Para minha mãe, Eileen Armstrong SUMÁRIO Agradecimentos Apresentação 1. Sião 2. Israel 3. A cidade de Davi 4. A cidade de Judá 5. Exílio e retorno 6. Antioquia da Judeia 7. Destruição 8. Aelia Capitolina 9. A Nova Jerusalém 10. A Cidade Santa dos cristãos 11. Bayt al-Maqdis 12. Al-Quds 13. As Cruzadas 14. Jihād 15. A cidade otomana 16. Revivescência 17. Israel 18. Sião? Notas Bibliografia Relação de mapas e plantas Sobre a autora AGRADECIMENTOS Escrever é uma atividade solitária, mas não exclui contribuições de outras pessoas. Assim, gostaria de agradecer a meus agentes, Felicity Bryan, Peter Ginsberg e Andrew Nurnberg, bem como a meus editores, Jane Garrett e Stuart Proffitt, que me apoiaram e incentivaram. Sou igualmente grata a Roger Boase, Claire Bradley, Juliet Brightmore, Katherine Hourigan, Ted Johnson, Anthea Lingeman, Jonathan Magonet, Toby Mundy e Melvin Rosenthal, que me ajudaram com seus conhecimentos, sua paciência e seus conselhos. Por fim, agradeço a Joelle Delbourgo, minha editora na Ballantine, que foi a primeira pessoa a sugerir-me a elaboração deste livro e sempre me honrou com seu entusiasmo e seu estímulo. APRESENTAÇÃO EM JERUSALÉM, mais que em qualquer outro lugar que conheço, a História constitui uma dimensão do presente. Talvez isso ocorra em qualquer território sob disputa, porém fiquei profundamente impressionada quando fui trabalhar em Jerusalém pela primeira vez, em 1983. A força de minha reação à cidade me surpreendeu. Era estranho caminhar por um lugar que fazia parte de meu imaginário desde a infância, quando ouvi histórias do rei Davi e de Jesus. Mais tarde, no convento, ensinaram-me a iniciar minha meditação matinal visualizando a passagem bíblica sobre a qual devia refletir; assim criei minhas próprias imagens do Getsêmani, do monte das Oliveiras, da Via Dolorosa. Circulando por esses locais, descobri que a cidade real era muito mais tumultuada e confusa. Tinha de admitir, por exemplo, que Jerusalém era muito importante também para os judeus e os muçulmanos. Os judeus de túnica ou de farda que beijavam as pedras do Muro das Lamentações, as multidões de famílias muçulmanas que, trajando suas melhores roupas, se dirigiam ao Haram al-Sharif para fazer suas orações às sextas-feiras mostraram-me, pela primeira vez, o desafio do pluralismo religioso. As pessoas conseguiam ver o mesmo símbolo de maneiras totalmente diversas. Sem dúvida veneravam sua cidade santa, porém sempre estiveram ausentes de minha Jerusalém. E, no entanto, a cidade continuava sendo minha: as velhas imagens de cenas bíblicas que eu visualizara no passado muitas vezes se contrapunham a minha experiência direta da Jerusalém do século XX. Relacionada com alguns dos fatos mais importantes de minha vida, Jerusalém era parte inseparável de minha própria identidade. Como cidadã britânica, eu não tinha nenhuma pretensão política em relação a Jerusalém, ao contrário de meus novos colegas e amigos. Enquanto israelenses e palestinos me expunham seus argumentos, eu me surpreendia com a presença vívida de fatos do passado. Todos falavam, às vezes com minúcias, dos acontecimentos que levaram à criação do Estado de Israel, em 1948, ou à Guerra dos Seis Dias, em 1967. Percebi que esses retratos do passado com frequência giravam em torno da mesma pergunta: quem fez o que primeiro? Quem recorreu primeiro à violência: os sionistas ou os árabes? Quem percebeu primeiro o potencial da Palestina e tratou de desenvolver o país? Quem viveu primeiro em Jerusalém: os judeus ou os palestinos? Ao discutir o presente conturbado, israelenses e palestinos instintivamente se voltavam para o passado, e sua polêmica estendia-se da Idade do Bronze ao século XX. E, quando orgulhosamente me mostravam sua cidade, os próprios monumentos passavam a fazer parte do conflito. Em meu primeiro dia em Jerusalém meus colegas israelenses me ensinaram a identificar as pedras utilizadas pelo rei Herodes, com seus característicos bordos chanfrados. Elas pareciam onipresentes, lembrando eternamente um compromisso dos judeus com Jerusalém que (neste caso) remonta ao século I a.C. — e, portanto, é muito anterior ao surgimento do Islã. Sempre que passávamos por um canteiro de obras, na Cidade Velha, contavam-me que Jerusalém havia se estagnado completamente durante a dominação otomana e só voltara à vida no século XIX, em boa parte graças a investimentos de judeus — bastava ver o moinho construído por Sir Moses Montefiore e os hospitais fundados pela família Rothschild. Graças a Israel a cidade prosperava como nunca. Meus amigos palestinos me mostravam uma Jerusalém muito diferente. Para eles, o esplendor do H aram al-Sharif e as primorosas . mada-ris — escolas muçulmanas —, construídas pelos mamelucos em suas bordas, evidenciavam o compromisso dos maometanos com a cidade. Eles me levaram ao santuário de Nebī-Mūsā, erguido nos arredores de Jericó para defender Jerusalém dos cristãos, e aos extraordinários palácios que a dinastia dos Omíadas edificara nas proximidades. Uma vez, quando passávamos por Belém, meu anfitrião parou o carro na beira da estrada, junto à tumba de Raquel, para informar-me de modo passional que os palestinos cuidaram desse santuário judaico durante séculos, tendo sido muito mal recompensados por sua piedosa dedicação. Uma palavra reaparecia com frequência. Até os israelenses e palestinos mais céticos salientavam que Jerusalém era “santa” para seu povo. Os palestinos a chamavam de al-Quds, “a Santa” — designação que os israelenses refutavam com desdém, argumentando que a cidade foi considerada santa primeiro pelos judeus e que para os muçulmanos ela nunca teve a mesma importância de Meca e Medina. Mas o que a palavra santa significa nesse contexto? Como pode ser sagrada uma cidade igual a qualquer outra, cheia de seres humanos falíveis e de atividades profanas? Por que judeus que se declaram ateus se importam com a cidade santa e se mostram tão possessivos em relação ao Muro das Lamentações? Por que um árabe incrédulo se comove até as lágrimas ao entrar pela primeira vez na mesquita de al-Aqsā? Eu entendia por que Jerusalém é santa para os cristãos: a cidade presenciou a morte e a ressurreição de Jesus, testemunhou o nascimento da fé. No entanto, os fatos que plasmaram o judaísmo e o islamismo ocorreram muito longe dali, na península do Sinai ou na região árabe do Hedjaz. Por que um dos locais sagrados do judaísmo é o monte Sião, em Jerusalém, e não o monte Sinai, onde Deus entregou as Tábuas da Lei a Moisés e selou seu pacto com Israel? Evidentemente eu me enganara ao supor que a santidade de um local depende de suas associações com os fatos da história da salvação, o relato mítico da intervenção divina nos assuntos humanos. Foi para descobrir o que é uma cidade santa que decidi escrever este livro. Constatei que, em se tratando de Jerusalém, apesar de a palavra santa ser utilizada a torto e a direito, como se possuísse um significado claríssimo, ela é na verdade muito complexa. Cada uma das três religiões monoteístas desenvolveu tradições bem semelhantes a respeito da cidade. Ademais, a devoção a um lugar santo ou a uma cidade santa é um fenômeno praticamente universal. Os historiadores das religiões acreditam que constitui uma das primeiras manifestações da fé em todas as culturas. As pessoas criaram uma geografia sagrada que nada tem a ver com o mapa científico do mundo, mas que se refere a sua vida interior. Cidades terrenas, bosques e montanhas passaram a simbolizar essa espiritualidade tão onipresente que parece atender a uma profunda necessidade humana, independentemente de nossas crenças em relação a “Deus” ou ao sobrenatural. Por vários motivos Jerusalém tornou-se fundamental na geografia sagrada dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos, que por isso mesmo têm dificuldade em vê-la objetivamente, pois ela se tornou inseparável da concepção de si mesmos e da realidade suprema — “Deus” ou o sagrado — que confere significado e valor a nossa vida na terra. Três conceitos interligados aparecem com frequência nestas páginas. Primeiro, a noção de Deus ou do sagrado. No mundo ocidental tendemos a uma visão antropomórfica e personalizada de Deus, de modo que muitas vezes toda a noção do divino parece incoerente e incrível. Como a palavra Deus perdeu seu crédito para muitos, por causa das tolices inaceitáveis que têm sido ditas e feitas em “Seu” nome, talvez seja melhor substituí-la pelo termo sagrado. Ao refletir sobre o mundo, os seres humanos sempre experimentam no âmago da existência uma transcendência, um mistério. Sentem que essa transcendência está profundamente relacionada com eles e com o mundo natural, mas que também os ultrapassa. Ela constitui um fato da vida humana, não importa o nome que lhe damos — Deus, Brahma, Nirvana. Não importa quais sejam nossas opiniões teológicas, todos experimentamos algo semelhante quando ouvimos uma grande peça musical ou lemos um belo poema, e nos sentimos tocados por dentro, guindados acima de nós mesmos. Tendemos a procurar essa experiência e, se não a encontramos em determinado local — numa igreja, por exemplo, ou numa sinagoga —, buscamos em outro. Vivenciado de muitas formas, o sagrado inspira medo, admiração, entusiasmo, paz, terror, atos edificantes. Representa uma existência mais plena, mais elevada, que nos completará. Não o vemos apenas como uma força “externa”, mas o sentimos também nas profundezas de nosso ser. Precisamos, entretanto, cultivar a percepção do sagrado, como fazemos com qualquer experiência estética. Em nossa sociedade moderna, secular, nem sempre tal percepção é prioritária e, assim, como qualquer aptidão não utilizada, ela tende a embotar-se. Em sociedades mais tradicionais, a capacidade de apreender o sagrado reveste-se de extrema importância. Na verdade, muitas vezes achamos que sem a percepção do divino a vida não vale a pena. Isso se deve, em parte, a nossa visão do mundo como um vale de lágrimas. Somos vítimas de desastres naturais, mortalidade, extinção, injustiça, crueldade. A busca religiosa geralmente começa com a constatação de que alguma coisa deu errado, de que, como disse Buda, “a existência é errônea”. Além dos choques que todos experimentamos no plano físico, enfrentamos sofrimentos pessoais que transformam contrariedades aparentemente insignificantes em derrotas quase insuportáveis. Uma sensação de abandono faz com que experiências como luto, divórcio, rupturas ou até mesmo a perda de um objeto querido pareçam às vezes parte de um mal básico e universal. Com frequência esse desconforto interior se caracteriza por um sentimento de separação. Parece que nos falta alguma coisa, que nossa existência é fragmentada e incompleta, que a vida não devia ser assim e que perdemos algo essencial a nosso bem-estar — ainda que tenhamos dificuldade para explicar isso racionalmente. Essa sensação de perda já foi expressa de muitas maneiras. Evidencia-se na imagem platônica da alma gêmea da qual fomos separados ao nascer e no mito universal do paraíso perdido. Em séculos passados, homens e mulheres voltaram-se para a religião a fim de mitigar essa dor, encontrando remédio na experiência do sagrado. No Ocidente moderno, recorre-se eventualmente à psicanálise, que expressa num idioma mais científico essa consciência de uma separação primordial, relacionando-a com lembranças do ventre materno e com o trauma do nascimento. Seja como for, essa ideia de separação e o desejo de algum tipo de reconciliação estão na própria essência da devoção a um local sagrado. O segundo conceito que precisamos discutir é o de mito. Quando o homem tentou falar sobre o sagrado ou sobre a dor da condição humana, não conseguiu expressar sua experiência em termos lógicos, discursivos, e recorreu à mitologia. Mesmo Freud e Jung, que foram os primeiros a mapear a chamada busca científica da alma, empregaram os mitos da Antiguidade clássica ou da religião ao tentar descrever esses eventos interiores e elaboraram também alguns mitos próprios. Hoje a palavra mito tem sido um tanto aviltada em nossa cultura, que em geral a utiliza para designar algo que não é verdadeiro. Fatos que são “apenas” mitos não merecem consideração. É o que ocorre no debate acerca de Jerusalém. Os palestinos argumentam que não existe nenhuma evidência arqueológica do reino judeu fundado por Davi e que nunca se encontrou um único vestígio do Templo de Salomão. Com exceção da Bíblia, nenhum texto contemporâneo menciona o reino de Israel — o qual, portanto, provavelmente não passa de “mito”. Os israelenses consideram absurda e não demonstrável a história de que o profeta Maomé subiu ao céu a partir do H aram al- . Sharif de Jerusalém — um mito que está no próprio cerne da devoção dos muçulmanos a al-Quds. Concluí que isso denota ignorância. A mitologia surgiu não para descrever fatos historicamente verificáveis, e sim para tentar expressar seu significado interior ou ressaltar realidades
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