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ifá, o Adivinho: literatura afro PDF

21 Pages·2010·1.47 MB·Portuguese
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ifá, o Adivinho: literatura afro- 1 3 7 brasileira no Canal Futura1 C o n ifá, the fortune teller: african- e x ã o – brazilian literature in Futura channel C o m u n ic a ç Sátira P. Machado2 ã o Elizabeth R. Z. Brose3 e C u ltu ra , U ReSuMo C S Este artigo trata dos suportes para o texto literário Ifá, o Adivinho: livro tradicional e livro animado. , C a x Tanto a publicação da Companhia das Letrinhas como o formato para TV dirigem­se ao leitor e/ou ao ia s espectador iniciante no tema, que, como a personagem, a gaúcha Preta, poderia dizer: “Eu fiquei lá, d o pensando e chupando uva [...]. É assim: para nascer é preciso [...] o lado do pai e o lado da mãe. [...] S u Também tenho parentes alemães por parte de minha outra vó, clara, casada com meu avô negro­índio l, v charrua. Que confusão!” (Lima, 2005, p. 9). Dessa perspectiva infante, foram publicadas em papel . 8 várias histórias sobre a genealogia de Orixás. Acessível à televisão e aos computadores via CD, parte , n da genealogia foi adaptada para a Série Livros Animados, do Canal Futura. As duas materialidades . 1 6 são discutidas neste artigo. , ju l./ Palavras-chave: Literatura. Televisão. Identidade afro­brasileira. d e z. 2 ABStRAct 0 0 9 This article deals with supports for the literary text Ifá, o Adivinho: traditional and animated book. Both the publication from Companhia das Letrinhas and the TV animation are intended for readers and/or viewers that are new to the subject that, like Preta, the woman from the Rio Grande do Sul Pampas, might say: It stood there, thinking and eating grapes. [...] It’s like that: to be born in this world you need [...] both the father’s and the mother’s side. [...] I also have German relatives on my other granny’s side, the white one who married my black­Charrua indian grandfather. What a mess! (Lima, 2005, p. 9). Based on this childhood viewpoint, some stories were published on paper dealing 1 As autoras agradecem ao Canal Futura o apoio na forma da doação de todo o material que compõe o programa A Cor da Cultura, o que inclui os livros animados. Artigo recebido em 21-8-09. Aprovado em 24-11-09. 2 Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Vale do rio dos sinos (Unisinos). Coordenadora estadual das Políticas de Igualdade Racial do RS. Este artigo parte de questões e pesquisa para o projeto de tese de Sátira Machado – autora de Poesia infantil na TV – a experiência do castelo Ra-Tim-Bum, Porto Alegre: Edipucrs – e das pesquisas sobre literatura africana de elizabeth r. Z. Brose. E-mail: [email protected] 3 Doutora em teoria da Literatura pela pontifícia Universidade Católica do rio grande do sul (pUCrs). Autora do livro Máscaras de múltiplas faces – publicação de tese sobre obras do escritor angolano pepetela sob orientação da profa. Dra. regina Zilberman (Ufrgs). Lançou, entre outros, pela editora da pUC-go, os livros: Leitura e literatura: teoria e prática, escrito com Ms. Ana paula Charão. Atualmente assessora programas de leitura e coordena cursos de formação de professores em projetos de fomento à leitura. Apoia a CAre Brasil que, em parceria com secretarias de educação e Cultura e empresas como a Anglo American, incentiva a leitura em diversas regiões do País. E-mail: [email protected] 8 with the genealogy of Orishas. Accessible on TV and in CD­ROMs, part of that genealogy was adapted 3 for the Futura Channel Animated Book Series. Both versions are discussed in this article. 1 Keywords: Literature. Television. Afrobrasilian identity. a ur ut F al n A televisão interage com a criança brasileira a C o n eira D e acordo com o depoimento de Moya (2008, p. 18-19), pioneiro da televisão sil brasileira, as origens da televisão no mundo aconteceram no âmbito das ci- a br dades, e não, de países, como os cinemas inglês, alemão, italiano, estaduni- o­ afr dense e francês. As produções de TV eram locais, e as emissoras não tinham con- a ur tato umas com as outras. nova iorque, Londres e são paulo foram as primeiras ci- at er dades a transmitir programas televisivos, sendo que a tV tupi atingia um raio máxi- o: lit mo de 100 km. Assim, de modo localizado, em 18 de setembro de 1950, era inau- h n gurada a tV tupi com o trabalho do desenhista iniciante Álvaro de Moya, que elabo- vi di rou os letreiros de abertura do Show da Taba. A o á, Z. If na década de 50 (século XX), essa televisão que se introduzia nas casas instituiu R. uma nova maneira de as crianças interagirem com o mundo e, desde então, muitas eth produções culturais audiovisuais foram oferecidas aos telespectadores mirins. Em b a 1952, a telinha torna-se popular entre meninos e meninas com as transmissões do z Eli e, programa Teatro Escola de São Paulo, pela Tv Tupi. no programa, Júlio gouveia e s o tatiana Belinky reinventam as histórias da obra de Monteiro Lobato. em 1920, Lo- Br – bato lançou A menina do narizinho arrebitado. (loBato, 1920). reeditada com o títu- P. lo Narizinho arrebitado, acrescida de uma segunda parte conhecida como O sítio a átir do pica-pau amarelo, foi relançada em 1921. (loBato, 1921). Abordando questões S o, sociais, políticas, econômicas e culturais nas ações vividas pelas personagens em d a uma fazenda, Lobato inclui várias outras histórias à obra até 1944, em livros, h c Ma como, por exemplo, Reinações de Narizinho (loBato, 1931) e Novas reinações de Narizinho (loBato, 1933). Na tevê, o programa O sítio do pica-pau amarelo foi exibi- do durante uma década ao vivo, a partir de adaptações teatrais da obra, dramatiza- das nos estúdios da tV. em 1964, a Tv Cultura, de são paulo mostrou sua versão de O Sítio. De 1967 a 1969, o programa foi recriado por roteiristas, produtores e editores, a partir da tecnologia do videoteipe, na Tv Bandeirantes. (maChado, 2002). De 1977 a 1986, uma nova versão, da Tv Globo, foi exportada para vários países e censurada em Angola, pela representação estereotipada da tia nastácia que lhes parecia uma escrava. gouvea (2005) destaca que ante a reação das crianças de Lobato aos seus contos, tia nastácia perdeu o posto de contadora de histórias, re- assumindo seu lugar de cozinheira, sendo substituída por Dona Benta que, com 1 3 auxílio dos livros, “sabe contar histórias de verdade”. Lajolo (1998), em seu traba- 9 lho A figura do negro em Monteiro Lobato comenta: C o n tia nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena ganha as primeiras ex ã atenções: ela desfruta da afetividade da matriarcal família branca para a qual trabalha o – e, ao mesmo tempo, apesar de suas breves mas muito significativas incursões pela C o sala e varanda, encontra no espaço da cozinha emblema de seu confinamento e de sua m u desqualificação social. Ao longo da obra infantil lobatiana, a exceção ao carinho brincalhão nic a que a cerca, vem sempre um insulto pela boca da emília, que em momentos de discussão ç ã e desentendimento desrespeita a velha cozinheira, como sucede em algumas passagens o e de Histórias de tia nastácia: “pois cá comigo – disse emília – só aturo estas histórias como C u estudos da ignorância e burrice do povo. prazer não sinto nenhum. não são engraçadas, ltu não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras – coisa mesmo de negra ra, U beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto! [...] – Bem se vê que é preta C S e beiçuda! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe?” Similares má- , C criações têm servido de munição para leituras que tomam o xingamento como manifestação ax ia explícita do racismo de Lobato, questão incômoda, de que os estudiosos do escritor têm s d de dar conta. É fora de dúvida que Lobato subscreve preconceitos etnocêntricos e mesmo o S racistas. (LAJOLO, 1988, p. 1). u l, v. 8 Muitas gerações de brasileiros assistiram a representações da Tia Nastácia através , n da atuação de várias atrizes que interpretaram essa personagem negra que ajudou a . 1 6 cuidar dos netos de Dona Benta na fazenda. em 2001, a tV globo reeditou o progra- , ju l./ ma com novos argumentos e, em 2005, lançou como novela infantil que esteve no ar d e z também através do site www.sitio.globo.com, mantendo a personagem tia nastácia. . 2 0 0 9 por outro lado, a apresentadora Xuxa representou enfaticamente o modelo de beleza: magra de cabelos lisos e loiros na década de 80. Maria das Graças Meneghel passa a encantar os baixinhos e, já em 1983, Xuxa apresentou o programa Clube da Crian- ça na Tv Manchete. na Tv Globo, a apresentadora infantil liderou os programas Xou da Xuxa (de 1986 a 1992), Programa da Xuxa (1993), Xuxa Park (1994), Planeta Xuxa (1997), Xuxa no Mundo da Imaginação (2003) e mantém o Tv Xuxa, que es- treou em 2005, disponível em: www.tvxuxa.globo.com. Barreto e silvestri, na pesqui- sa Relações dialógicas interculturais: brinquedos e gênero, ressaltam: ter cabelos louros, lisos e compridos expressa a imaginação coletiva sobre o feminino, tomando como modelo uma estética dominante, etnocêntrica e ideológica, cuja imagem da mulher europeizada, ou americanizada é enaltecida. A distância entre esta aparência e a realidade social miscigenada e tropical contribui para que a imagem, da própria criança, seja desvalorizada, podendo reduzir-lhe a auto-estima, colocando-a em um lugar inferiorizado. (Barreto, 2007, p. 5). 0 No ar desde 1994, representando a brasilidade e sem inserções estrangeiras, o 4 1 programa Castelo Rá-Tim-Bum, da Tv Cultura/sp (disponível em: www.tvcultura. com.br) é uma produção infantil com qualidades técnicas (imagem, som, edição e a ur ritmo) e de conteúdo (padrões sociais, econômicos, políticos e culturais) reconheci- ut F da pelos vários prêmios que recebeu. Na pesquisa Programas educativos de televi- al n são para crianças brasileiras: critérios de planejamentos propostos a partir das a C o análises de Vila sésamo e rá tim Bum, souza (2001) faz uma ressalva: n a eir O episódio “Zula, a menina Azul”, do Castelo, é exemplar no trato do conflito – ou sua sil a distorção/mascaramento pelos programas brasileiros. nele é desenvolvido o tema br o­ “discriminação”, cuja metáfora é o azul (referência ao racismo com possibilidades mais afr amplas de interpretação). os personagens infantis são extremamente cruéis com a menina a ur diferente, a rejeitam, a isolam. No decorrer da trama, e a partir da energética interferência at de um adulto (penélope, a jornalista), aprendem que foram preconceituosos e passam a er o: lit rdeisscpueristaor hee gae mapôrneiccioa rs ao bdreif ear emnçisac icguelntuarçaãlo. praocr iaulm, d leanduon, coia ddeas pfeeclhoso mdao vtirmamenat orse fnoerçgaro os h n no país. Por outro, o preconceito racial não é tratado com especificidade e a vítima do vi di preconceito é uma personagem de fora da trama, apesar de personagem do núcleo A o central ser interpretada por atriz negra (Biba). tal episódio é sintomático da redução da Z. Ifá, pinrcoobrlpeomráanticdao cdroit éraricoiss m“poo lfietiictoa mpeonr tber aconrcroesto qsu”.e B nibãao és oinfrteerrapmre teasdtae ptoipro u dmea eaxtpriezr inêengcriaa,, R. mas não há nada na composição da personagem e da trama do Castelo que a caracteriza h et como uma criança não-branca. ela nunca sofre nenhum tipo de discriminação, o que é b a absolutamente irreal na sociedade brasileira, mesmo nas escolas experimentais. produzida z Eli fundamentalmente por brancos – em geral negros ocupam funções técnicas em televisão se, e não interferem na criação e elaboração da mensagem – a produção educativa também o Br reproduz o mito do racismo cordial. (p. 183-184). P. – a Racismo Cordial, esse foi o nome dado a um caderno especial lançado pela folha Sátir de São Paulo, em 1995. nesse ano, a folha patrocinou uma pesquisa para medir o o, grau de preconceito racial dos brasileiros, por ocasião dos 300 anos da morte de d a h Zumbi dos palmares, assassinado em 1665. em comemoração, o movimento negro c a M brasileiro reuniu-se na esplanada dos Ministérios, em Brasília, na Marcha Zumbi, para reivindicar justiça social e o fim de tais desigualdades e preconceitos, que atingem diretamente os afro-brasileiros e a produção educativa brasileira. novos olhares para a diversidade A contemporaneidade lança novos olhares sobre a diversidade cultural dos vários povos do mundo, ganhando notoriedade com pesquisas científicas e até políticas públicas. Tais mudanças têm incitado novos estudos acerca da relação entre mídia, infância, identidade e cidadania. Essas investigações acolhem recomendações da 1 4 onU como: a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de todas as for- 1 mas de Discriminação Racial (1963); a Declaração de Genebra sobre os Direitos C da Criança (1924); a Declaração Internacional dos Direitos da Criança da ONU o n e (1959); e a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvi- xã o mento da Criança (1990). em síntese, os documentos enfatizam que todas as crian- – C ças devem ter a oportunidade de encontrar a própria identidade, que sejam prepara- om u das para uma vida responsável dentro de uma sociedade livre e que, desde cedo, de- n ic a vam ser incentivadas a participar da vida cultural da sociedade em que vivem. ç ã o e C A inclusão do tema negritude, em contexto que rejeita estereótipos, é encontrada u ltu no livro da antropóloga e escritora gaúcha Lima (2005), em histórias da Preta: ra , U C S Fazia muito frio. Eu precisava pôr luva, o casaquinho marrom de lã e o gorrinho vermelho , C que se espichava num cachecol. toda a manhã era preciso cobrir a pele já rachada pelo a x vento frio e seco. o pior era o nariz que grudava gelado no vidro da janela embaçada, ias olhando a geada que transformava meu quintal em cristal. [...] eu sou a preta. (p. 5). do S u essa projeção de uma negritude não estereotipada, como a da personagem preta, l, v. 8 que ouve a tia dizer em um Brasil de inverno frio: “preta, olha o bolo, os pastéis, a , n calça-virada, a cuca e os canudinhos que fiz para ti!” (p. 8). . 16 , ju l./ A história que rompe com os mesmos rostos, os mesmos gestos, as mesmas dan- d e z ças e os mesmos calores de um país tropical de narrativas reeditadas, também é . 2 0 um dos fundamentos atuais para os estudos sobre infância e culturas no Brasil. o 0 9 movimento de defesa dos direitos das crianças elaborou a emenda popular deno- minada “Criança, prioridade nacional”, dando origem ao artigo 227 da Constituição Federal de 1988, a conhecida Constituição Cidadã. O artigo 227 assegura, entre outras prioridades, o direito à cultura, antecipando as diretrizes da Convenção In- ternacional dos Direitos da Infância (1989). A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente (eCA) é o detalhamento do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e a tradução brasileira da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. O estatuto valoriza a diversidade e, em 17 anos de existên- cia, impulsiona a implantação de políticas de inclusão em todo o país. essa nova ordem mundial leva a um reconhecimento das múltiplas faces da crian- ça brasileira e da diversidade cultural do Brasil. A pesquisa Produção afro-cultural para a criança, orientada pela profa. Dra. Leunice Martins de oliveira, da pUCrs, aponta que, a partir da implementação da Lei 10.639/2003, multiplicaram-se as produções culturais brasileiras que buscam contemplar a cultura negra. essa regra 2 vale para a literatura afro-brasileira infanto-juvenil e para as atividades audiovisuais 4 1 das redes televisivas brasileiras. a ur Nesse contexto de ruptura e de afirmação de uma infância brasileira multicultural, Fut o livro Ifá, o Adivinho dirige-se a um leitor iniciante, seja ele criança ou não, mas al n àquele leitor que começa a conhecer uma das diversas culturas brasileiras: a afro- a C o descendente. n a eir Sobre a afro-descendência, a personagem Preta que mora em uma região fria do sil bra Brasil, reflete “com seus butiás”: o­ afr a Eu fiquei lá, pensando e chupando uva, e ela continuou plantando sementes: Dizem ur que sou afro – etiqueta para todos ou tudo o que é parecido com algo ou alguém da at er África. [...] Afro tem em todos os países. por exemplo, existem os afro-brasileiros, os afro- o: lit americanos, os afro-cubanos, os afro-franceses. Será que tem afro-sueco? Enfim, é o h seguinte: afro vem de se ter origem africana. [...] É assim: para nascer é preciso duas n vi origens, ou seja, o lado do pai e o lado da mãe. [...] também tenho parentes alemães por di A parte de minha outra vó, clara, casada com meu avô negro-índio charrua. Que confusão! o á, (lima, 2005, p. 9). Z. If R. para ajudar a esclarecer essa confusão na cabeça de muitas crianças brasileiras, h et há uma produção literária muito profícua nos últimos anos, no Brasil. o autor pran- b za di escreveu de modo lúdico um texto adaptado para crianças sobre sua vasta pes- Eli e, quisa como professor de sociologia na Usp e publicada pela Companhia das Le- s o tras em 2001: Mitologia dos Orixás. reginaldo é, de certa forma, além de escritor, Br – o tradutor ou o adaptador de Mitologia dos Orixás para narrativas claras para P. a crianças. Esse processo de escrita exigiu que o autor escrevesse várias versões do átir mesmo texto. As atualizações foram lidas para crianças pela antropóloga e educa- S o, dora Rosa Maria Bernardo, e as observações contribuíram para a reelaboração do d a livro, premiado como melhor reconto em 2003 pela fundação nacional do Livro h c Ma infantil e Juvenil. O trabalho foi sincronizado com as ilustrações de Pedro Rafael, também premiado pela fundação nacional do Livro infantil e Juvenil “revelação ilustrador”, em 2003. As ilustrações simulam estampas de tecidos, sugerindo rostos e movimentos que estão em sincronia com o texto. sem invocar antagonismos, metáforas ou ironias, as imagens ampliam detalhes da história, apresentando personagens, cenários e utensílios de adivinhação ou instrumentos musicais. As várias histórias contidas nessa coletânea, Ifá, o Adivinho, tratam da genealogia de vários orixás. ifá, a personagem principal, estabelece conexão entre elas, pois, além de jogar búzios e adivinhar, conta suas histórias. Através do protagonista ifá, 1 4 o leitor saberá mais sobre Iemanjá, os gêmeos Ibejis, entre muitos outros. Algu- 3 mas dessas histórias escritas e pesquisadas por prandi foram adaptadas para o C formato televisivo na série Livros Animados, do programa realizado pelo Canal fu- o n e tura: A Cor da Cultura. xã o – C o m u n o livro ic a ç ã o e A coletânea de histórias sobre ifá anuncia antes mesmo do começo da narrativa C u que é um conjunto de: ltu ra , U C Histórias dos deuses S africanos que , C a vieram para o Brasil xia s com o escravos. (prandi, 2002, p. 1). d o S u o enunciador da obra é, portanto, um conjunto de divindades, cujos mensageiros l, v são humanos que, supostamente, estão em diálogo com elas. esse é o princípio da . 8 , n narrativa mítica. o pacto oferecido ao leitor é o de entrar em uma dimensão de lei- . 1 tura do universo do mito, aquele em que a palavra instaura a criação, e o homem 6, ju está inserido em um cosmos organizado. greimas (1973) pensa esse modelo de l./ d narrativa mítica como sendo relações actanciais que tecem o texto. Seis questões ez mostrariam a matéria-prima dessa malha textual: quem é o destinador da narrati- . 20 0 va, ou seja, quem torna possível a ação? Quem é o sujeito da ação? o que a ação 9 pretende conquistar, ou seja, qual é o objeto da narrativa? Quem ou o que se opõe à ação, ou seja, quais os oponentes do sujeito? Quem ou o que facilita a ação, ou seja, os auxiliares do sujeito? Qual é o destinatário da ação? respondendo a essas perguntas, em Ifá, o Adivinho, antes mesmo da primeira his- tória começar, sabemos que se trata de uma narrativa instauradora de um cosmos, em que as trocas entre os seres humanos e divindades são dados do nível da reali- dade da história. o que não sabemos, ainda é: quem são os protagonistas (sujeitos da ação), seus oponentes, a ação em si e a quem ela se destina. Mas supomos, pela epígrafe, que os heróis sejam os escravos, que o espaço seja o Brasil e que os adjuvantes ou auxiliares sejam deuses de outro continente. o estranho se apresenta: o outro. Ao evocar, já na epígrafe, dois continentes afasta- dos por um oceano e, ainda, mais com o significado do verbo vieram, pressupomos que as ocorrências localizam-se no Brasil, aqui perto, e que as histórias vêm de ou- 4 tro lugar, lá de longe. o outro, aquele que habita lá, atrás do grande oceano, se 4 1 apresenta ao leitor. a ur A primeira história – O adivinho que escapou da Morte – conta que ifá, protagonis- Fut ta, joga 16 búzios, seus objetos mágicos e auxiliares, para ajudar as pessoas a se al n defenderem da morte. essa antagonista, a Morte, espreita os habitantes de um po- a C o voado. ela tem pele branca, é feia e escamosa, seu cabelo é sem cor, desgrenhado n a e quebradiço. o obstáculo da vida de ifá é a Morte. ela quer enfrentar e eliminar o sileir adivinho, para que as pessoas se fragilizem. a br afro­ A ilustração que acompanha esse conteúdo antecipa a ação, mostrando a Morte a em pé, usando cartola, vestes longas, tendo moscas à cabeça, próxima de uma ur at mulher que lava roupas à beira de um córrego. Debaixo da saia larga da lavadeira, er o: lit há um rosto espiando a Morte. h n vi A próxima página expõe o conteúdo dessa imagem: Euá, a bela e misteriosa mu- di o A lher, reconhece o perseguido, ifá, e o acolhe sob suas vestes. euá mente à Morte á, que Ifá havia fugido para dentro da floresta. Euá, a futura mãe de gêmeos,os Ibejis, Z. If protege ifá. R. h et A segunda história: Como Ifá ganhou o cargo de Adivinho, apresenta a personagem b a Eliz exu, um rapaz muito esperto, auxiliando ifá a ganhar o cargo. olorum, o senhor do e, Céu, submeteu ifá a uma prova que consistia em desvendar um enigma: qual pu- s o Br nhado de milho jogado por olorum, um era cru, e o outro, cozido, germinaria. exu, P. – escondido atrás de umas plantas, viu qual dos punhados era o cru e cochichou a uma outra pergunta a ifá, cuja resposta certa era a mesma que olorum esperava Sátir ouvir: Qual era o caminho para a casa de ifá: o norte ou o sul? norte, respondeu o, ifá corretamente às duas perguntas de uma só vez. d a h c a M e a antologia continua com narrativas encadeadas pela personagem principal, per- correndo a trajetória em: A fonte que deu de beber aos filhos gêmeos; O caçador do povo que enfrentou o pássaro tenebroso; Os gêmeos que fizeram a morte dançar; O ferreiro que não queria ser rei; Por que o rei castigou suas três esposas; A Bela sedu- tora que conseguia tudo; Como o Adivinho sabe todas as histórias; Então o Senhor Supremo fez do Adivinho um orixá; No final, como os Orixás vieram para o Brasil. Acrescentadas ao elenco de histórias, as seções informativas – Quem são os nos- sos personagens, os orixás e Nota do autor – explicam ao leitor ou em forma de glossário ou de texto histórico quem são olorum e demais orixás e como suas histó- rias chegaram ao Brasil. olorum disse: 1 4 5 na vida tudo é repetição. Aprende as histórias que C o aconteceram no passado ne x e saberás o que se passa no presente ã o e tudo o que no futuro ocorrerá. (prandi, 2002, p. 45). – C om u O livro finaliza, portanto, com a ideia de totalidade, de coesão e de coerência entre n ic a si dos acontecimentos do mundo. A totalidade dos eventos ocorreria sob a regra da ç ã o repetição, lembrando a ideia cíclica da natureza que teria um tempo próprio. tempo e C que contém passado, presente e futuro simultaneamente. A narrativa articula a co- u ltu existência dos tempos, pois amplia o presente, tornando-se o futuro previsível atra- ra , U vés da interpretação desse presente. C S , C a A narrativa equivale ao todo, em que se inserem de modo harmônico, coeso e coe- x ia s rente cada personagem, cada ação, cada espaço. escrita e ilustração evitam o des- d o necessário. se a personagem se esconde debaixo das vestes de euá, a imagem S u mostra esse esconderijo: lugar enigmático que também abriga a vida que é gerada l, v . 8 para proteger o povo e a vida dos gêmeos Ibejis. A imagem de muitos significados , n mostra o espaço de muitos segredos. . 1 6 , ju Como toda narrativa, Ifá, o Adivinho, organiza no tempo uma sucessão de sujeitos, l./ d e verbos, tempos, modos e objetos. o desnecessário não habita as frases e parágra- z . 2 fos. Sucinto como uma narrativa enigmática sagrada, as orações apresentam o mí- 0 0 9 nimo de palavras para o máximo de significados, por isso, a antologia precisa de notas explicativas no fim. Explicações que pretendem romper com o pacto ficcional e se aliar à realidade, seja à realidade objetiva deste mundo, a histórica, seja a das crenças. Assim, a frase: “e com a ajuda de exu, o Mensageiro, que sabia da vida de todo mundo” (prandi, 2002, p. 46) apresenta o planeta como um povoado, que é circuns- crito, limitado até as fronteiras do que não é esse “todo mundo”. esse mundo dado na história pode ser conhecido em sua totalidade, pois Exu tem a onisciência dessa região que é parte e todo ao mesmo tempo. A mesma pressuposição de que o mundo é pequeno está no fato de ifá ter colecio- nado histórias de cada problema dos seres humanos, animais e orixás. É possível, portanto, que cada problema do mundo seja colecionado por um ser humano, que é capaz de formar um todo com as questões mais importantes de todos os habitan- tes da terra. o tamanho desse universo, desse conjunto de problemas e de histó- 6 rias de vida, tem como critério o tamanho da memória de um ser humano. para 4 1 Chartier,4 em Inscrever e Apagar, “a memória, sem livro, característica de uma cul- tura oral, pôde suprir a ausência do livro”. (Chartier, 2007, p. 81). Ifá, antes de tudo, a ur é um homem que coleciona narrativas sem a materialidade da escrita dos antigos ut F – em suporte de folhas de palmeira, cascas de árvores, folhas de chumbo, tecidos, al n papiros e tabuletas de cera. ifá grava na memória e, assim, soluciona as provas e, a C o elevado a orixá, passa pela morte sem conhecê-la, ou seja, deixa de ser homem e n a participa do grupo dos orixás, usando como instrumento a coleção da totalidade eir sil dos problemas do mundo gravada em sua memória – biblioteca imaterial. a br o­ afr Além de totalidade desse mundo ser do tamanho da memória de um ser humano a especial, o mundo real ainda engloba um outro universo, o do além, que também é ur at compreensível pelos seres humanos através de narrativas organizadoras. essa to- er o: lit talidade nos é dada a compreender por narrativas como as dessa antologia de con- h tos do ifá, escritas por prandi. n vi di A o Há, porém, na página 50, uma grande ruptura do texto ficcional e também do texto á, explicativo histórico. os dois modos de narrar – acerca do possível ou do realmente Z. If acontecido – se esgarça e entra em cena um outro discurso: o informativo de uma R. h realidade supranatural e presente. et b a z Eli O pacto ficcional se deu no tom inicial e distanciado da oração: “Vivia num povoado e, africano um adivinho chamado ifá [...]”, em que “vivia” coloca o leitor em outra di- s o Br mensão temporal diferente daquela do “agora” e longe de um passado de ações – P. concluídas. Conclui-se do texto que vivia é diferente de viveu. ifá não viveu e mor- a reu, mas vivia em um tempo de ações que ainda não terminaram. átir S o, o trecho “num povoado africano” trata de um outro continente e de um povo cujo d a h nome o leitor ainda não foi informado qual é. Algo acontece muito longe daqui, na c a M outra margem do oceano Atlântico e em um tempo não concluído e que não é o presente. 4 Chartier é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e professor especializado em his- tória das práticas culturais e história da leitura. Chartier publicou no Brasil os livros: história da vida privada, v. 3: da renascença ao século das Luzes (Companhia das Letras); Cultura escrita, literatura e história (Artmed); formas do sentido:– cultura escrita: entre distinção e apropriação (Mercado de Letras); Os desafios da escrita (edunesp); A aventura do livro (edunesp); À beira da falésia (ed. da Universidade); Do palco à página (Casa da palavra); A ordem dos livros (UnB); história da leitura no mundo ocidental (Ática); Práticas da leitura (estação Liberdade); O poder das bibliotecas: a memória dos livros no ocidente (sob a direção de M. Baratin e C. Jacob, ed. da UfrJ) e Leituras e leitores na frança do Antigo Regime (edunesp).

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ifá, the fortune teller: african- brazilian literature in .. (Estatuto da Criança e do Adolescente (eCA) é o detalhamento do artigo 227 da. Constituição
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