Homens e Armas Recrutamento militar no Brasil Século XIX Miquéias H. Mugge Adriano Comissoli (Organizadores) Homens e Armas Recrutamento militar no Brasil Século XIX 2a edição (E-book) OI OS EDITORA 2013 ©2011– Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau Caixa Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965 [email protected] www.oikoseditora.com.br Editoração: Oikos Revisão: Luís M. Sander Capa: Juliana Nascimento Imagem da capa: Arte sobre pintura de Rudolf Wendroth Arte-final: Jair de Oliveira Carlos Impressão: Rotermund S. A. Conselho Editorial: Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia) Arthur Blasio Rambo (UNISINOS) Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL) Danilo Streck (UNISINOS) Elcio Cecchetti (ASPERSC) Ivoni R. Reimer (PUC Goiás) Luis H. Dreher (UFJF) Marluza Harres (UNISINOS) Martin N. Dreher (IHSL e CEHILA) Milton Schwantes (UMESP) Oneide Bobsin (EST) Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha) Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE) H765 Homens e armas [recurso eletrônico]: recrutamento militar no Brasil – Sé- culo XIX / Organizadores Miquéias H. Mugge e Adriano Comissoli. [2. ed.] – São Leopoldo: Oikos, 2013. 256 p.; il.; 16 x 23cm. E-book, PDF. ISBN978-85-7843-326-0 1. Recrutamento militar. 2. História – Brasil. I. Mugge, Miquéias H. II. Comissoli, Adriano. CDU 355.211.2 Catalogação na publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184 Sumário Apresentação .......................................................................................7 Ajudado por homens que lhe obedecem de boa vontade: considerações sobre laços de confiança entre comandantes e comandados nas forças militares luso-brasileiras no início do oitocentos..................13 Adriano Comissoli É verdade tudo quanto alega o suplicante: os pedidos de isenção do serviço militar durante a Guerra Cisplatina (1825-1828) .................39 Marcos Vinícios Luft Vestir o uniforme em índios e torná-los cidadãos. Reflexões sobre recrutamento militar, reclassificação social e direitos civis no Brasil imperial ...............................................................................65 Vânia Losada Moreira Interesses em disputa: a criação da Guarda Nacional numa localidade de fronteira (Alegrete, Rio Grande do Sul) ................95 José Iran Ribeiro Luís Augusto Farinatti Da fuga dos exércitos à fuga para os exércitos: Meandros das estratégias cativas em tempos de guerra no sul do Império (Guerra Civil Farroupilha, séc. XIX)................................................. 113 Daniela Vallandro de Carvalho Foi indispensável chamar a Guarda Nacional: os dramas e os subterfúgios do tributo de sangue no Brasil imperial ................... 145 Flávio Henrique Dias Saldanha As Guardas Nacionais e seus comandantes – um ensaio comparativo: as províncias de Buenos Aires e do Rio Grande do Sul (século XIX) .... 169 Leonardo Canciani Miquéias H. Mugge Recrutamento, negociação e interesses: as dificuldades de mobilização da Guarda Nacional fluminense durante a Guerra do Paraguai ........... 207 Aline Goldoni Recrutamento para a Marinha brasileira – República, cor e cidadania.. 235 Álvaro Nascimento 6 Homens e Armas: Recrutamento militar no Brasil – Século XIX Apresentação Prof. Dr. Hendrik Kraay Universidade de Calgary Na sua coletânea de poesias publicada em 1864, o vate satírico baiano João Nepomuceno da Silva publicou alguns versos “pedindo a soltura de um pobre guarda nacional ao Comandante Superior a quem imputaram o furto de duas espingardas”: Antes vos venho humilhado Por quem é, hoje o livreis Fiado em vossa ternura Da triste presúria insana, Pedir-vos hoje a soltura Pois quem ao tratante engana, D’um infeliz desgraçado. Tem cem anos de perdão. Senhor, da triste prisão, Salvai o prisioneiro, Que valem as espingardas Que bem merece perdão Que o pobre guarda furtou? Pois trabalha sem dinheiro. Se mais de sessenta guardas, A nação lhe não pagou? Ele é um pobre soldado, Já que serve voluntário, Segundo no que se exprime Ao cruel crime nefário Nossa lei – culpa o não dou, O perdão lhe seja dado. E só quem elas comprou Ele é pobre, e viu que veio Cometeu mais duro crime. Após dele a precisão, Seja então já desculpado Se havia furtar o alheio, O soldado por que fico, Antes furtar da nação. E em seu lugar recrutado Seja o Chuchu Frederico. 7 Apresentação Numa nota de rodapé, o poeta explica que Chuchu Frederico era “um ferreiro que costumava comprar espingardas da nação”.1 Não se sabe se a intervenção do poeta nessa questão de disciplina na Guarda Nacional baiana ajudou o infeliz guarda, mas os versos abrem uma visão oitocentista sobre os temas desta coletânea. Como é sugerido pelo empenho de Nepomuceno em favor do guar- da, o Exército, a Guarda Nacional e a Marinha eram integrados à socieda- de oitocentista. O estudo deles é imprescindível para compreender temas consagrados da historiografia, como a formação e a natureza do Estado imperial que exigia o tributo de sangue (o recrutamento forçado para o Exército e a Marinha) e o serviço litúrgico na milícia cidadã (as 60 guardas não remuneradas prestadas pelo “infeliz desgraçado”). A constituição de 1824 obrigava todos os cidadãos a pegarem em armas para defender o Im- pério, mas os seus belos artigos não foram suficientes para dotar os solda- dos da cidadania plena. Recrutavam-se de preferência “vadios”, crimino- sos como o “Chuchu Frederico” do poeta, ou os clientes dos inimigos polí- ticos. A análise das forças armadas é também um dos pontos de acesso à experiência dos homens livres pobres e de cor que, segundo as observações de inúmeros viajantes, dominavam as fileiras das três instituições. As guer- ras, os recrutamentos e a própria existência das instituições militares, final- mente, abriram espaços para a fuga de escravos. Não se trata, enfim, de corporações enclausuradas nos seus quartéis, alheias à sociedade. A farta documentação sobre o recrutamento para as forças armadas encontrada nos arquivos oitocentistas bem demonstra a sua forte presença na sociedade brasileira. O Estado imperial era um “voraz consumidor de traba- lho compulsório para as suas empresas públicas e militares” (p. 239), no di- zer de Álvaro Pereira do Nascimento, mas a composição social das forças armadas não era só o resultado dos esforços das autoridades policiais e dos conselhos de qualificação da Guarda Nacional. Também contribuíam para ela as juntas médicas que inspecionavam os recrutas (e devolviam os inca- pazes), os comandantes da Guarda Nacional e da milícia que protegiam os 1SILVA, João Nepomuceno da. Satyras. Rio de Janeiro: Typographia de D. Luiz dos Santos, 1864, p. 22-23. 8 Homens e Armas: Recrutamento militar no Brasil – Século XIX seus clientes, bem como os presidentes que acatavam os requerimentos de pelo menos alguns dos que procuravam a mais alta autoridade provincial em busca de isenções, baixas ou proteção das arbitrariedades perpetradas pelas autoridades. Os resultados de tantos esforços eram parcos: De uma população que chegava a 10 milhões de habitantes livres no final do Império, mal se conse- guia manter um Exército de 10 a 20 mil praças em tempos de paz, aos quais devem ser acrescentados cerca de 3 mil marinheiros. A Guarda Nacional parecia mais bem-sucedida, com mais de 400 mil homens qualificados em 1864,2 mas, como demonstram Aline Goldoni e Flávio Henrique Dias Sal- danha, era impossível designar ou destacar contingentes que não passavam de uma pequena porcentagem dessa força. Em fins de 1866, o Estado redu- ziu sua atuação ao expediente de incentivar a alforria de escravos para derro- tar a pequena república inimiga. No Brasil oitocentista, não houve a constru- ção de um Estado moderno através da mobilização de recursos humanos e materiais para fins militares, o modelo clássico de Charles Tilly. Apesar das guerras enfrentadas pelo Brasil, o Estado imperial permanecia “oco”, sem grande capacidade de mobilização,3 não obstante o volume impressionante de documentação sobre o recrutamento e a qualificação, que tem atraído o interesse dos pesquisadores nos últimos 15 ou 20 anos. Os nove capítulos dessa coletânea abordam aspectos do recrutamen- to imperial e apontam novos temas que ainda merecem estudos aprofunda- dos. Entre eles, destaca-se a questão das relações sociais nos âmbitos locais, nas quais atuavam instituições como a milícia e a Guarda Nacional. Tanto para Adriano Comissoli quanto para José Iran Ribeiro e Luís Augusto Fa- rinatti, as relações pessoais, de clientelismo e de parentela eram mais im- portantes do que as instituições formais. No pequeno efetivo militar da pro- víncia de São Pedro (Rio Grande do Sul) no início do século XIX, segundo Comissoli, havia “uma fusão entre a hierarquia coercitiva das forças arma- 2BRASIL, Ministério da Justiça. Relatório, 1864, p. 235. 3Sobre esses temas, ver CENTENO, Miguel Angel. Blood and Debt: War and the Nation-State in Latin America. University Park: Pennsylvania State University, 2002; TOPIK, Steven. The Hollow State: The Effect of the World Market on State-Building in Brazil in the Nineteenth Century. In: DUNKERLEY, James. Studies in the Formation of the Nation State in Latin America. London: ILAS, 2002, p. 112-32. 9
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