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Introdução à ciência do Direito - compẽndio de Direito PDF

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INTRODUÇÃO A CIÊNCIA DO DIREITO COMPÊNDIO DE DIREITO MARIA HELENA DINIZ Prefácio Neste livro não pesquisamos o direito, mas a própria ciência que se ocu pa dos fenômenos jurídicos, ou seja, a ciência jurídica, porque a introdução à ciência do direito pretende dar aos que se iniciam no estudo do direito não só uma visão panorâmica e sintética das principais fundamentações doutrinárias da ciência jurídica, sem repudiar qualquer delas, mas também delimitar os conceitos básicos da elaboração científica do direito. Procuramos oferecer, de modo simples e objetivo, a base informativa necessária aos estudantes do direito, para que eles, compreendendo como se constitui e se caracteriza o conhecimento do jurista, possam iniciar uma via gem nos domínios da ciência jurídica e adotar uma atitude analítica e crítica diante das questões de direito. É mister deixar bem claro que este ensaio está longe de ser um tratado completo da ciência jurídica, pois não tem a pretensão de esgotar todas as questões relativas ao conhecimento jurídico-científico. Trata-se de uma obra com cunho didático, por isso colocamos ao final de cada ponto um quadro sinótico, para proporcionar uma visão global da matéria ministrada. As referências bibliográficas auxiliarão os estudiosos na busca de leituras complementares mais profundas e ricas em investigações científico-jurídicas. Ante o grande número de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem explicar a ciência do direito, cada qual sob um prisma diverso, concluímos que não se deve aceitar rótulo doutrinário que a circunscreva dentro de certo sectarismo, uma vez que o jurista contemporâneo tem necessidade de acolher todas as contribuições teóricas, para nelas identificar as diretrizes comuns e essenciais, mediante um trabalho de reflexão e comparação, pois todas as concepções surgidas na história da ciência jurídica, por mais hostis que sejam, trazem sua parcela para o patrimônio geral do conhecimento científico-jurídico. Evitamos o monopólio de uma teoria, visto que os problemas epistemológicos não mais se resolvem por uma especulação abstrata ou por um mergulho no pensamento puro, por ser impossível compreender, em todo o seu alcance científicotjlosólìco, a ciência do direito sem o recurso a todas as noções fundamentais con- XVI tidas nas teorias clássicas e modernas. Todavia, reconhecendo que há pontos discutíveis e opiniões prováveis, confessamos que certas posições tomadas pelo nosso espírito advieram de princípios filosóficos assentados como base, por nos parecerem mais expressivos para configurarem a ciência do direito e os conceitos jurídicos fundamentais. Maria Helena Diniz i CAPÍTULO I Natureza epistemológica da introdução a ciência do direito 1. INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E SEU CARÁTER PROPEDÊUTICO OU ENCICLOPÉDICO A introdução à ciência do direito é uma matéria, ou um sistema de conhecimentos, que tem por escopo fornecer uma noção global ou panorâmica da ciência que trata do fenômeno jurídico, propiciando uma compreensão de conceitos jurídicos comuns a todas as disciplinas do currículo do curso de direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia técnico-jurídica. É, por isso, uma enciclopédia, por conter, além dos conhecimentos filosóficos, os conhecimentos de ordem científica - sem, contudo, resumir os diversos ramos ou especializações do direito - e por abranger, não só os aspectos jurídicos, mas também os sociológicos e históricos. Trata-se de uma disciplina essencialmente preparatória ou propedêutica ao ensino dos vários ramos jurídicos, devido às noções básicas e gerais que visa transmitir, constituindo uma ponte entre o curso médio e o superior. Poder-se-ia trazer à colação, para justificar essa matéria no curso de direito, as sábias palavras de Victor Cousin, ao pleitear, em 1814, a sua criação, em França, transcritas por Lucien Brun: "Quando os jovens estudantes se apresentam em nossas escolas, a jurisprudência é para eles um país novo do qual ignoram completamente o mapa e a língua. Dedicam-se de início ao estudo do direito civil e ao do direito romano, sem bem conhecer o lugar dessa parte do direito no conjunto da ciência jurídica, e chega o momento em que, ou se desgostam da aridez desse estudo especial, ou contraem o hábito dos detalhes e a antipatia pelas vistas gerais. Um tal método de ensino é bem pouco favorável a estudos amplos e profundos. Desde muito tempo os bons espíritos reclamam um curso preliminar que tenha por objeto orientar de algum modo os jovens estudantes no labirinto da jurisprudência; que dê uma vista geral de todas as partes da ciência jurídica, assinale o objeto distinto e especial de cada uma delas e, ao mesmo tempo, sua recíproca dependência e o laço íntimo que as une; um curso que estabeleça o método geral a seguir no estudo do direito, com as modificações particulares que cada ramo reclama; um curso, enfim, que faça conhecer as obras importantes que marcaram o progresso da ciência. 4 Um tal curso reabilitaria a ciência do direito para a juventude, pelo caráter de unidade que lhe imprimiria, e exerceria uma influência feliz sobre o trabalho dos alunos e seu desenvolvimento intelectual e moral". A introdução à ciência do direito não consiste apenas no conjunto de noções propedêuticas necessárias para que o estudante possa embrenhar-se, com proveito, na selva emaranhada dos estudos jurídicos, nem no instrumento que há de guiar o principiante no áspero caminho que começa a transitar, por ser também o saber que expõe as linhas fundamentais da ciência jurídica. Comparada a um mapa que guia o viajante recém-chegado pela imensidão do continente jurídico, a introdução à ciência do direito responde, obviamente, à necessidade de uma disciplina com caráter enciclopédico ou geral no curso jurídico. Tal matéria já foi rotulada como: introdução ao direito, introdução às ciências jurídicas, enciclopédia jurídica, introdução geral ao direito, introdução enciclopédica ao direito, introdução ao direito e às ciências sociais, introdução às ciências jurídicas e sociais, prolegômenos do direito, teoria geral do direito etc. No Brasil, essa disciplina tornou-se obrigatória nos cursos jurídicos pelo Decreto n. 19.852/31, com a denominação introdução à ciência do direito. Com a aprovação da Resolução n. 3, de 25 de fevereiro de 1972, pelo Conselho Federal de Educação, a tradicional denominação introdução à ciência do direito, que era oficial desde 1931, foi substituída por introdução ao estudo do direito, incluída entre as matérias básicas como pré-requisito de todas as disciplinas profissionais. Atualmente, pela Portaria n. 1.886/94, art. 6°, I, do Ministério da Educação e do Desporto, tal disciplina recebe a designação de Introdução ao Direito. Contudo, preferimos a designação introdução à ciência do direito, pelo seu rigor técnico, inquestionável'. 1. Luiz Fernando Coelho, Teoria c/a ciência do direito, São Paulo, Saraiva, 1974, p. 1; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdução era estudo do direito, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 36-8; A. Machado Pauperio, Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1981 , p. 13, 15 e 16; Daniel Coelho de Souza, lotoduçâo à ciência do direito, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. V. IX e X; A. 1.. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, São Paulo, Saraiva, 1975, p. 2 e 9; Compêndio de inflo dução à ciência do direito, 5. ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 3; Djacir Menezes, Introdução à ciência do dirrinr, 4. ed., Rio de Janeiro, 1964, p. 283; Abelardo 'Forre, Inlroduccirhr al drr• ~ cc hr . 6. al., Ahclcdu-1 a rot, Buenos Aires, p. 84 e s.; Amuro Orgaz, Lecciones de intruhirridn aI k rechn r u Ias cicncius snrioles, (órdoha, 1945, p. 8. No texto de Lucien Brun o termo.lurisynudênciu esta sendo empregado como sincïninio de ciência jurídica. 2. INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E EPISTEMOLOGIA JURÍDICA A introdução à ciência do direito 2 não é uma ciência, mas uma enciclopédia, visto que contém conhecimentos científicos (jurídicos, sociológicos e, às vezes, históricos), filosóficos, introdutórios ao estudo da ciência jurídica. A introdução à ciência do direito não possui um prisma próprio para contemplar o direito, fazendo as vezes de filosofia jurídica, quando procura expor os conceitos universais do direito, que constituem os pressupostos necessários de quaisquer fenômenos jurídicos; de dogmática jurídica, quando discute normas vigentes em certo tempo e lugar e aborda os problemas da aplicação jurídica; de sociologia jurídica, quando analisa os fatos sociais que exercem influência na seara jurídica, por intervirem na gênese e desenvolvimento do direito; de história jurídica, quando contempla o direito em sua dimensão temporal, considerando-o como um dado histórico-evolutivo que se 2. Numerosas são as obras sobre tal disciplina, dentre elas destacam-se as de: Paulo Dourado de Gusmão, Introdução à ciência do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1959; A. L. Machado Neto, Compêndio, cit.; J. Flóscolo da Nóbrega, Introdução ao direito, 3. ed., Rio de Janeiro, Kontino, 1965; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit.; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdução, cit., p. 26 e 27; A. Machado Pauperio, Introdução, cit.; Daniel Coelho de Souza, Introdução, cit.; André Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, 3. ed., São Paulo, Livr. Martins Ed., 1972, v. I e 2; François Rigaux, Introduction à la science du droit, Bruxelles, Ed. Vie Ouvrière, 1974; Wilson de Sou za Campos Batalha, Introdução ao direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967; Djacir Menezes, Introdução, cit.; A. B. Alves da Silva, Introdução à ciência do direito, São Paulo, Ed. Salesianas, 1940; Julien Bonnecase, lntroduction à /'elude du droit, Paris, Sirey, 1931; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraquín Becu, lntroducción al derecho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot. 1970; Legaz y Lacambra. erNo c r /nnrulucciôn a Ia ciem•iu del derecho, Barcelona, Bosch, 1943 _ , Alessandro GrcPPali, Av warilc /lo Eduardo CGarcia Mãynez lmroducción aI estudio del dereclto ctu/iode/ diruic, Milano, Criu(Irè, 195 I; Eduurd México, Porrúa, 1972; Gastou May, Introdaction à la science chi droit, Paris, Ed. M. Giard, 1932; J. Haesaert, Théorie générale du droit, Emile Bruylant, Bruxelles, 1948; Altalión, Garcia Olano e J. n. : Miguel RealeLi Vilanova, bvruducción (11 derrete, 5 .. cd., Buenos Aucs, 1.1 Alcnc0I956 2 v.; M~ ç•de.s de direito, São Paulo, Saraiva, 1976; Hermes Linir, in!rodiç ao à ciência do direito Rio de l rc luninures Janeiro Freitas Bastos 1970; Vicente Ráo, (1 direito e a vida dos direitos, São Paulo, Max I.inionad, 1952; BenIamin de Oliveira Filho, /nnvchiçãu à ciêru ia do direito, Tip. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1954; Tércio Sampaio Ferraz. Jr., Introdução ao estudo do direito, São Paulo, Atlas, 1988. 6 Natureza epistemológica da introdução à ciência do direito 7 desenrola através dos tempos. Falta-lhe, portanto, unidade de objeto, ou seja, um campo autônomo e próprio de pesquisa. Não é uma ciência por não ter objeto próprio, mas, apesar disso, é uma disciplina epistemológica, como nos ensina A. L. Machado Neto, porque: a) Responde às seguintes questões: O que é a ciência do direito? Qual o seu objeto específico? Qual o seu método? A que tipo de ciência pertence? Como se constitui e caracteriza o conhecimento do jurista? Essas interrogações existem, surgem a cada momento na vida do cientis ta do direito, pois concernem a um dos problemas jusfilosóficos fundamen tais, tornando necessário procurar-lhes, senão uma resposta definitiva, pelo menos um esclarecimento à altura de sua importância para o mundo jurídico. Compete à filosofia do direito solucionar o problema do conhecimento jurídico, na sua parte especial designada epistemologia jurídica, que, no sentido estrito, tem a incumbência de estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o método do saber científico e de verificar suas relações e princípios. Nesse sentido a epistemologia jurídica é a teoria da ciência jurídica, tendo por objetivo investigar a estrutura da ciência, ou seja, visa o estudo dos problemas do objeto e método da ciência do direito, sua posição n0 quadro das ciências e suas relações com as ciências afins. A epistemologia é considerada, em sentido amplo, como sinônimo de gnoseologia, parte integrante da filosofia que estuda crítica e reflexivamente a origem, a natureza, () alcance, os limites e o valor da faculdade humana de conhecimento e os critérios que condicionam a sua validade e possibilidade. É a teoria do conhecimento em geral e não apenas do saber científico; é a teoria do conhecimento jurídico em todas as suas modalidades: conceitos jurídicos, proposições, raciocínio jurídico etc. Depreende-se daqui que a epistemologia difere da teoria do conhecimento ou gnoseologia, visto que estuda o conhecimento na diversidade das ciências e dos objetos, enquanto aquela o considera na unidade do espírito. Logo, a epistemologia jurídica é a teoria da ciência do direito, um estudo sistemático dos pressupostos, objeto, método, natureza e validade do conhecimento jurídico-científico, verificando suas relações com as dentais ciências, ou seja, sua situação no quadro geral do conhecimento'. 3. 0 vocábulo epistemologia advém do grego episténie que significa ciência e logos, ou seja, estudo: e o termo gnoseologia é oriundo do grego gnosis que indica conhecimento. V A. Franco Montoro, hnrodução, cu., v. I, p. 130; A. L. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, cit., p. t; Miguel Reate, f•ïlosolìa do direito, 5. ed., São Paulo, Saraiva, v. I , p. 40 e 160; Johannes Hessen, Teoria tje'l ccmoc'imiento, Buenos Aires, Losada, p. 21; André Lalande, Épistémologie e gnoséologie, in Vocahupure technique et critique de Ia /rhiloso/rhie 4. e d., Paris, `PU F : , 1968, v. 2; A. Xavier Teles, /ntrrdu(.io au estudo da filoso/ia, Atica 1965, p. 55; bury rhiloso rlt . Victor F. Lenten, Philosophy of science, in 7icentieth cu. I ! )• New York. Pd. Runes, 1943, p. 109. Ante o exposto, fácil é concluir que a introdução à ciência do direito é uma epistemologia jurídica, já que alude não ao direito, mas à ciência que trata dos fenômenos jurídicos, de maneira a responder à questão sobre o que é a ciência jurídica como uma introdução, a fim de que o estudante não a confunda com direito, que é seu objeto, o que levaria a uma inversão de conceitos, comprometendo o nível teórico dos juristas. O autor de uma obra sobre "introdução à ciência do direito" deve dar, pelo menos, uma idéia do que seja a ciência jurídica, deixando claro que não está tratando do direito, que é tarefa do jurista. O professor de introdução à ciência do direito, situando-se na categoria intelectual de quase jusfilósofo, ocupa-se, no dizer de Ortega y Gasset, com algo que tem que ver com o direito, mas que não se identifica com ele. Quem trata do direito está elaborando ciência jurídica, mas quem se ocupa com a ciência do direito está fazendo epistemologia. Daí o nítido teor epistemológico da introdução à ciência do direito, que busca apresentar, esquematicamente, os vários problemas ou questões que se apresentam à ciência jurídica. b) Define e delimita, com precisão, os conceitos jurídicos fundamentais que serão utilizados pelo jurista para a elaboração da ciência jurídica. Tais conceitos básicos abrangem os de relação jurídica, fonte jurídica, direito objetivo e subjetivo, direito público e privado, fato jurídico, sanção e interpretação, integração, aplicação da norma no tempo e no espaço etc. Sem a determinação desses conceitos, o jurista não poderá realizar sua tarefa intelectual. Este estudo, que é objeto da teoria geral do direito, segundo muitos autores, por ser considerado o centro vital da introdução à ciência do direito, possui, indiscutivelmente, caráter epistemológico, por ser um conhecimento de natureza filosófica. c) Apresenta, sistematicamente, a evolução das escolas científico-jurídicas que predominaram na história, para familiarizar o estudante com as correntes fundamentais do pensamento jurídico'. Exige-se, modiernamente, ante o fato de se dar à normatividade do direito uma nova dimensão, que o jurista tenha um conhecimento sistemático do ordenamento jurídico, voltado à jusfilosofia, para fixar toda a riqueza da vida 4. A. L. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, c it., p. 2-1 Q e Compêndio, c it., p. 3-9; Miguel Rca ea I Lições /rrelimin re•s )' " São e, o . , cit., p. 11; M. Helena I miz, A ciêncio,iuríílira, Prefácio, 2. ed., Sae P.mlo, Resenha Universitária, 1982, p. I I e 12, nota 30; A. B. Alves da Silva, lmrodução, cit., p. 2; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 6-12; Ortega y Gasset, Apuntes sobre el pensamiento, su teurgia y su demiu gia, in Obras completa.%, 2. ed., Madrid, Revista de Occidente, 1951, v. 5, p. 525; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraquín Becu, lntroducci6n, cit., p. 83. QUADRO SINÓTICO NATUREZA EPISTEMOLÓGICA DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 1. CONCEITO DE INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 2. CARÁTER PROPEDÊUTICO DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 3. CARÁTER EPISTEMOLÓGICO DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO A introdução à ciência do direito é uma matéria que visa fornecer uma noção global da ciência que trata do fenômeno jurídico, propiciando uma compreensão de conceitos jurídicos comuns a todos os ramos do direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia técnico-jurídica. E uma enciclopédia, por conter conhecimentos científicos, abrangendo, além dos aspectos jurídicos, por vezes, até, os sociológicos e históricos, filosóficos, introdutórios ao estudo da ciência jurídica. É uma matéria essencialmente propedêutica ao ensino dos vários ramos jurídicos, constituindo uma ponte entre o curso médio e o superior. A introdução à ciência do direito não é ciência, por faltar-lhe unidade de objeto, mas é uma disciplina epistemológica por: a) dar uma visão sintética da ciência jurídica; b) definir e delimitar, com precisão, os conceitos jurídicos fundamentais, que serão utilizados pelo jurista na elaboração da ciência jurídica; c) apresentar, de modo sintético, as escolas científico-jurídicas. CAPÍTULO II Ciência jurídica 1. NOÇÃO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAÇÃO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCÍVEL Este item é imprescindível para a compreensão cabal deste ensaio, pois, para entendermos a ciência jurídica, é mister que esbocemos, sucintamente, algumas noções fundamentais sobre o conhecimento, visto que ciência é conhecimento. Importa nessa ordem preliminar de considerações levantar a seguinte questão: o que é conhecimento? Conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. "É a operação imanente pela qual um sujeito pensante se representa um obje to''. Consiste em levar para a consciência do sujeito cognoscente algo que está fora dele. É o ato de pensar um objeto, ou seja, de torná-lo presente à inteligência'-. O conhecimento é a apreensão intelectual do objeto. É, na magistral lição de Goffredo Telles Jr., o renascimento do objeto conhecido, em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor. Apresen ta-se, portanto, o conhecimento como uma transferência das propriedades do objeto para o sujeito pensante. Esse renascimento vai alterar de uma I. Goflhedo Telles Jr., Tratado da conseqüência, 2. ed., Bushatsky, 1962, p. 7. 2. Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 7 e 8; Miguel Reale, Filoso/ìu do (lireito, 5. ed., Saraiva, v. I, p. 48. O sujeito é aquele que conhece. O termo objeto advém do latim ob e jectum - aquilo que se põe diante de nós. -Objeto- é tudo aquilo de que se pode dizer alguma coisa. Ou. como dizem Romero c Pucciarclli (Lógica, Buenos Aires, 1948, p. 16, § 2u): "Do ponto de vista formal, denomina-se objeto tudo o que é capaz de admitir um predicado qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juízo. E, pois, a noção mais geral possível, j i que não importa que o mencionado objeto exista ou não: hasta que dele se possa pensar e dizer algo-. Sobre conhecimento, consulte Frmcisco Uchoa dc Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdu(im uo estudo do direito, São Paulo, Saraiva, 1982, p. I e 2. 3. Goflredo'l'clles Jr., Tratado, cil., p. 7 e 8. Conhecimento para esse autor é "a tradução cerebral de um objeto''. Salienta esse mestre que o vocábulo "conhecimento" decorre de "coçnasci'', significan do "cnnosrimentn" (r. 0 direito yuiuuico, 5. ed., São Paulo, Max I,imonad, 1980, p. 204 e 189 e s.l. * ~...E.c.K..v uc truroauçao a ctencia ao direito Ciência jurídica 15 certa maneira o sujeito cognoscente, porque a coisa conhecida será sua par te integrante. Sendo o conhecimento a representação do objeto dentro do sujeito cognoscente, torna-se fácil evidenciar os liames que se estabelecem entre os dois elementos inseparáveis do binômio sujeito e objeto'. No conhecimento encontram-se frente a frente a consciência cognoscente e o objeto conhecido. A dualidade de sujeito e objeto é uma relação dupla, ou melhor, é uma correlação em que o sujeito é sujeito para o objeto e o objeto é objeto para o sujeito, de modo que não se pode pensar um sem o outro. O sujeito cognoscente tende para o objeto cognoscível. Esta tendência é a intencionalidade do conhecimento, que consiste em sair de si, para o objeto, a fim de captá-lo mediante um pensamento; o sujeito produz um pensamento do objeto. O ato cognoscitivo refere-se a algo heterogêneo a si ou diferente de si. Todo pensamento é apreensão de um objeto; pensar é dirigir a atenção da mente para algo. O objeto, por sua vez, produzirá uma modificação no sujeito conhecedor que é o pensamento. Este, visto do sujeito, nada mais é senão a modificação que o sujeito produziu em si mesmo para apossar-se do objeto; visto do objeto é, como já dissemos, a modificação que o objeto, ao entrar no sujeito, produziu no seu pensamento. Assim sendo, aquilo que o "eu" é, quando se torna sujeito cognoscente, o é em relação ao objeto que conhece. A função do sujeito consiste em apreender o objeto e esta apreensão apresenta-se como uma saída do sujeito de sua pró pria esfera, invadindo a do objeto e captando as suas propriedades. O objeto captado conserva-se heterogêneo em relação ao sujeito, por ser transcenden te, pois existe em si, tendo suas propriedades, que não são aumentadas, dimi nuídas ou modificadas pela atividade do sujeito que o quer conhecer. Mas, na relação cognoscitiva, segundo os moldes kantianos, não é um "ser em si", 4. Goffredo Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 204. Oportuno é lembrar a esse respeito o ensinamento kantiano, segundo o qual com o conhecimento do sujeito transferem-se ao objeto as estru turas próprias do pensamento do conhecedor e se reduz o ser, que é o simples termo do "eu" que conhece. O objeto não é mais do que um produto do sujeito, de sorte que a realidade fica aprisionada às condições em que funcionou o pensamento. V. Manuel G. Morente. lluu/a nenlu.r de,/ileso/iu - lições preliminares, trad. Guillertno de Ia Cruz Coronado, 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970, p. 125. 5. Jaspers. Gururlut da ao pensamento /ìlusví/ìco, Cultrix, p. 36: Joseph Maréchal. O ponto de partida da meta/iri -a, cad. V, sec. 11, cap. I. § 22, citado por Goffredo ]'cites Jr.. O direito quântico. cil., p. 204; N. Hartmann, Ontologia v fundamentos, México, 1954, p. 147; Miguel Reale (Sentido do pensar no nosso tempo, XBF, fase. 100, p. 391) escreve: "O caráter intencional da consciência e a correlação funcional subjetivo-objetiva são condições do c•onhecimenui". 6. Johannes Hessen, koria do conhecimento. 5. ed., Coimbra, Arménio Amado Ed., 1970,It. 26; P Stanislavs Ladusar s t . F enontenologia da estrutura dinâmica do conhecimento. Anuis du VIU Con ,4re.cso /uterumcrirmio de Nlasu/ia, v. I , p. 379 e 380; Manuel G. Morente. Fundamentas de i/oso l fra, p. 145-6 e 167: Miguel Reale, Sentido do pensar ent nosso tempo, HBF, cif., fase 100, p. 392-5. como uma realidade transcendente; despoja-se desse caráter de existente por si e em si e converte-se em um ser "para" ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo sujeito pensante como objeto de conhecimento. Aquilo que o objeto a conhecer é, o é não "em si" mas em relação ao sujeito conhecedor'. O objeto enquanto conhecido é uma imagem e não algo do mundo extramental. Essa imagem não é uma cópia de um objeto, apesar de ser a tradução cerebral desse objeto, não é idêntica a ele por ser mais pobre em elementos determinantes'. O sujeito cognoscente é sujeito apenas enquanto há objeto a apreender e o objeto é somente objeto de conhecimento quando for apreendi do pelo sujeito. Logo, todo conhecimento envolve três ingredientes: o "eu" que conhece; a atividade ou ato que se desprende desse "eu" e o objeto atingi do pela atividade'. Nítida é a correlação entre o sujeito pensante e o objeto pensado. Esse relacionamento intelectual entre ambos é o que chamamos de conhecimento. Há dualidade de pensamento e objeto10. 7. Manuel G. Morente, Fundamentos de, filosofia, cit., p. 147-217, 143 e 244-63. 8. Goffredo Telles Jr. (O direito quântico, cit., p. 209-14, 217-74, 277-82) escreve: Mesmo quan do o estímulo deixa de excitar um órgão sensório, perdura o conhecimento. Esse conhecimento é a imagem. que é o que fica no cérebro, de unia sensação cessada. As sensações é que são objetos do conhecimento. Os objetos do mundo exterior permaneceriam inacessíveis ao conhecimento, pois, ao estimularem os órgãos dos sentidos, apenas produzem impulsos nervosos sempre iguais. Esta afirma-ção não nega o mundo exterior• isto porque o conhecimento é efeito da ação dos objetos sobre os órgãos dos sentidos: se assim não fosse não haveria explicação possível para a existência de sensações. Cada sensação é a tradução individualizada de um determinado objeto ou estímulo. A percepção individuali zada de um todo - de uma árvore, de uma música, p. ex. - resulta da conjugação de sensações individualizadas das partes desse todo. Os órgãos dos sentidos ao serem impressionados por um objeto do mundo exterior lançam, pelos nervos aferentes, um conjunto harmônico de impulsos e não apenas um só impulso. Esses impulsos produzem, no cérebro, sensações reciprocamente ajustadas, compondo a percepção do objeto que agiu como estímulo. A qualidade da sensação depende do centro cerebral a que o impulso é levado. As imagens são interpretações dadas pelo cérebro a esses impulsos. O cérebro não se limita a traduzir em sensações os impulsos nervosos, mas também ordena as reações do organis mo, em resposta aos estímulos que excitaram as células nervosas... A imagem não é cópia de um objeto, isto porque toda cópia é cópia de um objeto já conhecido. Como copiar o que não se conhece'?... O objeto é para o sujeito sempre diferente, segundo os aspectos com que se examina, pois muda de aspecto conforme o ângulo em que é visto, conforme a distância que o separa do conhecedor etc. Observa, ainda. Jolivet (Curso de,flo.sofia, Ed. Agir, 1965, v. 3) que, deveras, a razão não é uma cera passiva onde as sensações se inscrevem, mas um órgão ativo que as ordena, transformando a multiplicidade caótica dos fatos da experiência em ordenadas unidades do pensamento. A coisa em si (em oposição à coisa tal qual aparece) permanece, de certo modo, uma incógnita, segundo Kant. Admite esse filósofo a realidade do objeto independente do sujeito pensante. As coisas em si ou no unenon.c são incognoscíveis. 9. Luiz Fernando Coelho. Teoria da ciência do direita, São Paulo, Saraiva, 1974, p. 14. 10. A dual idade entre sujeito pensante e objeto é universal. Se pensamos uma maçã mediante o pensamento de uma maçã, ambas as coisas não se identificam; a maçã é doce e posso nuxdê-la, o pensamento nem é doce, nem tem a possibilidade de ser mordido. Se penso um triângulo mediante o pensamento de um triângulo, o triângulo possui três ângulos, mas o pensamento que lhe é cor espon dente carece (te ângulos (v. Carlos Cossio, Teoria egológica del Se echo V e/ concepto jurídico de lihertad, 2. ed., Buenos Aires, Aheledo-Perros. 1964, p. 227). 16 Cabe salientar ainda que o conhecimento de algo está condicionado pelo sistema de referência daquele que conhece, logo, não há conhecimento abso luto, pois ele só pode ser relativo". Ao se relacionar um conhecimento a um sistema de referência, formula se um juízo, que é o ato mental pelo qual se afirma ou se nega uma idéia. Impossível é o conhecimento sem esta operação de enunciar e combinar juízos entre si, uma vez que o conhecimento implica sempre uma coerência entre os juízos que se enunciam e, além disso, só se poderia transmitir conhecimentos mediante juízos''. QUADRO SINÓTICO NOÇÃO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAÇÃO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCÍVEL Segundo Goffredo Telles Jr., conhecimento é o renascimento do objeto conhecido, em no vas condições de existência dentro do sujeito conhecedor. 1. CONCEITO DE CONHECIMENTO Nítida é a correlação entre sujeito pensante e objeto pensado, por ser o conhecimento a re presentação do objeto dentro do sujeito cognoscente, de modo que aquilo que o "eu" 2. CORRELAÇÃO ENTRE _ é, quando se torna sujeito conhecedor, o é em SUJEITO E OBJETO relação ao objeto que conhece, e aquilo que o objeto a conhecer é, o é não "em si", mas em relação ao sujeito pensante, isto é, converte se em um ser "para" ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo sujeito cognos cente como objeto de conhecimento. 11. Goffredo Telles Jr. (O direito quântico, cit., p. 284-93) entende que o sistema de referência é produto de muitas causas: do legado genético, aprendizagem, experiências etc. Cada homem possui seu próprio universo cognitivo, mas seu sistema de referência pode não pertencer exclusivamente a ele, por ser de unia comunidade inteira. Oriundos das mesmas contingências, é natural que os sistemas de referência de pessoas de uni mesmo grupo sejam semelhantes uns aos outros. Tais sistemas constituem um patrimônio cultural comum. 12. V. Ladusans, Fenomenologia, Anai.c do VIU Congresso lnteranrericano de Filosofia, cit., p. 386; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., v. I, p. 54; Gofliedo Telles Jr., O direito qucóntico, cit., p. 292 e 293. Sobre conhecimento e correlação entre sujeito cognoscente e objeto, consulte M. Helena Diniz, A ciênciaJjurídica 2. ed. São Paulo, Resenha Universitária, 1982, p. 7, notas 21 e 22; p. 168-72, nota 59. 2. CONHECIMENTO CIENTÍFICO A. CARACTERES E CONCEITO Chegados a essa altura, cremos que não soaria como um despropósito respondermos à indagação: o que é ciência? Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o tema, ouçamos, pela sua oportu nidade e sabedoria, a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.", que evidencia que o vocábulo "ciência" não é unívoco, se bem que com ele se designe um tipo espe cífico de conhecimento; mas não há um critério único que determine a extensão, a natureza e os caracteres deste conhecimento, isto porque os vários critérios têm fundamentos filosóficos que extravasam a prática científica e, além disso, as modernas disputas sobre tal termo estão intimamente ligadas à metodologia. Entendemos que, na acepção vulgar, "ciência" indica conhecimento, por razões etimológicas, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas, no sentido filosófico, só merece tal denominação, como veremos logo mais, aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos entre si". A ciência é, portanto, constituída de um conjunto de enun ciados que tem por escopo a transmissão adequada de informações verídicas sobre o que existe, existiu ou existirá. Tais enunciados são constatações. Logo, o conhecimento científico é aquele que procura dar às suas constatações um caráter estritamente descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Cons titui um corpo sistemático de enunciados verdadeiros. Como não se limita apenas a constatar o que existiu e o que existe, mas também o que existirá, o conhecimento científico possui um manifesto sentido operacional, constituin do um sistema de previsões prováveis e seguras, bem como de reprodução e inferência nos fenômenos que descreveu 13. Direito, retórica e connuucot•do, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 159 e 160. 14. Alves da Silva /ntrodu1 r no ô ciência lo dircei!o São Paulo, Lr1. i a s. 1940, p. _ 5. C 'in S:dcsana suite Yulo Brandão, O problema do conhecimento e a sua exala posição, RBF, fase. 105, p. 92-8.

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