Área Temática 8 Linguística Aplicada ANAIS ELETRÔNICOS dA XXVI JORNAdA dO GRupO dE ESTudOS LINGuíSTICOS dO NORdESTE Capítulo da obra Pesquisas em Língua, Linguística e Literatura no Nordeste: uma Jornada de quase 40 anos do Gelne. ISBN 978-85-66530-69-8 ComuniCação individual A COMPREENSÃO LEITORA NA ELABORAÇÃO DE RESUMOS POR UNIVERSITÁRIOS FABIANA PINChO DE OLIVEIRA (UFAL) Introdução Este artigo se alinha à perspectiva sociocognitiva e interacionista que concebe a leitura como um processo de produção de sentidos, realizado na interação entre autor-texto-leitor. Essa concepção defende que a prática de leitura exige a ativação de diferentes tipos de conhecimentos, como o linguístico, o enciclopédico e o intera- cional (a situação comunicativa, o gênero, a intencionalidade) e que a compreensão pode variar de acordo com o objetivo da leitura, o uso de estratégias e os contextos de produção e recepção do texto. Nesse sentido, este trabalho contribui para discussão do tema leitura ao inves- tigar a elaboração de resumos por universitários iniciantes, dando continuidade às pesquisas desenvolvidas no Programa Iniciação Científicas (PIBIC1), nas quais foram mostradas as dificuldades dos graduandos na compreensão de sequências argu- mentativas e no uso da estratégia da inferência, entre outras. Essa discussão permi- te também refletir sobre as atividades realizadas nas disciplinas Leitura e Produção de Textos e Organização do Trabalho Acadêmico, ofertadas geralmente no início da graduação, com vistas a solucionar essas dificuldades das práticas de leitura e de escrita de gêneros acadêmicos. 1. O tema compreensão leitora foi objeto de estudo de dois projetos desenvolvidos no PIBIC/UFAL nos ciclos 2012-2013 e 2013-2014. Utilizando diferentes instrumentos de avaliação, como o teste cloze e as questões de múltipla escolha, foram identificadas as dificuldades dos alunos ingressantes, nos cursos de licenciatura em Letras, Química, Ciências Sociais e nos bacharelados em Administração e Direito, no uso da estratégia da inferência e no reconhecimento das sequências narrativas, descritivas e argumen- tativas. 3 XXVI Jornada do Gelne Baseando-se na perspectiva sociocognitiva e interacionista, este estudo sele- ciona o gênero resumo acadêmico como instrumento de avaliação da leitura em duas turmas dos cursos de Direito e de Administração da Universidade Federal de Alagoas. Para isso, apresenta como objetivos identificar e descrever as atividades de retextualização, tais como a construção da macroproposição, a generalização de informações e o gerenciamento de vozes. Para efetivar essa discussão, este artigo está constituído dos seguintes tópicos: o processo de compreensão da leitura na perspectiva sociocognitiva e as operações cognitivas, linguísticas e enunciativas presentes na prática de retextualização de um texto-fonte num resumo acadêmico, além da análise dos resumos selecionados e da conclusão. Processos de compreensão de textos O campo da leitura tem sido objeto de muitas pesquisas que podem privilegiar o entendimento do processo ou o seu ensino, como também podem se inscrever em diferentes abordagens teóricas, tais como estruturalista, cognitiva e discursiva. Essas abordagens vão diferenciar-se em função das concepções de língua, texto, sujeito e sentido adotadas. Essa multiplicidade de perspectivas também se deve à complexidade do pro- cesso de leitura, já que a compreensão de um texto envolve diferentes aspectos, como o conhecimento prévio do assunto, das estruturas linguísticas, do gênero, das condições de produção do texto (autor e suas intenções, veículo de publicação), do contexto de produção e do contexto de recepção, enfim, fatores que envolvem o leitor, o texto, o autor e a situação comunicativa. Segundo Leffa (1996), é possível identificar duas tendências que orientam os estudos sobre compreensão: historicamente, existe uma tradição de ora destacar o texto ora o leitor como fatores determinantes na leitura. Com uma forte influência do estruturalismo, as pesquisas sobre leitura nas décadas de 50 e 60, especialmente nos Estados Unidos, mostravam que um vocabu- lário mais simples, de uso corrente, e o emprego de construções frasais curtas e na ordem direta tornavam o texto inteligível. Nesse sentido, a compreensão dependia exclusivamente das características do texto. 4 XXVI Jornada do Gelne Posteriormente, surgiu uma abordagem macroestrutural, na qual recursos tipográficos, quadros, tabelas, subtítulos, conectivos, pronominalização, substitui- ções lexicais e tipos de sequências textuais (narrativo, descritivo, expositivo, argu- mentativo e injuntivo), revelaram-se determinantes na compreensão. Essa aborda- gem continua considerando o texto como elemento mais importante, embora de uma forma mais ampla, e a leitura como não linear. A perspectiva que destaca o papel do leitor defende que a compreensão acon- tece por meio da postura ativa do leitor que busca pistas no texto, utiliza estratégias, como o levantamento de hipóteses, de inferências, a seleção de informações dadas pelo conhecimento de mundo, a confirmação das hipóteses, ou seja, um sujeito que lê com objetivo definido e que avalia o seu comportamento de leitor durante o processo. Como se pode observar, o termo estratégia é muito significativo nessa perspec- tiva. Sob essa influência, muitos estudos, principalmente sobre leitura instrumental em língua estrangeira, e manuais de metodologia científica preconizavam o uso de técnicas de leitura baseadas no reconhecimento de pistas textuais pelo leitor. Algumas das mais conhecidas são skimming (leitura rápida em busca da ideia geral de um texto, para descobrir o assunto tratado); scanning (leitura rápida em busca de uma informação específica, geralmente em listas e tabelas, como também a busca de informação pontual num texto) e levantamento das ideias centrais (leitura para identificação e retenção das macroestruturas do texto, podendo ser utilizada para elaboração de resumos e para discussões posteriores sobre as principais pro- posições do texto). Portanto, pode-se concluir que a ênfase no papel do leitor revela a importância do conhecimento prévio compartilhado, seja da língua seja do assunto, entre leitor e autor. Assim, a imagem que o autor faz de seu leitor será determinante para produ- zir um texto mais ou menos inteligível. A competência do leitor, seja linguística seja conceitual, é fundamental para a compreensão. Atualmente, há um modelo de compreensão mais amplo, que envolve noções de letramento, domínios discursivos, multimodalidade, defendido por Kleiman (2004), Marcuschi (2008), Koch e Elias (2009), entre outros linguistas. Eles acredi- tam que a leitura é uma atividade que se dá na interação entre leitor-texto-autor, ou seja, a compreensão envolve aspectos da cognição do sujeito, da materialidade 5 XXVI Jornada do Gelne linguística, principalmente dos modelos de gêneros textuais, e da situação comuni- cativa, como os objetivos da leitura, a história de leitura dos participantes, o grau de formalidade, todo contexto sociocultural. Nessa perspectiva, “ler é um ato de produção e apropriação de sentido que nunca é definitivo e completo” (MARCUSCHI, 2008, p. 228). A leitura está longe de ser apenas um simples e individual ato de extração de conteúdos ou de identifica- ção de sentidos. Marcuschi (2008), por sua vez, defende que a atividade da leitura está funda- mentada em dois paradigmas: compreensão como decodificação e compreensão como inferência. O paradigma que entende a compreensão como decodificação concebe a língua como código. Ademais, inserido na perspectiva de semântica lexicalista, entende a referência como extensionalista na relação linguagem-mundo e defende a concepção de texto como continente. No entanto, o paradigma que entende a compreensão como inferência, depre- ende a noção de língua como atividade sociointerativa e cognitiva, com as noções de referência e coerência produzidas interativamente e de texto como evento cons- truído na relação situacional. A maior contribuição das inferências na compreensão de textos, para Marcus- chi (2008, p. 249), é agirem como “provedoras de contexto integrador para infor- mações e estabelecimento de continuidade do próprio texto, dando-lhe coerência”, em outras palavras, a inferência funciona como suposições coesivas para o leitor processar o texto. Finalizando, a compreensão de textos é uma questão complexa que envol- ve não apenas fenômenos linguísticos, mas também antropológicos, psicológicos e factuais. “Compreender é, essencialmente, uma atividade de relacionar conheci- mentos, experiências e ações num movimento interativo e negociado”, conforme diz Marcuschi, (2008, p. 252). Nesse sentido, as inferências trabalham com as relações entre esses conhecimentos e muitos outros aspectos, mostrando-se de extrema relevância na produção do resumo. 6 XXVI Jornada do Gelne O resumo como atividade de retextualização No domínio acadêmico, o gênero resumo, objeto desta investigação, assume variados propósitos comunicativos. Pode ser utilizado como uma técnica de estu- do, um instrumento de avaliação da compreensão leitora, um componente pré- textual de trabalhos monográficos, um instrumento para inscrição em eventos acadêmicos, entre outros propósitos. Ainda há outros objetivos para o resumo no mundo acadêmico. Por exemplo, para realizar pesquisas, os alunos precisam buscar informações nos textos, preci- sam identificá-las, destacá-las e até confrontar as ideias de vários autores que dão suporte teórico-metodológico às suas pesquisas. Nesse contexto escolar, o resumo constitui uma prática discursiva da comu- nidade acadêmica que tem por finalidade o registro de leitura para a recuperação futura de informações quando necessitar produzir outros gêneros acadêmicos, tais como: relatório, projeto de pesquisa, ensaio, artigo e até mesmo o trabalho de conclusão de curso. Para ajudar nessa tarefa, os alunos buscam obras para orientar suas produ- ções, dentre elas a Associação Brasileira de Normas e Técnicas – ABNT – que de- termina as normas que devem ser adotadas em todas as produções acadêmicas. Mas, muitas vezes, esses manuais trazem orientações relativas apenas ao processo de sumarização, induzindo o aluno a acreditar que basta sintetizar o tex- to-fonte e ser fiel às ideias do autor para produzir um resumo, como a orientação a seguir: Resumo é a condensação de um texto, inteligível em si mesma, redigi- da, em nível padrão de linguagem, com as próprias palavras do leitor re- sumidor. É uma atividade característica do ambiente escolar e, às vezes, do mundo do trabalho, que pressupõe exercício de leitura e de redação, pois quem o elabora deve ser capaz de: 1) compreender claramente o conteúdo, de modo a poder fazer escolhas: deixar de lado o incidental (detalhes, explicações, exemplos) e ficar com o essencial (ideias princi- pais); 2) organizar as ideias fundamentais do texto original num discur- so seu, coeso e coerente; 3) ser absolutamente fiel às ideias expressas pelo autor, não acrescentando informações subsidiárias; 4) usar nível 7 XXVI Jornada do Gelne padrão de linguagem, com vocabulário próprio, sem copiar frases ou expressões (a não serem as absolutamente necessárias). (THEREZZO apud SILVA; MATA, 2002, p. 9). Segundo Silva e Mata (2002), o professor precisa ter claro qual é o objetivo da produção do resumo. Se a intenção pedagógica for desenvolver habilidades linguís- tico-discursivas que permitam aos alunos reconstruírem o que foi compreendido através da leitura de diversos textos, articulando por meio de conectivos as dife- rentes relações de sentido, percebendo a organização macroestrutural dos textos, gerenciando as diferentes vozes, ter-se-á a prática da retextualização. Nesse caso, o modelo de resumo que é apresentado nos manuais de redação ou de metodologia científica está inadequado. Esta investigação se apoia nos estudos de Matêncio (2002; 2003), para quem a retextualização também pode ser entendida de uma maneira bem específica como a produção de um novo texto a partir da leitura de outros, como por exemplo, os gêneros resumo e resenha. Não se trata, portanto, das práticas da reescrita ou da editoração. A retextualização mobiliza o conhecimento linguístico por meio de operações, como a construção do tópico do texto, o grau de informatividade e a progressão do referente; mobiliza o conhecimento textual, exigindo domínio das sequências textuais (narração, descrição, exposição, argumentação, injunção e diálogo) e do es- quema global do texto; e mobiliza o conhecimento discursivo/interacional, que diz respeito ao propósito comunicativo e aos mecanismos enunciativos (modalização e gerenciamento de vozes). Ademais, na retextualização, o produtor do resumo mostra como se apropria de conceitos, como compreende os procedimentos metodológicos e como verbaliza essa nova prática discursiva. Segundo Matêncio (2003), a prática da retextualização de resumos acadêmicos revela as relações entre o saber fazer e o saber dizer do do- mínio científico. Segundo a autora, para entender a relação entre o saber-fazer e o saber-di- zer, é preciso antes compreender as especificidades do discurso científico, como se constrói a argumentação, como se expõem os conflitos teóricos e metodológicos, como se dá a influência dos veículos de divulgação. Esses conhecimentos são de- 8 XXVI Jornada do Gelne terminantes porque o produtor, na atividade de retextualizar, precisa identificar a infraestrutura textual, os mecanismos textuais e enunciativos do texto-fonte para produzir um novo gênero, situado em outro contexto de produção. A análise das práticas de retextualização mostra como ser possível manter a equivalência semântica entre o texto-fonte e o resumo, além disso como o produtor do resumo compreende essa nova prática textual e como ele verbaliza a construção de conceitos no domínio acadêmico/científico. Análise dos dados Os sujeitos da pesquisa são alunos iniciantes no curso superior. Foram sele- cionadas duas turmas de primeiro período, no turno matutino, sendo uma no cur- so de bacharelado em Administração e uma no bacharelado em Direito da Univer- sidade Federal de Alagoas. Cada turma tinha, em média, 40 alunos matriculados. Após o contato com as turmas selecionadas para contextualização das ativi- dades a serem desenvolvidas, foi aplicado o questionário sobre o perfil leitor2 e solicitado aos alunos a elaboração de um resumo após a leitura do artigo de opi- nião “Escrever, argumentar e seduzir” de Beth Brait, publicado na Revista Língua Portuguesa em 2007. O corpus é constituído por trinta e quatro (34) resumos do curso de Direito e setenta e dois (72) resumos do curso de Administração3. No curso de Direito, a coleta de dados ocorreu num único encontro, por motivos de indisponibilidade de tempo na programação da turma iniciante. Sendo assim, solicitou-se um resumo após a leitura do texto-fonte, sem orientação prévia sobre a elaboração do gênero. Na turma de Administração, por sua vez, foi possível coletar um resumo ini- cial e, após alguns encontros nos quais foram ministradas sequências didáticas do gênero em questão, os alunos realizaram a refacção tentando adequar a primeira versão às orientações recebidas nos encontros. 2. Os resultados da apuração desse questionário não são relevantes nesta análise dos dados. 3. O total de textos no curso de Administração corresponde às duas versões, com e sem orientação sobre o gênero resumo. Esse total de textos corresponde ao número de alunos que concordaram em participar da pesquisa. 9 XXVI Jornada do Gelne A seguir, apresenta-se uma análise dos procedimentos usados pelos alunos para adequar-se às especificidades do gênero resumo, entendidas como opera- ções da retextualização. Para verificar a adequação aos requisitos do resumo acadêmico, foram utili- zados os critérios propostos por Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2005), quais sejam: (1) apresentação das ideias que o autor do texto-fonte expõe como as mais importantes; (2) menção, no mínimo, do autor e do título do texto; (3) estabeleci- mento de relações entre as partes do resumo por meio de elementos articulado- res; (4) atribuição das informações ao autor do texto-fonte utilizando diferentes expressões referenciais (para o autor, segundo o escritor...); (5) seleção lexical ade- quada à situação acadêmica e (6) correção gramatical. Inicialmente, os resumos elaborados são separados em dois grupos: os que atendem ao modelo proposto e os que não atendem. A seguir, identificam-se es- ses grupos e tenta-se compreender as inadequações ao modelo proposto pelas autoras acima citadas. A turma de Direito, já na primeira versão sem orientação do professor, apre- sentou o seguinte resultado: de 34 resumos, 10 seguem o padrão do resumo aca- dêmico. Mesmo não sendo maioria, demonstra um bom resultado levando em consideração que os alunos não tiveram nenhuma orientação. Na turma de Admi- nistração, de 36 resumos, apenas 6 seguem o padrão acadêmico. Esses resumos estão dentro do padrão acadêmico porque transmitem a ima- gem que o aluno compreendeu adequadamente o texto original e contêm as in- formações que o autor do texto coloca como sendo mais relevantes. Nesse caso, os resumos recuperam os movimentos retóricos do texto-fonte (ponto de vista do senso comum, a tese defendida e o argumentado apresentado) e há referência clara ao título e à autora do texto resumido. Dessa forma, é possível compreender as ideias centrais do texto-fonte sem sua leitura prévia. Além desses aspectos da composição e do estilo do gênero, percebe-se também o uso de três estratégias básicas: o apagamento, a construção e a subs- tituição. 10
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