Daniel Borrillo Homofobia História e crítica de um preconceito Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira autêntica Copyright ©2000 PressesUniversitaires de France Copyright desta edição @2010 Autêntica Editora TITULOORIGINAL L'homophobie TRADUÇÃO Guilherme João deFreitas Teixeira PROJETOGRÁFICO DECAPA Diogo Droschi EDITORAÇÃO ElETRONICA Alberto Bittencourt REVISÃO CeciliaMartins EDITORARESPONSÁVEL RejaneDias 7 Prefácio aestaedição Revisadoconforme oNovo Acordo Ortográfico. 13 Introdução Todososdireitos reservadospelaAutêntica Editora.Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meiosmecânicos, eletrônicos, sejaviacópiaxerográfica, sem 21 CapítuloI:Definições equestões terminológicas aautorizaçâo prévia daEditora. 24 Homofobia irracional ehomofobia cognitiva AUTÊNTICA EDITORA 25 Homofobia geral ehomofobia específica RuaAimorés, 981, 8°andar. Funcionários 30 Homofobia, sexismo eheterossexismo 30140-071 .BeloHorizonte. MG 34 Racismo, xenofobia, classismo ehomofobia Tel:(55 31) 3222 68 19 TELEvENDA0s8:00 283 1322 www.autenticaeditora.com.br 43 CapítulolI:Origens eelementos precursores 45 Omundo greco-romano 48 A tradição judaico-cristã Dados Internacionais deCatalogação na Publicação (CIP) (Cãmara Brasileira do Livro. Sp,Brasil) 57 A Igreja Católica contemporânea ea condenação Borrillo, Daniel da homossexualidade Homofobia :história ecritica de um preconceito / Daniel Borrillo ; [tradução deGuilherme JoãodeFreitasTeixeira].-BeloHorizonte: Autêntica Editora, 2010. - (EnsaioGeral, 1). 63 CapítulollI:Asdoutrinas heterossexistas ea ideologia homofóbica Título original: l'homophobie. ISBN978-85-7526-456-0 64 A homofobia clínica 1.Discriminaçãocontrahomossexuais2.Homofobia 3.PreconceitosI. 73 A homofobia antropológica Título. 11.Série. 76 A homofobia liberal 10-03240 CDD- 300 78 A homofobia "burocrática":ostalinismo Indices paracatálogo sistemático: 1.Homofobia :Preconceitos: Sociologia 300 82 A homofobia emseuparoxismo: o "holocaustogay" 87 Capítulo IV:As causas da homofobia 88 A homofobia comoelemento constitutivo da identidade masculina Prefácio a esta edição 90 A homofobia,guardiã dodiferencialismosexual 94 A homofobia eofantasma dadesintegração psíquica esocial 96 Apersonalidade homofóbiea 100 A homofobia interiorizada Hornofobia 105 Conclusão: Recursos para lutar contra ahomofobia Muitos fenômenos sob o mesmo nome 107 Aprevenção da homofobia Prof. Dr. Marco Aurélio Máximo Prado· 113 Apunição doscomportamentos homofóbicos 120 A leicontraahomofobia eaidentidade gay Ahomofobia como termo para designar uma forma de pre 121 Referências conceito eaversão àshomossexualidades em geral tem selança do na sociedade brasileira com alguma força política, conceitual eanalítica nos últimos anos. Ainda que, do ponto devista histó rico e analítico, não revele mais a complexidade das formas de hierarquização sexual, violência epreconceito social, éum con ceito que hoje carrega um sem-número de sentidos efenômenos que ultrapassam asua descrição conceitual primeira. O conceito tem sido utilizado para fazer referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio ou medo) em relação às homossexualidades. No entanto, en tendê-Io assim implica limitar a compreensão do fenômeno e pensar o seu enfrentamento somente a partir de medidas voltadas a minimizar os efeitos de sentimentos e atitudes de "indivíduos" ou de "grupos homofóbicos': deixando de lado as instituições sociais que nada teriam aver com isso. Desde que foi cunhado, em 1972, em referência ao "medo expresso por heterossexuais de estarem em presença de ho mossexuais", o conceito passou por vários questionamentos e ressignificações (JUNQUEIRA, 2007). No entanto, o termo, *Coordenador doNúcleo deDireitos Humanos eCidadania LGBT(lésbicas,gays, bissexuais, transexuais, travestis etransgêneros) daUniversidade Federal deMinas Gerais.BolsistadoCNPq edaFapemig. Professor doPrograma dePós-Graduação emPsicologia daUniversidade Federal deMinas Gerais. 7 apartir de meados dos anos 1970, ganhou notoriedade eco e preconceito sexual. Ao demonstrar as particularidades da nheceu considerável êxito, especialmente nos países do Nor homofobia individual, social, na cultura enas instituições, este te, e foi adquirindo novos contornos semânticos e políticos. livro abre novas oportunidades de pesquisa ecompreensão das Além de ser empregado em referência a um conjunto de ati lógicas de hierarquização einferiorização social. tudes negativas em relação ahomossexuais, o termo, pouco a A homofobia tem se revelado como um sistema de humi pouco, passou a ser usado também em alusão a situações de lhação, exclusão eviolência que adquire requintes a partir de preconceito, discriminação e violência contra pessoas LGBT. cada cultura e formas de organização das sociedades locais, já Passou-se da esfera estritamente individual e psicológica para que essa forma de preconceito exige ser pensada apartir da sua uma dimensão mais social epotencialmente mais politizadora. interseção com outras formas de inferiorização como o racis Mais recentemente, verifica-se acirculação de uma compreen mo eo classismo, por exemplo. Nesse ponto, Daniel Borrillo é são da homofobia como dispositivo devigilância das fronteiras insistente, ao evidenciar que ahomofobia se alimenta da mes de gênero que atinge todas as pessoas, independentemente da ma lógica que as outras formas de violência e inferiorização: orientação sexual, ainda que em distintos graus emodalidades. "desumanizar o outro e torná-Io inexoravelmente diferente". Este livro, oportunamente traduzido para o português, Nesses termos, olivro que ora oleitor tem em mãos apresenta acompanha o movimento de atualização do preconceito se um debate afinado de como oacirramento das diferenças, mui xual na sociedade contemporânea. Para além da origem psí tas vezes, ocupa disfarçadamente alógica de exclusão social. quica das fobias, Daniel Borrillo não só traz para o debate as Na sociedade brasileira ainda temos pouco conhecimento origens históricas da homofobia, mas também enfatiza a in sobre a homofobia. Sim, sabemos que ela existe tanto atra tensa relação entre a homofobia individual e as formas de ho vés de dados empíricos, de pesquisas quanto pela lógica da mofobia institucional, jurídica e social. Nesse ponto, cabe-nos experiência. No entanto, estamos em um momento bastante ressaltar um dos aspectos que merecem ser sublinhados neste contraditório: sabemos que ela existe, mas sabemos tão pouco livro: asua atualidade, marcada por uma compreensão da com sobre como ela funciona e quais as suas dinâmicas ao se ar plexa relação entre as instituições, acultura, as leis eos indiví ticular com outras formas de inferiorização. Compreender o duos quando setrata de compreender ahomofobia muito além funcionamento da homofobia, sobretudo quando é evidente de qualquer sentimento de aversão individual de cunho psi que opreconceito não só reside nos indivíduos, mas também cológico. Aí, sem dúvida, podemos perceber a importância de se articula na cultura e nas instituições, é fundamental para uma abordagem para ofenômeno da homofobia ao considerar aprimorar as formas de enfrentamento e desconstrução de também que as instituições revelam-se espaços de produção, suas práticas violentas esilenciosas. reprodução eatualização de todo um conjunto de disposições Éainda no campo do não nomeado edo não pensável que (discursos, valores, práticas, etc.) por meio das quais aheteros ahomofobia, como mecanismo que éproduto eprodutor das sexualidade éinstituída evivenciada como única possibilidade hierarquias sexuais (RUBIN, 1984), das violências e das na legítima de expressão sexual ede gênero (WARNER,1993). turalizações das normas de gênero (BUTLER,2006), reside e No Brasil, o livro de Daniel Borrillo vem sendo bastante se sustenta. Não nomeado porque sua descrição é de difícil utilizado, mesmo sem uma tradução para o português até o apreensão e não pensável porque não refletida pelos sujeitos momento, eganhou importante espaço em debates entre gru epelas instituições. pos de pesquisa e ativistas, exatamente pela sua atualidade ao Nossa compreensão éade que o duplo aspecto da norma, evidenciar asrelações entre indivíduos esociedade numa cum discutido por Butler (2006) a partir de Foucault, evidencia o plicidade silenciosa eperversa sobre asformas de inferiorização quanto anorma implica diretamente aformação eorientação 8 Homofobia Prefácioaestaedição 9 dasações,mastambém anormalização violenta que alimenta praticado por indivíduos, grupos eideologiasquepactuam em aconstrução de coerções sociais com relação àsposições se algum nívelum mundo do sensívelque excluieinclui!Exclui xuadas. Dessamaneira, abriga aíaviolência danormalização, porque o consentimento sempre pressupõe a exclusão de ou aqual cria oterreno do não pensável edo silêncio para avio trassociabilidades.Eincluiporque busca,atravésdapolíticado lência homofóbica, já que aesta corresponde certa coerência armário edopreconceito,integrar nasbasesdoconsentimento que seencontra implícita no cotidiano da cumplicidade entre asubalternização dealgunsgrupos eindivíduos. indivíduos einstituições, como bem evidencia Borrillo neste Estamos, portanto, diante de um fenômeno pouco explo rado no seufuncionamento ebastante complexo, exatamente livro.Assim, aspraticas homofóbicas seinstituem como pré reflexivas,etrazer atona essemecanismo éurgente na socie porque não se localiza num âmbito só, nem indivíduo nem dade brasileira. sociedade. Ele se articula em torno de emoções, condutas, Aprática daviolência homofóbica é,então, dedifícildiag normas edispositivos ideológicos einstitucionais, sendo ins nóstico nas sociedades atuais, oqueneutraliza possibilidades trumento que cria ereproduz um sistema de diferenças para de enfrentamentos. Aí reside outro aspecto importante da justificar a exclusão e a dominação de uns sobre os outros (PRADO;ARRUDAT;OLENTINO2,009). obra de Borrillo, pois através da história e da categorização Encarar a homofonia, nesta perspectiva, exige muito de da homofobia como forma de violência e humilhação com todos nós. Umbom começo oleitor terá aquinotrabalho que, cumplicidade jurídica, científica, cultural e institucional, o apesar derecente, setornou clássico.Atravésdele,oleitor terá autor nos ajuda a dar nomes no terreno do não pensável e recursos para nomear formas de preconceito até então resi do não nomeado. Ou seja, é através do preconceito homo dentes no terreno do impensável. fóbico como elemento de conservação cognitiva esocial das hierarquias invisibilizadas que seconstrói edinamiza oterre no do impensável. Portanto, seestenão serevelacomo limite da percepção eda cultura, mas sim como uma violência que esconde aviolência da não nomeação, elemento fundamental na manutenção das hierarquias sociais pré-reflexivas, neces sário setorna oseuenfrentamento através da nomeação eda reflexãode suadinâmica defuncionamento. Essa tarefa poderá ser encontrada com algumas pistas no trabalho deBorrillo, oqual consegue, aoir além da conceitu ação das fobias, descortinar ao leitor os muitos mecanismos da homofobia nas sociedades ocidentais. Dessa forma, o au tor nos ajuda apensar opreconceito como um paradoxo que busca esconder outro paradoxo: a historicidade e a contin gência dasrelaçõessociais (PRADO;MACHADO2,008). Assim, pensar a homofobia exige-nos compreender essas práticasdopreconceito não comomeramente individuais,mas, sobretudo, como consentimentos daspráticas sociais,culturais e econômicas que constituem uma ideologia homofóbica. A homofobia pode ser pensada como um consentimento social 10 Homofobia Prefácioaestaedição 11 Introdução "'-> A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os ho mossexuais; portanto, homens ou mulheres. Segundo parece, o termo foi utilizado pela primeira vez nos EUA, em 1971; no entanto, ele apareceu nos dicionários de língua francesa somente no final da década de 1990:para Le Nouveau Petit Robert, "homofóbico" éaqueleque experimenta aversãopelos homossexuais;l por sua vez, em Le Petit Larousse, a "homo fobia"é a rejeição da homossexualidade, ahostilidade siste mática contra oshomossexuais.2 Mesmo queseucomponente primordial seja,efetivamente, arejeição irracional e,atémes mo,oódio emrelação agayselésbicas,ahomofobia não pode serreduzida aesseaspecto. Do mesmo modo que axenofobia, o racismo ou o antis semitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos. Crime abo minável, amor vergonhoso, gosto depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodo ma - outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Confinado no papel do marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela 1 Em sua edição de 1993, ele inclui somente o termo "homofóbico'; mas não "homofobiâ: "Homo'; elemento decomposição, antepositivo, deriva dogregohomós, quesigni fica"semelhantê; "igual";adistinguir deseuhomônimo "homo'; nominativo latino dehomo,hominis, ouseja,"ohomem'; "ogênero humano'; "umhomem': (N.T.). 2 Essesdoistermos aparecem, pelaprimeira vez,nasuaedição de 1998. I- 13 norma social como bizarro, estranho ou extravagante. Eno Por ser um atributo da personalidade, a homossexualidade pressuposto de que o mal vem sempre de fora, na França, a deveria manter-se foradequ~lquer intervenção institucional; homossexualidade foi qualificada como "vício italiano" ou do mesmo modo que a cor da pele, a filiação religiosa ou a "vício grego",ou ainda "costume árabe" ou "colonial".À se origem étnica, ela deve ser considerada um dado não perti melhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, nente na construção política do cidadão ena qualificação do o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com sujeito dedireitos. quem éimpensável qualquer identificação. Ora, de fato,seoexercíciode uma prerrogativa ou afrui A recente preocupação com a hostilidade contra gays e ção de um direito deixaram de estar subordinados à filiação as lésbicas modifica a maneira como a questão havia sido real ou suposta, a uma raça, a um ou ao outro sexo, a uma problematizada até aqui: em vez de sededicar ao estudo do religião, a uma opinião pública ou a uma classe social, em comportamento homossexual, tratado nopassado como des compensação, ahomossexualidade permanece um obstáculo viante, aatenção fixa-se, daqui em diante, nas razões que le à plena realização dos direitos. No âmago desse tratamento varam aatribuir talqualificativo aessaforma desexualidade. discriminatório, ahomofobia desempenha um papel impor Demodo queodeslocamento do objeto deanálise para aho tante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, mofobia produz uma mudança tanto epistemológica quanto consequência direta dahierarquização dassexualidades, além política: epistemológica porque setrata não tanto de conhe de conferir um status superior à heterossexualidade, situan cer ou compreender aorigem eofuncionamento da homos do-a no plano do natural, do que éevidente. sexualidade, mas de analisar ahostilidade desencadeada por Enquanto a heterossexualidade é definida pelos dicioná essa forma específica de orientação sexual; epolítica porque rios (Le Grand Robert, 1992;Le Petit Robert, 1996) como a deixa de ser a questão homossexual (afinal de contas, banal "sexualidade (considerada como normal) doheterossexual" e doponto devista institucional),3 mas precisamente aquestão estecomo aquele "queexperimenta uma atração sexual (con homofóbica que, apartir de agora, merece uma problemati siderada como normal) pelos indivíduos do sexooposto",por zação específica. sua vez, a homossexualidade está desprovida de tal norma Independentemente de tratar-se de uma escolha de vida lidade. Nos dicionários de sinônimos, nem há registro da sexual ou de uma questão de característica estrutural do de palavra "heterossexualidade"; em compensação, termos tais sejoerótico por pessoas do mesmo sexo,ahomossexualidade como androgamia, androfilia, homofilia, inversão, pederastia, deve ser considerada, de agora em diante, como uma forma pedofilia, soeratismo, uranismo, androfobia, lesbianismo, safis de sexualidade tão legítima quanto aheterossexualidade. Na mo e tribadismo sãopropostos como equivalentes ao de "ho realidade, ela é apenas a simples manifestação do pluralis mossexualidade': EseLe Petit Robert considera que um hete mo sexual, uma variante constante eregular da sexualidade rossexual ésimplesmente o oposto de um homossexual, este humana. Enquanto atos consentidos entre adultos, os com é designado por uma profusão de vocábulos4: gay, homófilo, portamentos homoeróticos são protegidos - pelo menos, na pederasta, veado, salsinha, michê, boiola, bicha louca, tia, san França - como qualquer outra manifestação da vida privada. dalinha, invertido, sodomita, travesti, lésbica, maria homem, homaça, hermafrodita, baitola, gilete, sapatão, bissexual. Essa 3 Abanalização institucional implica que osgrandes aparelhos do poder norma lizador - taiscomo areligião, odireito, amedicina ouapsicanálise - renunciem aabordar aquestão homossexual; deste modo, osgays easlésbicas têm apos 4 Vocábulos citados no original: gay, homophile, pédéraste, enculé, folle, homo, sibilidade de criar, individualmente, sua própria identidade ede negociar suas lope,lopette, pédale, pédé, tante, tapette, inverti, sodomite, travesti, travelo, les contribuições auma cultura específica. bienne,gomorrhéenne, tribade,gouine, bi,àvoileetàvapeur. (N.T.). 14 Homofobia Introdução 15 desproporção no plano da linguagem revela uma operação ele é objeto da atenção dos médicos e deve submeter-se às ideológica que consiste em nomear, superabundantemente, terapias que lhe são impostas pela ciência, em particular, os aquilo que aparece como problemático e deixar implícito o eletrochoques utilizados no Ocidente até a década de 1960. que, supostamente, éevidente enatural. Sealgumas formas mais sutis dehomofobia exibem certa to Adiferença homo/hétero não ésó constatada, mas serve, lerância em relação alésbicas egays,essa atitude ocorre me sobretudo, para ordenar um regime dassexualidades em que diante a condição de atribuir-Ihes uma posição marginal e os comportamentos heterossexuais são os únicos que mere silenciosa, ou seja, a de uma sexualidade considerada como cemaqualificação demodelo socialedereferência para qual inacabada ou secundária. Aceitana esferaÍntima davida pri quer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo vada, ahomossexualidade torna-se insuportável ao reivindi biológico (macho/fêmea) determina um desejo sexual unÍvo car,publicamente, suaequivalência àheterossexualidade. co (hétero), assim como um comportamento social especí Ahomofobia é o medo de que avalorização dessa iden fico (masculino/feminino). Sexismo ehomofonia aparecem, tidade seja reconhecida; ela se manifesta, entre outros as portanto, como componentes necessários do regime binário pectos, pela angústia de ver desaparecer afronteira eahie das sexualidades. A divisão dos gêneros e o desejo (hétero) rarquia da ordem heterossexual. Ela se exprime, na vida sexualfuncionam, depreferência, como um dispositivo dere cotidiana, por injúrias epor insultos, mas aparece também produção da ordem social, enão como um dispositivo dere nos textos de professores e de especialistas ou no decorrer produção biológica da espécie. Ahomofobia torna-se, assim, de debates públicos. A homofobia é algo familiar e, ainda, aguardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto consensual, sendo percebida como um fenômeno banal: de gênero (masculino/feminino). Eis por que os homosse quantos pais ficam inquietos ao descobrir a homofobia de xuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homo um(a) filho(a) adolescente, ao passo que, simultaneamente, fóbica,que acabavisando, igualmente, todos aqueles que não ahomossexualidade de um(a) filho(a) continua sendo fonte aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, de sofrimento para asfamílias, levando-as, quase sempre, a bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas defortepersona consultar um psicanalista? lidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam Invisível,cotidiana, compartilhada, ahomofobia participa grande sensibilidade... do senso comum, embora venha aculminar, igualmente, em A homofobia é um fenômeno complexo e variado que uma verdadeira alienação dos heterossexuais. Por essas ra pode ser percebido nas piadas vulgares que ridicularizam o zõeséque setorna indispensável questioná-Ia no que dizres indivíduo efeminado, mas elapode também assumir formas peito tanto às atitudes eaos comportamentos quanto a suas maisbrutais, chegando atéavontade deextermínio, como foi construções ideológicas. Oqueéahomofobia? Quais sãosuas o caso na Alemanha Nazista. À semelhança de qualquer for relações com as outras formas de estigmatização? Quais são ma de exclusão, a homofobia não se limita a constatar uma suas origens? De que modo eapartir de quais discursos fo diferença: ela a interpreta e tira suas conclusões materiais. ram construídas a supremacia heterossexual eadesvaloriza Assim, seohomossexual éculpado dopecado, sua condena çãocorrelata dahomossexualidade? Como definir apersona çãomoral aparece como necessária; portanto, aconsequência lidade homofóbica? Quais sãoosrecursos ànossa disposição lógica vai exigir sua "purificação pelo fogo inquisitorial': Se para lutar contra essa forma de violência? No decorrer dos eleéaparentado ao criminoso, então, seu lugar natural é,na quatro capítulos deste livro, vamos tentar responder a essas melhor das hipóteses, o ostracismo e,na pior, apena capital, questões, enossa conclusão éapresentada sobaforma depro como ainda ocorre em alguns países. Considerado doente, posição de ação. 16 Homofobia Introdução 17 Começaremos nosso estudo pela análise das definições problematização se elabora atualmente. As citações históri possíveis edosproblemas terminológicos encontrados quan cas,assim como asreferências teóricas do discurso homofó do se trata de circunscrever o fenômeno homofóbico. Além bico,sãonecessariamente incompletas esuscetíveis de serem disso, para compreender melhor o alcance da questão e de aprofundadas. Ahostilidade contra todas asformas de"trans suasprincipais implicações, vamos colocá-Ia sob aperspecti gressões sexuais" e,em particular, contra ahomossexualida vadeoutras formas deexclusão,taiscomo oracismo, oantis de,étão antiga quanto acivilizaçãojudaico-cristã; o simples semitismo, osexismo ou axenofobia. recenseamento detaismanifestações exigiriavários volumes. Emumsegundomomento,vamosdedicar-nos aoestudodas Osexemplos pontuais extraídos da História têm aúnica fina origensdoódiohomofóbico.Arelativatolerância queomundo lidade de ilustrar uma demonstração teórica, sem qualquer pagãohaviareservadoàsrelaçõeshomossexuais contrasta,con pretensão de ser um estudo exaustivo. Em vez de pesquisa sideravelmente, com a hostilidade do cristianismo triunfante. sociológica, análise psicológica ou ensaio jurídico, esta obra A condenação da sodomia na tradição judaico-cristã - pedra apresenta obalanço atual sobre aquestão dahomofobia. angular do sistemarepressivo - aparececomo oelemento pre cursor fundamental dasdiferentesformasdehomofobia. Analisaremos, em seguida, aideologia heterossexista vei culada pelas principais doutrinas que substituem anoção de "vício sodomítico" pela noção de "perversão sexual" e que, daí em diante, consideram a homossexualidade como um "acidente na evolução afetiva", uma "regressão da cultura amorosà: uma "simples escolha de vida privadà: um "vício burguês" ou um "perigo para araçà: Jánão será em nome da ordem natural, nem em nome da religião que gayselésbicas serão objeto das perseguições, mas em nome da psiquiatria, da antropologia, da consciência de classee/ou da higiene do 3°Reich,que,aosubstituir ateologia, hão dereatualizar, com eficácia,oódio homofóbico. Adupla dimensão daquestão, rejeiçãoirracional (afetiva), por um lado, e,por outro, construção ideológica (cognitiva), obriga-nos a considerá-Ia no plano individual e no social. Assim, as predisposições psicológicas da personalidade ho mofóbica eos elementos do meio circundante heterossexista serão objeto da quarta parte deste livro. Por último, à guisa de conclusão, vamos nos interessar pelas estratégias institucionais, preventivas e/ou repressoras, suscetíveisdelutar contra essaforma específicadehostilidade ede exclusão. Aúnica pretensão deste livro consiste em fornecer alguns elementos de reflexão a propósito de um fenômeno cuja )-, 18 Homofobia Introdução 19