UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FÁBIO LUIZ SAN MARTINS A FORMA-SALÁRIO NO PENSAMENTO ECONÔMICO DE MARX CURITIBA 2016 FÁBIO LUIZ SAN MARTINS A FORMA-SALÁRIO NO PENSAMENTO ECONÔMICO DE MARX Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Francisco Paulo Cipolla Curitiba 2016 A meu velho pai Oscar Luiz San Martins. homem simples e austero, de quem aprendi sem a eloquência da palavra a principal lição da minha vida, de que é humano cair, mais humano ainda da queda se levantar e comovente na desdita conservar a dignidade, meu exemplo ético de conduta, o norte das minhas ações, meu pai herói, adorado como um rei na sua majestosa simplicidade, seu Oscar. À minha mãe Ilma Lopes San Martins, de quem sempre recebi além do elementar amor incondicional de mãe o sumo conforto embebido da mais bondosa compreensão da nossa alma e sentimentos com os quais pude com todas as dificuldades que me pertencem aceitar os momentos que não são poucos de angústia e tristeza e perseverar nessas veredas ora luminosas ora escuras do grande sertão, minha mãezinha. À minha irmã Viviane Aparecida San Martins, de quem apenas na minha maturidade tomei ciência da delicadeza de sua compleição espiritual. À minha avó materna Lurdivina Sanmartins Lopes e às minhas tias Ivone e Fátima, respectivamente irmãs mais velha e mais moça de minha mãe, que tornaram a memória de meus primeiros anos uma moldura de lembranças gratas e alegres do meu torrão natal, a Maringá resplandecente de minha infância. À memória de minha tia Marlene (19/06/1953-12/05/2016), irmã do meu pai, cuja doçura e alegria sempre lembrarei com saudades. À memória do camarada Virgílio de Almeida (1943-2012), antigo chefe do PCB em Maringá, meu professor de economia na UEM e guia nas lutas políticas durante a minha juventude universitária. "[...] vale dizer da imortalidade de Marx que ela é o resumo [...] do modo como ele produziu a sua teoria sobre a problemática imperecível da autoconstrução do homem. Razão pela qual é um autor imortal, e não somente porque a ele são devidas as mais preciosas determinações sobre o sistema do capital [...] ou ainda porque, a partir delas, pode nascer a inspiração lúcida para o ato político que as cancela. A obra marxiana é imortal, a não ser que as possibilidades do homem já estejam definitivamente extintas. Do contrário, se resta alguma esperança - e resta- há que compreender que a guerra marxiana ao capital é a luta irrenunciável pelo homem" José CHASIN A sucessão na crise (1989) "Karl Marx é para nós mestre de vida espiritual e moral, não pastor com báculo. É estimulador das preguiças mentais, é o que desperta as boas energias dormidas e que se deve despertar para a boa batalha. É um exemplo de trabalho intenso e tenaz para conseguir a clara honradez das ideias, a sólida cultura necessária para não falar vagamente de abstrações. É bloco monolítico de humanidade [...] que [dissolve] as sedimentações do preconceito e a ideia fixa e robustecem o caráter moral. Karl Marx [...]é um vasto e sereno cérebro [...]É uma parte necessária e integrante do nosso espírito, que não seria o que é se Marx não tivesse vivido, pensado, arrancado chispas de luz com o choque de suas paixões e de suas ideias, de suas misérias e de seus ideais." GRAMSCI, A. Nosso Marx. "ANDRÉ: 'Se já tenho minhas mãos atadas, não vou por iniciativa atar meus pés, também.[...]Não se pode esperar de um prisioneiro que sirva de boa vontade na casa do carcereiro.Da mesma forma, de quem amputamos os membros, seria absurdo exigir um abraço de afeto. Maior despropósito que isso, só mesmo a vileza do aleijão, que, na falta das mãos, recorre aos pés para aplaudir o seu algoz; age quem sabe com a paciência proverbial do boi: além do peso da canga, pede que lhe apertem o pescoço entre os canzis. Fica mais feio o feio que consente o belo. Mais pobre o pobre que aplaude o rico; menor o pequeno que aplaude o grande; mais baixo o baixo que aplaude o alto. E assim por diante. Imaturo ou não, não reconheço mais os valores que me esmagam. Acho um triste faz-de-conta viver na pele de terceiros, e nem entendo como se vê nobreza no arremedo dos desprovidos; a vítima ruidosa que aprova o seu opressor se faz duas vezes prisioneira, a menos que se faça essa pantomima atirada por seu cinismo. " Raduan NASSAR. Lavoura Arcaica "Você deve notar que não tem mais tutu/ E dizer que não está preocupado/ Você deve lutar pela xepa da feira/E dizer que está recompensado/ Você deve estampar sempre um ar de alegria/ E dizer: tudo tem melhorado!/ Você deve rezar pelo bem do patrão/ E esquecer que está desempregado/ Você merece, você merece/ Tudo vai bem, tudo legal/ Cerveja, samba e amanhã/ Seu Zé se acabar em teu carnaval/ Você deve aprender a baixar a cabeça/ E dizer sempre muito obrigado/ São palavras que ainda te deixam dizer/ Por ser homem bem disciplinado/ Deve, pois, só fazer pelo bem da nação/ Tudo aquilo que for ordenado/ Pra ganhar um fuscão no juízo final/ E diploma de bem comportado..." GONZAGUINHA, Comportamento geral "Por esse pão pra comer/ por esse chão pra dormir/ A certidão pra nascer [...]/ Por me deixar respirar/ por me deixar existir/ Deus lhe pague" CHICO BUARQUE. Deus lhe pague "[...] Esse fato extraordinário:/ Que o operário faz a coisa /E a coisa faz o operário. /[...] / O operário foi tomado / De uma súbita emoção /Ao constatar assombrado /Que tudo naquela mesa [...] / Era ele quem os fazia/ Ele, um humilde operário /Um operário que sabia /Exercer a profissão. /[...] / Naquela casa vazia/ Que ele mesmo levantara / Um mundo novo nascia / De que sequer suspeitava./O operário emocionado /Olhou sua própria mão / [...] /E olhando bem para ela /[...] / De que não havia no mundo /Coisa que fosse mais bela./Foi dentro dessa compreensão/[...] /Que, tal sua construção /Cresceu também o operário/Cresceu em alto e profundo/Em largo e no coração/E como tudo que cresce /Ele não cresceu em vão/ Pois alem do que sabia[...] O operário adquiriu/ Uma nova dimensão: / A dimensão da poesia. /[...]E foi assim que o operário /Do edifício em construção / Que sempre dizia "sim" /Começou a dizer "não" / E aprendeu a notar coisas / A que não dava atenção: /Notou que sua marmita/ Era o prato do patrão / Que sua cerveja preta / Era o uísque do patrão / Que seu macacão de zuarte / Era o terno do patrão / Que o casebre onde morava / Era a mansão do patrão /Que seus dois pés andarilhos/Eram as rodas do patrão / Que a dureza do seu dia / Era a noite do patrão / Que sua imensa fadiga / Era amiga do patrão. [...] / Um dia tentou o patrão / Dobrá-lo de modo contrario/ [...] / Fez-lhe esta declaração: / - Dar-te-ei todo esse poder / E a sua satisfação / Porque a mim me foi entregue / E dou-o a quem quiser. /Dou-te tempo de lazer/ Dou-te tempo de mulher / Portanto, tudo o que vês / Será' teu se me adorares/ E, ainda mais, se abandonares / O que te faz dizer não. / Disse e fitou o operário /Que olhava e refletia / Mas o que via o operário / O patrão nunca veria / O operário via casas / E dentro das estruturas / Via coisas, objetos /Produtos, manufaturas. /Via tudo o que fazia / O lucro do seu patrão / E em cada coisa que via [...] A marca de sua mão. / E o operário disse: Não! / - Loucura! - gritou o patrão /Não vês o que te dou eu? / - Mentira! - disse o operário /Não podes dar-me o que é meu." VINICIUS DE MORAES Operário em Construção RESUMO O objetivo desta tese é estudar como o valor da força de trabalho converte-se em forma- salário ou preço do trabalho e como a tomada de consciência social prática da relação-capital inspirada pela figura do preço do trabalho influi sobre o próprio movimento cotidiano dos salários. A abordagem deste estudo buscou reconstituir a teoria da forma-salário mediante pesquisa e discussão conceitual de pensamentos junto às obras mais representativas da reflexão madura de Marx, como os Grundrisse, os Manuscritos de 1861-1863 e os três livros de O capital, além de referências a outras produções literárias subsidiárias, mas também significativas, como Salário, Preço e Lucro (1865), Crítica ao Programa de Gotha (1875) e algumas cartas dos anos 1860 e 1870. A reconstituição do processo de transformação do valor da força de trabalho em preço do trabalho permitiu verificar as ilusões e falsidades produzidas nessa metamorfose, as quais conferem aos salários imagem transmutada e transfigurada do assalariamento. O desenvolvimento do conceito da forma-salário revelou que a aparência gerada pela figura do preço do trabalho ou salário consiste numa tomada de consciência necessária da relação social de produção (trabalhadores e capitalistas), através da qual os seus agentes conduzem na prática seu intercâmbio mútuo. O movimento do salário é resultado, de um lado, do empenho do capital de pressionar o preço do trabalho para o nível mais ajustado com a maior taxa de mais-valia possível e, de outro, da função necessária de consciência social da forma-salário, pela qual os trabalhadores concebem os seus rendimentos monetários como consoantes com o grau de extensão, intensidade e eficiência do seu trabalho realizado na jornada. O estudo do movimento dos salários serviu-se de numerosas simulações numéricas (apoiadas em pressupostos teóricos devidamente justificados pelo desenvolvimento do conceito da forma-salário). Constam nessas simulações, cálculos das medidas reais do salário (absoluto e relativo) que possibilitaram verificar as repercussões da conjuntura salarial sobre a situação de vida material dos trabalhadores. As medidas quantitativas nominais da forma-salário levam à concepção de que os rendimentos monetários são expressão do trabalho realizado e não representação subjacente do custo de reprodução da mercadoria força de trabalho. O salário nominal (absoluto e relativo) impossibilita aos trabalhadores imediatamente divisarem os impactos de dada conjuntura salarial sobre sua existência material e social, fato que uma vez desnudado pelo salário real (absoluto e relativo) tornou sua mensuração procedimento fundamental da análise dos movimentos cotidianos do preço do trabalho. Palavras-chaves: Força de trabalho. Forma-salário. Preço do trabalho. Movimento dos salários. ABSTRACT The objective of this thesis is to study how the value of the workforce becomes form-earnings or price of labour and how making practice social awareness of the relationship-capital inspired by the price of labour figure influences the quotidian movement of wages. The approach of this study sought to reconstruct the theory of wage-form through research and conceptual discussion of thoughts along the most representative works of the mature reflection of Marx, like the Grundrisse, Manuscripts of the 1861-1863 and the three books of Capital, and references to other literary productions subsidiaries, but also significant, as Wages, Price and Profit (1865), Critique of the Gotha Program (1875) and some letters of the 1860s and 1870s. Reconstitution of the process of transformation of the workforce in price value of work has shown the illusions and falsehoods produced this metamorphosis, which give the image wages transmuted and transfigured the wage. The development of form-wage concept revealed that the appearance created by the price of labour figure or salary is a necessary awareness of the production of social relationship (workers and capitalists), through which its agents lead in practice their mutual exchange. The movement of wages is a result, on the one hand, the commitment of capital to press the price of labour to the most adjusted level with the highest added value rate possible and on the other, the necessary function of social consciousness-form salary whereby workers design their monetary income as consonant with the degree of extension, intensity and efficiency of your work on the journey. The movement of wages study made use of numerous numerical simulations (supported by theoretical assumptions justified by the development of the concept of form-wage). Contained in these simulations, calculations of actual measurements of the salary (absolute and relative) that enabled the repercussions of wage situation on the situation of material life of workers. Nominal quantitative measures of wage-form lead to the idea that monetary income is expression of the work and not underlying representation of the reproduction cost of the commodity labour power. The nominal wage (absolute and relative) prevents the workers immediately realize the impacts of a given wage situation on their material and social existence, a fact that once laid bare the real wage (absolute and relative) has its measurement fundamental procedure of the analysis of everyday movements price of labour. Keywords: Labour power. Wage-form. Price of labour. Movement of wages. LISTA DE QUADROS Quadro 1 Valor diário da força de trabalho e variação da extensão da jornada........... 44 Quadro 2 Elementos do processo de trabalho: valor e quantidade............................. 70 Quadro 3 Mercadoria final (M'): componentes e valor final...................................... 73 Quadro 4- Valor individual sob condições normais e excepcionais de produção......... 95 Quadro 5- Formação da mais-valia extra...................................................................... 96 Quadro 6 - Extensão da jornada de trabalho como mecanismo de sobrevivência das empresas que atuam em condições inferiores............................................ 165 Quadro 7 - Situações e respectivos casos de variação dos salários e prolongamento da jornada.................................................................................................. 169 Quadro 8 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho (situação I)...................... 169 Quadro 9 - Salário nominal, salário real e salário relativo (caso 1).............................. 170 Quadro 10 - Metodologia de cálculo do salário real....................................................... 171 Quadro 11 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 1).................................................... 173 Quadro 12 - Salário nominal, salário real e salário relativo (situação I, caso 2).............. 175 Quadro 13 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 2).................................................... 175 Quadro 14 - Salário nominal, salário real e salário relativo (situação I, caso 3).............. 177 Quadro 15 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 3).................................................... 182 Quadro 16 - Salário nominal, salário real e salário relativo (situação I, caso 4).............. 183 Quadro 17 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho (situação II)..................... 184 Quadro 18 - Salário nominal, salário real e salário relativo (situação II)........................ 186 Quadro 19 - Casos de estudo do salário por tempo ...................................................... 187 Quadro 20 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho........................................ 187 Quadro 21 - Salário nominal constante, prolongamento da jornada e preço horário declinante do trabalho (caso 1).................................................................. 188 Quadro 22 - Preço horário do trabalho fixo abaixo do preço normal. Salário nominal constante. (caso 2).................................................................................... 189 Quadro 23 - Preço horário do trabalho nominal fixado de acordo com a jornada normal. Prolongamento e aumento salarial (caso 3).................................. 190 Quadro 24 - Jornada de trabalho extra com preço horário do trabalho mais caro que o da jornada regular (caso 4)........................................................................ 195 Quadro 25 - Subemprego (caso 5)................................................................................. 198 Quadro 26 - Casos de estudo produtividade variável..................................................... 205 Quadro 27 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho (simulação I).................. 205 Quadro 28 - Salário nominal, salário real e salário relativo........................................... 206 Quadro 29 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 1)..................................................... 206 Quadro 30 - Salário nominal, salário real e salário relativo (caso 2, Situação I)............. 210 Quadro 31 Mais valia e taxa de mais-valia (caso 2)..................................................... 210 Quadro 32 - Salário nominal, salário real e salário relativo (caso 2A, Situação I)......... 214 Quadro 33- Mais valia e taxa de mais-valia (caso 2A).................................................... 214 Quadro 34 - Salário nominal, salário real e salário relativo(caso 3)................................ 216 Quadro 35 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 3)...................................................... 216 Quadro 36 - Salário nominal, salário real e salário relativo............................................ 217 Quadro 37 - Salário nominal, salário real e salário relativo(simulação II)...................... 218 Quadro 38 - Mais valia e taxa de mais-valia (simulação II)............................................. 218 Quadro 39 - Intensidade acima da usual com dada produtividade.................................. 224 Quadro 40 - Estudo de casos vinculados à variação da intensidade (simulação I).......... 225 Quadro 41 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho........................................ 226 Quadro 42 - Valor diário da força de trabalho e variação da extensão da jornada.......... 227 Quadro 43- Salário nominal, salário real e salário relativo (casos 1 e 2) ...................... 228 Quadro 44 - Mais valia e taxa de mais-valia (casos 1 e 2).............................................. 228 Quadro 45 - Salário nominal, salário real e salário relativo (caso 3) ............................. 230 Quadro 46 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 3)..................................................... 230 Quadro 47 - Salário nominal, salário real e salário relativo ........................................... 231 Quadro 48 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 4)..................................................... 232 Quadro 49- Salário nominal, salário real e salário relativo(caso 5)............................... 234 Quadro 50 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 5)..................................................... 234 Quadro 51- Segunda Simulação: Produtividade cai em 1/5. Duração constante e intensidade variável.................................................................................... 236 Quadro 52 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho ........................................ 236 Quadro 53 - Salário nominal, salário real e salário relativo ........................................... 238 Quadro 54 - Mais valia e taxa de mais-valia ................................................................... 238 Quadro 55 - Valor do material monetário e padrão de preço........................................... 241 Quadro 56 - Estudo de casos vinculados à variação do valor do material monetário...... 242 Quadro 57 - Valor da força de trabalho e jornada de trabalho....................................... 242 Quadro 58 - Salário nominal e salário relativo............................................................... 243 Quadro 59 - Salário nominal, salário real e salário relativo em xelins constante do caso original............................................................................................... 243 Quadro 60 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 1)..................................................... 243 Quadro 61 - Salário nominal e salário relativo .............................................................. 244 Quadro 62 - Salário nominal, salário real e salário relativo em xelins constante do caso original................................................................................................ 245 Quadro 63 - Mais valia e taxa de mais-valia (caso 2)..................................................... 245