A felicidade enquanto recurso emocional socialmente desigual: para uma abordagem sociológica do sentir Ana Nestal de Almeida Martins Roque Dantas Tese de Doutoramento em Sociologia N o t a : A n a N e s t a l d e A l m e i d a R o q u e D a n t a s , A f e l i c i d a d e e n q u a n t o r e c u r s o e m o c i o n a l s o c i a l m e n t e d e s i g u a l : p a r a u m a a b o r d a g e m s o c i o l ó g i c a d o s e n t i r , F e v e r e i r o , 2 0 1 4 Março, 2015 Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Sociologia, realizada sob a orientação científica de Prof. Dr. Manuel Gaspar da Silva Lisboa Apoio financeiro da FCT/MCTES através da atribuição de uma bolsa de doutoramento (SFRH / BD / 60889 / 2009) II Aos meus filhos, João e Francisca III A FELICIDADE ENQUANTO RECURSO EMOCIONAL SOCIALMENTE DESIGUAL: PARA UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DO SENTIR Ana Nestal de Almeida Martins Roque Dantas RESUMO Tradicionalmente, a análise de emoções e sentimentos esteve associada a experiências individuais e singulares e, por isso, afastada do olhar sociológico. Neste trabalho, defendemos que sentimentos e emoções são socialmente moldados e a sua expressão reflecte aspectos sociais. Como tal impõe-‐se uma abordagem da Sociologia, procurando as regularidades em torno das formas de sentir, expressar e procurar felicidade. O objectivo deste trabalho é identificar as condições sociais que promovem ou limitam a percepção de felicidade, através da análise das características socioculturais diferenciadoras de práticas, representações e expressões de felicidade. Concretamente, pretende-‐se situar a análise nas condições de vida, tal como são experimentadas pelos actores sociais, que fornecem o contexto objectivo para a percepção e criação de significados de felicidade e que permitem também compreender a orientação para a acção. Em termos metodológicos, propomos uma abordagem a diferentes níveis, articulando a análise da expressão (medida numa amostra extensa e representativa dos portugueses, dados do European Social Survey -‐ ESS), com a compreensão dos significados e práticas sociais que lhe estão associados e as condições sociais em que são produzidos, através de dados recolhidos por meio de um inquérito sociológico por questionário desenvolvido especificamente com este objectivo. Esta investigação articula assim diferentes níveis de observação, completando os dados macro com uma aproximação mais intensiva e focada em actores sociais concretos. A análise é ainda diferenciada para Portugal (amostra ESS) e para a região de Lisboa (amostra recolhida no âmbito deste estudo). Por meio deste trabalho de investigação foi possível identificar as condições sociais que promovem ou limitam a percepção de felicidade, através da análise das características socioculturais diferenciadoras de práticas, representações e expressões de felicidade. Os resultados mostram que a felicidade é produzida e moldada em circunstâncias concretas, e por isso, algumas pessoas terão maior capacidade de definir as condições para a sua felicidade. Estes resultados vão mais longe do que estudos existentes, porque articulam as percepções, IV significados e práticas sociais de felicidade com os contextos em que ocorrem e mostram que a felicidade é um recurso emocional socialmente desigual. PALAVRAS-‐CHAVE: Sociologia; Felicidade; Emoções; Sentimentos V ABSTRACT Traditionally, the analysis of feelings and emotions centres on individual singular experience and is beyond the scope of Sociology. We suggest that feelings and emotions are socially moulded and reflect social features. Therefor we need a sociological approach on the regularities of feeling, expressing and searching for happiness. Through the analysis of the social and cultural characteristics that distinguish social practices, as well as happiness representations and expressions, it is our main goal to identify the social conditions that promote or restrict happiness perceptions. Specifically, we intend to place the analysis in the living conditions, as they are experienced by social actors, that provide the objective context for happiness perception’s. We propose a methodological approach that joins different levels of study: the analysis of the expression of happiness (in a large and representative sample of the Portuguese, data from the European Social Survey -‐ ESS); with the understanding of the meanings and social practices – within the social conditions in which they are produced – through data from a questionnaire designed specifically for this study. This research thus articulates different levels of observation, completing the macro data with a more intensive approach focused on specific social actors. The analysis is therefor differentiated for the whole country (data from ESS) and the Lisbon region (specifically collected for this study). This research allowed to identify the social conditions that promote the perception of happiness, through the analysis of the distinctive features of socio-‐ cultural practices, representations and expressions of happiness. Results show that happiness is produced under concrete circumstances, and for that reason some people will have greater ability to set the conditions of their happiness. Our conclusions go beyond previous studies articulating results from the analysis of perceptions, meanings and social practices of happiness with the contexts in which they occur. It is clearly shown that perceptions, practices and meanings of the happiness felling have an unequal social distribution that tends to penalize weaker groups, such as women and the elderly, and therefore it is related to other forms of social inequality. KEYWORDS: Sociology; Happiness; Emotions; Feelings VI Índice Agradecimentos ............................................................................................... XII Nota prévia ..................................................................................................... XIV Introdução ......................................................................................................... 1 Capítulo 1 -‐ A procura da felicidade enquanto problema social .......................... 7 1.1. A visibilidade da ideia de felicidade .......................................................................................... 11 1.2. Alguns indicadores numéricos de felicidade ......................................................................... 18 1.3. Os números da felicidade em Portugal ..................................................................................... 20 Capítulo 2 -‐ A construção do conhecimento sobre felicidade ............................ 24 2.1. Como a felicidade foi sendo pensada ao longo dos tempos e até à modernidade . 31 2.2. O contributo da Sociologia ............................................................................................................. 34 2.3. O contributo da Sociologia das Emoções ................................................................................. 49 2.4. Os contributos dos Happiness Studies ....................................................................................... 56 2.5 Os contributos para o estudo da felicidade em Portugal ................................................... 65 Capítulo 3 – Felicidade: uma proposta de análise sociológica ........................... 71 3.1. A felicidade enquanto promessa da modernidade: uma orientação para a acção social ................................................................................................................................................................ 72 3.2. A felicidade em tempos de crise .................................................................................................. 76 3.3. Em torno do conceito de felicidade ........................................................................................... 79 3.3.1. Felicidade, bem-‐estar e satisfação com a vida ................................................................. 81 3.3.2. As dimensões e sub-‐dimensões de felicidade ..................................................................... 85 3.3.3. As hipóteses em estudo ............................................................................................................... 88 Capítulo 4 -‐ Estratégia de investigação e instrumentos metodológicos ............. 98 4.1. A construção do campo de observação ................................................................................. 101 4.2. A definição da amostra ................................................................................................................. 103 4.3. Os instrumentos de recolha de informação ........................................................................ 107 4.4. O tratamento e a análise dos dados ........................................................................................ 110 Capítulo 5 -‐ Configurações sociais de felicidade .............................................. 113 5.1. Espaço social de felicidade ......................................................................................................... 115 VII 5.2. Perfis sociais de felicidade .......................................................................................................... 122 5.3. Felicidade e posição social .......................................................................................................... 126 5.4. Conclusão ........................................................................................................................................... 133 Capítulo 6 -‐ Diferenciação social das formas de sentir .................................... 135 6.1. Stress e preocupação .................................................................................................................... 139 6.2. Tristeza e raiva ................................................................................................................................ 148 6.3. Sorridente/risonho e gozo ......................................................................................................... 154 6.4. Em aprendizagem ........................................................................................................................... 161 6.5. Respeito .............................................................................................................................................. 164 6.6. Felicidade ........................................................................................................................................... 167 6.7. Topologia das formas de sentir ................................................................................................ 174 6.8. Tipologia social das formas de sentir .................................................................................... 176 6.9. Conclusão ........................................................................................................................................... 182 Capítulo 7 – A importância das condições de vida para a felicidade ................ 184 7.1. As dimensões da satisfação com a vida ................................................................................. 185 7.2. A importância dos factores biográficos ................................................................................ 188 7.2.1. Sexo e idade .................................................................................................................................... 188 7.2.2. Nível de instrução ........................................................................................................................ 194 7.2.3. Estado civil ..................................................................................................................................... 196 7.3. As circunstâncias de vida ............................................................................................................ 200 7.3.1. A pressão do dia-‐a-‐dia ............................................................................................................... 201 7.3.2. As condições de saúde ............................................................................................................... 210 7.3.3. O sentimento de segurança ..................................................................................................... 216 7.4. As relações interpessoais ............................................................................................................ 220 7.5. O trabalho e a sua importância para a felicidade ............................................................. 231 7.5.1. Desigualdade nas condições de trabalho em Portugal ............................................... 234 7.5.2. Características da actividade profissional ....................................................................... 238 7.6. Conclusão ........................................................................................................................................... 244 Capítulo 8 -‐ A crise económica e a felicidade .................................................. 247 8.1. Efeitos da crise sobre as práticas e percepções de felicidade ..................................... 248 8.2. A crise económica e as expectativas face ao futuro ......................................................... 255 8.3. Conclusão ........................................................................................................................................... 271 Capítulo 9 – A construção e a partilha de significados de felicidade ................ 273 VIII 9.1. Dimensões de felicidade .............................................................................................................. 275 9.2. A ideia de felicidade ....................................................................................................................... 282 9.3. Conclusão ........................................................................................................................................... 287 Capítulo 10 – Práticas sociais de felicidade: estilos de vida e modos de acção 289 10.1. Estilos de vida: a importância do lazer para a felicidade ........................................... 290 10.2. As actividades: o que se adora e o que se detesta e a sua importância para a felicidade ..................................................................................................................................................... 297 10.3. Orientação da acção face a felicidade .................................................................................. 306 10.4. Conclusão ........................................................................................................................................ 311 Considerações finais ....................................................................................... 313 Bibliografia citada .......................................................................................... 324 Índice de gráficos ........................................................................................... 334 Índice de tabelas ............................................................................................ 335 Anexos 1: Questionário .................................................................................. 340 Anexos 2: Caracterização da amostra Lisboa estudo felicidade ....................... 354 Anexos 3: Tabelas suplementares .................................................................. 359 IX
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