INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em perspectiva comparada* Maria Rita Loureiro Introdução to as desenvolvidas quanto aquelas em desenvol- vimento, integrem-se ao mercado globalizado. Só Os governos contemporâneos têm sido con- assim elas têm condições de competição e credi- tinuamente desafiados a apresentar desempenhos bilidade para atrair capitais necessários ao desen- macroeconômicos. Estabilizar moeda, ajustar con- volvimento e à expansão do bem-estar social. No tas públicas, manter a balança comercial equilibra- caso do Brasil, é bem conhecido o peso prepon- da são ações exigidas para que as economias, tan- derante assumido pelo ajuste fiscal na agenda do governo, desde a implementação do plano de es- tabilidade monetária e das reformas econômicas, * Os dados que serviram de base para este trabalho a partir de 1994. fazem parte de pesquisa financiada pelo Núcleo de Estudos e Publicações (NPP) da Fundação Getúlio Este trabalho atém-se a uma dimensão espe- Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni- cífica de tal problemática: o controle do déficit e dade para reiterar meus agradecimentos. Versões do endividamento público, através de restrições preliminares do texto foram apresentadas em semi- legais e políticas de cortes orçamentários. Embora nário no Departamento de Ciência Política da Uni- versidade de Nova York (NYU), em fevereiro de centrada no Brasil, a análise confronta também Es- 2000, e no Encontro Anual da Anpocs, de outubro tados Unidos, Holanda e Suécia. Tal como o Bra- de 2000, realizado em Petrópolis. Agradeço também sil recente, eles também enfrentaram sérios pro- os comentários dos professores Adam Pzreworski, da Universidade de Nova York, Ira Katznelson e blemas fiscais, nos anos 80. O déficit público nos Robert Kauffman, da Universidade de Columbia. E Estados Unidos em 1983 representava 3,8% do ainda, de forma especial, as discussões com Fernan- PIB. Na Suécia chegou a 7% e na Holanda a 7,1% do Abrucio, que me permitiram melhorar a versão em 1982 (Schick, 1993, p. 187). Se os desequilí- final do texto. RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001 76 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47 brios fiscais têm a ver com dificuldades econômi- dessas políticas, nos anos 80, tem a ver com a in- cas, eles são muito afetados pelas condições insti- ternacionalização da economia. Se, até aquele pe- tucionais e políticas em cada país, as quais, por ríodo, o controle generalizado dos fluxos de capi- sua vez, influenciam decisivamente a capacidade tal e as taxas de câmbio flutuantes davam grande dos governos de equilibrar as contas públicas. autonomia aos governantes para gerir as crises Em países democráticos, a conduta fiscal dos econômicas, a internacionalização dos mercados governos é sempre sensível às reações do eleito- financeiros mudou este quadro: não só o controle rado e às demandas dos grupos de pressão. Toda- dos capitais e as políticas keynesianas anti-recessi- via, alguns são mais efetivos e ágeis do que vas deixaram de ser viáveis, mas também as taxas outros em corrigir o déficit orçamentário ou con- de câmbio passaram a ser fixas. Isso independen- trolar o endividamento. A literatura tem indicado temente das instituições existentes em cada país que as variações nas políticas macroeconômicas como, por exemplo, o tipo de organização do dependem de diferentes fatores. Uma “primeira mercado de trabalho, mais corporativo ou mais geração” de teorias enfatizava a orientação ideoló- descentralizado (Boix, 2000, p. 40). gica do partido no poder: governos de direita Todavia, mesmo levando em conta os cons- adotariam políticas monetárias e fiscais mais res- trangimentos impostos pela globalização econô- tritivas, com cortes acentuados no orçamento, en- mica e a desregulamentação dos fluxos de capi- quanto os de esquerda tenderiam a políticas mais tais, autores de orientação institucionalista têm expansionistas, de orientação keynesiana. Os pri- enfatizado que as regras formais e informais vigo- meiros estariam mais atentos à estabilidade mone- rantes em cada país, bem como os estilos políti- tária e os segundos mais preocupados em reduzir cos afetam consideravelmente os resultados das o desemprego (Hibbs, 1977; Goldthorpe, 1984). políticas governamentais (Steinmo, 1989; Weaver A partir dos anos 80, com a recessão e a cri- e Rockman, 1993; Iversen e Wren, 1998). Nesta se fiscal que atingiram as economias capitalistas, perspectiva institucionalista realçam-se as caracte- surgiram novos modelos explicativos. Os adeptos rísticas do sistema de governo, da estrutura parti- das teorias das expectativas racionais afirmam, por dária e das regras eleitorais, que geram governos exemplo, que o crivo partidário apenas temporaria- majoritários ou de coalizão mais ou menos está- mente afeta as políticas macroeconômicas, tenden- veis e, portanto, mais ou menos capazes de impor do os políticos a um mesmo comportamento fiscal as metas fiscais propostas (Roubini e Sachs, 1989; em função da lógica dos ciclos econômicos e elei- Schick,1993; Steinmo, 1989). Assim, muitos auto- torais (Alesina, 1989; Alesina e Roubini, 1997). res apontam que os sistemas parlamentaristas, Mais recentemente, com a internacionaliza- mesmo os de gabinetes de coalizão, apresentam ção dos mercados e a desregulamentação dos mais vantagens do que os presidencialistas, ofere- fluxos de capitais, começa-se a observar uma ten- cendo melhores condições de governabilidade dência à homogeneização da política macroeconô- (Laver e Shepsle, 1994; Linz e Stepan, 1996). A mica entre governos com diferentes orientações existência de muitos pontos de veto no sistema ideológicas, realçando-se, como fatores fundamen- presidencialista inibe a habilidade para estabele- tais das políticas monetárias e fiscais, a mobilidade cer prioridades entre objetivos conflitantes e im- internacional dos capitais e o regime cambial. Ana- por perdas a grupos políticos poderosos, capaci- lisando o papel dos partidos, das instituições polí- dades essas cruciais para a efetivação das políticas ticas e da abertura econômica sobre as políticas de ajuste fiscal (Tsebelis, 1997; Weaver e Rock- fiscais e monetárias em dezenove países da OCED, man, 1993). Nesse sentido, o ajuste fiscal constitui Boix (2000) indica que, até os anos 70, as varia- um desafio bem maior para os políticos no presi- ções das políticas macroeconômicas nestes países dencialismo do que no parlamentarismo. estavam relacionadas com a coloração partidária Este texto examina as condições institucio- do governo e o grau de institucionalização de suas nais e políticas do ajuste fiscal. Mesmo conside- estruturas corporativas. Mas, a rápida convergência rando que as instituições afetam as estratégias dos INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 77 atores e os resultados das políticas, supõe-se que te pode ser visto como exemplo de que, mesmo os efeitos das regras relativas ao controle fiscal em dificuldade econômica, um governo com cer- são contingentes e dependem igualmente de con- to nível de coesão é capaz de apresentar resulta- dições políticas. Em outras palavras, considerando dos fiscais esperados.2 Argumentando comparati- que as restrições legais destinadas a controlar o vamente, é possível afirmar que durante os dez déficit e o endividamento público não são sufi- primeiros anos de governo democrático no país a cientes para se atingir as metas estabelecidas, pro- hiperinflação foi o preço pago pela ausência de cura-se analisar condições políticas necessárias ao coesão governamental ou “ingovernabilidade” efetivo cumprimento das regras. (Sallum Jr. e Kugelmas, 1993). Em contrapartida, a Como o corte de gastos e/ou a elevação dos estabilização monetária em 1994 e o ajuste fiscal impostos impõem perdas imediatas e visíveis e os imposto ao país nos últimos anos foram possíveis benefícios esperados são de longo prazo, difusos graças a uma nova situação política que se carac- e incertos, as decisões de controle do déficit e do teriza pela governabilidade, gerada através de re- endividamento público são sempre muito difíceis lações negociadas entre o executivo e o legislati- de implementar. Elas supõem certas condições vo (Couto e Abrucio, 1999; Palermo, 2000). políticas, como a coesão governamental (Schick, Além disso, para estabelecer e manter priori- 1993). Entendida como homogeneidade de orien- dades diante de objetivos conflitantes e em situa- tação, conexão entre partes e coordenação de ções de recursos escassos – uma das capacidades ações, a coesão gera governabilidade, dando ao centrais exigidas de um governo para realizar o governo capacidade de impor e manter a priori- ajuste fiscal – o consenso em torno de idéias e a dade ao ajuste fiscal, ante os objetivos conflitan- existência de um corpo burocrático competente e tes, especialmente em tempos difíceis de retração internamente coerente são também fatores impor- ou recessão econômica, quando a arrecadação de tantes para a coesão governamental.3 Em suma, a impostos tende a cair ao mesmo tempo em que coesão governamental que permite a efetivação crescem demandas por gasto público. de regras e medidas relativas ao ajuste fiscal de- Segundo ainda Allen Schick, a coesão de go- pende não só de arranjos institucionais, mas igual- verno depende de variáveis institucionais como o mente de fatores políticos contingentes, tais como sistema eleitoral e o tipo de governo dele decor- o grau de liderança ou habilidade do governante rente, de partido majoritário ou de coalização. Sem nas negociações entre os poderes legislativo e negar que certos arranjos institucionais (tais como executivo ou dentro dos gabinetes parlamentares, sistema de governo, regras eleitorais, disciplina a construção de consensos entre as forças políti- partidária etc.) têm importância, considera-se, en- cas e a coordenação político-administrativa no tretanto, que o nível de coesão pode variar tam- seio do aparato de governo. bém em função de fatores políticos contingentes. Do ponto de vista metodológico, a análise Assim, por exemplo, a existência de uma oposição dos vínculos entre arranjos institucionais, ação po- majoritária no Congresso, em sistemas presidencia- lítica e ajuste fiscal é efetuada neste trabalho sob listas, criando o que se chama de governo dividi- uma perspectiva comparada, explorando-se os ca- do, reduz em muito a capacidade de controlar os sos dos Estados Unidos, da Holanda e da Suécia déficits públicos em períodos de recessão econô- que enfrentaram, como o Brasil, o desafio de equi- mica, como ocorreu nos Estados Unidos na déca- librar as contas públicas, com resultados diversos.4 da de 80 e início dos anos 90 (Cox e McCubbins, O confronto do caso brasileiro com países tão dis- 1992; Schick, 1993; Endersby e Towle, 1997).1 tintos em termos de desenvolvimento econômico No caso brasileiro de presidencialismo de e de sistema político é utilizado aqui como instru- coalizão, o grau de habilidade do presidente em mento para reforçar dois argumentos centrais da negociar com o Congresso pode também aumen- análise: a) as instituições políticas influenciam os tar ou reduzir a capacidade do governo de reali- resultados fiscais, mas não os explicam inteiramen- zar suas metas fiscais. Na verdade, o Brasil recen- te; e b) a coesão governamental, vista como con- 78 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47 dição política contingente necessária para se que governos com certo nível de coesão interna atingir as metas esperadas, tem singularidades na- conseguiram alcançar resultados fiscais esperados, cionais insuperáveis, ou seja, é construída por não só no caso do sistema parlamentarista sueco, caminhos próprios, com pontos de partida e de sob a dominância do Partido Social Democrata, chegada específicos em cada país. mas igualmente no presidencialismo de coalizão Assim, embora o sistema presidencialista e o brasileiro, no período mais recente. O mesmo não federalismo sejam estruturas institucionais formal- ocorreu na Holanda e nos Estados Unidos dos mente comuns entre Estados Unidos e Brasil, en- anos 80 e início dos 90. Obviamente não se pre- fatiza-se, neste confronto, sobretudo as diferenças tende fazer generalizações a partir da exploração em seu modo de funcionamento para controlar o destes casos, mas apenas realçar condições políti- déficit e o endividamento públicos. Como se co- cas específicas que, em geral, são desprezadas nhece bem, o poder legislativo é muito mais fraco nos estudos de caráter quantitativo. e o federalismo mais centralizado no Brasil do que As informações sobre Holanda, Suécia e Es- nos Estados Unidos (Abranches,1988; Camargo, tados Unidos foram extraídas das fontes indicadas 1992). Em contraste com o modelo americano de no próprio texto. Nos casos da Holanda e da Sué- efetiva separação dos poderes, o presidente brasi- cia, utilizou-se análises relativas à efetividade das leiro tem poderes legislativos e muito maior con- políticas governamentais de redução do déficit or- trole sobre o orçamento do que o presidente ame- çamentário levadas a cabo durante a grave crise ricano (Mainwaring e Shugart,1997; Figueiredo e fiscal da década de 80, relacionando-as a variáveis Limongi, 1999). Operando diferentemente, estes político-institucionais. Para os Estados Unidos, dois sistemas têm produzido situações distintas de examinaram-se principalmente as restrições cons- coesão governamental ao longo do tempo. En- titucionais e legais ao endividamento público e quanto o presidencialismo nos Estados Unidos di- ainda os estudos relativos à incapacidade do go- ficilmente apresenta coesão governamental (espe- verno de controlar o déficit orçamentário nos cialmente nos períodos de governos divididos, o anos 80 e início dos 90. No Brasil, o foco recaiu que, aliás, têm se tornado praticamente a regra nas sobre a ação do Senado que, por determinação últimas décadas), o presidencialismo brasileiro e constitucional, tem competência exclusiva para le- seu sistema federativo contêm arranjos que indu- gislar sobre a matéria relativa ao endividamento zem a uma maior coesão. Além dos poderes legis- de todos os entes federativos. Na verdade, o Se- lativos do presidente, o federalismo mais centrali- nado brasileiro tem tido um papel de destaque na zado, que, por exemplo, concentra o controle do agenda fiscal, estabelecendo regras que aperfei- endividamento público no Senado, igualmente çoam o processo de controle do endividamento funciona nesta mesma direção.5 Também nos ca- público. A análise refere-se ao período de enorme sos da Holanda e da Suécia, por trás da superfície deterioração das finanças públicas, a partir da im- comum de gabinetes parlamentares, explora-se so- plementação do Plano Real, em 1994. As fontes bretudo seu modo diferente de funcionamento, principais de informação são documentos coleta- gerando situações também diferenciais de coesão dos no Senado, Banco Central e em outras agên- governamental e, portanto, de desempenho fiscal cias governamentais. Mas, inclui também, material (Weaver e Rockman, 1993; Schick, 1993). da imprensa, entrevistas com senadores e auxilia- Em outras palavras, a partir das diferenças res, e funcionários do Banco Central e do Ministé- entre estes países, seu confronto é possível na rio da Fazenda. medida em que se enfatiza aqui a existência ou Por fim, dois esclarecimentos. Em primeiro não de coesão governamental, tomada como con- lugar, indica-se que a situação de coesão governa- dição política chave para explicar o alcance de mental atribuída aqui ao governo FHC refere-se metas fiscais. Incorporando análises desenvolvi- especificamente à área fiscal que constitui o “nú- das para os países europeus e os Estados Unidos cleo duro” de sua agenda, não valendo para ou- às pesquisas efetuadas no Brasil, pôde-se observar tras áreas. Os diagnósticos relativos à recente cri- INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 79 se energética têm apontado que ela está relacio- blico, experimentadas na crise fiscal dos anos 80, nada à falta de coordenação político-administrati- em dois países parlamentaristas, Holanda e Sué- va no setor e de planejamento estratégico mais cia. Na terceira e mais longa parte, é analisado o amplo. Na verdade, a preponderância com que a caso brasileiro, que constitui o núcleo de referên- dimensão fiscal subordinou todas as demais (não cia deste estudo, destacando-se o papel do Sena- só políticas sociais, mas também programas de in- do na produção de regras legais para o controle vestimentos em infra-estrutura), configurando do endividamento público e seu apoio à agenda uma situação que pode muito bem ser definida de fiscal do governo. O texto é finalizado com co- “miopia fiscalista”, acabou solapando os próprios mentários que sistematizam o confronto entre os objetivos fiscais. Além dos enormes danos políti- casos explorados. cos à imagem do governo, o racionamento e eventual corte de energia irão gerar – prevêem os especialistas – retração econômica, diminuição da O controle do déficit e do endividamento arrecadação e, portanto, redução dos atuais supe- público nos Estados Unidos rávits. Isso sem contar os problemas de conta cor- rente e possíveis pressões inflacionárias. Os déficits do governo federal nos anos 80 e 90 Em segundo lugar, é preciso enfatizar ainda Como no Brasil de hoje, os déficits públicos que o controle do déficit e do endividamento pú- constituíram o tema central da agenda política blico é tema bastante controverso entre diferentes americana durante toda a década de 80 e a pri- escolas do pensamento econômico e entre dife- meira metade dos anos 90 ( White e Wildavisky, rentes correntes ideológicas. Enquanto a direita 1988; Brady e Volden, 1998; Benavie, 1988; Evans, americana, por exemplo, insiste na idéia de zerar 1997; Briffault, 1996).6 Por esta razão, houve inú- o déficit, os mentores da comunidade econômica meras tentativas de impor através de leis, especial- européia, ao estabelecer o Tratado de Maastricht, mente no âmbito federal, o equilíbrio orçamentá- consideraram, ao contrário, que investimentos ne- rio. Todas, porém, falharam. Pode-se mesmo cessários ao desenvolvimento econômico e à ex- identificar um padrão que perdurou no período: pansão da taxa de emprego constituem razão le- medidas eram anunciadas para reduzir o déficit, gítima para o endividamento público (Benavie, algumas implementadas, mas o resultado era sem- 1998; Evans, 1997). Aliás, conforme cálculos efe- pre a expansão crescente do déficit. tuados para os Estados Unidos, cada ponto per- Em 1981, por exemplo, a proposta orçamen- centual de desemprego agrega um adicional de tária original de Jimmy Carter apresentava um dé- cerca de 50 bilhões ao seu déficit público (Ross, ficit de 16 bilhões de dólares. Ela foi negociada 1999). Assim, do ponto de vista normativo, o que com o Congresso que aprovou uma peça orça- se espera dos governos é antes a capacidade de mentária com números invertidos: não mais defi- gerir déficits moderados, do que seu controle rígi- citária, e sim superavitária, em exatamente 16 bi- do, o que certamente comprometerá valores so- lhões de dólares. Todavia, o que aconteceu, na ciais importantes, como desenvolvimento, empre- realidade daquele ano, foi um déficit que chegou go e bem-estar da maioria da população. a 74 bilhões de dólares. A primeira parte deste texto mostra as difi- Também no governo conservador de Rea- culdades de imposição das restrições legais relati- gan, a despeito dos cortes orçamentários e do cli- vas ao déficit nos Estados Unidos e seus mecanis- ma ideológico de déficit hysteria, as tentativas de mos de controle do endividamento público. Em equilibrar o orçamento foram igualmente fracassa- seguida, para confronto com a literatura que afir- das.7O exemplo mais significativo é a Lei de Equi- ma ser mais difícil o ajuste fiscal no presidencia- líbrio Orçamentário e de Controle Emergencial do lismo do que em governos de gabinetes, são tam- Déficit, de 1985 (conhecida com o nome de seus bém examinados os resultados (nem sempre bem- propositores, Gramm-Rudman-Hollings Law). Vale sucedidos) das políticas de controle do déficit pú- transcrever aqui a descrição do cenário político no 80 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47 qual esta lei foi elaborada, e que acabou levando Apesar das restrições, os analistas têm mos- ao seu completo fracasso: trado que os governos subnacionais desenvolve- ram vários mecanismos pelos quais burlam siste- A lei foi um subproduto de um prolongado im- maticamente as normas constitucionais: um dos passe entre o executivo e o legislativo. O que o mais importantes é a criação de empresas semi-in- presidente e o Congresso não conseguiam acor- dependentes para realizar obras públicas através dar seria feito através de um processo automático do lançamento, no mercado, de títulos não garan- de cortes orçamentários. Pelo menos este era o tidos (isto é, não lastreados em recursos orçamen- espírito da lei, embora não tenha funcionado como previsto. Se o corte era automático, nada tários). São as chamadas OBEs (Off-Budget Entre- mais o era: os objetivos poderiam ser mudados; prises) que existem aos milhares, espalhadas em falsas poupanças poderiam substituir as reais; gas- todo o país. Elas operam na construção de aero- tos poderiam ser debitados em anos anteriores portos, estradas, pontes, zoológicos etc., e têm etc. Em período de extenso conflito orçamentário, como fonte principal de recursos a renda advinda os dois poderes concordavam em apenas uma da exploração dessas obras, que também funcio- coisa: é melhor mentir sobre o orçamento do que engolir a pílula amarga de redução do déficit nam como garantia para os credores. Se esta “so- (Schick, 1993, p. 207). lução” gera recursos adicionais (extra-orçamentá- rios) para obras e investimentos em geral, sem Nos anos 90, as tentativas de equilibrar o or- elevar a carga tributária, ela tem implicações polí- çamento continuaram, mas foram também contor- ticas que podem comprometer a própria ordem nadas através de inúmeras brechas legais e argu- democrática. Arrecadando grande quantidade de mentos de exceção. Com isso, o déficit cresceu recursos não contabilizados no orçamento, estas muito, passando de 79 bilhões, em 1981, para 290 empresas acabam funcionando completamente bilhões de dólares, em 1992. Até 1995, a dívida fora do controle do legislativo, dirigidas por exe- pública representava cerca de 70% do PIB ameri- cutivos não eleitos e, portanto, não responsáveis cano. Somente na segunda metade dos anos 90, é perante a população (Granof, 1984; Briffault, que o déficit passou para 50% do PIB (ou seja, 3,6 1996; Endersby e Towle, 1997). trilhões de dólares). Isso se deu graças à recupe- Na verdade, segundo vários autores, a histó- ração econômica; mas contou muito a habilidade ria das restrições constitucionais ao endividamen- do presidente Clinton em conseguir manter, mes- to público nos Estados americanos constitui-se de mo em período de crescimento da arrecadação, uma longa crônica de magias ou artimanhas, ado- políticas de corte orçamentário (Briffault, 1996). tadas pelos governos para realizar empréstimos, ao mesmo tempo em que procuram convencer os tribunais de que tais atos não são inconstitucio- O endividamento nos governos estaduais: limita- nais. Dessa forma, a dívida pública dos Estados ções constitucionais e controle pelo mercado americanos também cresceu muito nas últimas dé- Nos governos estaduais, existem restrições cadas: passou de 21 bilhões de dólares em 1962 ao endividamento e ao déficit público em quase para 372 bilhões em 1992, ou seja, de 1,5% para todas as constituições. Em alguns Estados (como mais de 6% do PIB (Briffault, 1996, p. 59). Como Indiana e West Virgínia) é proibido qualquer tipo os governantes não são penalizados e não há dis- de endividamento. Em outros, há diferentes níveis positivos automáticos para cortar gastos em situa- de restrições: o Arizona, por exemplo, estabelece ções de déficit, as restrições legais têm pouca efi- um teto de 350 mil dólares, e a Constituição de cácia para controlar o endividamento. Geórgia limita a dívida a 10% das receitas. Além Dada a insuficiência das restrições constitu- disso, para se endividar, os Estados precisam, de cionais e legais para reduzir os déficits dos gover- modo geral, da aprovação em referendo popular nos subnacionais, estudos apontam as condições ou de voto supermajoritário, com aprovação em políticas que afetam de forma mais decisiva o de- ambas as câmaras (Briffault, 1996).8 sempenho fiscal desses governos. Também no INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 81 âmbito subnacional a condição de o governo ser só a muito custo e depois de vários anos de im- dividido ou unificado tem muita importância. passes, concordou em conceder algum emprésti- mo (Shefter, 1985). Estados em que um partido controla ao mesmo Diferentemente do Brasil, onde as emissões tempo o executivo e o legislativo são mais pro- de títulos públicos têm sido proibidas, o mercado pensos a responder mais rapidamente a déficits desses títulos nos Estados Unidos é bastante dinâ- inesperados do que aqueles com governos dividi- mico e vem crescendo muito nas últimas décadas. dos (Poterba, 1994, p. 818). Em 1997, por exemplo, havia mais de 58 mil go- Governos unificados em Estados que, por regra legal, não podem carregar déficit de um ano fis- vernos (Estados, municípios e condados) venden- cal para outro, reagem mais rapidamente aos cho- do algo em torno de 1,5 milhão de títulos e mo- ques de receitas e, portanto, apresentam menos vimentado mais de 1,3 trilhão de dólares (Zipf, defasagem no tempo entre superávits e déficits 1995). Se até a década de 70 os bancos e compa- (Alt e Lowry, 1994, p. 812). nhias de seguro eram os principais compradores desses títulos, mais recentemente os investidores Em suma, mesmo considerando que o siste- privados absorvem mais de 70% deles. Com a ex- ma americano funcione sob governo dividido – pansão deste mercado e especialmente depois do como já se disse, divided we govern (Mayhew, default dos títulos da cidade de Nova York, o 1991) –, o que interessa realçar aqui é o fato de Congresso aprovou novas regras para controle que a efetividade do controle dos déficits públicos desse mercado e criou agências especiais para sua é muito afetada pela ausência de coesão governa- fiscalização (Shefter, 1985). Também foram esta- mental (Brady e Volden, 1998). belecidas empresas que classificam os riscos dos Na ausência de coesão governamental, o diferentes títulos públicos, funcionando como im- mecanismo que parece mais eficiente para contro- portante instrumento de controle do endivida- lar os déficits e o endividamento dos governos mento público nos governos. subnacionais nos Estados Unidos é o mercado de A análise a seguir mostra governos parlamen- títulos públicos. Não havendo socorro por parte taristas experimentando dificuldades comuns ao da União (como no Brasil, até antes da Lei de Res- presidencialismo americano, de governo dividido, ponsabilidade Fiscal), os governos subnacionais para impor a “pílula amarga” do corte de gastos. precisam apresentar uma situação financeira sau- dável para obter empréstimos no mercado, sob pena de não ter crédito. Um analista indica com Ajuste fiscal em sistemas parlamentaris- precisão: tas: Holanda e Suécia Se os governos dos Estados tomam empréstimos O parlamentarismo de coalizão na Holanda e o excessivos, os credores se recusam a emprestar insucesso no equilíbrio orçamentário mais. Estados e municípios arriscam-se a situa- ções de falência que o governo nacional pode O após-guerra na Holanda caracterizou-se evitar simplesmente imprimindo moeda (Peter- pela industrialização e prosperidade econômica, son, 1995, p. 3). com expansão sistemática dos gastos públicos, que passaram de 34% do produto interno líquido A experiência da cidade de Nova York, du- em 1960 para 58%, em 1980. Todavia, a deteriora- rante a crise fiscal dos anos 70, é bastante ilustra- ção das condições econômicas, a partir de mea- tiva: tendo durado mais de dez anos, sua solução dos dos anos 70 (em decorrência principalmente envolveu longas e difíceis negociações entre ban- da oscilação dos preços do gás natural no merca- cos credores, fundos de pensão e sindicatos de do internacional), fez com que a carga tributária funcionários públicos, o governo do Estado de (impostos e contribuições para o sistema de segu- Nova York e consultores independentes encarre- ridade social) começasse a ser objeto de crescen- gados de gerir a massa falida da cidade. A União, te questionamento na arena política do país. É ex- 82 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47 pressiva deste clima a chamada “regra do 1%”, de lista nacional e representação proporcional) di- criada em 1975, para impedir que a elevação da ficilmente permitiam a um partido ter maioria par- carga tributária ultrapassasse o nível anual de 1 lamentar, tornando inevitáveis as coalizões multi- ponto percentual. Ao mesmo tempo, foram elabo- partidárias; além disso, certas condições políticas radas restrições severas ao gasto público com o igualmente dificultaram a coordenação do proces- objetivo de estabilizá-lo e reduzir os crescentes so de controle orçamentário. A natureza do gover- déficits fiscais.9 no de coalizão impediu que o objetivo de equilí- As metas orçamentárias, porém, não foram al- brio orçamentário fosse perseguido de forma cançadas: com o declínio da atividade econômica, vigorosa e segura. A estratégia gradualista adota- a expansão do desemprego e a quebra de práticas da na condução da política de redução do déficit de negociação coletiva, os déficits continuaram a exprimiu de forma clara tal dificuldade. Os parcei- crescer, alcançando 7,5% do produto interno no ros da coalizão de centro-direita (Democratas início dos anos 80. Juntamente com a crise econô- Cristãos e Liberais) não conseguiam estabelecer e mica e fiscal, a situação política apresentou, no pe- manter prioridades entre objetivos conflitantes: ríodo, grande instabilidade governamental, com pretendiam, ao mesmo tempo, reduzir o déficit gabinetes parlamentares que duravam apenas algu- público e cortar impostos; oscilavam entre essas mas semanas. A fraqueza do governo de centro-es- metas, sem se comprometer com uma orientação querda que se sustentava em frágil maioria parla- determinada. Os conflitos entre prioridades acen- mentar e sua incapacidade de manter-se coeso tuaram-se especialmente nos períodos eleitorais, fizeram com que a crise econômica se desdobrasse levando à reversão das metas fiscais. Como ocor- diretamente em dificuldades orçamentárias e na reu nos governos de centro-esquerda, as dificul- impotência dos políticos de efetivar suas propostas dades de impor perdas e de estabelecer firme- de equilíbrio das contas públicas Apesar da auste- mente prioridades fizeram com que os recuos nas ridade das regras orçamentárias e dos controles es- propostas ou nos planos orçamentários fossem tritos, o governo foi incapaz de atingir o ajuste. Ne- igualmente freqüentes em todo o período do go- nhum dos planos orçamentários (ou suas revisões) verno de coalizão centro-direita. foi implementado como previsto. Em suma, esta breve incursão pela situação Com o déficit público já alcançando a casa política e fiscal da Holanda dos anos 80 indica dos 12% do produto interno, um governo de coa- que, depois de longa batalha contra o déficit pú- lizão centro-direita foi estabelecido no país, a par- blico, os resultados apresentados pelos governos tir de 1982. Este tentou colocar em ação um pro- de coalizão foram muito limitados. A década se grama de cortes sistemáticos de gasto público inicia com um governo de centro-esquerda anun- com o objetivo de reverter seu crescimento inces- ciando pacotes de austeridade, com congelamen- sante. A mudança mais significativa ocorrida no to de salários e planos de corte de gastos públicos período foi a suspensão da indexação de benefí- que lhe custaram a perda do poder dois anos mais cios sociais e dos salários dos funcionários públi- tarde, e termina na mesma situação fiscal. Depois cos. Todavia, a despeito dos cortes, os resultados de um interregno de mais de sete anos, em que a fiscais também foram limitados. coalizão de centro-direita também não conseguiu Segundo analistas, a política fiscal dessa coa- resolver seus problemas fiscais, os partidos de lizão de direita, que governou a Holanda até o fi- centro-esquerda voltam ao poder, sem consegui- nal da década de 80, fracassou não só por reveses rem, contudo, acabar com os déficits crônicos e econômicos. Além da elevação da dívida pública sua pesada carga para a sociedade. e, conseqüentemente, das despesas de juros (já Por fim, pode-se apontar que a maior auto- que a estratégia adotada para o ajuste fiscal tinha nomia adquirida pelos governos na gestão dos sido gradativa), fatores de ordem político-institu- programas de austeridade fiscal, dos anos 80, im- cionais mostraram-se decisivos. As regras eleito- plicou o enfraquecimento das estruturas corpora- rais (tais como a combinação relativamente rara tivas e o rompimento do pacto social que havia INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 83 permitido, no pós-guerra, a partilha dos frutos da abaixo da inflação. Sem elevar a carga tributária, prosperidade econômica entre capitalistas e traba- esperava-se que a redução do déficit ocorresse ao lhadores. Uma vez que o governo ficou menos longo de alguns anos, não produzindo perda nem capaz de mobilizar sindicatos e associações patro- drásticas mudanças nas diversas políticas públicas. nais e de gerar consenso político – condições Esta estratégia gradualista mostrou-se, toda- essas fundamentais para implementar a agenda via, duplamente desastrosa. De um lado, como na fiscal –, o ajuste tornou-se, assim, ainda mais difí- Holanda, foi completamente ineficaz, pois o défi- cil (Wolinetz, 1989). cit continuou aumentando, passando para quase 13% do PIB; a dívida pública cresceu mais de 146% em apenas três anos (entre 1979 e 1982) e Parlamentarismo com partido dominante: dificul- as despesas com juros duplicaram no mesmo pe- dades e sucesso do ajuste fiscal na Suécia ríodo. De outro lado, os cortes de despesas mos- Como nos Estados Unidos e na maioria dos traram-se politicamente desastrosos para a coliga- países industrializados, o final dos anos 70 tam- ção governamental, fazendo com que ela fosse bém trouxe graves crises fiscais para a Suécia. Es- derrotada pela social democracia que retomou o tas colocaram em cheque a combinação peculiar poder em 1982. de igualitarismo socialista e produtividade empre- Tendo amadurecido nos seis anos em que sarial (a chamada “via” sueca de capitalismo) e esteve fora do poder, o partido social democrata conduziram à derrota eleitoral da social democra- pôde colocar em prática uma nova estratégia de cia, principal arquiteto deste modelo. Como é co- governo, na qual seus ideais igualitários foram nhecido, o Partido Social Democrata sueco (SAP), equilibrados com as exigências de austeridade depois de governar o país por mais de 40 anos, fiscal. A política de desvalorização da moeda (nú- foi derrubado por uma coligação de três partidos cleo central de seu programa contra a crise) pos- de direita, em 1976. Mesmo sustentando-se em sibilitou a retomada econômica, trazendo vanta- base parlamentar frágil e a despeito de sua gran- gens imediatas para as firmas suecas no comércio de instabilidade (um governo por ano, em média), exterior. Ela permitiu também a redução do a coalizão de direita permaneceu no poder por desemprego e o conseqüente aumento na arreca- seis anos (até 1982) e pôs em prática políticas de dação de impostos. Diferentemente das desvalori- redução do déficit público.10 zações anteriores efetuadas pelos governos de di- Entretanto, como já sintetizado, os partidos reita, a desvalorização de 1982 foi negociada com de direita estavam no lugar errado, na hora erra- os trabalhadores, permitindo ao governo social da: eles não conseguiram, como pretendiam, des- democrata não repor integralmente (através de in- montar o sistema de Welfare state, reduzir o tama- dexação) as perdas nos salários e pensões. As nho do Estado e fazer o mercado funcionar sem compensações só vieram posteriormente, com a intervenção. Para ativar a economia e garantir o retomada de programas e de benefícios sociais pleno emprego (sob pressão da oposição social cortados pela direita, através da elevação de im- democrata), tiveram de ajudar setores industriais postos. Também diferentemente da política de em declínio, gastando em subsídios enormes so- cortes espasmódicos adotada pelo governo ante- mas que, em 1979, atingiram 5% do PIB. Tampou- rior, a estratégia da social democracia baseou-se co puderam se desvencilhar de gastos sociais em uma única e drástica medida: desvalorização comprometidos anteriormente, tais como a redu- cambial sem compensação imediata das perdas de ção da idade para aposentadoria, a extensão de renda dos trabalhadores. Em seguida, reajustou pensões etc. gradualmente os salários e retomou os benefícios Incapaz de realizar cortes orçamentários, o sociais, à medida que as receitas orçamentárias governo dessa coalização adota a estratégia de iam crescendo com a recuperação econômica e a elevar mais lentamente os gastos públicos, reajus- maior arrecadação de impostos. Em poucas pala- tando as dotações para os órgãos governamentais vras, os sociais democratas suecos usaram, nesse 84 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47 momento, a conhecida fórmula maquiavélica: fi- Ajuste fiscal no Brasil: restrições legais ao zeram o mal de uma única vez e distribuíram o endividamento e coesão governamental bem em pequenas doses. O que interessa destacar aqui na bem-suce- O contexto macroeconômico do ajuste fiscal dida experiência de ajuste fiscal da Suécia – que Se as causas da crise fiscal dos anos 80 no chega ao final da década de 80, diferentemente da Brasil remontam a fatores econômicos estruturais, Holanda, com superávits fiscais – é a situação de ligados ao esgotamento do modelo de financia- coesão do governo, comandado pelo Partido So- mento externo, e ainda ao padrão de relações fe- cial Democrata. Como já se indicou, este partido derativas existentes no país (Sallum Jr. e Kugel- experimentou na Suécia uma situação de prolon- mas, 1993; Affonso, 1995; Abrucio e Costa, 1998), gada hegemonia política (Heclo e Madsen, 1987; é bem conhecido que o agravamento das contas Pontusson, 1994). Enquanto durou, tal situação de públicas decorreu em grande parte da elevação da coesão deu ao governo capacidade de estabelecer taxa de juros, imposta pela implementação do Pla- e manter claras prioridades: sem abrir mão do nú- no Real. cleo central da proposta social democrata de ple- No início de 1998, por exemplo, o conjunto no emprego e mantendo as conquistas sociais, o do setor público brasileiro (incluindo governo fe- ajuste fiscal foi feito, não pelo lado do corte de deral, governos estaduais, municípios e empresas gastos, mas sobretudo pelo lado da elevação das públicas) pagava juros que representavam cerca receitas (através da velha receita keynesiana de de 3,5% do PIB. Depois da crise do final de 1998, estímulo à retomada econômica e aumento da este percentual passou para mais de 7% e hoje ul- carga tributária). trapassa 10%. O total da dívida pública que repre- Todavia, como se pode imaginar, tal escolha sentava no início de 1998, 35,8% do PIB, alcançou teve seus custos econômicos e políticos: embora quase 50% no final de 1999 e está agora em torno o desemprego tenha permanecido baixo, a infla- de 53% (Relatórios do Banco Central e Informa- ção elevou-se e o nível de crescimento econômi- ções FIPE, n. 248, maio de 2001). Os efeitos do co da Suécia no começo da década de 90 foi bem crescimento dos juros têm sido desastrosos não só inferior à média dos países da OECD. Com isso, a para indivíduos e empresas, mas sobretudo para situação política para o governo social democrata os governos subnacionais. Entre 1990 e 1995, os também se deteriorou: sua coesão interna foi que- débitos destes governos cresceram 150%, em de- brada, gerando cisão entre os grupos mais favorá- corrência principalmente da elevação da taxa de veis às bandeiras tradicionais e os adeptos da ter- juros. No final de 1997, eles já acumulavam um ceira via e a perda de apoio de partidos aliados, débito de 97 bilhões de dólares. Antes das nego- como o comunista.11 ciações com a União que desembocaram na fede- Em outras palavras, embora tenha sido bem- ralização de suas dívidas, 22 Estados deviam mais sucedido em equilibrar o déficit orçamentário e do que um ano de arrecadação.12 manter níveis relativamente elevados de emprego, Assim, o crescimento da dívida pública tor- o SAP não conseguiu lidar com outros objetivos nou o equilíbrio fiscal um dos componentes cen- nacionais, tais como inflação e redução da carga trais da agenda de estabilidade monetária e de re- tributária, o que acabou lhe custando a derrota forma econômica do governo FHC. Todavia, além eleitoral, novamente, no início dos anos 90. Mes- de razões internas, o equilíbrio das contas públi- mo que tenha conseguido voltar ao poder em cas impõe-se sobretudo pela necessidade de inte- 1994, é relevante frisar os custos políticos que a gração do país aos mercados financeiros interna- gestão das crises fiscais dos anos 80 impuseram à cionais. Em uma era de economia globalizada é social democracia na Suécia: a redefinição de seus preciso oferecer, a despeito dos enormes custos ideários e a ruptura de uma situação de hegemo- sociais e do comprometimento do próprio desen- nia política que havia durado várias décadas. volvimento econômico, credibilidade e baixo ris- co para atrair capitais externos. Como se sabe, o
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