Arthur C. Clarke pertence àquela categoria, não muito numerosa, dos escritores-profetas, que no campo da ficção cientifica têm como antecedente ilustre um autor do porte de Júlio Verne. Os modernos sistemas de comunicações mundiais via satélite foram descritos em minúcias por Clarke em 1945, sendo seus planos recebidos com ceticismo mesmo por especialistas. Vinte anos depois, esses planos se materializaram no lançamento do primeiro Early Bird. Posteriormente, Clarke se fez escritor, conferencista, explorador submarino e intérprete da ciência para o público leigo, e só para este público sua atividade como autor de ficção supera sua atuação como cientista, membro de associações como a Royal Astronômical Society (Sociedade Astronômica Real) e a British Interplanetary Society (Sociedade Interplanetária Britânica), que ele ajudou a fundar. Um de seus contos, Sentinela, serviu como base para 2007, uma odisséia no espaço, o filme de ficção científica de maior êxito popular na história do cinema; outro, Superioridade, é há vários anos usado como texto didático no Massachusetts Institute of Technology. Pode-se dizer de Clarke que ele possui uma extraordinária capacidade para estar onde ocorre a aventura e de ser capaz de narrá-la com mestria. Como todo escritor, vale-se de sua biografia como base ficcional. Na primeira das histórias que compõem esta coletânea, ele se refere ao episódio de sua antecipação dos satélites de comunicação, tomando-o como fulcro para a previsão melancólica da dissolução dos costumes nos Estados Unidos. E sua experiência como explorador submarino serve como pano-de-fundo para o conto Ódio, um dos contos mais carregados de tensão neste livro. Em ambos, o mundo é a velha Terra. Mas, dentro da tradição do gênero, Clarke constrói a mesma tensão, às vezes insuportável, em histórias como Verão em Ícaro, No interior do cometa, O nascer de Saturno ou Antes de Éden, em que os mundos se distanciam cada vez mais do berço dos exploradores. Felizmente, é uma tensão generosamente temperada de humor.