MANUSCRITOS DA COLEÇÃO DE ANGELIS /T"^ 1 I ' i i j • ó J E S U Í T AS E B A N D E I R A N T ES NO G U A I RÁ ( 1 5 ^9 - 1 6 4 0) INTRODUÇÃO, NOTAS E GLOSSÁRIO POR JAIME CORTESÃO BIBLIOTECA NACIONAL DIVISÃO DE OBRAS RARAS R PUBLICAÇÕES 19 5 1 / MANUSCRITOS BA COLEÇÃO BE ANGELIS I J E S U Í T AS E B A N D E I R A N T ES NO G U A I RÁ ( 1 5^ - 1 6 4 0) INTRODUÇÃO, NOTAS E GLOSSÁRIO POR JAIME CORTESÃO BIBLIOTECA NACIONAL DIVISÃO DE OBRAS RARAS E PUBLICAÇÕES 19 5 1 '<2 D I V I S À O D E E ß y ¥ f<ò C \ » í 1 * A NÍ- O o EXPLICAÇÃO A Coleção Pedro de Angelis é uma das maiores preciosidades documentais do acervo da Biblioteca Nacional. A história de sua aquisição foi largamente relatada pelo historiador José Antônio Soares de Souza, para isso documentado no Arquivo do seu ilustre antecessor, o Visconde de Uruguai, uma das figuras máximas da política externa do Brasil no Império. Pouco haveria que acrescentar, como, por exemplo, a interfe- rência, agora inteiramente comprovada, de José Maria da Silva Pa- ranhos, Visconde de Rio Branco, na negociação para a compra da livraria de De Angelis. Ê assim que, em carta de 10 de abril de 1835, Paulino de Souza escrevia a Rio Branco, informando-o de que o Catálogo de impressos e manuscritos de D. Pedro de Angelis estava em poder ao Imperador e que é/e esperava dar-lhe breve- mente solução quanto à compra. E a 12 de maio do mesmo ano. dizia-lhe estar o Governo disposto a comprar a Biblioteca, mas que era preciso saber qual a soma que De Angelis pedia por ela. Rogo a V. Ex." que mo diga pela primeira ocasião, para se tomar uma resolução definitiva". Em "post-scriptum" participava que De An- gelis em carta a Silva Pontes falara do preço que o General Ur- quiza lhe oferecera em 1849. "Não tinha disso idéia e desse preço, e para oferecer preço ser-me-á preciso alguma base, ainda mesmo procedendo-se com generosidade". Aos 17 de agosto de 1853, pedia a Rio-Branco que procurasse e entregasse a De Angelis o Aviso mandando pagar-lhe oito mil pesos (1). Dêste modo, a história da compra já está definitivamente con- tada: as personagens que decidiram e negociaram o preço e os passos iniciais e finais. Algumas notícias sobre a entrada e o tra- tamento da Coleção na Biblioteca Nacional ainda podem ser acres- centadas. (1) Cartas do Arquivo Particular do Visconde de Rio Branco, existentes no Arquivo Histórco do Ministério das Relações Exteriores, e que me foram comunicadas pelo Sr. José Antônio Soares de Souza. — 4 — Aos 22 de agosto de 1853 era remetido à Biblioteca Nacional o catálogo da Coleção De Angelis, a fim de que, quando rece- bida, pudesse ser verificada a existência dos livros e manuscritos constantes do mesmo Catálogo e seu estado e valor parcial. A 21 de dezembro do mesmo ano comunicava o Ministro do Império ao bibliotecário que a Coleção já havia chegado ã Corte e [ora nomeada para recebê-la, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, uma Comissão composta do Conselheiro Duarte da Ponte Ribeiro, Manuel Ferreira Lagos, Antônio Gonçalves Dias e de um repre- sentante do Ministério do Império. Como convinha que alguns li- vros e documentos permanecessem na Secretaria de Estado e como fôra esta que promovera e estipendiara a compra, só o bibliotecário da Biblioteca Nacional representava na Comissão o Ministério do império. Dos três membros da Comissão designada, o primeiro, Duarte da Ponte Ribeiro, era, na época, a maior autoridade em questões de fronteira; Gonçalves Dias já fôra incumbido, em 1851, de pes- quisas históricas no Norte, em 1854 seria encarregado de fazer investigações em arquivos europeus e nesse mesmo ano polemi- zara com Duarte da Ponte Ribeiro, no Instituto Histórico, sôbre a questão de limites entre o Brasil e o Paraguai (2); Manuel Fer- reira Lagos era sócio muito ativo do Instituto Histórico, redator de sua "Revista" e seu ex-secretário, e como funcionário da Se- cretaria do Estado dos Negócios Estrangeiros e estudioso de his- tória seu nome fôra naturalmente indicado. Aos três reunia-se Frei Camilo de Montserrat, bibliotecário da Biblioteca Nacional, representando o Ministério do Império, ao qual esta repartição estava subordinada. Ê de 3 de janeiro de 1854 o Aviso expedido pelo Ministério do Império ao da Marinha, solicitando as necessárias providências para que fossem entregues ao bibliotecário os caixões da Biblio- teca do Dr. Pedro de Angelis, que estavam no Arsenal daquela Repartição. Aos 9 de fevereiro já estava a Coleção na Biblioteca Nacional e no dia seguinte Frei Camilo de Montserrat pedia ao Ministro do Império que aprovasse o seu procedimento de passar um recibo sem restrições a Pedro de Angelis, não obstante ter achado falta de alguns volumes impressos, porque De Angelis ofe- recera em troca algumas obras não compreendidas no Catálogo. "Não duvidarei declarar que balançando as faltas com as suas (2) Vide Antônio Gonçalves Dias, "A Memória histórica do Sr. Machado de Oliveira e o Parecer do Sr. Ponte Ribeiro", Revista do Instituto Histórico, e Geográfico Brasileiro, temo 16, 1853, págs. 469-505. — 5 — substituições, a Biblioteca Nacional, bem longe de sofrer um pre- juízo, acha-se bem indenizada" (3). "Apesar da referida discre- pância entre o catálogo impresso e a Coleção entregue pelo Sr. De Angelis, discrepância mui limitada, não duvidei passar o recibo com fórmula absoluta e definitiva, como o requeria o mesmo Sr. De Angelis, sem declaração das substituições realizadas". A Coleção começou, então, a ser posta em ordem para ser con- sultada pela Comissão acima referida, que devia verificar o que seria necessário conservar no Arquivo do Ministério das Relações Exteriores e as duplicatas que poderiam ser oferecidas ao Instituto Histórico. Para defender o patrimônio, agora incorporado ã Bi- blioteca, de desfalques ilimitados, Frei Camilo de Montserrat soli- citava que se definissem e limitassem os objetos sobre os quais ver- saria a escolha da Comissão e que o autorizassem a fazer as obser- vações e reclamações a que dessem lugar as escolhas. Em 18 de fevereiro comunicava oficialmente que a Coleção estava em ordem para o exame dos membros da Comissão. A 20 de fevereiro o Ministro do Império aprovava a decisão de Camilo de Montserrat e pedia que lhe fôsse enviada uma relação de livros em falta e dos acrescentados. Infelizmente, ao que nos consta, estas relações não foram organizadas, mesmo porque a 10 de março de 1854, interrogado sôbre a existência da correspondên- cia reservada de D. Manuel de Rozas com o General Urquiza, informava o Diretor de acordo com o Catálogo impresso, o mesmo fazendo a 26 de abril, quando declarou que de acordo com o Ca- tálogo a Coleção compreendia 2.785 livros impressos e 1.291 documentos e mapas, no total de 4.076 peças. Fica-se porém sabendo que alguns livros e manuscritos não deram entrada na Bi- blioteca Nacional e que outros foram retirados para o Arquivo da Secretaria do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo sido as duplicatas, em número de 120, enviadas ao Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro. ^4os 10 de março de 1855, na exposição dos trabalhos feitos na Biblioteca Nacional no decurso do ano de 1854, Frei Camilo de Montserrat repetia a informação que fôra recebida a Coleção constando de 2. 785 volumes e folhetos impressos e 1 .291 documen- tos manuscritos, formando uma totalidade de 4.076 obras, relati- vas, pela maior parte, á história da América e distribuída, classifi- cada e inscrita nos catálogos da Biblioteca Nacional, afora as 120 doadas, como duplicatas, ao Instituto Histórico. A Comissão nomeada para examinar os manuscritos separara os relativos aos (3) Ofício de 10 de fevereiro de 1854. Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. — 6 — limites e os enviara ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dêsse modo, as faltas de livros e manuscritos posteriormente encon- tradas na Coleção são devidas às retiradas feitas pelo próprio De Angelis e para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Para isso, as requisições ministeriais, como a de 12 de julho de 1856, não terão também contribuído? A arrumação da Coleção feita, segundo Frei Camilo, logo que fôra recebida pela Biblioteca Nacional em 1854, fôra precária e rápida. Ê somente por volta de 1885 que Vale Cabral declara ter pôsto em ordem "a importante Coleção Angelis, tanto quanto fôra por ora possível, seguindo-se a classificação do respectivo Catá- logo impresso, já feita em outro tempo na sua quase totalidade por Frei Camilo de Montserrat. Esta Coleção foi quase tôda acomo- dada nas latas de folha e agora muito facilita a busca de qualquer documento que nessa exista". Realmente, foi fácil, desde a primeira arrumação, feita pelo antigo bibliotecário, encontrar os manuscritos que se procuravam e fazê-los copiar. Em 1882, Pedro Leão Veloso, Ministro dos Ne- gócios do Império, solicitava do Diretor da Biblioteca Nacional, para o Ministro Plenipotenciário da República Argentina, a cópia autêntica de três documentos, e nesse mesmo ano, J. A. Teixeira de Melo, chefe da Seção de Manuscritos, indicava entre os precio- sos documentos que deviam ser estampados no "Diário Oficial" a peça do padre Luís Lopez, de 1640, pertencente ã mesma Cole- ção, sôbre o motim do Rio de Janeiro por causa da liberdade dos índios. A verdade, porém, é que a arrumação promovida por Frei Ca- milo e melhorada por Vale Cabral não resolveu o problema da catalogação da Coleção. O Catálogo impresso era um simples arro- lamento, um inventário, uma lista, sem maiores pretensões. Dêste modo, a primeira e mais urgente tarefa que a Biblioteca Nacional devia empreender era organizar um Catálogo moderno desta Cole- ção. A Biblioteca Nacional inicia a publicação de suas peças sem ter atendido ainda a esta imperiosa obrigação. O consulente pode requisitar para exame o documento que necessitar para suas pes- quisas, mas não sabe, senão precãriamente, pelo Catálogo de 1853, o conteúdo exato da Coleção. Se precisar saber tudo o que a mesma possui sôbre êste ou aquêle fato a pesquisa será demorada, longa e custosa. O Catálogo seria o grande instrumento de pes- quisa, que facilitaria o imediato conhecimento desta importante (4) Relatóro da Seção de Manuscritos de 29 de janeiro de' 1886. _ 7 — fonte. A catalogação não poderia ser preparada ao mesmo tempc que se cuidava da edição, já contratada antes das diretrizes esta- belecidas, quando assumimos a direção da Divisão, de catalogar primeiro e só publicar o já catalogado. A Biblioteca Nacional assume o compromisso de promover a catalogação e publicação do Catálogo logo que tenha terminado a edição tão cuidadosamente dirigida pelo Sr. Jaime Cortesão. A compra da Coleção De Angelis não provocou tão somente os protestos de estudiosos argentinos, indignados com as aventuras de De Angelis. Se Florêncio Varela, aos 22 de setembro de 1841, se revoltava contra as "rapinas" de De Angelis, também Melo Mo- rais, no Rio de Janeiro, descontente com as dificuldades que lhe apresentavam para a aquisição de seu arquivo pelo Ministério do Império, escandalizava-se com "dar-se, sem que houvesse verba no orçamento, 20.000$000 ou 22:000$000 ao italiano Pedro De An- gelis, por meia dúzia de papéis, sem importância, e alguns livros impressos que foram recolhidos à Biblioteca Nacional" (5). Mas a nota de Melo Morais só revela o profundo ressenti- mento que sempre dominou sua vida de cronista. Foi um protesto felizmente sem repercussão e hoje todos agradecemos a inteligente ação de Paulino José de Souza, Rio-Branco e D. Pedro II, que nos dotaram deste magnífico conjunto de peças de extraordinário valor para a nossa história. Ainda uma outra notícia. Quando, em 1854, De Angelis escreveu e publicou "De la Navigation de VAmazone", defendendo os interesses brasileiros contra as ambições expendidas pelo ofi- cial M. Maury, de transformar o Amazonas num rio de condomínio internacional, foi o bibliotecário Frei Camilo de Montserrat, seu amigo, quem, aos 16 de janeiro de 1855, em ofício dirigido ao Mi- nistro do Império, pleiteou que a tradução de sua Memória fôssc amparada pela proteção de S. Majestade D. Pedro II e pelos Mi- nistros de Estado, de modo a poder contar com um número sufi- ciente de subscritores. Tratava-se da tradução "brasileira" da Na- vegação, que ê/e enviara a Frei Camilo pedindo-lhe que se encar- regasse de mandar imprimi-la. A tradução portuguesa não foi feita apesar dos esforços de Frei Camilo, que desejava atender ao pe- dido, "por ser mandado de uma pessoa da minha amizade e que esforçou-se de prestar ao Brasil, pela publicação de sua memória (5) Melo Morais, A Posteridade. Brasil histórico e Corografia Histórica do Im- pério do Brasil, Rio de Janeiro, Tip. de Pinheiro 6 Comp., pág. 11. — 8 — sobre um interesse público, um importante serviço, julgando eu que assim participarei indiretamente do seu generoso intuito" (6). A publicação das principais peças desta Coleção de grande interesse para a História do Brasil é um grande serviço que a Bi- blioteca Nacional presta a todos os estudiosos e eruditos. Como acentua o Sr. Jaime Cortesão, grande parte pertenceu ao Arquivo da Província de Jesus do Paraguai. São valiosíssimos, porque cons- tituem títulos de fundação da maior parte dos Povos das Províncias do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Para a história da forma- ção territorial e para os problemas de limites, a Coleção Pedro De Angelis é uma das principais fontes primordiais de que dispomos. Ela tem sido examinada e pesquisada por historiadores brasileiros e estrangeiros e aproveitada limitadamente para monografias e estudos. A publicação, pela Biblioteca Nacional, desta fonte vai alar- gar os estudos sobre o bandeirismo, sobre a formação territorial, e esclarecer problemas de limites, alguns felizmente decididos, mas não aplaudidos por certas correntes de opinião, como as que con- denam o movimento de penetração para o sul, sustentam o Tratado de Tordesilhas, ocultam as bulas que concediam a Portugal o domí- nio sobre terras descobertas ou a descobrir e omitem a conquista espanhola de ilhas e regiões do Oriente que cabiam a Portugal; as mesmas que dão atenção demasiada à Bula Inter Caetera (1493) e nenhuma à Romani Pontificis de 1676, que ao criar o Bispado do Rio dava-lhe como limites no Sul o Rio da Prata (usque ad Flumen de Prata per oram maritimam et terram intus); as correntes rosis- ias que exaltam suas campanhas e seus métodos, revêm a história argentina, pretendem o restabelecimento do Vice-Reinado pela união dos territórios vizinhos. Esta documentação é o melhor escla- recimento, a melhor objeção aos erros e preconceitos de uma polí- tica baseada em erros históricos. A fonte reunida por Pedro De Angelis pode auxiliar a libertação dêsses equívocos e promover a melhor compreensão histórica e do presente. Neste sentido, a Biblioteca Nacional considera esta edição documental como um serviço patriótico e de boa amizade interna- cional. Ela não tem um caráter meramente nacional, mas serve e pode contribuir para um melhor conhecimento histórico, para o esta- belecimento da verdade, a dissipação da ilusão e do ódio, a amplia- ção e instrução dos homens de outras fronteiras. (6) Oficio de 16 de janeiro de 1855, de Frei Camilo de Montserrat ao Sr. Conse- lheiro Luís Pedreira do Couto Ferraz, Ministro dos Nogóc:os do Império.
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