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Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana PDF

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DA ~ 53_ •.. I I F.~J. SCHELLING Investigações filosóficas SOBKt: A t:SStNCIA DA LIBt:RDADt: UUMANA Títulooriginal: PhilosophischeUntersuchungenüberdasWesenderMenschlichen e os Assuntos FreiheitunddieZusammenhangendenGegenstande ©destatradução, Edições 70eCarlosMorujão com ela Relacionados TraduçãoePrefáciodeCarlosMorujão CapadeEdições 70 RevisãotipográficadosserviçosdeEdições70 Depósitolegaln,"62906/93 ISBN972-44-0880-9 Todos osdireitos reservados paralínguaportuguesa porEdições70,Lda.•Lisboa- PORTUGAL EDIÇÕES70,BRASIL. LDA.- Av.daLiberdade.258.r - 1200LISBOA Telefs.:315875213158753/3158755/3158765 Fax:3158429 BRASIL: EDIÇÕES70.BRASIL.LTDA.- RuaSãoFrancisco Xavier.224-A. Loja2 (TIJUCA) CEP20550 RIODEJANEIRO. RJ Telef. eFax:2842942/Telex: 40385 AMU B Estaobra está protegidapelaLei.Nãopodeserreproduzida.notodoouemparte. qualquerquesejaomodo utilizado.incluindo fotocópia exerocópia.semprévia autorizaçãodoEditor.QualquertransgressãoàLeidosDireitosdeAutorserá passível deprocedimentojudicial. L -ma .-~ , PREFACIO DO TRADUTOR \ A obra que o leitor tem nas suas mãos, intitulada no original Philosophische Untersuchungen über das Wesen der menschlichen Freiheit und die zu sammenhãngenden Gegenstãnde, conhecida abrevia damente por Freiheitsschrift, foi escrita por Schelling em 1809 e destinada ao primeiro volume dos seus Escritos Filosóficos, a cuja publicação com I pleta acabarápor renunciar. Serápreciso esperarpela morte do autor; em 1854, para que uma edição com , pleta das suas obras veja a luz do dia. A tradução que aqui apresentamos julgamos ser a primeira, em Portugal, de um texto de Schelling. As dificuldades da tarefa eram imensas. O alemão de Schelling (de grande beleza formal e com um ritmo muitopróprio, que esperamos não ter traído em dema sia) pode ser de uma clareza e simplicidade desar mantes, ou de uma obscuridade quase impenetrável. Não estando, além disso, fixados em português, por uma investigação séria e por uma tradição de traba lho de tradução filosófica, os equivalentes para os principais termos deste tratado (Grund, Wesen, Ba sis, Dasein, etc), pouco tinhamos onde nos apoiar. 9 E o texto original, quer com outras traduções que tenha Sentimos, além disso, a necessidade de situar esta. , ao seu dispôr.: obra no contexto da produção do autor e das polemL- A explicação detalhada de cada uma das nossa cas filosóficas da época, cuja grandeza e importância opções de tradução obrigaria a longas notas que so hoje a custo pressentimos. Foi desta necessidade que brecarregariam um texto já de si bastante denso e nasceu o texto que se segue. Não pretende ser uma difícil. E, por fim, boa parte delas talvez serevelasse explicação da obra, nem sequer dos seus aspectos inútil: o leitor que desconhece a língua alemã quase principais, mas, tão só, uma introdução à sua leitu que pode prescindir delas e quem acompanha a leitu ra, colocando-a no contexto do movimento de ideias ra da nossa tradução com o texto original saberá, que a viu nascer e de que Schelling foi, sem dúvida, certamente, refazer o nosso percurso e, deseiamo-lo um dos principais protagonistas. Es~ corrigir-nos sempre que tal se revelar necessario, É vastíssima a bibliografia sobre Schelling e tam i ~ peramos sinceramente que as ocasiões em que isso bém sobre esta obra. Refira-se somente, a título de venha a acontecer não acabempor se tornar demasia curiosidade, que, só em França, o Freiheitsschrift f do numerosas. Esta decisão, no entanto, não nos im conheceu já quatro traduções (de valor bastante desi I pediu de proceder, neste prefácio, a uma ou outra gual), acompanhadas, por vezes, de comenuirios e no explicação mais pormenorizada de termos particular tas que excedem, em muito, o tamanho do texto que s~ ) ! mente difíceis ou controversos. propõem comentar. Ainda assim, arriscamos, no fi Uma última observação: Schelling não dividiu este nal, a apresentação de uma bibliografia selecta que seu texto em capítulos, embora ele comporte, como é permita ao leitor interessado' aprofundar os seus c~­ evidente, várias partes e se desenvolva segundo uma nhecimentos sobre este autor, ainda tão mal conheci- articulação extremamente rigorosa. Por este motivo, do entre nós. resolvemos mantê-lo tal como o autor o quis apresen Para esta tradução servimo-nos do texto publicado tar, na medida em.que qualquer intervenção releva nas Schellings Werke, editadas por Manfred Schrõ ria, em nosso entender, do trabalho de interpretação e ter, München, Verlag C.H. Beck, 1927. Trata-se de não do de tradução. Todavia, não queremos deixar de uma edição que procede a uma nova arrumação das obras do filósofo, tendopor base o texto publicado na~ remete•r o leitor para a obra de Martin Heidebabeer, Schelhngs Abhandlung über das Wesen der mensch- Sãmtliche Werke de Schelling, editadas por seu [i lichen Freiheit, Tübingen, Verlag Max Niemeyer, lho, Stuttgart-Augsburg, Cotta Verlag, 1856-61 1971,onde poderá encontrar uma análise bem funda (onde Das Wesen der mensch1ichen Freiheit aparece mentada das váriaspartes em que este texto se divide. no volume VII), mas cujos critérios nem sempre se a~bitr~­ percebem e são, por vezes, compÜ!.ta:ner:te rios. Conserva, felizmente, a referéncia a pagmaçao I daquela edição, que é a normalmente referida pelos comentadores de Schelling e figura, habitualmente, Esta obra, que marca praticamente o fim da activi em margem das várias traduções: E esta paginação dade pública de Schelling como escritor (publicará que decidimos igualmente conservar em margem, pa somente, até à data da sua morte, mais três curtos ra facilitar ao leitor interessado, quer o confronto com 11 10 .Lv ?:fl -, - , textos), embora não o fim da sua activi~ade.filosófi~a coisa é um Deus derivado ou modificado. Não é tam (ensinará, em diver~os lo..cai~, por m~zs !rm~~ e oito bém,a afirmação central desta filosofia, ordo et con anos), nem da sua influência no meto (t~osoftco,ale nexio idearum idem est ac ordo et connexio rerum mão - e mesmo francês -, esta obra, diziamos, e em (cf. Etica, II, Prop. 7), que estáem causa, mas o modo grande medida umponto de viragem:. S~~lling esfor como Espinosa entendeu a connexio rerum modo çar-se-âpor ligá-la à suaprodução[ilosâfica anterior, mecânico e morto e não dinâmico e vivo, que t:ansfor a chamada filosofia da identidade - que, segundo c: mou talfilosofia num necessitarismo ondea liberdade nova perspectiva, constituiria apenas o desenvolui não pode ter lugar. mento, forçosamente unilateral, de uma das partes ~igamos, . e,ntão, a análise schellinguiana da propo do seu sistema total de filosofia -, afirmando que a 1 stçao «Deus e todas as coisas» eprocuremos ver o que, filosofia da liberdade é a co,:clusão nece~sáriaque tal na sua perspectiva, ela contém de verdadeiro. Schel sistema exigia (a suaparte idealque, ate. ao momento~ I ling interroga-sepelo sentido da cópula, do é. Substi não fora ainda plenamente desenuoloida) e que so tuamos a referida proposição pela expressão A = B, agora a sua filosofia deverá ser ju~gada no s~u todo. que formalmente lhe é idêntica. Em que condições é Simultaneamente, com este escrito, Schelling leva possível fazer-se tal afirmação? Se houver, em A e em ao seu ponto culminante um debate filosófico mais B, um x onde se exprima a unidade originária dos vasto, que atravessa todo o século X,VIII n~ i}~ema­ dois e também a possibilidade da sua originária ci nha e que se mantém ainda bem vwo no tnicto do são. Assim, naquela igualdade exprime-se, simulta século XIX; o que nele está em litígio é saber quem neamente, uma identidade e uma diferença'; Para -tem razão, Espinosa ou.Leibniz. Trata-se da querela Schelling é esta a única interpretação possível do em torno dopanteísmo, do necessitarismo edo ateísm? princípio de identidade, que ultrapassa o seu alcance (os três associados, por muita gente, ao nome de Espz meramente lógico e se eleva à dimensão especulativa nosa), na qual tomaram parte,.entr~ muitos outros onde se manifesta a verdade da coisa mesma. Aquela antes de Schelling, Kant, Jacobi e Fichte. proposição «Deus é todas as coisas», que representa o Do ponto de vista em que se coloca neste.trata.do, é núcleo racional e verdadeiro do panteísmo, é expres essencial para Schelling o debate com a filosofia de são do devir de todas as coisas em Deus e de Deus Espinosa e o esclarecimento das suas re~ações com o como princípio activo de produção. Especulativamen panteísmo. O leitor notará que Schelling, embora te interpretada, a cópula torna-se o ponto em que a marcando as suas distâncias, não critica neste último questão teológica e a questão ontológica inevitavel a afirmação da presença de todas as coisas em Deus, mente se interligam. (Que Schelling, no entanto não ou de Deus em todas as coisas;pelo contrário, não se ~nto­ cansará de afirmar o acordo entre esta tese e aquilo se limite a repetir o projecto metafísico de uma -teologia, no sentido que Martin Heidegger atribui a que a filosofia procura explicar, a religião defende e esta expressão, é o que procuraremos mostrar mais os místicos experimentam. Notar-se-ti ainda a sua adiante.) preocupação em denunciar as interpretações grossei ras da filosofia de Espinosa, como, por exemplo, a n~sto afirmação, contraditória em si mesma, de que cada 1É que aproposiçãoA = Bse distingueda proposiçãoA =A. que expruneameraidentidadeconsigomesmada substânciaabsoluta. 12 r c-.__ I Na questão que Schelling coloca no início deste exprimirá a ligação necessária entre todos os elemen i tratado - como é possível um sistema completo de tos do real, será aprova da impossibilidade da liber i I filosofia? (e após Kant toda a filosofia aspira a se: dade. E se a liberdade existe, como o parecem sistemática, ou seja, a fazer derivar todos os conheci demonstrar todos aqueles que possuem o mais vivo . d mentos da razão e,portanto, toda a realidade, de um sentimerüo ela1, parece que com ela se arruina a único princípio) - encontramos não apenas um refle própriapossibilidade do sistema. Mas estará a razão xo, mas, talvez, a expressão mais aguda de todas prisioneira desta alternativa? aquelas questões que a expressão «debate em torno do panteísmo» (Pantheismusstreit) condensa. Com II Kant, mas, sobretudo, após Kant, com o chamado idealismo alemão, o problema do sistema tornara-se omodo como Kant aborda o problema da liberda um problema central da filosofia. Já na Crítica da de.na Crítica da Razão Pura é determinante para a Razão Pura o filósofo de K6nigsberg.distinguira en evoluç~o posterior do problema. Resumidamente, po tre trêspossíveis sentidos do termo: unidade orgânica, der-se-ia expor a tese de Kant da seguinte forma: de rapsódia e unidade técnica. Ora, um sistema de filo um ponto de vista cosmológico, a liberdade é incom sofia não pode ser uma estrutura exterior,à ~oisa ?r patível com a existência de uma causalidade na natu denada, mas expressão da ordem da propria coisa reza; mesmo a liberdade psicológica, quer dizer, o que, desta forma, é elevada ao nív~l superior d? sentimento que cada um de nós possui de ser o autor saber': Num sistema(ou, como Kant diz, numa arqui de uma .a.cção, deverá ser negada - e, neste ponto, tectónica) o saber das coisas e as coisas sabidas iden Kant utiliza uma argumentação muito semelhante a tificam-se, embora uma tal unidade, em Kant, n~o se que já fora usadapor Espinosa -, pois pode ser uma torne nunca plenamente efectiva, dado que aquilo a ilusão resultante do desconhecimento de uma causa que chama ideias da razão, expressão das aspirações lidade escondida, quer devido à nossa própria igno da razão à unidade sistemática, não têm, para ele, rância, querdevido àcomplexidadedas causas. Kant, carácter ostensivo. Quer dizer, para Kant as ideias no entanto, introduzirá uma distinção entre a causa não fornecem nenhum fundamento para aquilo que lidade empírica, submetida ao tempo, e uma outra representam, mas permanecem com tarefas que a ra causalidade que releva do domínio prático e que, em zão, no decurso do seu exercício, coloca a si mesma, bor~ faça sentir os seus efeitos no tempo, não é um sem nunca as conseguir resolver plenamente. E no [enomeno da natureza, mas uma livre e insondável quadro destas preocupações que devemos entender a causalidade da vontade, que Schelling tenta distin pergunta de Schelling. guir da indiferença do livre-arbítrio. Para salvar a Se respondermos que um tal sistema épossível, a ligação necessária entre as suas partes, na qual se ~ara ~ant, Schelling,tal,comopara há umfactoda liberdadeque _ 1 nao e totalmente possível de explicar, na medida em que já está 1 Elevação (Erhebung), elevar (erheben), são termos que aparece pressuposto em todas as explicações que dele se tentam. Kant, na rão repetidas vezes nas páginas deste t::.atado. O leitor notará ~ s~a Funda"!entaçào da Metafísica dos Costumes chamara à liberdade a frequência e a sua importância em função do contexto, que aqui nao «~aravl1ha no rnundr, dos fenómenos». E a possibilidade desta rnara podemosmais do que assinalar. vilha que Schelling tenta compreender. 14 15 liberdade Kant não tem outra solução senão a de de reflexão. Daíque a origem da'diferença sesitue na admitir uma causa que não foi causada, o que Scho possibilidade, que Schelling admite, de conferira tais penhauer, mais tarde, classificará ~omo contradictio ideias uma realidade objectiva que em Kant não po in adjecto e último recurso do kantismopara salva~o deriam ter. Por outras palavras, Schelling admite a deus da metafísica tradicional. Kant, portanto, rem possibilidade de uma intuição intelectual, ou seja, a trodúzo'dualismo. Por isso, a sua filosofia comporta faculdade de poder ver, de ter presente - sem ser por duas partes distintas: uma metafísica da natu:eza e intermédio da intuição sensível, o único tipo de intui uma metafísica dos costumes e a tarefa de um sistema ção admitido por Kant - a unidade do universal e do da razão consiste, para ele, na unificação das duas. particular, do infinito e do finito, da identidade e da Mas esta não será a últimapalavra de Kant sobreo diferença, ou seja, aquilo que, na filosofia pós-kantia assunto. No § 76da Crítica da Faculdade de Julgar, na, é designado por absoluto. Kant falará da natureza em termos complet?mer:te Explicar o que é e como é possível a intuição inte difàentes, já não como encadeamento de ~enomenos, lectual (sem voltar a cair no dogmatismo) será uma mas como mecanismo de produção de [enômenos, co das preocupações de Schelling apartir de 1800, embo mo fundo inesgotável de que depende a legalidade da ra já em 1795 as Cartas sobre o dogmatismo e o natureza, tal comoa representava a física-matemática, criticismo a ela façam referência. Ainda em 1804de do seu tempo, mas que a ela não sepoderia reduzir. E dicará a este assunto a parte inicial de um escrito aqui que Kant se aproxima decisivamente da noçã.o polémico intitulado Philosophie und Religion. Fich shellinguiana de um sistemada liberdade, tanto mais te fora oprimeiro, após Kant, a falar dele, mostrando quanto é também aqu~ que Kan.tprocurará re~olvera como o saber não ésomente um saber de coisas, mas, oposição entre necessidade e liberdade, considerada por meio de um retorno reflexivo sobre si mesmo, sa expressamentepor Schelling comooproblema centrai ber do saber, saber do que é sabido no saber das com que se defronta qualquer verdadeira filosofia. E coisas e, por isso mesmo, produção das próprias coi esta passagem do ponto de vista mecânico para opon sas comocoisas sabidas', Schelling, entretanto, não se to de vista dinâmico (que a filosofia kantiana procu limita a retomar-esta problemática fichteana, mas da ra, mas que nunca saberá encontrar) que pe~mitirá rá à intuição intelectual, como intuição do absoluto ultrapassar a oposição tradicional entre o racional e na sua simplicidade e identidade perfeitas, como acto o que se considera privado de razão e restituir à na de liberdade de um sujeito que se liberta do poder tureza toda a sua dimensão espiritual. constrangedor dos objectos, um sentido que ela não Schelling, no entanto, abordará o problema da podia comportarpara Fichte e que estará, como vere construção de um sistema de filosofia de forma com mos, na origem da ruptura entre os dois filósofos. pletamente diferente. Não esqueçamos que as ideias No entanto, nos começosda sua actividade filosófi que Kant desenvolve no referido § 76 não têm um ca, Schelling não se encontrava muito afastado da carácter determinante, quer dizer, nãopodem ser con sideradas como constitutivas do objecto enquanto ob jecto de conhecimentopara uma razão humanafin~ta, 1 Em que medida esta posição se poderia apoiar na autoridade de Kant e numa certa leitura do § 16 da 2"edição da Critica da Razão mas estão condenadas a permanecer meros conceitos Pura, équestão que não podemos abordar nestas páginas, LEI i posição fichteana relativamente á intuição intelectual. . Hõheres und Tieferes in seiner Lehre suchte, als ich Nas jáciladas Cartas filosóficas sobre o dogmatismo doch in der That findeti Konnte» (S.W., VII, p. 23). e o criticismo afirmava que ela acontece sempre que Em 1809não era mais o tempo de procurar em Fichte deixamos deserobjectopara nós mesmos equando, ao esse algo de mais elevado e mais profundo que Schel regressarasi mesma, a ipseidade que intui é idêntica ling, um dia, pensara lá poder encontrar, mas os re ao objectointuído. Com mais força ainda, dizia que flexos dessa polémica são ainda visíveis neste escrito, não se deveconsiderar a intuição de si mesmo como embora talvez não sejam totalmente perceptíveis para intuição de um mundo supra-sensível que transcenda um leitor desprevenido. Curiosamente, ela rebentou o Eu. Devemos registar, portanto, uma primeira evo num momento em que a filosofia fichteana sofria lução de Schelling no que respeita a este assunto. uma inflexão decisiva, mas que Schelling não chega Mas note-se que o absoluto que Schellingconsidera rá a conhecer, uma vez que Fichte não tornara públi comopossível de ser intuído (e que é agora entendido cas as reelaborações a que irá submetendo a sua numa acepção mais próxima do sentido originário da Doutrina da Ciência, contentando-se em expô-las palavra, do latim absolutus, entendido comounidade diante de alunos ou de círculos restritos de amigos. onde se dissolvem as particularidades do que está É por isso do maior interesse o estudo da sua corres cindido), não é, ainda assim, um absoluto exterior pondência com Schelling, dos anos 1800-1801, onde ao saber - se o fosse Schelling teria caído no dogma assistimos ao progressivo afastamento entre os dois. tismo pré-kantiano - pois trata-se de um saber do É provável que a distância tenha igualmente contri absoluto que é, ao mesmo tempo, um saber no absolu buído para acentuar os equívocos e favorecer os mal to,porque este, sendo de facto aquilo que é de acordo -entendidos: Fichte encou'raoa-sepor esta altura em com o seu conceito, não pode ficar fora do saber. A Berlim, onde se refugiara após ter sido acusado de intuição intelectual não é, por isso, uma visão estra ateísmo, e Schelling era professor na universidade nha a que uma natureza mediativa se sentisse parti de Jena, onde se manterá até 1803. cularmente inclinada, para empregarmos uma Ressalta da leitura destes textos as reservas de expressão de Jacobi, nas suas Cartas sobre a doutri Fichte diante do desenvolvimento, por Schelling, de na de Espinosa. Pelo contrário, ela aparece-nos mais uma filosofia da natureza que, aoparecer admitir (na comoo oposto da disseminação no mundo de objectos, perspectiva fichteana) um ser independente do saber, elasim verdadeiramente dispersiva e aniquiladora da punha em causa as aquisições da perspectiva trans identidade do Eu, idêntica àquela uneigentlichkeit cendental inaugurada por Kant. Fichte, em carta de que Martin Heidegger tematizará nas páginas céle 27 de Novembro de 1800, tenta resumir as diferenças bres de Sein und Zeit. entretanto surgidas e, ao mesmo tempo, encontrar uma plataforma de entendimento: a natureza', argu menta ele,considerada comoreal-ideal (expressão que ln Vários anos após ter rompido as suas relações com 1Otermo éempregue, obviamente,no sentido danatura naturans de Espinosa,identificadacom Deusentendidocomo «quodin seest et Fichte, Schelling dirá: «Ee war die Zeit, woich etwas perse concipitur». 18 19 r". u =<----...- é do agrado de Schelling) pode ser totalmente dedu como tal, a tarefa da filosofia (que constitui, ao mesmo zida do Eu, não, bem entendido, se a considerarmos tempo, a sua profunda necessidade) consiste em pro como fenómeno ou conjunto de fenómenos, mas do ceder ao seu restabelecimento e, dessa forma, em ul ponto de vista do que nela háde inteligível. A posição trapassar oponto de vista da reflexão que, ao negá-la, schellinguiana que motiva esta resposta de Fichte revela oseu verdadeiro carácter de doença do espírito (mas que irá evoluir e o Tratado de 1809 é um dos humano. É esta posição que Fichte procura integrar momentos centrais dessa evolução) poderá resumir na sua, dando-lhe uma formulação mais adequada -se nos seguintes termos: sendo auto-produção e aosprincípios da Doutrina da Ciência: a noção schel auto-desenvolvimento, a natureza éa verdadeira iden linguiana do Eu como potência superior poderá ser tidade sujeito-objecto e a sua manifestação na cons conservada, sob a condição de distinguirmos entre o ciência e como consciência é apenas um grau que é fenómeno e o que é inteligível na natureza e de superior dessa subjectividade-objectividade natural. considerarmos o indivíduo em geral como potência É por isso que, se a virmos como consciência, aquela inferior desse inteligível. identidade sujeito-objecto aparece-nos elevada à sua Na verdade, ao longo de toda esta polémica, cada potência' superior(ou seja, torna-se uma subjectivida um dos dois filósofos parece servir-se dos termos do de-objectividade subjectiva), pressupondo, no entanto, outropara expor ideias bem diversas e daía sensação aquela identidade objectiva como sua condição de de equívoco que resulta de uma leitura atenta de todos possibilidade, ou potência inferior, quer dizer, como estes textos. Assim, em carta de 31 de Maio de 1801 passado transcendental a que opresente da consciên (mas enviada somente a sete de Agosto'), as diferen cia devolve toda a riqueza eprofundidade espirituais. ças parecem agudizar-se, embora Fichte comece por Por outras palavras: a consciência só é uma potência manifestar a alegria e a esperança que lhe despertou da natureza porque existe nela como potencial. a recepção da última carta de Schelling, ao mostrar Porém, como aquela unidade não está imediata -lhe que este se mantinha no caminho da ciência (leia- mente dada e como o entendimento não a reconhece -se: continuava a seguir o caminho aberto por 1 Potência (Potenz) é um termo schellinguiano difícil de explicar em poucas palavras. Significa, aproximadamente, a acção pela qual 1Estacartaéfundamentalparaa compreensãoda relaçãoentreos algo se põe a si mesmo e, nesse pôr, se manifesta como unificação e dois filósofos e recomendamos vivamente a sua leitura. Pode encon concreção dos seus elementos constituintes previamente dispersos. trar-se na Gesamtausgabe de Fichte (org. de Reinhard Lauth), Stutt Trata-se, portanto, de um nível de realidade em que se reproduzem, gart/Bad-Cannstadt,VerlagFriedrichFrommann,vol. III, 5.pp.43-53. numplanosuperior, os momentosanteriores. Nos anos emque proce Estatrocade correspondênciaazedouarelaçãoentreosdois filósofos, de à elaboração da filosofia da identidade (altura em que se situa a que interromperam a partir de então qualquer contacto pessoal, não polémicacom Fichte, que vimos referindo), Schellingutilizapreferen maisse voltandoa veratéàmortede Fichteem 1814.Em vida. Fichte cialmenteo termo potênciaparadesignar osmodos de exteriorização referir-se-á sempre depreciativamente ao rumo seguido por Schelling daidentidadeabsoluta, que se manifestacomo diferençaquantitativa após a separação entre ambos; o mesmo acontecerá com Schellingem entresubjectividadeeobjectividade. Não sendo objectode uma tema relação a Fichte. Em 1806,numa obra intitulada Exposição da verda tização explícita no Tratado de 1809, ainda assim o leitor poderá deira relaçãoentre a filosofia da natureza e a doutrina de Fichte me encontrar aí sinais evidentes da reelaboração a que Schelling subme lhorada, popularmente conhecida como o Anti-Fichte), Schelling terá esta noção, vindo a consagrá-la, nos seus últimos trabalhos filo retomará as suas críticas anteriores, acusando Fichte de ver a natu sóficos.como designaçãodos momentosemque se cindeinteriormente reza como simplesmeio deque o Eu seserve parase realizarcomoser a vida divina, no seu processo de auto-manifestação. moral. 20 21 Fichte com a sua Wissenschaftslehre de 1794, cujos irracional, ou seja, da luz imanente ou Deus, de que princípios fundamentais mais uma vez reafirma). a natureza é apenas uma manifestação. Mas o conteúdo desta cartaparece confirmar a acusa Desta polémica, as duas primeiras dezenas de pá ção que Schelling lhe lançara de ser incapaz de reco ginas do Tratado de 1809são ainda um claro reflexo. nhecer a identidade sujeito-objecto sem ser pelo lado Por isso, convirá ao leitor conhecer, ainda que sucin da consciência, opinião que, como se sabe, será tam tamente, a resposta de Schelling. Ela consistirá em bém a de Hegel no Differenzschrift de 1801. Fichte acusar Fichte de retirar à ideia de natureza todo o reduz a natureza a uma pequena região da consciên seu carácter especulativo: a natureza cai fora do abso cia: na intersecção entre a consciência universal (ou luto, torna-se num nada que só serápossível recuperar seja, a totalidade da vida espiritual) e a consciência de um ponto de vista prático, considerando-a como individual determinada (o X impenetrável à ciência, campo da acção moral do homem. A natureza fichtea mas atravessado pela vida do espírito), aíonde o in na, conclui Schelling, tem um significado meramente divíduo aparece como ponto de vista sobre a totalida teleológico, édespida da sua vidaprópria enão émais de do sistema, é que a razão finita pode proceder a um reflexo da eternidade. Inconsequentemente (do uma dedução da natureza. Fichte quer manter-se no ponto de vista de Schelling), Fichte afirma que a na campo do idealismo e acusa Schelling de cair no rea tureza tem o seu fundamento em Deus, mas, uma vez lismo. Para ele, a filosofia não podepartir de um ser, que se recusa a compreender a sua profundidade re mas de um ver (dado que oprimeiro só existe uma vez ligiosa, enquanto auto-manifestação do absoluto, só a referido ao segundo), ou seja, da evidência simultâ pode considerar do seu próprio ponto de vista mora nea de si mesmo e do saber que penetra todas as coi lista, que reintroduz o dualismo. sas, evitando, igualmente, quer uma perspectiva empírica sobre elas, quer o ponto de vista do Eu sin gular. Só o puro ver tem as características de perma IV nência, solidez e imutabilidade que a filosofia dogmática atribui ao ser. O dogmático é aquele que Sublinhámos, de início, o carácter de transição põe o ser antes das coisas, quer dizer, antes da vida, deste escrito. Ele torna-se evidente se notarmos que hipostaeiando-o como causa. No fundo, para Fichte quase todos os temas que marcam o anteriorpercurso que afirma seguir o caminho delineado por Kant - a filosófico de Schelling, embora de forma alguma te intuição intelectual não éintuição de um ser (seja ele nham sido abandonados, se encontram particular o absoluto, como em Schelling), mas somente de um mente atenuados. Desapareceram as referências agir, a saber, o agir da consciência que se põe a si explícitas à intuição intelectual, embora a afirmação mesma, a exemplo do que acontecia em Kant à cons da existência de um sistema, «pelo menos na mente ciência do imperativo categórico. Na já referida carta, divina», associada à afirmação de que «o semelhante Fichte afirma ainda que a vida espiritual, para a pode conhecer o semelhante» (isto é, o divino pode ser qual a natureza mais não é do que o mundo da ex conhecido através do que há de divino no homem), periência, que se opõe ao Eu esobre o qual eleexerce a continuem a apontar nesse sentido. A posição que sua actividade, é o quadrado racional de uma raiz . sobrevaloriza a unidade, a identidade e a indiferença 22 23

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