UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB VIRTUAL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Autor: Marcelo Agra Souto Orientadora: Anelise Pereira Sihler RECIFE – PE 2010 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA Autor: Marcelo Agra Souto USUÁRIOS DE DROGAS E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS: limites e possibilidades Monografia apresentada à Universidade Católica de Brasília, como requisito para conclusão do curso de especialização em Direitos Humanos, tendo como orientadora a professora Anelise Pereira Sihler. RECIFE, 2010 AGRADECIMENTOS À psicóloga Anelise Pereira Sihler, que me orientou na elaboração do trabalho, por ter colocado todo seu conhecimento à disposição e por todo incentivo repassado. Ao Coordenador do curso de especialização em Direitos Humanos, Daniel Seidel, pela atenção dispensada ao longo do curso. Ao psicanalista José Carlos Escobar, por toda influência que teve na formação das minhas concepções sobre a questão do uso de drogas. Aos profissionais que trabalham e trabalharam no Provita entre os anos de 2002 e 2009, com quem tive contatos que mobilizaram o interesse por me aprofundar no tema, especialmente os psicólogos Douglas Assis, Gustavo Vieira e Paulo Aguiar. À Vanessa Gazatti, minha esposa, pela sua compreensão, paciência e companheirismo, nos muitos momentos em que precisei me dedicar à elaboração do trabalho de conclusão de curso. À psicanalista Rosa Pereira, por tudo que a experiência de análise pessoal tem representado na minha vida. Aos meus pais, por tudo que me possibilitaram ao longo da minha vida. RESUMO O presente trabalho busca demonstrar que o uso de drogas, por si só, não deve significar impedimento ao ingresso e à permanência nos Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas. Propõe estratégias para lidar com a testemunha ou familiar que é usuário de drogas, recorrendo aos princípios da Redução de Danos e da defesa dos Direitos Humanos para respaldar a compreensão de que é viável, em determinados casos e respeitando alguns limites, garantir a proteção das pessoas mesmo com o uso de drogas ainda presente. Neste sentido, questiona a obrigatoriedade do tratamento para usuários de drogas que fazem parte da população atendida pelos Programas, defendendo que nem todas as pessoas que fazem uso de drogas precisam se tratar e que, mesmo as que precisam, devem ter na possibilidade de tratamento um direito e não uma obrigação. Palavras-chave: uso de drogas, redução de danos, direitos humanos, tolerância. ABSTRACT This paper seeks to demonstrate that drug use alone should not mean impediment to the entry and permanence in the Programs to Protect Victims and Threatened Witnesses. Proposes strategies to deal with the witness or family member who is drug user, using the principles of Harm Reduction and the defense of Human Rights to support the understanding of what is feasible in some instances and respecting some limits to ensure the protection of persons even with the use of drugs still present. In this sense, questions the compulsory treatment for drug users who are part of the population served by the Programs, arguing that not all people who use drugs need to be treated and that even those who need, must have the possibility of a treatment as a right and not as an obligation. Keywords: drug use, harm reduction, human rights, tolerance. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................07 1. DROGAS E USUÁRIOS DE DROGAS: 1.1- Drogas...uma palavra, vários sentidos...................................................................10 1.2- Visão histórica do uso de drogas............................................................................12 1.3 - Drogas na sociedade contemporânea.....................................................................15 1.4 - Classificação das drogas.........................................................................................20 1.5 - Tipos de usuários....................................................................................................42 1.6 – Prevenção...............................................................................................................49 1.7 – Formas de tratamento.............................................................................................53 2. REDUÇÃO DE DANOS: OUTRAS POSSIBILIDADES... 2.1 - Conceito de Redução de Danos..............................................................................57 2.2 - História da Redução de Danos no Brasil.................................................................62 2.3 - Redução de Danos como política estatal.................................................................65 2.4 - Redução de Danos e Direitos Humanos..................................................................71 3. USO DE DROGAS E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS: 3.1 – Os Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e o seu funcionamento.................................................................................................................75 3.2 - Propostas de intervenção dos Programas junto aos usuários de drogas................80 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................97 1. INTRODUÇÃO: O interesse por direcionar nossa pesquisa à intervenção dos Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas junto aos usuários de drogas partiu da constatação de que, historicamente, as Equipes Técnicas encontram muitas dificuldades no trato com as testemunhas que estão sob proteção e fazem uso de drogas, sobretudo quando se trata de uso de drogas ilegais/ilícitas. Identificamos que, ao longo da sua existência, os Programas encontraram/encontram duas formas distintas de lidar com a questão do uso de drogas por parte dos seus usuários. Enquanto algumas poucas Equipes Técnicas trabalham tentando inseri-lo em uma perspectiva de saúde, sendo mais tolerante ao uso e preocupando-se com a diminuição dos danos que podem decorrer desta ação, outras imprimem um caráter que denominamos como proibitivo, de “tolerância zero”, oferecendo ao usuário apenas duas opções – o tratamento ou a exclusão do Programa, o que deixa transparecer a crença de que seria viável trabalharmos no sentido de construir um Programa livre das drogas. Evidenciamos que a Rede Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas não dispõe de uma linha de atuação definida com relação aos usuários de drogas e, diante dessa realidade, vários usuários já foram excluídos de alguns programas estaduais por não conseguirem/não desejarem parar de usar drogas, enquanto que, em outros Estados, em situações semelhantes, as equipes identificam possibilidades de permanência, conseguindo “esticar” bem mais o “elástico” da tolerância e da compreensão com o contexto/processo que envolve uma pessoa que estabelece algum tipo de relação com determinada droga. Tal diferença nas intervenções entre os programas estaduais tem representado um grande obstáculo para o fortalecimento da idéia de Rede Nacional de Proteção, já que esta implica em conseguirmos ter diversos Programas com diretrizes bem definidas, possibilitando a adoção de encaminhamentos semelhantes às situações que se apresentam nos diferentes Estados onde o Programa é executado. O objetivo do trabalho é demonstrar que o uso de drogas, por si só, não deve significar inviabilidade de permanência no Programa, já que defendemos a idéia de que tal ação não necessariamente implica em exposição da condição de testemunha. Assim, pretendemos apresentar argumentação que possibilite a construção de estratégias para lidar com o uso de drogas no âmbito dos Programas de Proteção a 7 Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, estabelecendo princípios que sirvam de referência para atuação das equipes técnicas. Para atingirmos o objetivo referido recorremos a alguns conceitos básicos sobre uso/usuários de drogas, assim como aos princípios da Redução de Danos, buscando uma relação direta entre eles e a defesa dos Direitos Humanos. Assim, recorremos a autores como Bucher, Marlatt, Zaluar, Bastos, Nery, Andrade, entre outros, por considerar que estes apresentam reflexões que respaldam nossa convicção de que seria inviável pensarmos em um mundo sem drogas e, portanto, em um Programa sem drogas, já que ele está inserido na sociedade, o que significa dizer que está sujeito aos fenômenos evidenciados nela, inclusive o uso de drogas. Como metodologia, optamos por uma pesquisa bibliográfica e documental, assim como procuramos dialogar com diversos(as) técnicos(as) que atuam nos Programas, buscando situar as principais questões envolvidas na discussão sobre as formas de intervenção das Equipes Técnicas junto aos usuários de drogas. Assim, realizamos estudos de casos, analisamos termos de compromissos assinados pelos usuários, fichas de atendimentos, pastas dos casos, entre outros documentos. Tal movimento foi possível por termos um histórico de atuação no Programa e isso, juntamente com a bibliografia e documentação pesquisada, nos proporcionou amplo conhecimento sobre a realidade de cada programa estadual e da rede nacional como um todo, nos aproximando das relevantes divergências existentes entre as equipes quando o assunto é uso de drogas e Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas. Destacamos que o trabalho não teve a intenção de avaliar a efetividade ou a qualidade desses Programas em um sentido mais amplo, o que significa dizer que não adentramos na análise das questões referentes ao seu formato, ao cumprimento dos objetivos, muito menos à qualidade da participação do Estado e da Sociedade Civil no seu planejamento e execução. O nosso foco foi na intervenção das Equipes Técnicas junto aos usuários dos Programas que fazem uso de drogas. Assim, no primeiro capítulo, apresentamos o conceito de drogas, assim como definimos diferentes tipos de drogas e de usuários de drogas, ressaltando que os seus efeitos estão relacionados não só às suas propriedades, mas também às singularidades de cada sujeito e ao contexto sócio-cultural em que se insere o uso. 8 Posteriormente, no capítulo 2, resgatamos o conceito e a trajetória histórica percorrida pela Redução de Danos (RD), situando-a como uma alternativa que se apresenta diante do reconhecido insucesso das propostas tradicionais de lidar com os usuários de drogas. Neste momento, constatamos a proximidade existente entre os princípios da RD e àqueles que direcionam a prática dos defensores dos Direitos Humanos. A partir daí, no capítulo 3, detalhamos o funcionamento dos Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, assim como explicitamos as formas que as equipes vem lidando com a questão do uso de drogas. Para finalizar, enfatizamos alguns princípios que devem respaldar a intervenção das Equipes Técnicas junto às pessoas que fazem uso de drogas e que estão inseridas nos Programas de Proteção à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, destacando proposições para lidar com a questão. Concluímos que o uso de drogas esteve e estará presente no cotidiano de alguns usuários dos Programas e que ele, por si só, não deve ser impeditivo para o ingresso ou permanência de uma pessoa. Também constatamos que nem todo usuário de droga deve ser encaminhado para tratamento e que este, quando necessário, deve ser visto como um direito e não como uma obrigação. Neste sentido, destacamos que estabelecemos uma relação direta entre as propostas de intervenção e toda construção teórica dos capítulos anteriores. 9 1. DROGAS E USUÁRIOS DE DROGAS: 1.1 - DROGAS...UMA PALAVRA, VÁRIOS SENTIDOS: Apesar de termos construções interessantes entre os teóricos que se dedicam a estudar as questões relacionadas ao uso de drogas, evidenciamos que o tema ainda é permeado de desconhecimento por parte do público em geral e até mesmo entre psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, advogados e demais profissionais que, até mesmo em função do exercício profissional, lidam com pessoas que fazem uso de drogas, como, por exemplo, na atuação em programas/projetos sociais ou em políticas públicas. A forma com que a mídia trata os assuntos relacionados às drogas, o radicalismo, conservadorismo e o preconceito favorecem a construção e consolidação de uma concepção distorcida sobre as drogas e sobre os usuários de drogas. Não raramente nos deparamos com opiniões que relacionam às drogas a uma espécie de mal do mundo e o usuário de drogas a uma pessoa invariavelmente fadada ao fracasso. Por vezes, ainda identificamos a tentativa de relacionar à palavra droga apenas às drogas ilícitas, apesar dos evidentes prejuízos causados por drogas como álcool e tabaco, assim como há uma tendência a relacionar o uso de droga a uma questão de (“mau”) caráter. A palavra droga tem vários significados e sua origem etimológica no persa (droa= odor aromático), hebraico (rakab = perfume), holandês (droog = folha seca) (Reghelin, 2002, p. 70). Todo medicamento é uma droga e o termo (droga) também é comumente usado como sinônimo de algo indesejado, contudo, o significado que nos interessa neste momento é o de droga enquanto substância psicoativa (SPA). Neste sentido, drogas são substâncias naturais ou artificiais, que atuam no sistema nervoso central e são utilizadas para produzir mudanças no comportamento, nas sensações, no grau de consciência, no estado emocional (SENAD, 2000). Na literatura especializada, freqüentemente identificamos o termo substância psicoativa (SPA) ou drogas psicotrópicas, em substituição à palavra droga, o que decorre da intenção de destacar que se tratam de substâncias que agem no cérebro. Os efeitos gerados pelo uso de drogas geralmente são prazerosos e esta é uma questão crucial para enfrentar quando buscamos uma análise aberta sobre o fenômeno do uso de drogas. Ou seja, não há como negar que usar droga proporciona prazer, ou, como afirma Francisco Baptista Neto (2009), “as pessoas usam drogas porque elas dão algum tipo de gratificação para quem as usa... Qualquer droga, lícita ou ilícita, satisfaz 10
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