimentos .. ............ .. .. .. . . . . . . . .. . . . ......................... ... .. .. ........................ ......... .. .. ... 263 Poema das coisas belas As coisas belas, as que deixam cicatrizes na memória dos homens, por que motivo serão belas? E belas para quê? Põe-se o Sol porque o seu movimento é relativo. Derrama cores porque os meus olhos vêem. Mas por que será belo o pôr do Sol? E belo para quê? Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas, mas só são coisas quando coisas percebidas, por que direi das coisas que são belas? E belas para quê? Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas sem precisarem de ser coisas percebidas, para quem serão belas essas coisas? E belas para quê? ANróNIO GEDEÃO Matemática, o que é matemática? Admitamos, pois, que o estudo das matemáticas é uma loucura divina do espírito humano, um refúgio ante a urgência agrilhoante dos acontecimentos contingentes. WHITEHEAD [. .. ] Nenhum matemático devia alguma vez esquecer que a matemática, mais do que qualquer outra arte ou ciên cia, é um jogo juvenil. HARDY A matemática é a ciência onde nunca se sabe de que se fala nem se o que se diz é verdadeiro. RUSSELL 1. Alguém disse que a filosofia é o uso de uma terminologia inven tada precisamente com esse fim. Na mesma linha de ideias, pode dizer-se que a matemática é a ciência que explora conceitos e regras criados com esse objectivo. Segundo esta perspectiva, a tónica recai sobre a criação de conceitos conducentes, através de nexos lógicos, a teoremas (de preferência belos). Alguns conceitos inspiram-se direc tamente no mundo real, mas tal não ocorre de modo necessário com todos, em particular com muitos dos que têm aplicação em física. 11