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Lei do índio ou lei do branco - Quem decide? Sistemas jurídicos indígenas e intervenções estatais PDF

368 Pages·2019·3.07 MB·Portuguese
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Editora luMEN JuriS rio dE JaNEiro 2019 Copyright © 2019 by Assis da Costa Oliveira, Ela Wiecko Volkmer de Castilho (Orgs.) Categoria: Direitos Humanos Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Diagramação: Rômulo Lentini A LIVRARIA E Editora luMEN JuriS ltda. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Lei do índio ou lei do branco - quem decide? : sistemas jurídicos indíge- nas e intervenções estatais / Assis da Costa Oliveira, Ela Wiecko Volkmer de Castilho (organizadores). – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2019. 368 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-519-1282-9 1. Direitos humanos. 2. Direito indígena. 3. Constitucionalismo. 4. Di- reito penal. I. Oliveira, Assis da Costa. II. Castilho, Ela Wiecko Volkmer de. III. Título. CDD 341 Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927 Prefácio: As leis e as Leis Inventadas Todas as sociedades têm leis e seus membros se obrigam a acatá-las ou sofrer as consequências. Estudá-las e resolver, com outras leis, como aplicá-las e entendê-las, é coisa das sociedades ditas modernas, dos brancos, como dizem os povos indígenas. A lei dos outros é sempre para os outros, leis exóticas, engraça- das, estranhas, incompreensível, às vezes. Nossas leis sabemos quais são dizem os membros das sociedades. Mas os brancos não sabem muito bem quais são as leis que regulam cada coisa, ato e prática concreta. São muitas leis que vão se tramando em teia fina de tal forma que se alguém não sabe todas elas ou não se precavê em seus atos, acaba enredado. De fato, as leis da sociedade moderna, muitas e para todas as ocasiões, são consultadas apenas para os atos complexos e criados pela própria lei, como comprar um imóvel, pagar imposto, etc. Para viver, trocar uma ideia com o vizinho, comer ou vestir-se, não é preciso consultar as leis, sabe-se como agir, fazem parte do cotidiano societário. A sociedade se acostuma às leis, isto é, elas fazem parte do costume. As leis dos povos indígenas também fazem parte do costume, deles! É verdade que pode haver quem diga: “Mas os indígenas têm leis?” Têm, e cumprem com muita facilidade porque fazem parte de sua cultura e a aprendem desde crianças sem escolas formais. Ao viver, vivem as leis de sua sociedade. Certa vez Paiaré Gavião, líder da Montanha às margens do Rio Tocantins, perguntava como eram feitas as leis dos brancos e, depois de uma resposta complexa, ponderou com iluminada pre- cisão: “então a lei é uma invenção!? E por que os brancos inventam leis para os ín- dios sem nos perguntar? Porque se os índios não gostarem terão que inventar outra.” Mas por que mesmo os brancos fazem leis para os índios? Por que não se con- tentam em inventar leis para sua própria sociedade e aplicar para os indígenas as leis indígenas? Longas e profundas seriam as respostas e justificativas, todas levando em conta apenas a racionalidade da modernidade. As explicações acabariam em dogmas que teriam que ser cumpridos porque se inventaram como leis. Por isso, juntando todas as respostas possíveis, que incluem desde a história da formação do estado moderno, do racionalismo, do bem estar social e das políticas públicas, se poderia resumir a uma afirmação: é obrigação do Estado e bom para os indígenas que haja leis que regulamentem estas relações que, afinal, cria direitos aos povos indígenas dentro do Estado moderno. Seria melhor ainda, em todo caso, perguntar a eles ao fazer e cumpri-las ao inventar. O fato concreto é que estão feitas. As leis chamadas nacionais ou dos Estados Nacionais, desde a constitui- ção até a mais regulamentar das normas, se pretende universal dentro de um território arbitrariamente estabelecido e reconhecido pelos outros Estados. No loteamento do planeta terra coube um pedaço a cada Estado, com intromissões, proteções, intervenções dos outros, é verdade, mas a razão ou a invenção quer fazer crer que todas as gentes, bichos e plantas, montanhas e rios fazem parte, ou como dizem os juristas, estão sob a jurisdição do território arbitrado. É uma lógica pouco compreensível a um povo indígena, à primeira vista, mas é assim! A lei inventada vale até o limite territorial do Estado criador que fica exa- tamente onde começa outro Estado, e é complexa. Mas os povos a cada vez que vão plantar mandioca ou construir sua aldeia devem consultar Códigos, analisar Decre- tos e refletir sobre as Portarias, e saber que aquela terra com plantas, bichos, mon- tanhas, rios e eles mesmos estão num ou outro Estado arbitrado, já que não sobrou outros espaços? Ou singelamente seguirão as leis que costumam seguir e que sabem que não afetará nem prejudicará grandemente a seus coabitantes, que tampouco estarão atentos às leis dos brancos. Ademais, como diria Paiaré Gavião, se a lei que os brancos inventaram para os índios não serve ou não está certa, os brancos que inventem outra lei. Então, é seguir a vida com as leis que o costume dá a cada um. Parece fácil. Porém, a lei dos brancos é uma invenção que pode ser rein- ventada a cada momento e pode dizer que o que é deixa de ser. Eis o problema. Quem inventa para o bem, como esperava Paiaré, pode inventar para o mal, como temia Paiaré. Um pouco pior do que isso, quem inventa diz como é sua invenção e os povos indígenas, que não inventaram nem participaram, lendo o que está escrito, não podem compreender segundo a compreensão dos inven- tores que leem o que não está escrito, estranho poder da palavra escrita que retira ou esconde sentimentos, gestos, modulações e intenções. E a lei é palavra escrita, seca, sem alma e quem a faz cumprir corre o risco de perder, também, a alma e não ver a humanidade que ela esconde. Por a palavra escrita vale mais do que a explicação clara e bem conversada? É o mistério da modernidade tão bem captada pelo xavante Juruna e pelo yanomami Kopenawa1. O mundo dos brancos para ser entendido tem que ser lido! 1 Mario |Juruna foi Deputado Federal e andava sempre com um gravador para gravar a conversa dos brancos que sempre era tão diferentes das escritas. David Kopenawa escreveu um livro de grande Então, os povos indígenas para poder ler as leis inventadas tiveram que cada vez mais conhecer a leitura e o inventor e se dedicam a fazer isso desde meados do século XX, compreendendo não só as leis nacionais e suas diferenças, mas as normas internacionais. Mas, quem aprende, ensina. Então, os povos que tiveram que aprender palavras como constituição, códigos, decretos, direitos, propriedades, etc. começaram a poder explicar como eram as leis que os regia e foi ficando claro, aos brancos que ensinavam, que complexas leis regiam esses povos, tão complexas e tão naturalmente estruturadas que nem precisavam se chamar de leis e de direito. É disto que este livro trata. De como os povos indígenas, ou melhor, cada povo indígena tem direito, jurisdição, autonomia, sistema jurídico, sentido de justiça e de como isso se relaciona com a invenção da lei moderna dos estados que abarcam seus territórios e as vezes estende a mão protetora mal lavadas de atrocidades recentes e remotas e ameaças futuras. O livro trata da “Lei do Índio ou Lei do Branco – quem decide?” fazendo reflexões sobre sistemas jurídicos indígenas e intervenções estatais. Dividido em duas seções está escrito por quem conhece o assunto em seus mais íntimos recantos. Mais de uma dezena de autores se debruçam sobre estas questões que são, só por existir, portadoras de conflitos. Apesar da diversidade de pen- samentos, a obra está tão bem organizada por Assis da Costa Oliveira e Ela Wiecko Volkmer de Castilho que oferece uma totalidade e unicidade precisa de argumentos e o leitor poderá desvelar e entender a beleza e a riqueza que ainda pulsa por trás das leis ou se indignar ao vislumbrar quão fácil poderiam ser en- contradas soluções para problemas de relações humanas negadas ou violadas. Boa leitura! Curitiba, março de 2019 Carlos Marés Professor Titular da PUC/PR alcance para entender a cultura dos outros: KOPENAWA, David & BRUCE, Albert. A queda do ceú: palavras de xamã yanomami. São Paulo: Cia das Letras, 2015. Sumário Introdução: Sobre Conflitos Jurídicos, Direitos Indígenas e Indagações ..........1 Assis da Costa Oliveira Ela Wiecko Volkmer de Castilho Seção I – Reconhecimento dos Sistemas Jurídicos Indígenas, Constitucionalismo Latinoamericano e Direito Penal 1. De la Autonomía y el Derecho de Administración de Justicia Indígena en Latinoamérica............................................................13 Rosembert Ariza Santamaría 2. Proteção Constitucional da Jurisdição Indígena no Brasil ..........................43 Erika Macedo Moreira Ana Catarina Zema 3. Radiografia do Tratamento Penal aos Povos Indígenas: dos Usos da Culpabilidade à Aplicação da Autodeterminação e da Antijuridicidade .......75 Assis da Costa Oliveira 4. Indígenas na Prisão: o Déficit da Perspectiva Intercultural .......................127 Ela Wiecko Volkmer de Castilho 5. Direito do Estado e Jurisdição Indígena: Casuísticas Amazônicas de Pluralidade, Jusdiversidade e Interlegalidades ..........................................157 Edson Damas da Silveira Júlio Macuxi 6. La Justicia Mapuche en Pulmarí. De la Reivindicación Indígena al Reconocimiento Estatal ..............................................................181 María Paula Cabeda Seção II – Atuação dos Sistemas Jurídicos Indígenas, Poder Judiciário e Laudos Antropológicos 1. Nhande Nhe’e Rupia’e (Por Nossas Próprias Palavras) .............................201 Almires Martins Machado 2. Justiça Kayapó Mebengokre: um Estudo de Caso ......................................221 Gustavo Hamilton de Sousa Menezes 3. O Júri Indígena de Roraima e a Atuação do Sistema Jurídico Indígena ...237 Assis da Costa Oliveira 4. La Pericia Antropológica: una Axiología Jurídica Postcolonial ................279 Manuel Alberto Jesús Moreira 5. Indígenas crianças: desafio aos sistemas jurídicos indígenas e não-indígenas ..............................................................297 Jane Felipe Beltrão 6. Sentido de Justiça Mbyá-Guarani e a Intervenção Estatal: Lógicas em (Des)Encontro? ...........................................................................313 Elaine Amorim 7. Sociedades Ecocosmológicas e Interlegalidade: a Experiência Mapuche e o Azmapu Frente a Etnofagia Multicultural ...............................................337 Sandra Nascimento

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