Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez 1 Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez IInnqquuiieettooss OOllhhaarreess A construção do processo de identidade nacional nas obras de Lídia Jorge e Orlanda Amarílis Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez J T A N E U T I K I A N IInnqquuiieettooss OOllhhaarreess A construção do processo de identidade nacional nas obras de Lídia Jorge e Orlanda Amarílis S ª o P a u l o 1 9 9 9 Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez (cid:211) 1999, by autora Coordenação Editorial Henrique Villibor Flory Editor e capa Aroldo José Abreu Pinto Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico Rejane Rosa Ilustração de Capa Xxxxxx xxxx Revisão Letizia Zini Antunes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca de F.C.L. - Assis - UNESP) Tutikian, Jane T966i Inquietos olhares: a constru(cid:231)ªo do processo de identidade na- cional nas obras de L(cid:237)dia Jorge e Orlanda Amar(cid:237)lis / Jane Tutikian. (cid:151) Sªo Paulo: Arte & CiŒncia, 1999. p. 186; 21 cm ISBN: 85-86127-90-6 1. Amar(cid:237)lis, Orlanda, 1923 (cid:150) e interpreta(cid:231)ªo. 2. Jorge, L(cid:237)dia (cid:150) Cr(cid:237)tica e interpreta(cid:231)ªo. 3. Literatura africana de expressªo por- tuguesa (cid:150) Hist(cid:243)ria e cr(cid:237)tica. 4. Literatura comparada luso-africa- na. 5. Nacionalismo na literatura. I. T(cid:237)tulo. II. 2” t(cid:237)tulo: Identida- de nacional nas obras de L(cid:237)dia Jorge e Orlanda Amar(cid:237)lis. CDD - 809.000 869.090 869.309 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura comparada: Estudo crítico 809.000 2. Literatura portuguesa: Século 20: História e crítica 869.090 3. Literatura portuguesa: Ficção: Crítica e interpretação 869.309 Editora Arte & Ciência Rua dos Franceses, 91 – Bela Vista São Paulo – SP - CEP 01329-010 Tel/fax: (011) 253-0746 - (011) 288-2676 Na internet: http://www.arteciencia.com.br Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez Ao José e à Doralice, meus pais. Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez SumÆrio INTRODUÇÃO................................................................................ 9 1- VISÕES CONSTRUÍDAS .........................................................25 1.1 A revolução e a terra trazidas...........................................25 1.2 O texto, o mito e o mito produzido...................................42 1.3 A sacralização e a dessacralização de visões................56 2- IMAGENS INSULARES.............................................................67 2.1 O passe e a senha...............................................................69 2.2 O riso e o espelho...............................................................80 2.3 As imagens cruzadas ...................................................... 103 3- DEVORAÇÃO DA CIDADE ................................................. 107 4- ÁFRICA AMARELA: O EXERCÍCIO DO PODER........... 149 CONSIDERAÇÕES FINAIS: REPRESENTAÇÃO E TRANSGRESSÃO.............................. 165 BIBLIOGRAFIA.......................................................................... 183 8 Introdu(cid:231)ªo Dentre os problemas que mais terão marcado nossa contemporaneidade estão as questões de identidade e de nacio- nalidade e isso pelos acontecimentos das últimas décadas, tanto do ponto de vista político quanto econômico e social: da queda das barreiras econômicas no Ocidente capitalista do Leste Euro- peu à abertura chinesa ao capital estrangeiro; da queda das bar- reiras político-ideológicas tipificadas pelo muro de Berlim e da articulação da Glasnost, exterminando o império soviético, à “fa- lência das utopias”, à mundialização do capitalismo, acentuando desigualdades, inferiorizações e exclusões. Além disso, o pró- prio interesse despertado pelas literaturas terceiro-mundistas no primeiro mundo; as rupturas com os totalitarismos; os separa- tismos; os racismos; as minorias étnicas; a liderança americana na “nova ordem mundial”; as composições supranacionais como o mercado comum; tudo converge para um novo perfil de fron- teiras geográficas, econômicas e ideológicas. Diante desse quadro, de transformação e complexidade da ordem mundial, de que, evidentemente, não passa à margem Portugal, com a Revolução de 25 de Abril e a queda do Salazarismo, com a descolonização e com o ingresso no Merca- do Comum Europeu; e de que não passam à margem as nações 1 2 emergentes , frutos da descolonização , questões como nacio- 1 Ainda que a definição países emergentes venha sendo usada, desde o início da década de 90, para designar nações que mais atraem investimentos estrangei- ros, e ao mesmo tempo aceleram a modernização da economia e melhoram 10 3 nalismo , identidade e alteridade, na medida em que o Outro é também produtor da imagem do Mesmo, terminam ocupando espaço em textos nacionais dos mais diversos estatutos, ficcionais ou não. Se a linha mestra da literatura portuguesa, já estudada por Cleonice Berardinelli (1994), não é outra senão o nacionalismo, o discurso laudatório de outros tempos substitui-se, contemporaneamente, pelo discurso crítico, antiépico. “Cum- priu-se o mar e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal”, afirmara Fernando Pessoa, na Mensagem (1972:57), o que, hoje, se reatualiza. Da mesma forma, o nacionalismo está presente, e tanto 4 mais nítido pela condição histórica nas literaturas emergentes , as africanas, a partir de suas premissas sócio-históricas, com uma reflexão própria, que busca soluções particulares, inclusive nas abordagens estéticas e históricas, no posicionamento contra a política assimilacionista da metrópole, voltando-se para a desalienação e a conscientização, por meio de seus temas de resistência. Temas esses que, antes de serem unicamente de reação ao imperialismo, voltam-se para a emigração, a antievasão, a ter- ra..., uma vez que “De cada peito contrito,/ De cada lágrima ou grito,/ De cada gesto de dor,/ De todo o sangue ou suor/ Discre- tamente nascia/ Uma nova Poesia”, como cantou Aguinaldo Fon- seca em “ Nova Poesia”, de 1951, (1986: 16). No período pós- os indicadores sociais, optamos por manter a definição literal para os países frutos da descolonização e que buscam sua identidade cultural. 2 Refere-se ao processo pelo qual passa a ex-colônia, quando conquista sua independência política. 3 Tomamos, aqui, como o define Edward W. Said (1995: 276): “restauração da comunidade, afirmação da identidade, surgimento de novas práticas culturais”, ou seja, dentro do pressuposto mesmo da Literatura Comparada que entende a nação como não concluída, onde os mecanismos de inclusão e exclusão aparecem como movimentos dialéticos, quer dizer, não mais como uma enti- dade plenamente formada. 4 À formação de nacionalidades corresponde a formação de literaturas nacio- nais. 11 5 colonial , por sua vez, os temas deslocam-se para busca e pre- servação das fontes da cultura popular e raízes nacionais autên- ticas. Complexos, entretanto, evidenciam-se num “olhar para si” e são produtores de determinados discursos na ordem da relação com o Outro, e isso é traço marcante na literatura portu- guesa quando surge a relação com o estrangeiro, apesar de um discurso de poder em relação às colônias/ ex-colônias e, nessas, o complexo de colonizado. Negar a força da Europa, não há como, por tudo o que o eurocentrismo representou na ordem mundial para as mais diferentes culturas e não é essa a questão que se impõe. A questão é ser Europa à margem da Europa. Negar a força da metrópole, como metrópole, também não há como. É negar-se como povo, como sujeito-histórico para as- sumir-se apenas como paciente de um processo. Por outro lado, essas negações se contradizem na produção de uma memória histórica pela literatura. Mesmo na imposição do discurso auto- ritário, a literatura se propõe com alternativas opostas: contra o fixo e o codificado, com as plurissignificações e o dialogismo; memória, história e ficção se permeiam. Não obstante sua importância para o sistema literário de seus países de origem, pouco se conhece, no Brasil, sobre Lídia Jorge, que ocupa lugar de destaque entre a geração pós-74, e Orlanda Amarílis, primeira escritora caboverdiana publicada em livro. A importância histórica de ambas as autoras é fato inegá- vel. Enquanto a primeira faz de seu texto um agente revelador da terra, com suas idiossincrasias, sua cultura, seus mitos, suas tradições motivadas pelas fontes nacionais, a segunda procura recriar metafórica e metonimicamente a pátria e sua gente, numa 6 espécie de “espelho contra a vida” para, mediante uma postura crítica, desvendar valores da identidade nacional. 5 Segundo E. Said (1995:63), existe todo um movimento, uma literatura e uma teoria de resistência e de reação ao império, um esforço para se iniciar um debate com o mundo metropolitano em pé de igualdade, mostrando a diversi- dade e a diferença do mundo não europeu, suas prioridades e história. 6 Expressão usada por Lídia Jorge. 12 Orlanda Amarílis nasceu em Santa Catarina, na ilha de Santiago, Cabo Verde, viveu seis anos na Índia e dois em Angola e fixou-se em Lisboa, adquirindo a condição diaspórica. Autora de Cais-do-Sodré té Salamansa (1974), Ilhéu dos pássaros (1983) e A casa dos mastros (1989), iniciou sua carreira literária na re- vista Certeza (1944), publicação de grande importância na ativi- dade cultural da época e na literatura caboverdiana; viveu o im- 7 8 perialismo e vive a descolonização , mas, em especial, vive a condição de caboverdianidade, a ligação íntima com a terra, sua gente, seus valores culturais. Sua grande personagem é o caboverdiano, no arquipélago e em Lisboa sobretudo, raramente aparecendo em lugares outros, a revelar o que Maria Lúcia Lepecki define como um “deitar raízes em duas memórias literá- rias e em duas vivências da linguagem” (1989). Se os seus contos são caboverdianos, a sua sensibilidade, ou melhor, a sua arte é universal e nada fica a dever às escrito- ras que, no continente, vão escrevendo o que de melhor a litera- tura portuguesa tem apresentado nos últimos vinte anos. (Men- donça, Fernando. Apud Cardoso, 1988) Lídia Jorge nasceu em Boliqueime, Algarve, pertencendo 9 à geração literária da “repensagem portuguesa” , da reflexão do percurso revolucionário que culminou com o 25 de Abril, da resistência ao fascismo e às perversões de seus resquícios na democracia, do alerta da necessidade da memória, dos valores e das tradições. É o que deixa entrever em O dia dos prodígios 7 O imperialismo, comenta Said (1995: 40,42), designa a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante, mas alerta para o fato de que nem o imperialismo nem o colonialismo são é um simples ato de acumulação e aquisição. “Ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e imploram pela dominação.” 8 O que Edward Said coloca como uma “complexíssima batalha sobre o rumo de diferentes destinos políticos, diferentes histórias e geografias.”(1995:277). 9 Expressão usada por Maria de Lourdes Simões. 13