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Humanismo Libertário e a ciência moderna PDF

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0S GRANDES PROBLEMAS DA ATUALIDADE PETER KROPÓTKINE A QUESTÃO SOCIAL CAPA DE AILSON O HUMANISMO LIBERTÁRIO EM FACE DA CIÊNCIA EDITORA MUNDO LIVRE oE MUNDO LÍ2VRE CAIXA POSTAL 1 (Agência da Lapa) ! , Rio de Janeiro PREFÁCIO DA EDIÇÃO FRANCESA Quando se analisa uma teoria social qualquer, não é difícil ve- rificar, após um ligeiro exame, que ela não representa apenas um programa partidário e um ideal de reconstrução da sociedade, mas algo mais, pois, em geral, é conexa com um sistema qualquer de filosofia — de concepção da natureza e das sociedades humanas. Já tivemos oportunidade de expor esta maneira de ver em duas conferências que em tempo demos (1) sôbre como considerar o socialismo libertário. Nesses dois estudos evidenciávamos as relações existentes entre as nossas idéias e a tendência atual, fortemente acentuada nas ciências naturais, de explicar os grandes fenômenos da natureza pela ação dos infinitamente pequenos — onde, outrora, só se en- zergava a ação das grandes massas, — e, nas ciências sociais, de reconhecer como primaciais os direitos do indivíduo, ao invés dos in- terêsses do Estado que, até hoje, se têm reconhecido como sobrele- vantes âquêles. Pretendemos agora, nesta obra, mostrar que a nossa concepção representa, de fato, uma consegiiência necessária do fragoroso des- pertar geral das ciências naturais que se manifestou durante todo o decurso do século 19. O que nos inspirou o presente trabalho foi precisamente o estudo dêsse empolgante movimento, bem como o das notáveis conquistas alcançadas pela ciência nos últimos anos do século recémjindo. É por demais sabido que os últimos anos do (1) N. do T. — O autor refere-se, de certo, às suas duas conferências seguintes: a primeira, subordinada ao titulo Les Temps Nouveaux, dada em Zondres, publicada em francês em 1894; a segunda, que nada mais é do que uma reedição desenvolvida da primeira, não foi pronunciada mas escrita, intitula-se 1ºAnarchie, sa philosophie, son idéal, publicada em Paris, em 1896, * que já se acha por nós trasladada ao português. 6 PETER KROPÓTKINE A CIÊNCIA MODERNA Ei século findo se caracterizaram por notáveis progressos nas ciências tas precedentes um aspecto inteiramente nôvo e abriam novos ho- naturais, e a um tal desenvolvimento devemos a descoberta da te- rizontes à ciência fazendo surgir novas questões de alto alcance legrafia sem fios, o conhecimento de uma série de radiações que filosófico. dantes eram ignoradas, a existência de um grupo de gases inertes E onde certos sábios, impacientados ou dominados pela influên- inadaptáveis a quaisquer combinações químicas, a revelação de novas cia de uma educação primária, pretendiam ver “uma bancarrota formas elementares da matéria viva e assim por diante. E, por da ciência” (2), víamos nós tão sômente um fato normal, muito fa- tudo isso, fomos levados a estudar a fundo essas novas conquistas miliar aos matemáticos, o que êles chamam a passagem de uma da ciência. primeira aproximação às seguintes. Ai por 1891, quando estas ruidosas descobertas se faziam com Continuamente, é fato, vemos o astrônomo e o físico demons- uma rapidez incrivel, o editor da revista londrina Nineteenth Cen- trarem, sob a denominação de “leis físicas”, a existência de certas tury, Sr. James Knowles, propunha-nos continuarmos na sua revista relações entre diversos fenômenos, e para estudar, em suas parti- a série de artigos que, sôbre a ciência moderna, publicava então cularidades, as aplicações dessas leis, não faltam investigadores de- Huxley, o famoso êmulo de Darwin, que, por motivos de saúde, se vira forçado a abandonar. Fácil é de compreender porque, durante cididos e competentes. muito tempo, relutamos em aceder a êste convite. Mas, q breve trecho, à proporção que os fatos se acumulam por novas pesquisas, êsses investigadores descobrem que a lei estudada É que os assuntos científicos que Huxley tomava por temas não constitutam meras palestras literárias, mas estudos sérios de ciência nada mais é do que uma primeira aproximação, donde a concluir- em cada um dos quais explorava a fundo duas ou três grandes se que os fatos que se pretendia explicar por ela são, na verdade, muito mais complexos do que a princípio pareciam ser. questões cientificas de suma importância que êle debatia admirá- velmente, dando ao leitor, em um estilo compreensivo, a análise Para tomarmos um exemplo assaz conhecido, citaremos as cha- cerrada e crítica das descobertas modernas em que essas questões madas leis de Kepler concernentes ao movimento dos planêtas em incidissem. Knowles insistia e, para facilitar o nosso trabalho, ainda volta do Sol. Um estudo minucioso dos movimentos planetários a Royal Society nos enviava convite especial para assistirmos às confirmou, a princípio, a exatidão dessas leis; provou-se, efetiva- suas memoráveis sessões. mente, que os satélites do Sol se movem, grosso modo, ao longo das Afinal acabamos cedendo e durante um decênio, desde 1892, es- elipses em que o Sol ocupa um dos focos. Porém, agora descobre- crevemos uma série de artigos sob o título “Recent Science” para a se que q elipse descrita é apenas uma primeira aproximação. referida Nineteenth Century, até que uma cardite declarada nos Na realidade, os planêtas, na sua trajetória ao longo das elípses, forçou, como sucedera ao nosso antecessor, a adiurmos êsse árduo sofrem diversos desvios por efeito da ação que uns sôbre os outros trabalho. Eu E exercem. Feito o estudo dêsses desvios, puderam os astrônomos Levados assim q estudar com profundeza as extraordinárias des- chegar à uma segunda e a uma terceira aproximações, que vieram, cobertas dos últimos anos, chegamos « um duplo resultado. Por um lado, graças à aplicação do método indutivo, observávamos como as novas descobertas, de uma importância incalculável para a in- (8) N. do P. — Alusão à um célebre artigo, que tanta celeuma produ- terpretação da natureza vieram sobrepor-se às que haviam nota- miu, do escritor francês Ferdinand Brunetiere, convertido ao catolicismo, bilizado os anos de 1856-1862, e como um estudo mais penetrante “ quando de uma sua visita ao Papa Leão 13, publicado pela primeira vez na das grandes descobertas levadas a cabo nos meados do século por je deLsaDSeoulxe-ncMeondetes,la eRmelijgainoeni,rop,ubdleic1a8d9o5,eemm1a9i1s6 tpaerldae lrieveradriitaaddoenPoersreiun Mayer, Grove, Wiirtz, Darwin e tantos outros, davam às descober- 09, que, alho, valo a pena ser lido. PETER KROPÓTKINE A CIÊNCIA MODERNA 9 naturalmente, a corresponder melhor do que a primeira aos movi- e de pura dialética, por que fogos de artifício de linguagem, o re- mentos reais dos planêtas (3). presentante classificado dessa corrente filosófica chega às suas te- E” precisamente o que, na faze atual dos conhecimentos hu- merárias conclusões. manos, se dá com as ciências naturais. Verificadas as grandes des- O segundo dos resultados a que chegamos no estudo dos re- cobertas da indestrutibilidade da matéria, da variedade das espécies, centes progressos das ciências naturais e no reconhecimento de ser da unidade das fórças físicas e da sua consegiiente ação sôbre a cada nova descoberta que surge uma nova aplicação do método in- matéria animada como sôbre a inanimada, e as demais que, por dutivo, foi ver como as idéias anarquistas, formuladas por Godwin brevidade, deiramos de mencionar, as ciências, que, nas suas mo- e Proudhon e desenvolvidas por seus continuadores, representavam dalidades especiais, estudam as consegiiências dessas descobertas, igualmente a aplicação dêsse mesmo método às ciências que tratam procuram neste momento as segundas aproximações que, com maior da vida das sociedades humanas. perfeição, correspondam às realidades da natureza. Trataremos de demonstrar na presente obra, em primeiro lugar, As pretensas “falências da ciência”, que filósofos modernistas até que ponto o desenvolvimento da idéia anarquista marchou pa- exploram vastamente na época atual, são, por natureza, simples- ralelamente com os progressos das ciências naturais. Indicaremos mente a investigação das segundas e terceiras aproximações a cujo em seguida como e porquê a filosofia do anarquismo se destaca nas estudo, após o período culminante das grandes descobertas, a ciên- tentativas recentes de elaboração de uma filosofia sintética, isto é, cia, como lhe cumpre, dedica particular atenção. de uma interpretação geral do Universo (5). Deliberamos, para me- Não vamos deter-nos agora a discutir as obras dêsse parco nú- lhor compreensão das referências feitas no texto do livro, pôr em cleo de filósojos rutilantes, porém, superficiuis, que procuram tirar «apêndice notas explicativas a respeito dos diversos autores citados partido das inevitáveis indecisões das ciências na sua fase forma- e de alguns têrmos de ciência, julgando, com isso, satisfazermos a tiva para nos inculcarem a intuição mística e promover o descré- natural curiosidade do leitor. dito da ciência em geral perante um auditório que não tem a ca- Cumprimos, finalmente, o indeclinável dever de exprimir aqui pacidade precisa para verificar a exatidão das suas soporíferas cri- os nossos mais veementes agradecimentos ao nosso amigo Dr. Max. ticas. Não repetiremos aqui o que fica dito no texto dêste livro Nettlau pelo inestimável concurso que nos prestou, especialmente na acêrca dos abusos contumazes que os metafísicos fazem do método elaboração dessas Notas, com os seus vastos conhecimentos da li- dialético. Ao leitor que, porventura se interesse por tais questões, t eratura socialista e anarquista em que é profundo e emérito cultor. indicaremos a obra preciosa de Hugh S. R. Elliot, Modern Science and the Illusions of Professor Bergson (A Ciência Moderna e as Brighton, fevereiro de 1913. Ilusões do Professor Bergson) com um excelente prefácio de Ray Lankester, publicada em Londres, em 1912, pelos editôres Longman PETER KROPÓTKINE. & Green (4). Nessa obra se poderá ver por que métodos arbitrários (8) N. do T. —Emabôno do que expende Kropótkine, podemosenumerar. somo uma;das referidas aproximações, a teória da relatividade restrita, exposta, * mustentada pelo sábio matemático alemão Einstein. (4) N. do T. — HENRI BERGSON, filósofo francês, autor de muitas (0) N. do 7, — Sobre este particular chamamos a atençã o do leitor obras em quo procura instituir, à moda da filosofia oriental, o método da OM capítulos em que o autor expõe e critica admirávelmente a filosofia intuição psicológica, como base da aquisição de conhecimentos, Morbert Spencer, o notável pensador britânico. 1. A CIÊNCIA MODERNA E O HUMANISMO LIBERTÁRIO 1. ORIGENS Originariamente o anarquismo não procede de uma determinada descoberta científica nem assenta em um sistema definido de filoso-. fia. As ciências sociológicas estão ainda muito longe Ca fase de cer- teza a que já chegaram, por exemplo, a física e a química. Ora, se no estudo dos climas e do tempo (climatologia e meteorologia) ainda não conseguimos com exatidão prognosticar com um mês, ou sequer uma semana, de antecipação as condições meteorológicas que se vão suceder, seria absurdo, evidentemente, pretender, com os dados de uma ciência informe como é a Sociologia, que contende com matéria. infinitamente mais complexa do que o vento e a chuva, prognosticar, com a mesma exatidão, os fenômenossociais. Antes de tudo lembre- mo-nos de que os sábios, como quaisquer outros, homens, estão su- jeitos ao êrro, com a agravante de pertencerem, na sua maioria, às classes abastadas e, em consegiência, participarem dos preconceitos “ca classe, além do fato de muitos viverem a expensas do Estado. É, ato, de tôda a evidência que O anarquismo não procede, nena proceder, das universidades. O O socialismo, e em geral todos os movimentos de caráter: | O anarquismo originou-se do povo e só conservará a vitali- Sórça criadora que lhe são inerentes enquanto se mantiver |peculiaridade de movimento popular. 12 | PETER KROPÓTKINE A CIÊNCIA MODERNA 13 Através de todos os tempos verifica-se que, no seio das sociedades Ao lado dessas duas classes, havia ainda uma terceira, a dos: “humanas, duas correntes de pensamento se têm encontrado constan- chefes temporários dos bandos de combate, a quem se atribuia a temente em luta antagônica. posse Cos segredos mágicos do êxito das batalhas, do envenenamento: De um lado, as massas, o povo, elaboravam, no decurso da sus, das armas e de vários outros segredos militares. “existência, sob a forma de costumes, certo número de instituições necessárias, a fim de tornar exequível a vida social, a manutenção Estas três categorias de homens constituiram sempre entre si, desde tempos imemoriais, sociedades secretas com o fim de manter da paz, o ajustamento das contendas e a prática do auxílio-mútuo, em tôdas as circunstâncias que exigissem um esfôrço combinado. Os e transmitir, após uma longa e penosa iniciação, os segredos das: costumes tribais entre os selvagens, as comunidades rurais e, mais suas fundações e de seus ofícios. Se algumas vêzes se combatiam. tarde, as guildas, corporações industriais nas cidades da Idade Média, acabavam sempre, no fim de contas, por se entenderem maravilhosa- que assentaram os primeiros elementos do direito internacional sôbre mente, uninco-se, por diferentes modos e formas, para dirigir e do- os quais estabeleceram assuas mútuas relações — essas e muitasoutras minar as massas, mantê-las na obediência, governá-las e obrigá-las a. trabalharem para êles. instituições foram elaboradas e aperfeiçoadas, não pelos legisladores mas pelo espirito criador das massas. Das duas citadas categorias, é evidente que o anarquismo repre- De outro lado, medraram sempre entre os homens os magos, os senta a primeira delas, isto é, a fôrça criadora e construtiva das. xâmanes, os feiticeiros, os reptadores de chuva, os oráculos e os massas que, no passado, elaboraram as instituições de direito comum sacerdotes, que foram, pelaordem natural das coisas, os primeirosmo- para melhor se defenderem de uma minoria agressiva e de instintos nopolizadores de um rudimentar conhecimento da natureza e os fun-. dominacdores. E também por essa mesma fôrça criadora e constru- dadores dos diferentes cultos — do sol, da lua, das fôrças naturais, tiva, apanágio do povo, cem o poderosa auxílio que lhe prestam a dos ancestrais que serviam perfeitamente de elo mantenedor da ciência e a técnica modernas que o anarquismo procura, nos tempos unidade federativa das tribos. atuais, estabelecer as instituições necessárias que garantam o livre Nêsses tempos, os primeiros germes do estudo na natureza —— desenvolvimento da sociedade, em oposição àaquêles que depositam. a astronomia, a previsão do tempo, o conhecimento das doenças etc. tôdas as suas esperanças em uma legislação feita por minorias go- — andavam estreitamente ligados a diversas superstições contidas vernantes e por rígida disciplina imposta às massas. nos diferentes ritos e cultos. Tôdas as artes e ofícios tiveram esta Podemos, portanto, afirmar que, nesse sentido, houve sempre origem de estudos e de superstições e, aqueles como estas, tinham suas anarquistas e estatistas. fórmulas místicas, só conhecidas dos iniciados e mantidas cuidada- Demais, é da história outro fato que, uniformemente, se tem samente ocultas das massas para evitar o acesso ao seu conhecimento. “observaco: que as instituições, mesmo as melhores, originariamente Concomitantemente com êstes incipientes representantes da reli- mbelecidas para efetivarem a igualidade, a paz e O auxílio mútuo, gião e da ciência havia uma classe de indivíduos que, como os bardos petrificam na extensão da sua caducidade. Perdem êsses institu- entre os celtas e os gálios, os brehons da Irlanda, os pregoeiros da lei a finalidade que lhes deu origem para cairem sob bo domínio de nas povoações escandinavas, etc., eram tidos por peritos em matéria, minoria ambiciosa e tornarem-se, por fim, um trambôlho ao de- Ce usos e costumes antigos a quem se recorria em casos de discórdia vimento ulterior da sociecade. Surgem, então. isoladamente, ou de conflito. Conservaram mnemônicamente os preceitos da lei duos que, se rebelam .contra tais institutos. E enquanto alguns que algumas vêzes exprimiam por meio de certos sinais que vieram tontes se revoltam contra uma instituição, já fastidiosa, pro- «depois a ser os germes da escrita, e em caso de contendas era para do fazê-la evoluir no interêsse coletivo ou promovendo a queda “éles, como arbitros, que se apelava. uma autoridade absolutamente alheia à instituição e incrustaca. A CIÊNCIA MODERNA 15 14 PETER KROPÓTKINE Ao lado, porém, desta corrente autoritária, uma corrente simul- nela com o propósito de se lhe sobrepôr por todos os meios, outros, ao tâneamente se afirmava impulsionada pela necessidade de proceder contrário, procuram, a todo o transe, atacar essas mesmas institui- a uma revisão das instituições estabelecidas. De tempos remotos, ções — a tribo, a comuna rural, a guilda, etc. — com o único intuito desde a antiga Grécia até à época presente, houve sempre indivíduos «de se colocarem fóra e acima delas, a fim de melhor poderem dominar e correntes de pensamento e de ação que se esforçavam, não por subs- os outros membros da sociedade e locupletarem-se a expensas suas. tituir uma autoridade particular por outra, mas por demolir a pró- Todos os verdadeiros reformadores sociais, políticos, religiosos ou pria autoridade que, subrepticiamente, se havia imiscuído nas insti- econômicos, pertencem à primeira das duas categorias enunciadas. tuições populares, sem dar margem a que se fundasse outra em seu É indubitável que entre êsses reformadores se encontraram sempre lugar. Prociamavam êles concomitantemente a soberania do indivi- indivíduos dispostos a irem além, pouco se lhes dando terem ou não Cuo e do povo e diligenciavam libertar as instituições populares das o consenso unânime cos seus concidadãos ou sequer da, minoria. excrescências autoritárias com o intuito de restituir ao espírito cole- Aquêles, todavia, sem esperarem pela adesão dêstes à causa que os tivo das massas a sua plena liberdade para que o gênio popular impulsionava, quer absolutamente sós, individualmente, se não eram pudesse livremente reconstituir de nôvo os institutos de auxílio seguidos pelos demais, quer, quando possível, em grupos mais ou mútuo, de proteção recíproca, na conformidade das novas necessi- menos numerosos, marchavam avante no caminho da insurreição dades e condições ca existência. Nas cidades da Grécia antiga e espe- contra tôda a espécie de tirania. cialmente nas da Idade Mécia, como Florença na Itália e Pskov na Revolucionádios desta têmpera depará-los-emos em tôdas as Rússia européia e outras mais, encontramos fartos exemplos dêste épocas da história. Basta compulsá-la. gênero de lutas. Todavia, fácil é de ver que em qualquer período histórico os Assim se pode dizer, sem receio de contestação, que jacobinos (6) revolucionários se distinguem por dois aspectos diferentes. Uns, e anarquistas têm sempre existido de permeio nas hostes de refor- «embora em revolta contra a autoridade opressora aninhada no seio madores e revolucionários. da sociedade, não procuravam Ce modo algum destruir a própria auto- Formidáveis movimentos populares, característicamente anarquis- ridace, propunham-se simplesmente a conquistá-la em seu favor. tas, se produziram nos tempos passados. Vilas e cidades inteiras se Em substituição a um poder que se tornara. tirânico, pretendiam cons- Bublevaram então contra o princípio governamental, contra todos os tituir um poder nôvo de que fóssem exclusivos detentores sob a fa- “Órgãos do Estado, seus tribunais e suas leis e proclamavam aberta- gueira promessa, da melhor boa fé enunciada, de que a nova auto- ente a soberania dos direitos do homem. Denegavam tôda a les ridade em suas mãos se devotaria deveras aos interêsses do povo, ta e afirmavam categóricamente que cata um deveria governar- -que ela constituiria a sua verdadeira representação, promessa tal que por sua própria consciência. Procuravam assim fundar uma nova depois era, fatalmente esquecida ou traída, dade baseada nos principios de igualdade, &e completa liberdade Assim se constituiram a autoridade imperial na Roma dos Césa- trabalho, res, a autoridade da Igreja nos primeiros séculos da nossa era, O O movimento cristão que se produziu na Judéia sob o império poder dos ditadores nas cidades,já então decadentes da Idade Média, o contra a lei romana, contra o Estado romano e a moral da e outros análogos. A mesmaidéia diretriz persiste na Europa, tratan- | Ou melhor, a imoralidade desenfreada que então campeava Inquestionávelmente, fortes laivos de anarquismo. Mas, pau- do da constituição da autoridade real, já nos últimos tempos do feu- «dalismo. A fé em um imperador — um César — deeleição popular e destinadoa servir o povo, não Cesapareceu ainda de todo, prevalece do 7, — vide esta palavra nas Notas Explicativas no fim do «em nosso dias. 16 PETER KROPÓTKINE A GIÊNCIA MODERNA 17 Jatinamente, êsse movimento degenerou em movimento sectário que mento das suas idéias. Não ousaram declarar-se positivamente con- operou a formação da Igreja, traçada nos moldes da Igreja hebráica. tra O que constitui a fórça real co capitalismo: o Estado e seus admi- e até da própria Roma imperial, o que, naturalmente, matou tudo o nículos — a centralização da autoridade, a lei, feita sempre por uma que O cristianismo no seu início tinha de anarquismo, deu-lhe formas pmriinnocriipaaleemscospeou éexacludseifveosaprdoaveaiutto,oriedacdeertea dfoorcmaapdeitjuastilça., cuje romanas e, râpidamente, veio a constituir o esteio principal da auto- ridade, do Estado, da escravdão e da apressão. Contrariamente a essa atitude, o anarquismo não se deteve onde Os primeiros germes de oportunismo introduzidos no cristianis- o socialismo parou: foi além, na critica dessas anacrônicas institui- mo são já palpáveis nos quatro evangelhos e nos Atos dos Apóstolos, ções. Ergue o braço sacrílego, não só contra o capitalismo, mas tam- senão na sua primitiva redação, ao menos nas versões que dêsses bém contra os pilares em que êle assenta: a Lei, a Autoridade, o Estado. escritos temos nos livros que constituem o Nôvo Testamento. , Igualmente, o movimento anabatista que, a bem dizer, inaugurou e fêz a Reforma, tinha um fundo eminentemente anarquista. Porém, DO MOVIMENTO esmagado pelos próprios reformados que, sob a regra de Lutero, se INTELECTUAL DO SÉCULO 18 haviam mancomunado com os príncipes contra os camponêses revol- tados, êsse movimento foi sufocado pelo extermínio, em larga escala, Embora o anarquismo, como todos os movimentos revolucioná- adêsses mesmos camponêses e dos cidadãos mais pobres da cidade Ron surgisse dentre o povo, do tumulto das lutas em prol das reivin- -— os da ralé, como lhes cnamavam. Em consegiiência, a ala direita dicações sociais, e não de um estudo científico ou do trangiilo gabi- dos reformados foi degenerando aos poucos até ao ponto de erigir nete do sábio, é importante, todavia, determinar o lugar que ocupa, wm compromisso solene entre a, consciência e o Estado que ceu em entre as Giversas correntes do pensamento científico e filosófico moderno. resultado a fundação do Protestantismo tal como hoje existe. Sumariando q que ficou dito: o anarquismo originou-se da ativi- Qual é a atitude do anarquismo em relação a essas diversas cor- dade criadora e construtiva das massas, que, em épocas remotas, rentes? Sôbre qual se apoia de preferência? De que método de inves- souberam elaborar tôda as instituições sociais da Humanidade, e tigações se serve para comprovar as suas conclusões? Por outras não só nisso assenta, mas nas revoltas incividuais e coletivas contra palavras: a que escola da filosofia do direito pertence o anarquis- os representantes da fôrça extrinseca a essas instituições, nas quais, mo? Com que corrente da ciência moderna tem maior afinidade? quando lhes bolem, é tão somente para as utilizar em seu único Em face da fatuídade palavrosa da metafísica econômica, priva- proveito. dos círculos marxistas, a resposta a estas questões reveste-se de Todos os rebeldes cujo ideal haja sido, porventura,a reintegração, considerável interêsse. 'Trataremos, pois, de analisá-las de modo no gênio criador das massas da necessária liberdade para poderem into, tão simplesmente quanto possível, evitando, no que evitável desenvolver, ao máximo da sua expansão, tôda a originalicade que O emprêgo de têrmcs técnicos para, não dificultar a compreensãa as caracterizava de modo a efetivarem essas instituições exigidas junto. pela época, estavam, evidentem ente, insuflados do espírito anarquista . movimento inte lectual do século 19 derivou diretamente da Nos tempos modernos, o anarquismo nasceu do mesmo protesto B filósofos escoceses e francêses de meados e fins do século crítico e revolucionário de que procedeu o socialismo em geral. É to, verdade que uma certa fração de socialistas, depois de haverem che- Wportar do pensamento que se produziu nessa época animou gado até à negação do capital e da sociedade baseada na escraviza- Wtores do desejo de englobar todos os conhecimentos huma- cão do trabalho ao capital, se detiveram neste ponto do desenvolvi- 9 sistema geral, — o sistema da natureza. Repudiando 18 PETER KROPÓTKINE A CIÊNCIA MODERNA 19 inteiramente a escolástica e a metafísica medievais, tiveram a audá- gciõaesde—ciooncmeubnerdoadnaastuersetrzealaes,motóndoasssoassissutaesmacosmoplalre,xaosnmoasnsiofegsltoabo- soôbsraeberbagseenseraelsitzraidtoa,meonutesecjiaenatíffiiclaoss,ofiraepdeoliundnoi,vercsoonseegdiaienstueamevnitdea,, dteardreásquheou,maonacsasesnôvbroelviamesnutpeorfdíacsiepldaantTaes,rrados—anciommaoisuemadassérsioecidee- etxôpdlaiscaarstcoodnosstrousçõfeesnmôemteanfoíssipcaesladaasçãfoildóessofsoassamnteesrmiaorsesfeôrpçraoscufríasincdaos ifdaêtonsticqaueà ppoordeqmuesesreeessttuudaddaoms,asemciêsnucaiasinntaetgurraaliisd,ade, de maneira e(vaoçlõueçsãoe droeagçlõoebsomteecrârensitcraes.) suficientes para explicar a origem e a maétfaoErdmmopidrcáeivegenatlínfdioocbo,rlaairsdtgooaméee,nsttoued,moéctdooedmotioindntoedsiurtoaisvporg-ordfueipdcuoitsêincvidoae,emfopatrvoeeserndqadudeeeriarmao dporêsSCaiosnpttoearm-asneãdooquhMeauvqneudraonadcoohnaNdoaopmoeeelmdãeotôD1de.ºuase,axpLsrauepaslsaoocuberaatLesarôipbalraescieompaElxespusoamseisnçutãreo- tnaast,urqeuzear naoos doofsereacneimaaiesx,amqeu,erquaeor dpaesrtcerneçnaçmasaooumudnadsoindsatsiteusitçrõêe-s mreastpeomnádtiidco:o f“êNzãmoaitsivee mneelcheosrsi:danduencdaesrseacohrirpeóuteasoes”,chaPvoõreésmdaomgertaantdi-e ehsutmuaPdnraairmsiea,iraoas,bqsuorelesugttiõasemtseanvdtaeemcipcêanocciiame,enfstíemsmiocean,mteodoos pToartoq ue u mc naturalista opsibrcesatc,aurproaorssdfeeamttiro-sácseodmmopsrseuqaeunafsioãsrosmeadoocscounflcetrnaeôtgmaeerncaoolsmmoeenqtaueainantciiadnpacadocemispdarmdeeeennsdsueãráoivnoetiuesr.a- veiqaudaandiondsueçãloa.nçaFvoarmmualoavtearmrecneartdaasshgiepnóetraese s, lOama-tnroibupiealma dLeapluamcededuiss-pcernisaoduor.a metafísica, como dispensado havia a hipótese maior importâ ncia da que Darwin atribuia à a respei- Ainda que a sua Exposition du Systeme du Monde não contenha cpteoalpdaaNazeeaxossirsidhtgêienpecómfitoaed,rseneoesucneoeràvmaidusteimdeqaasusp,eéecxMiêpeeslssniedcspeaolçpreãeeonmfsefpairdoodovairdvseaaósriàav .i»am| t ohiipras ó o tr eisósdeuipcndao.eas.içltõureat-as mescíáxávtpleicrlucilamaosis,qrumicasalattqcoeuaemé,ráutemliseacittaoobdsrealiseencsifetdôrrésuisíaaedsso,eecssoocpnrsadirmtisaaçaõtseeesmmpáedtlleaiicniooggbsuuraaaplgudeedammedreiaentqemenu,ltairçgmeõíaveiesdlsu,mataaasrctdeeoes-u,- ebsatluhdoo—subdsoegsiifeanttose,qpueelocesleeus saegrfuipzaesmseen.to, de ,| facilitar o pmoarimsenqouraenst,idpaednessadnaddoasn,atãsouaexoabtraa!mente tinha Laplace, em todos og tdaivredrNesãooscoenoflqviuiredmaavtdaeamrs,iapmpeolradéems,suearq,uaeppolritaciassçuãaosuvpêoazs,içuõemexsap: peOlosdeperrocfmeaastisosos OfrqanuceesLeaspldaoceséfcêuzlopa1r8a, naomleicmâinteicadocselecsotne,hefciizmeernatmo-snodoas féiploócsao,- pstfeeaôórssrssilaeecidmosooanpsuaetlcudoareuadcisuasatd,siivniodsh.atoosdAéusa,asgivceemorn,niefsraitasclaainhçztiãaepoçóõeteexexsaspteepisrrdoiãlvome,aveadnmat!sa,l e O cdheegahadaravisearmqeumea in(tq»o uedeefdahozáisaemmunitatisom,edenlrtíeocniuhasnucmdiaoasndoosseàussqupaerfeicdroemncaseçtsõisetosureempsueeraqpmuseienc,otlmeoagiimsae.tatfairHsdaei-,. Quando a centro do movimento filosófico do século 18 foi 5 encontrar nos trabalhos do filósofo alemão Kant. É por de. deslocado da Inglaterra e da Escócia para a França, decidiram os filósofos franceses, com aquela clara percepção de método que ds distingue, erigir, segundo um plano geral e sôbre 08 mesmos princi. pios, o esquema de todos os conhecimentos humanos, quer ts turais, quer de ordem histórica. Intentaram, desde logo, edificar é 20 PETER KROPÓTKINE CIA MODERNA 21 categórico, lei universal — em vêz do fato palpável, conhecido de viicda social. O senso moral na espécie humana tem essa origem tôda a gente, que se pretende exnlicar, e de que o filósofo alemão tão não outra Ron arredio ancou. E evidente que aos enciclopedistas franceses não podiam satisfa- Do exposto resulta que não mudaram de método os pensadores zer semelhantes explicações envoltas nas frases empoladas da pura do século 18 quando, nos seus estudos, passavam do mundo dos metafísica. Coma seus predecessores escoceses e britânicos, repugna- aasntirmoasise edodsêsctoerpaoos dfoísihcoosmeemq,uídmeicsodse,oaodedsaenvviodlavidmaesntpoladnatsasfoermdaoss va-lhes, para explicar a origem do conceito do bem e do malno homem, econômicas e politicas da sociedade até à evolução do sentido moral, inserir uma palavra onde faltavam idéias como dizia o grande das religiões etc. ' Goethe. Para cescobrir o porquê dessa concepção, foram levados, naturalmente, a estudar o próprio homem em quem a idéia se mani- O métoco permanecia sempre o mesmo. Em todos os ramos da festava e, como já haviam feito Hutcheson em 1725 e depois Adam ciência aplicavam uniformemente o método indutivo. Reconhecera Smith na sua melhor obra, 'The Origin of Moral Feeling (Origem do se, finalmente, que nem no estudo das religiões, nem no da análise Sentimento Moral), acharam que o sentimento moral no homem tem do sentimento moral nem nos domínios do pensamento em geral, sua origem no sentimento de piedade e no da simpália que expe- se encontrava um único caso em que êsse método falhasse ou outro rimentamos por todos os que sofrem. Provém tal senti Ito da nossa viesse a sobrepôr-se como necessário para a completa explicação dos capacidade de identificação com o próximo, ao pom eghegarmos fatos ocorridos. Em nenhuma circunstância se viram êsses pensado- a sentir como que uma verdadeira dôr fisica se |bm nossa res na contingência de recorrer a concepções metafísicas inspiradas presença, bater em uma criança, pois, sem dúvida, & matureza, por qualquer ser superior (alma imortal, imperativo categórico, tórca vital, lei universal) ou a qualquer método dialético. Daí, instintivamente, se revoltará contra tal proceder, Partindo dêste gênero de observações e de fatos anúlogos, geral- consegientes, procurarem interpretar o universo integral, com tôda mente conhecidos, os enciclopedistas, por êsse modo, garam a a sua fenomenalidade, por um único processo, um só método, na atitude de verdadeiros naturalistas. formular as mais largas generalizações e assim, pelo u dos fatos mais simples, explicaram de verdade a origem do sentimento moral No transcurso Gêsses memoráveis dias do despertar do pensa- mento científico, os enciclopedistas ecificaram essa, obra monumen- como fato complexo que é. O que, porém, êles nunca fizeram toi tal que se chama a Enciclopédia. Laplace publicava o seu estupendo pôr, em vez de fatos conhecidos e compreensíveis, palavras incom- Sistema do Mundo e o Barão d'Holbach o seu formidável Sistema da preensíveis e obscuras que não explicam absolutamente nada, tais Natureza. Lavoisier afirmava o princípio da indestrutibilidade da como as de imperativo categórico ou de lei universal, matéria, o mesmo é dizer da energia e Co movimento; Lomonossoff, E óbvia a vantagem do emprêgo do método dos eneielopedistas, na Rússia, inspirado, sem dúvida, em Bayle, esbocava já nessa época como o acabamos de expôr. Em vez debuscar uma inspiração lá do a teoria mecânica do calor; Lamarck, o grande naturalista francês, alto, em lugar de inquirir uma origem sobrenatural, fóra € acima da explicava a origem da infinita variedade das espécies de plantas e Humanidade, para explicar a origem do sentimento moral, procla- animais por suas adaptações aos diversos meios; Diderot, o famoso mavam, como coisa averiguada, que o sentimento de piedade, de dilósoto francês dos fins do século 18, dava uma explicação racio- simpatia, de que o homem é dotado, herdou-o êle de seus antepas- mal das origens do sentimento moral da Humanidade, dos hábitos sados desde remotas origens, o que as observações próprias em moralidade, das instituições primitivas e das religiões, sem recor- seus semelhantes lhe confirmavam diariamente, desenvolvido e à estafada idéia de uma inspiração divina; Rousseau, o genial aperfeiçoado gradativamente através das idades pela experiência da jador, intentava explicar a formação das instituições políticas

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