Marxismo em utopia Jacob Gorender 6 9 niilom álica é tempo de atualizar o marxismo”, afirm^acob Gorender em Marxismo sem uiç^ . E é essa a tarefa que ele busca real^r, por meio de uma análise do marxismOiteórico e prático ao longo do século xx.y\ tese central do livro é que Marx e Eftgels, embora projetassem superar as coftcepções utópicas e se fundamentawigorosamente na ciência, não se livraflm inteiramente delas, ficando nomeio do trajeto. Duas teses utópicas^esentes na concepção mar)p/na destacadas pelo autor são a )uição da missão revolucionária ao proletariado - uma vez que a prática se encarregou de mostrar que a classe operária é ontoíogicamente reformista e a idéia da ditadura do proletariado - Para Gorender, Marx teria sido levado pela paixão revolucionária e pelo exagero na apreciação de indícios objetivos a transformar uma possibilidade (nas condições de sua época) em necessidade histórica, passando a considerar o socialismo uma inevitabilidade. 0 sociafismo é, ao contrário, um fim que os próprios homens elaboram, sujeito a se realizar ou nâo. A dialética marxista deve incluir 0 paradigma da indeterminaçâo caótica, combinando o determinismo dos sistemas à incerteza das transições. Na abrangente análise empreendida por Gorender, incluem-se as causas do fracasso da ursS; um balanço do sistema capitalista mundial na segunda metade do século XX, com ênfase na globalização e na recente crise global; e um exame das condições da hegemonia dos EUA e das contradições entre as grandes potências. Um capítulo especial aborda a questão da centralidade do trabalho nas condições da revolução tecnológica informacional. MARXISMO SEM UTOPIA JACOB GORENDER 1® edição 2- impressão ea SÉRIE TEMAS Volume 72 Historiografia e Ciência política Editor Fernando Paixão Editor assistente Otaalio Nunes Preparação de texto Márcio Guimarães Araújo Revisão Ivany Picasso Batista Sandra Brazil (coord.) Editor de arte Marcello Araújo Editoração eletrônica Estúdio O. LM. Capa Cláudia Warrak KDI IOKA ATIUADA IMPRESSÃO E ACABAMENTO Barlira Gráfica e Editora Ltda. ISBN 85 08 07368 2 2000 Todos os direitos reservados pela Editora Ática Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900 Caixa Postal 2937 - CEP 01065-970 São Paulo - SP Tel.: OXX 11 3346-3000 - Fax: OXX 11 3277-^146 Internet:' http://www.atica.com.br e-mail: [email protected] SUMÁRIO Primeira Parte 7 Capítulo I Da utopia à ciência 11 Capítulo II Estará o capitalismo historicamente esgotado? 17 Capítulo III A “construção” do socialismo 26 Capítulo IV Sistema, estrutura e incerteza O acaso e suas maravilhas 33 Capítulo V A pretensa missão histórica do proletariado A polêmica do revisionismo 43 Capítulo VI Classe, partido e políticos profissionais O proletariado e suas representações 54 Capítulo VII Estado: perecimento ou perenidade? Segunda Parte 67 Capítulo VIII A estratégia internacional da revolução socialista O internacionalismo posto à prova pela Primeira Guerra Mundial O socialismo num só país e a revolução permanente 82 Capítulo IX O experimento soviético e seu fracasso Coreografia das relações de produção O planejamento soviético no beco sem saída Causas e efeitos do retardo tecnológico A destruição da democracia pelos bolcheviques Perpetuado o cárcere dos povos Epí ogo sem grandeza 104 Capítulo X Da Guerra Fria ao fim da história Vicissitudes da tese do ultra-imperialismo Armas nucleares e Guerra Fria 113 Capítulo XI Cenários do capitahsmo real Estagflação e neoliberaHsmo Ofensiva do capital contra os trabalhadores A economia fetichizada Exclusão social e entropia ecológica Grandes potências e hegemonia americana 136 Capítulo XII Lei tendencial e contratendências: a queda da taxa média de lucro Terceira Parte 151 Capítulo XIII O proletariado declinante Exploração capitalista e classe revolucionária Fordismo e toyotismo Generalização e diferenciação da relação salarial Feminização da força de trabalho e acentuação da desigualdade entre os assalariados Definhamento do proletariado industrial 179 Capítulo XIV O futuro do trabalho Significação ontológica do trabalho Tendência histórica à redução do tempo de trabalho A centralidade do trabalho e sua negação 197 Capítulo XV O capitalismo na passagem do milênio Globalização e Estado nacional Crise de superprodução e crise financeira em progressão global Encrencas da regulação neoliberal O novo ordenamento político pós-Guerra Fria Nova ordem {ou desordem) mundial Preservação da democracia burguesa 220 Capítulo XVI Uma escolha a ser feita Reforma ou revolução Utopia ou ciência O sujeito da revolução Batalha incerta, responsabilidade certa 235 Capítulo XVII Teses sobre o socialismo A sociedade socialista-comunista A dominação do bloco de trabalhadores assalariados Estado e democracia Planejamento e mercado 257 NOTAS 274 BIBLIOGRAFIA PRIMEIRA PARTE Capítulo I Da utopia à ciência Tal como se constituiu desde A ideologia alemã ao Manifesto do partido comunista, o projeto político e intelectual de Marx e Engels consistiu em retirar a idéia do comunismo do âmbito da utopia e as sentá-la sobre fundamentos científicos. Decorrente desta diretriz axial, colocou-se a crítica da ideologia burguesa. Em O capital tal crítica se fez, conforme anuncia o subtítulo da obra, como crítica da economia política, o que, no caso, dizia respeito principalmente à economia política clássica de Smith e Ricardo. Hoje, num arco que vai da própria esquerda à direita, o marxis mo recebe a qualificação depreciativa de utopismo. Já no século pas sado, Bernstein denunciava o comportamento utopista de Marx ao colocar uma tese firmada antes de sua comprovação pela investiga ção científica. A conclusão já estaria pronta no momento em que a pesquisa se iniciava. O argumento acerca do utopismo marxista se difundiu e agora é esgrimido pelos porta-vozes da direita liberal, co mo Roberto Campos. Todavia, não deixa de ser intrigante a constatação de que o ter mo utopia foi recentemente apropriado pela esquerda, inclusive por adeptos do marxismo, com uma valoração positiva. Fala-se na ne cessidade de uma nova utopia, entendendo-se que, de fato, o mar xismo seria a “velha utopia”. Sendo assim, a direita teria razão, po rém não sua valoração pejorativa. Afinal, o que se pretende dizer é JACOB GORENDER que a luta pelo socialismo só avança se nos fixarmos um objetivo utópico. Nesses termos, sofre alteração o próprio conceito de utopia. Não mais fantasia irrealizável, o projeto utópico entra no campo das pos sibilidades. Por isso mesmo, faz-se referência a utopias possíveis. Todas estas metamorfoses e confusões semânticas aconselham o exame do projeto de Marx e a forma de sua realização. Na década de 40 do século passado, o pensamento socialista eu ropeu estava dominado pelos projetos utópicos de sociedades per feitas, cujo advento dependeria da boa vontade dos poderosos. Mas na Inglaterra já atuava um partido operário — o partido chamado dos cartistas —, que se propunha o objetivo bem mais modesto, e por isso factível, de conquistar direitos políticos democráticos para os trabalhadores. Marx e Engels extraíram daí a conclusão de que era necessário transferir o movimento operário do terreno das sei tas utópicas conspirativas ao terreno da luta política, nos termos em que ela concretamente se desenvolvia. Ou seja, passar da atividade sectária à luta de classes com caráter de massas. Contudo, ainda que não mais se tratasse de perseguir sociedades ideais perfeitas, o obje tivo político dos comunistas precisaria assentar sobre certezas. Seria impraticável e inviável propor a uma classe social oprimida os ris cos e sacrifícios de lutar por projetos de antemão marcados por dú vidas e imprecisões características de idealizações. Uma vez que não poderia advir da religião, a certeza teria de ser buscada no terreno da ciência. O racionalismo iluminista deu à ciên cia o prestígio ideológico de categoria suprema do pensamento. Se este prestígio era indiscutível no âmbito das ciências naturais e exa tas, já estava no ar a idéia da viabilidade de uma ciência social, tão respeitável quanto as ciências naturais. Marx, sem dúvida, foi cau- datário deste ambiente intelectual que encontrou ao iniciar seu pró prio trajeto. Como homem do século XIX, imbuiu-se de confiança ilimitada na ciência e considerou perfeitamente exeqüível a tarefa de fundar uma ciência social, desde que ancorada na economia políti ca, cuja plenitude como ciência da anatomia da sociedade seria ad quirida assim que se despojasse da estreiteza da orientação ideoló gica burguesa.