Impressões de leitura e outros textos críticos AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881, filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos. Seu padrinho era o visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava liberta, morreu precocemente, quando o filho tinha seis anos. A abolição da escravatura ocorreu em 1888, no dia de seu aniversário de sete anos, mas as marcas desse perí odo, o preconceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira nunca deixaram de ocupar o centro de sua obra literária. Em 1900, o escritor deu início aos registros do Diário íntimo, com impressões sobre a cidade e a vida urbana do Rio de Janeiro. Lima Barreto começa sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando escreve reportagens, publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do morro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jornalismo literário brasileiro. Na mesma época, começa a escrever a primeira versão de Clara dos Anjos, obra que seria publicada apenas postumamente, e elabora os prefácios de dois romances: Recordações do escrivão Isaías Caminha e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, livros que terminaria de redigir quase simultaneamente, ainda que este último tenha sido publicado apenas em 1919. Recordações do escrivão Isaías Caminha sai em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909. Em 1911, escreve e publica Triste fim de Policarpo Quaresma em folhetim do Jornal do Commercio. Publica ainda Numa e a ninfa (1915), Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), Histórias e sonhos (1920). Postumamente saem Os bruzundangas (1922) e as crônicas de Bagatelas (1923) e Feiras e mafuás (1953). Morreu no Rio de Janeiro, em 1o de novembro de 1922, aos 41 anos. LILIA MORITZ SCHWARCZ é antropóloga, historiadora e editora. Professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), é também global professor na Universidade Princeton, curadora adjunta do Masp e colunista do jornal eletrônico Nexo. Foi visiting professor nas Universidades de Oxford, Leiden, Beown e Columbia. Teve bolsa científica da Guggenheim Foundation e fez parte do Comitê Brasileiro da Universidade Harvard. É autora, entre outros, de Retrato em branco e negro (Companhia das Letras, 1987), O espetáculo das raças (Companhia das Letras, 1993), As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos (Companhia das Letras, 1998), Racismo no Brasil (Publifolha, 2001), A longa viagem da biblioteca dos reis (com Paulo Cesar de Azevedo e Angela Marques da Costa; Companhia das Letras, 2002), O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e seus trópicos difíceis (Companhia das Letras, 2008), Brasil: Uma biografia (com Heloisa Murgel Starling; Companhia das Letras, 2015) e Lima Barreto: triste visionário (Companhia das Letras, 2017). Com André Botelho organizou, para a Companhia das Letras, duas coletâneas: Um enigma chamado Brasil, em 2009 (prêmio Jabuti) e Agenda brasileira, em 2011; e com Pedro Meira Monteiro, a edição crítica de Raízes do Brasil, em 2016. BEATRIZ RESENDE nasceu no Rio de Janeiro em 1948. É professora titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Na UFRJ é também pesquisadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/Letras/UFRJ), onde é editora, junto com Heloisa Buarque de Hollanda, da revista Z Cultural. Mestre em teoria literária e doutora em literatura comparada pela UFRJ, foi professora de artes cênicas da Escola de Teatro da Unirio (2000-12) e coordenou o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (2007-11). É autora, dentre outras publicações, de Poéticas do contemporâneo, Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos, Possibilidades da nova escrita literária no Brasil (organizado com Ettore Finazzi- Agrò), Contemporâneos: Expressões da literatura brasileira no século XXI, Cocaína, literatura e outros companheiros de viagem, Rio Literário (Org.), A literatura latino-americana no século XXI (Org.), Toda crônica (reunião das crônicas de Lima Barreto, organizada com Rachel Valença) e Apontamentos de crítica cultural. Há quase quarenta anos pesquisa a obra de Lima Barreto. Sumário Prefácio — Lilia Moritz Schwarcz Introdução — Beatriz Resende Nota sobre o texto IMPRESSÕES DE LEITURA E OUTROS TEXTOS CRÍTICOS 1906 Carta de Lima a C. Bouglé 1907 Uma opinião de Catulo Apresentação da revista Floreal Literatura e arredores Estética do “ferro” 1910 Carta de Lima ao redator de A Estação Teatral 1911 Uma coisa puxa a outra… I Uma coisa puxa a outra… II Uma coisa puxa a outra… III Uma coisa puxa a outra… IV Qualquer coisa Alguns reparos O Garnier morreu 1913 Semana artística I Semana artística II Semana artística III 1915 A biblioteca Carta de Lima a Gilka Machado Um romancista 1916 Carta de Lima a Murilo Araújo Carta de Lima a Albertina Berta 1918 Anita e Plomark, aventureiros Histrião ou literato? Volto ao Camões Literatura militante O triunfo Literatura e política O secular problema do Nordeste Carta de Lima a Monteiro Lobato 1919 Carta de Lima a Monteiro Lobato Problema vital Carta de Lima a Jaime Adour da Câmara Um poeta e uma poetisa Um romance sociológico A crítica de ontem Levanta-te e caminha Canais e lagoas 1920 Uma ideia O professor Jeremias Um romance pernambucano Limites e protocolo Carta de Lima a Monteiro Lobato Dois meninos Mme. Pommery Vários autores e várias obras Estudos 1921 A obra de um ideólogo Poesia e poetas Carta de Lima a Francisco Schettino Sobre uma obra de sociologia A obra do criador de Jeca-Tatu À margem do Coivara, de Gastão Cruls Urbanismo e roceirismo Um romance de Botafogo O destino da literatura Aos poetas A lógica da vida Um livro desabusado Tudo junto O sr. Diabo 1922 A Maçã e a polícia O futurismo História de um mulato Um livro luxuriante Reflexões e contradições à margem de um livro Tabaréus e tabaroas Poetas Elogio do amigo Livros Fetiches e fantoches Carta de Lima a Carlos Süssekind de Mendonça Carta de Carlos Süssekind de Mendonça a Lima Cronologia Sugestões de leitura Prefácio Como ser do contra e a favor: impressões de leitura e muito mais1 LILIA MORITZ SCHWARCZ Temo muito transformar esta minha colaboração no A.B.C. em crônica literária; mas recebo tantas obras e a minha vida é de tal irregularidade, a ponto de atingir as minhas próprias algibeiras, que, na impossibilidade de acusar logo o recebimento das obras, me vejo na contingência de fazê- lo por este modo, a fim de não parecer inteiramente grosseiro. É dessa maneira, ao mesmo tempo humilde e generosa, que Lima Barreto descreve sua atividade como cronista literário, no texto “Limites e protocolo”, escrito para a A.B.C. (Rio de Janeiro, 2 maio 1920), uma das revistas em que o escritor participou com maior assiduidade durante quase toda a vida. Aí está uma faceta um tanto desconhecida que restou na obra e na produção de Lima Barreto. Em geral, o conhecemos como o autor de poucos romances, dentre eles Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), Numa e a ninfa (1915), Clara dos Anjos (datado de 1922 mas publicado pela primeira vez em 1924) e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919). Também não é estranha, ao menos nos dias de hoje, sua atividade como contista e criador de verdadeiras pérolas condensadas e de grande atualidade. São de sua autoria uma série de contos, completos ou que restaram incompletos, como “Nova Califórnia” (1911), “O homem que sabia javanês” (1911), “Cló” (1920), “O moleque” (1920) e “Um especialista” (1915). Lima ganhou renome, ainda, na qualidade de cronista da cidade do Rio de Janeiro e de seus subúrbios; tarefa que executava com rara constância e dedicação. Nesses espaços, costumava desfazer de tudo e de todos: da República, dos políticos, dos jornalistas, dos acadêmicos, do futebol, das feministas (apesar de ser contra os atos de violência cometidos contra as mulheres), dos costumes estrangeirados e das elites artificiais que, segundo ele, residiam em Botafogo e subiam a serra para passar o verão em Petrópolis e assim “tomar uma fresca”. Lima comporta- se, nesse caso, como uma testemunha privilegiada da Primeira República; o período que surgiu prometendo muita inclusão mas entregou vários projetos de exclusão social. No entanto, é graças à bela iniciativa de Beatriz Resende, uma das mais reconhecidas estudiosas da obra de Lima Barreto,2 que o leitor tem nova oportunidade de conhecer e experimentar o mesmo escritor, mas visto sob outro ângulo: pelo lado de empedernido crítico e agitador literário. Se Impressões de leitura já havia sido organizado para a coleção que Francisco de Assis Barbosa publicou em 1956, na Brasiliense, agora será possível ler esses e outros textos de autoria do escritor de Todos os Santos, os quais, juntos, completam uma espécie de quebra-cabeça. Francisco de Assis Barbosa, que fez a proeza de publicar uma biografia fundamental em 1951,3 numa época em que ninguém dava muita bola para o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma, esmerou-se em cuidar também de toda a obra de Lima. Mais, em 1956, quatro anos depois, Assis Barbosa não se limitou a devolver ao público os romances de Lima, também organizou seus diários, que até então não passavam de notas perdidas nas várias cadernetas pessoais do escritor; fez a sistematização de sua correspondência e deu a ela a forma de dois livros; e organizou novas coletâneas de ensaios. Não contente com isso, convidou M. Cavalcanti Proença4 e Antônio Houaiss5 para ajudar na força- tarefa6 e escolher a dedo os prefaciadores dos diferentes volumes (a maioria ainda atuante e alguns já falecidos mas com textos de reconhecida importância), de maneira a criar uma rede de intelectuais que sustentassem o autor. O projeto era de monta e visava reviver Lima Barreto e sua literatura. O biógrafo assinou o prefácio do primeiro volume dedicado ao romance Recordações do escrivão Isaías Caminha, até porque cabia a ele a primazia de inaugurar a coleção. Mas os demais prefaciadores também impressionam: o historiador, crítico e embaixador M. Oliveira Lima assinou o de Triste fim de Policarpo Quaresma; João Ribeiro de Numa e a ninfa; Tristão de Ataíde — pseudônimo de Alceu de Amoroso Lima — de Vida e morte de J. Gonzaga de Sá; o historiador Sérgio Buarque de Holanda de Clara dos Anjos; a crítica literária Lúcia Miguel Pereira de Histórias e sonhos; Oscar Pimentel de Os
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