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História e retórica: ensaios sobre historiografia antiga PDF

184 Pages·2007·0.904 MB·Portuguese
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História e retórica Ensaios sobre historiografia antiga História e retórica Ensaios sobre historiografia antiga Organizador: Fábio Duarte Joly Copyright © 2007 Fábio Duarte Joly Edição: Joana Monteleone Projeto gráfico, diagramação e capa: Marilia Chaves Revisão: Neusa Monteferrante Imagem da capa: Tsysdrus: casa dos meses. Mosaico das Musas (Mu- seu de El Jem). Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) História e retórica : ensaios sobre historiografia antiga / organi- zador Fábio Duarte Joly. - São Paulo : Alameda, 2007. Inclui bibliografia ISBN 978-85-98325- 1. História antiga. 2. Historiografia. I. Joly, Fábio Duarte. 07-3318. CDD: 907.2 CDU: 930 30.08.07 31.08.07 003317 ALAMEDA CASA EDITORIAL Rua Ministro Ferreira Alves, 108 - Perdizes CEP 05009-060 - São Paulo - SP Tel. (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br Índice Apresentação 7 Fábio Duarte Joly Tucídides: a inquirição da verdade e a latência do 13 heróico Luiz Otávio Magalhães Políbio 45 Juliana Bastos Marques Salústio e a historiografia romana 65 Pedro Paulo Abreu Funari Renata Senna Garraffoni A política como objeto de estudo: Tito Lívio e o 77 pensamento historiográfico romano do século I a.C. Breno Sebastiani Comentário sobre as RES GESTAE DIVI AVGVSTI 97 Maria Luiza Corassin Historiografia helenística em roupagem judaica: 119 Flávio Josefo, história e teologia Vicente Dobroruka Tácito, Sêneca e a historiografia 137 Fábio Faversani Imagem, poder e amizade: Dião Cássio e o debate 147 Agripa-Mecenas Ana Teresa Marques Gonçalves História, verdade e justiça em Amiano Marcelino 165 Gilvan Ventura da Silva Sobre os autores 183 Apresentação Apesar de os principais centros de produção de conhecimento sobre a Antigüidade clássica estarem localizados nos Estados Unidos e Euro- pa, os estudos clássicos têm cada vez mais conquistado espaço em nosso país. Tal fato é testemunhado pela atuação dos programas de pós-gra- duação em universidades brasileiras, responsáveis por dissertações e te- ses nos campos de Letras Clássicas e História Antiga, e pelos congressos e simpósios periodicamente realizados em território nacional. Fontes escritas orientais, gregas e romanas têm sido traduzidas para o portu- guês, muitas vezes em edições bilíngües, disponibilizando assim a estu- dantes e ao público em geral um material básico para o estudo das so- ciedades antigas. Paralelamente, tem ocorrido a publicação de livros de especialistas brasileiros sobre aspectos culturais, econômicos e políticos da Grécia, Roma e Oriente, ampliando os recursos em língua portugue- sa em campos para cujo estudo se deve, tradicionalmente, recorrer à bi- bliografia estrangeira, de difícil acesso e alto custo. Contribuir com esta salutar tendência atualmente observável no Brasil é o objetivo mais amplo da presente obra que versa sobre “histo- riografia antiga”. As aspas justificam-se porque essa denominação cer- tamente soaria estranha aos ouvidos dos antigos. Quando hoje falamos em historiografia vem-nos à mente a escrita da História como pratica- da por uma categoria específica de profissionais – os historiadores – e tendo como local de produção a universidade. No mundo antigo, pelo 8 História e retórica contrário, como ressaltou François Hartog, “em momento algum, a his- toriografia foi substituída ou assumida por uma instituição que codifi- casse suas regras, a credenciasse e controlasse seus modos de legitima- ção”1. Logo, entre os historiadores antigos e os historiadores modernos há uma distância considerável, por mais que os segundos se esforcem em remeter suas origens aos primeiros. Na Grécia e Roma antigas, as regras eram outras. A história era tra- tada no âmbito da retórica, estando portanto sujeita a determinadas normas de confecção do discurso, normas que a aproximavam e/ou a afastavam de outros domínios, como a poesia e a filosofia. E o próprio estatuto do historiador diferia bastante daquele que hoje nos é conhe- cido. Na Antigüidade a escrita da história foi, em geral, prerrogativa de homens que se dedicavam à política, o que de antemão já circunscrevia os temas a serem tratados e os objetivos de suas obras. Nem sempre os modernos viram com bons olhos essas diferen- ças. Se, até o século XVIII, uma concepção da história como magistra vitae aproximava historiadores antigos e modernos2, a partir do sécu- lo XIX, na Europa, com a institucionalização da História como uma disciplina regida por métodos de crítica documental, os historiadores antigos foram considerados pouco precisos, fontes não muito confi- áveis para se depreender os fatos passados, pois colocavam a retóri- ca à frente da verdade. O embate se dava aqui, portanto, entre dife- rentes concepções de história e de verdade. Não seria o momento de nos estendermos nesse tópico, bastando lembrar que essa crítica oi- tocentista ainda se faz presente nos estudos sobre historiografia anti- ga, embora sob novo disfarce. Na esteira da abordagem advogada por Hayden White quanto ao caráter literário das narrativas historiográ- ficas, estudiosos que se dedicam à análise dos escritos de historiado- res gregos e romanos postulam que suas obras seriam mais literatura do que propriamente história, ao manipularem as verdades factuais 1 A História de Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p. 19. 2 Ver o ensaio de Reinhart Koselleck, Historia magistra vitae. In: Futuro Pasado: Para una Se- mántica de los Tiempos Históricos. Barcelona: Paidos, 1993, p. 41-66. Apresentação 9 por razões dramáticas. É assim, por exemplo, que Anthony J. Woodman – principal representante dessa linha – debruça-se sobre as obras de Tu- cídides, Cícero, Tito Lívio e Tácito3. Os artigos apresentados nesta coletânea seguem um rumo dife- rente, mas sem descartar o peso da retórica na composição da his- toriografia antiga. Buscam, porém, enfatizar que o protocolo de verdade adotado pelos historiadores antigos estava diretamente re- lacionado aos propósitos de suas obras, condicionados a suas res- pectivas posições sociopolíticas. Penso que esta seja uma linha de força que perpassa as contribuições aqui reunidas, de autoria de es- tudiosos brasileiros, a respeito de Tucídides, Políbio, Salústio, Tito Lívio, o imperador Augusto, Flávio Josefo, Tácito, Dião Cássio e Amiano Marcelino. Como se vê, o espectro de tempo coberto vai do século IV a.C. ao IV d.C., englobando autores que escreveram em grego e latim. Inaugura a coletânea artigo de Luiz Otávio de Magalhães sobre Tu- cídides, cuja História da Guerra do Peloponeso é analisada buscando- se apresentar os pontos que a fazem tributária da composição épica, como representada na Ilíada e Odisséia. A persistência de um modelo narrativo de caráter heróico no tratamento tucidideano da polis ate- niense e de Temístocles e Péricles revela quão equivocado é alegar uma ruptura completa entre história e epopéia. Durante toda a Antiguidade Tucídides foi tomado como modelo de historiador. Até mesmo por Flávio Josefo, historiador judeu, em que pe- sem as diferenças culturais. Vicente Dobroruka revela as semelhanças e diferenças entre Tucídides e Josefo por meio da análise do conceito de stasis (“sedição”, “convulsão popular”) que Josefo toma emprestado do historiador grego, mas empregando-o segundo a tradição religiosa judai- ca, de acordo com a qual o sentido da história humana depende de Deus. Além da sempre presente influência de Tucídides na evolução da his- toriografia greco-romana, um outro ponto comum que nos permite re- lacionar as obras, de Políbio a Amiano Marcelino, é de natureza temática. 3 Ver seu Rhetoric in Classical Historiography. Portland, Areopagitica Press, 1988. 10 História e retórica Como a leitura dos demais artigos da coletânea permite vislumbrar, o po- der de Roma sobre seu império e as tensões internas dessa particular ci- dade-Estado da Antigüidade é o grande tema que norteia a escrita da His- tória. Como exclama o grego Políbio – tratado no artigo de Juliana Bastos Marques – “pois quem seria tão inútil ou indolente a ponto de não dese- jar saber como e sob que espécie de constituição os romanos conseguiram em menos de cinqüenta e três anos submeter quase todo o mundo habita- do ao seu governo exclusivo – fato nunca antes ocorrido?” Políbio escreveu no século II a.C., época de extensão do poder romano sobre o Mediterrâneo e a Península Itálica, quando ocor- reu uma concentração de riquezas nas mãos de uma aristocracia e de chefes militares – processo histórico também abordado por Salús- tio (tratado por Pedro Paulo Funari e Renata Garraffoni) e Tito Lí- vio (abordado por Breno Sebastiani) um século após Políbio –, cujas disputas, no século I a.C., dariam início ao Principado. Foi precisa- mente esse regime que tornou Roma uma cidade-Estado peculiar. Nas palavras de Fergus Millar, na historiografia imperial, “havia uma percepção real de que o tema essencial da história romana ainda po- dia ser visto como a cidade, suas instituições e seu povo: em suma, como a história de um tipo anômalo e estranho de cidade-Estado, que, por um lado, estendeu sua cidadania para toda Itália e além, e, por outro, governava um grande império. Porém, a anomalia mais acentuada era, naturalmente, de que era agora governada por um imperador, e todas suas complexas instituições sofreram transfor- mações por esse fato”4. As Res Gestae, os feitos do primeiro imperador, Augusto, estudadas por Maria Luiza Corassin, revelam essa oscilação entre a afirmação do poder pessoal do princeps e a deferência ao Senado e ao povo de Roma. Aliás, a relação das elites romanas e provinciais com o imperador dá o tom das obras de Tácito, Dião Cássio e Amiano Marcelino, tratados, respectivamente, por Fábio Faversani, Ana Teresa Gonçalves e Gilvan 4 Fergus Millar, “The Roman City-State under the Emperors, 29 BC-AD 69”. Prudentia, supple- mentary number, 1998, p. 113-134.

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