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História, ficção, literatura PDF

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HISTÓRIA. FICÇÃO. LITERATURA LUIZ COSTA LIMA História. Ficção. Literatura 1" reimpressão -~- COMPANHIA DAS LETRAS Copyright© 2006 by Luiz Costa Lima Capa Angelo Venosa Índice temático e onomástico Luciano Marchiori Preparação Guilherme Salgado Rocha Revisão Isabel Jorge Cury Carmen S. da Costa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lima, Luiz Costa História. Ficção. Literatura I Luiz Costa Lima. - São Paulo : Companhia das Letras, 2006. Bibliografia ISBN 978-85-359-0857-2 1. Literatura -História e critica 2. Literatura e história 3. Historiografia 4. Teoria literária I. Título. 06-4147 CDD-907.2 lndice para catálogo sistemático: 1. Historiografia 907.2 [2011] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002-São Paulo -SP Telefone: (n) 3707-3500 Fax: (n) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br Hohe Cultur verlangt, manche Dinge ruhigunerkliirt stehen zu lassen. [A alta cultura requer que algumas coisas permaneçam tranqüila mente não esclarecidas.] Friedrich Nietzsche (1876) Nachgelassene Fragmente 1875-1879, Giorgio Colli e Mazzino Montinari (orgs.), DTV - Walter de Gruyter, Berlim-New York, 1988, 356 [ ... ] Die Sprachschwierigkeit im Unterscheiden kann den Unters chied der Sachen nicht aufheben. [ [ ... ] A dificuldade em diferençar verbalmente as coisas não deve suprimir a diferença entre elas.] Immanuel Kant (1788) ("Über den Gebrauch teleologischer Prinzipien in der Philosophie"), Kants Schriften zur Asthetik und Naturphilosophie, Manfred Frank e Véronique Zanetti (orgs.), Deutscher Klassiker Verlag, Frankfurt a.M., 1996 acompanha de nenhuma formulação teórica. Justifica-se praticamente por livrar do esquecimento (lethe) aqueles cujos feitos nomeava. Mas isso não é uma justificação teórica. Ao contrário, os discursos que, a seguir, se diferenciam do epos homérico, seja o historiográfico, seja, sobretudo, o filosófico, trazem consigo essa pretensão. Enquanto a filosofia, especializando-se, desde seu princípio, em pensar o pensamento, estabelecia uma complexa rede conceitua!, com Heródoto e logo Tucídides, a escrita da história contentava-se em separar se de Homero e registrar o que ouvira e vira, ou apenas o que lhe fora contem porâneo. Sua diferença com a épica e os gêneros poéticos que se acrescentam por certo existe, embora seja muito pouco desenvolvida. Que segurança havia na alétheia que a escrita da história se empenhava em registrar? De qualquer modo, ao passo que os gêneros poéticos, sobretudo a tragédia, hão de esperar pela Poética aristotélica, o próprio hístor oferecia uma margem de justificação não só prática. Contudo, conquanto minimamente enunciada, essa pequena margem ainda diminuiria, fosse porque a Poética não encontrou continuadores à altura, fosse porque a historiografia romana pouco se interessou em desenvolver aquele mínimo que herdou dos gregos. Eis que nos deparamos com o centro de gravidade que estará presente em todo este livro: a carência de uma reflexão comparativo-contrastiva entre a poesia e a história. Não parece exagero dizer que essa carência será um dos estigmas do Oci dente. Haverá momentos, como o que longamente se desenrola entre Roma e a volta renascentista de investimento nas letras antigas, em que a diferença, embora não de todo esquecida, submerge ante o prestígio da retórica. Outro, ao invés, a que corresponderá a concepção moderna de história, em que sua oposição será ressaltada. É o que estamos habituados a chamar de concepção positivista da escrita da história, cuja prática, conforme se infere do "Ancient history and the antiquarian" de Momigliano, tem um curso mais longo do que se costuma pensar. Contra ela, já se contrapunha, em 1903, o Thucydides muthistoricus, de Francis M. Cornford. Muito embora seu intento não tenha passado despercebido entre seus pares e seu livro continue a ser reeditado, foi neutralizado e já não representa ameaça ao establishment. Em data mais recente, uma nova reação contra a drástica separação entre as expressões historiográfica e poética foi feita por Hayden White. Como não mais a referiremos depois e porque também já foi neutralizada pelos historiadores,1 cabe sumarizar seu argumento. A disciplina historiográfica encontra amplo reconhecimento e se insti tucionaliza a partir do começo do século XIX: Cadeiras de história foram fundadas na Universidade de Berlim, em 1810, e na Sorbonne, em 1812. Logo depois se estabeleceram sociedades para a edição e publicação de documentos históricos. [ ... ] As subvenções governamentais a essas sociedades - inspiradas nas simpatias nacionalistas do tempo - vieram a seu devido tempo, na década de 1830. (White, H.: 1973, 136) A profissionalização do historiador era então determinada por uma concepção documentalista, em que um empirismo ingenuamente objetivo ocupava o lugar de qualquer teorização conseqüente: O "método histórico" - como os historiógrafos clássicos do século XIX entendiam a expressão - consistia numa disposição de ir aos arquivos sem quaisquer preconcepções, estudar os documentos lá encontrados e em seguida escrever um relato (story) acerca dos acontecimentos atestados pelos documentos, de modo a fazer do próprio relato a explicação "do que tinha acontecido" no passado. A idéia era deixar a explicação emergir naturalmente dos próprios documentos e depois exprimir seu significado em forma de relato. (Id., 141) Por isso, da "espécie de revolução conceitua! que acompanhou a trans formação em campos como os da física, da química e da biologià', se distinguia a "instrução no 'método histórico', [que] consistia essencialmente na reco mendação de usar as técnicas filológicas mais refinadas na crítica dos do cumentos históricos, combinada com um conjunto de prescrições acerca do que o historiador não devia tentar fazer com base nos documentos assim criticados" (ih., 136). Por mais que as afirmações de White fossem contundentes, os historiadores não poderiam argüi-las de falsas ou preconceituosas. O combate que lhe moveriam haveria de se travar contra o que o autor apresentasse como sua alternativa. Para maior clareza expositiva, comecemos pela recorrência ao ensaio "The Historical Text as Literary Artifact", que já supunha montada a máquina de guerra do Metahistory. E aí me dispara sua questão básica: "Qual é o estatuto epistemológico da explicação histórica [ ... ] ", quando se lhe considera 17 "puramente como um artefato verbal que intenta ser um modelo de estruturas e processos há muito passados e, por isso, não sujeitos a controles quer experimentais, quer observacionais" (White, H.: 1974, 81-2)? A pergunta anuncia o ferrão da resposta:"[ ... ] Reluta-se, em geral, em considerar as narrativas históricas como o que são mais declaradamente: ficções verbais, cujos conteúdos são tão inventados como achados, e cujas formas têm mais em comum com seus correlatos na literatura do que nas ciências" (id., 82). O circuito que formam a questão e a resposta sintetiza o que expunha largamente na "In trodução" do Metahistory. O ferrão tem duas pontas: o relato historiográfico é uma .ficção verbal e deve ser abordado como um artefato verbal. Mas o autor não sente a necessidade de se indagar sobre a ficção, crendo bastante precisar seus procedimentos básicos. Para tanto, baseando-se na Anatomy ofC riticism ( 19 54), de Northrop Frye, White distingue quatro modos de formação do enredo (emplotment) historiográfico: o romanesco (Romantic), o trágico, o cômico, o satírico (White, H.: 1973, 29). Já a designação do primeiro apresenta o problema lingüístico da peculiaridade do termo "romance", em inglês. Ao justificar sua derivação etimológica, "romantic", White procura, simultaneamente, manter a oposição entre "romance" e "novel" e a divergência semântica entre "romance" e "romantic". Mas sua comparação com a fonte declarada nos deixa céticos não só quanto à adaptação que faz como ao propósito de sua abordagem. Lia-se no teórico canadense: "No romance, a suspensão da lei natural e a individualização dos feitos do herói reduzem amplamente a natureza ao mundo animal e vegetal" (Frye, N.: 19 54, 36). E sua distinção quanto ao novel - "não sendo nem superior aos outros homens, nem a seu meio, reagimos ao sentido de sua humanidade comum e pedimos ao poeta os mesmos cânones de probabilidade que encon tramos em nossa própria experiêncià'- dá lugar ao que chama de "modo baixo mimético" (id., 34), da ficção realista. Hayden White, de sua parte, reduz a bem marcada diferença a: "O Romance é fundamentalmente um drama de auto identificação simbolizado pela transcendência do mundo da experiência pelo herói, por sua vitória sobre ele e sua liberação final dele" (White, H.: 1973, 8). Desaparece quase por completo a oposição "romance/novel'', assim se jus tificando o uso indiscriminado pelo autor de "romance" e "romantic". Por que Hayden White sente a necessidade de abrandar a distinção, a ponto de quase apagá-la, senão porque o declarado procedimento básico não se ajusta à passa gem da literatura2 para a escrita da história? Para comprová-lo, basta recordar que Frye dava como exemplo de "romance" Venus and Adonis, de Shakespeare, ao passo que o romanesco de White é concretizado pela obra de Michelet ... A "adaptação" aproxima obras de fisionomia tão diversa que é difícil admitir que se fundem em algum procedimento básico. Em sua defesa, porém, poder-se-ia alegar que White aceita as críticas endereçadas à classificação de Frye como reducionistas, argumentando que, apesar disso, a emprega porque "serve muito para a explicação das formas simples de elaboração de enredo encontradas em formas de arte 'restritas' como a historiografia" (ih., nota 6, 8). Mas a defesa apenas abre outra frente de acusação: a narrativa historiográfica precisa ser reduzida a uma forma de arte restrita para que o empreendimento prossiga (por esse raciocínio, a narrativa literária, com sua evidente maior riqueza de recursos que a historiográfica, tornar-se-ia, de sua parte, "restrita'', ao ser comparada com outra forma discursiva: a filosófica, por não poder competir com sua comple xidade conceitua!, a científica etc. etc.). Para o propósito do autor, a diversidade fundamental das metas discursivas não precisa ser levada em conta. Assim, os enredos romanesco, trágico, cômico e satírico são tomados como próprios à "percepção estética" ( ib., 27), sem que ache necessário justificar a própria ligação com o estético. Embora cada vez mais cético, ainda se argumenta que aqueles emplotments encontraram sua primeira manifestação no epos homérico; que, historicamen te, portanto, se articulavam a uma experiência que, depois, será considerada de ordem estética. Mas o uso de um argumento histórico para demonstrar a "famí lia" a que o discurso historiográfico pertence não é um círculo vicioso? Não seria menos embaraçoso relacionar diretamente as formações de enredo destacadas com a própria experiência cotidiana? Pois não se negaria que o relato de uma experiência cotidiana pode se configurar de maneira romanesca (ou fabulosa), trágica, cômica ou satírica. Obviamente, contudo, esse caminho não serviria à intenção de White. O que dá razão a LaCapra quando acusa seu colega de oferecer "um análogo estruturalista" do modelo cientificista da covering law (de C. G. Hempel), quintessência da proposta positivista (LaCapra, D.: 1985, 35). A crítica de LaCapra, no entanto, não destaca o que há de valioso na reflexão de Hayden White: abstraindo-se a tentativa de estabelecer uma derivação entre as formas poéticas e o relato historiográfico, é bastante positivo reconhecer que os emplotments supõem modos pré-configuracionais abrangentes, i. e., que não se limitam a caracterizar este ou aquele modo de expressão - por isso mesmo 19 - sua primeira incidência se dá no cotidiano, e não em um discurso formalizado. O estorvo se introduziu quando White definiu as formações de enredo como originariamente poéticas, bem como ao tentar torná-las exaustivas. Em outras palavras, em considerar os modos pré-configuracionais como verbalmente exauríveis. Essa admissão leva-nos a acrescentar: no exato momento em que a linguistic turn encontrava, com o Metahistory, um de seus instantes capitais, ela descobria seu calcanhar-de-aquiles. Explicando-o: a narrativa, por certo, só se efetiva ao empregar um modo pré-configuracional, i. e., ao se concretizar em uma disposição verbal. Mas a impossibilidade de descobrir procedimentos expressivos efetivamente comuns - cf. acima a confusão entre "romance" e "romantic" - não prenuncia, na experiência humana, a existência de um momento em que a palavra ainda não dispõe de uma precisa discriminação discursiva, remetendo, pois, à sua mera incidência cotidiana? Ainda que não reduzamos a escrita da história a um somatório de fatos, ainda que o saibamos selecionados pelo ponto de vista que presidiu sua compreensão (Simmel), a narrativa-do-que-houve já apanha a experiência no meio do caminho. O hiato decisivo não se dá entre o evento e seu registro, mas sim entre o que motivou o evento e sua formulação verbal. Daí Koselleck propor se "tematizar as condições das histórias possíveis" (Koselleck, R.: 198 7, 98), tendo em conta, conjunturalmente, os pares formados por "poder morrer e poder matar", "amigo e inimigo", "dentro e fora", como formantes da espacialidade histórica, "conflito de gerações", "senhor e escravo". Essas condições pré-verbais impedem que a escrita da história seja entendida como um ramo da herme nêutica. Muito embora o próprio Koselleck não tenha tido tempo senão de esboçar sua concepção, avancemos a razão por que a consideramos em consonância com o que tomamos como a contribuição de Hayden White: a afirmação dos modos pré-configuracionais. Na versão lévi-straussiana do estruturalismo, a dificuldade encontrada pelo derivacionismo de Hayden White era neutralizada pela re corrência ao modo de atuação fonológico de um inconsciente "cibernético". Mas a solução apresentada pelo antropólogo não parece passível de ser generalizada. Hayden White nem sequer a menciona ao tratar dos tropas geradores - a metáfora, a ironia, a metonímia e a sinédoque, as três últimas entendidas como espécies da primeira (White, H.: 1973, 34).Ao assim fazer, mantém-se no nível da linguagem articulada, recaindo, por conseguinte, na advertência de Koselleck

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