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História da Literatura Ocidental PDF

1711 Pages·2010·13.751 MB·Portuguese
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Ficha Técnica © Senado Federal, 2010 Editor da obra: Joaquim Campelo Marques Projeto gráfico de miolo: Achilles Milan Neto Diretor editorial: Pascoal Soto Coordenação editorial: Tainã Bispo Produção editorial: Fernanda Ohosaku Projeto gráfico de capa e box: João Baptista da Costa Aguiar Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carpeaux, Otto Maria, 1900-1978. História da literatura ocidental, volume I, volume II, volume III e volume IV / Otto Maria Carpeaux. -- São Paulo : Leya, 2011. 1. Literatura - História e crítica I. Título. 11-11240 CDD-809 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura : História e crítica 809 A Editora LeYa agradece ao Senado Federal a cessão dos direitos desta obra. 2011 Todos os direitos desta edição reservados a TEXTO EDITORES LTDA. [Uma editora do Grupo Leya] Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86 01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP – Brasil www.leya.com.br Otto Maria Carpeaux YViena (Áustria), 1900 † Rio de Janeiro (Brasil), 1978 H ISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL VOLUME I Uma dedicatória E STE livro do austríaco Otto Maria Karpfen (dito Carpeaux, em “rebatismo” no Brasil, no princípio da década de 1940) foi escrito em pouco mais de ano e meio. Mereceu ele sua primeira edição em 1959, nas Edições O Cruzeiro, pelas mãos de Herberto Sales. A segunda edição foi lançada pela Editorial Alhambra, de curta existência – como a de tantos outros sonhos editoriais –, que tive a alegria e a honra de criar. Ao doar-me em 1977 os direitos de editar sua obra notável, o Autor, meu amigo, lavrou de próprio punho dedicatória carinhosa, com votos de bom êxito, que acima se reproduz. Brasília, 19 de maio de 2007 JOAQUIM CAMPELO MARQUES Vice-presidente do Conselho Editorial do Senado Federal A AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA História da literatura ocidental: a obra monumental de Otto Maria Carpeaux RONALDO COSTA FERNANDES1 E stava eu no escritório de Antônio Houaiss, na Rua São José, onde o filólogo dirigia a Enciclopédia Mirador Internacional. Acabara de chegar, acomodara-me muito timidamente numa cadeira, com medo de aquilo resultar em visita desabrida. Eis que irrompe escritório adentro um septuagenário, gravata vermelha de seda e camisa de listas espaçadas também vermelhas. O senhor tinha nas mãos maço de papéis. Dirigiu-se a Houaiss com intimidade de velhos amigos. Não me lembro se o chamou pelo pré-nome ou pelo sobrenome. O certo é que disse: – Isto aqui não corresponde à verdade. O que está dito aqui sobre Farmácia está incorreto. E ambos começaram a discutir sobre a História da Farmácia, até que Houaiss sentenciou: – O que você decidir está feito. O leitor já deve ter percebido que o homem que adentrara o escritório era Otto Maria Carpeaux. Eu acabara de ver, pela única vez, uma figura quase lendária da cultura brasileira. E não deveria estranhar a cultura enciclopédica de Carpeaux. Afinal, o vienense, nascido com o século (1900), formara-se em Direito, mas com doutorado em Matemática, Física e Química e, em 1925, doutorou- se também em Filosofia e Letras. UMA VIDA AVENTUROSA E O OPERÁRIO DA CULTURA Otto Maria Carpeaux teve uma vida atribulada politicamente antes de chegar ao Brasil. Vivia em sua cidade natal e tinha alto cargo no governo local. Com a anexação (Anschluss) da Áustria pela Alemanha nazista, Carpeaux fugiu para a Antuérpia, Bélgica, em 1938. Ali, no mesmo ano, trabalhou como jornalista e publicou o livro Dos Habsburgos a Hitler. Já havia ele publicado alguns livros na Áustria, entre os quais O caminho para Roma, Aventura e vitória do espírito, em 1934, e A missão europeia da Áustria. Um panorama da política exterior, em 1935. Atuando principalmente no final do segundo e terceiro quartéis do século XX, Carpeaux não apenas trouxe em sua bagagem de exilado toda a vasta cultura humanística europeia, mas também se aclimatou e esteve atento à produção literária brasileira. Chegou ao Brasil em 1939, mas demorou a ingressar no meio literário, já que andou pelo Paraná e, depois, por São Paulo. Foi Álvaro Lins, no Rio de Janeiro, quem lhe abriu2 as portas da vida cultural brasileira a partir de uma carta de Carpeaux comentando-lhe um artigo. E aí começa a intensa produção na imprensa e em livros, no plano das ideias e, principalmente, no da crítica literária. Em 1942, publica o livro de ensaios A cinza do Purgatório, em que estuda longamente autores e as ideias de alguns pensadores, além de escrever ensaios curtos sobre música. Nesse mesmo ano, já está integrado no meio intelectual brasileiro, a ponto de dirigir a Biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia. Ainda em 1942, naturaliza-se, latinizando à francesa – Carpeaux – o seu sobrenome de origem (Karpfen). Até o final da vida, em fevereiro de 1978, contribuiu de maneira superlativa para o alargamento de horizontes da cultura e da crítica literária brasileiras. A bibliografia de Carpeaux é significativamente extensa se levarmos em conta os números de páginas escritas e incluir a História da literatura ocidental e os inúmeros artigos de imprensa. Carpeaux, em 1955, publica Pequena bibliografia da literatura brasileira. Era um ato de ousadia para quem só estava pouco mais de uma década no Brasil e em contato com a literatura do novo país em que passou a viver. Um ano antes de publicar a História da literatura ocidental, aparece Uma nova história da música (Rio, Zahar, 1958). Mais tarde a bibliografia engordará com volumes como Livros na mesa (Rio, Livraria São José), A literatura alemã (São Paulo, Cultrix, 1964), A batalha da América Latina e O Brasil no espelho do mundo (ambos no Rio, pela Editora Civilização Brasileira, 1965). Em 1966, as Edições O Cruzeiro publicam o sétimo e último volume da História da literatura ocidental. Em 1977, Carpeaux fez correções e ampliou sua obra enciclopédica e, em 1978, começa a publicação da segunda edição da História da literatura ocidental, pela Editorial Alhambra. Depois de vários distúrbios cardíacos e outros problemas de saúde, Carpeaux falece em 3 de fevereiro de 1978. Seu último livro é póstumo: Alceu de Amoroso Lima por Otto Maria Carpeaux (Rio, Graal), publicado no mesmo ano. Voltemos ao objeto desta introdução, ou seja, a História da literatura brasileira. De janeiro de 1942 a novembro de 1945, Carpeaux escreve a História da literatura ocidental. O livro, por diversas questões alheias à vontade do autor, predominando a cautela pânica diante do volume de perto de cinco mil laudas datilografadas por Dona Helena, mulher do autor. As laudas eram beneditinamente divididas em quatro faces onde ela datilografava em espaço dois o texto principal e as notas em espaço um a fim de que o marido as revisasse. O livro só começa a vir a lume, pelas Edições O Cruzeiro, em 1959. O escritor Herberto Sales, diretor das Edições O Cruzeiro, chamou-a de monumental. Outra edição desta História da literatura ocidental foi realizada pela Editorial Alhambra, nos anos 70. A editora Alhambra, preciosidade da indústria livresca, realizou verdadeira proeza ao lançar uma obra de oito volumes, somando cerca de três mil páginas.3 Ao sair do prelo a edição revista pelo autor da História da literatura ocidental, pela Editorial Alhambra, Carpeaux já havia falecido. Depois de uma vida atribulada, dedicada ao jornalismo e à crítica literária, Carpeaux ingressou na última etapa de sua vida, em 1968, segundo observação de Olavo de Carvalho. Deixa o mestre austríaco a crítica literária e passa a se dedicar a assuntos de cunho político. Ao final da vida, ficará restrito, para ganhar a vida, a redigir verbetes para enciclopédias. CULTURA ENCICLOPÉDICA, OU O ÚLTIMO DOS RENASCENTISTAS Tinha Otto Maria Carpeaux uma cultura dita enciclopédica. Expressão não muito apropriada, pois pode remeter a uma cultura ampla, mas pouco verticalizada. A visão que a maioria tinha sobre a obra de Carpeaux era a de um enciclopedista. Entenda-se que é uma maneira de adjetivar e de elogiar o mestre vienense. Mas também pode ser um rótulo redutor, já que a propensão enciclopédica pressupõe larga abrangência de assuntos e um conceito do mundo colocados nos escaninhos dos verbetes, o que discrepa inteiramente de Carpeaux. A tal visão “enciclopédica” estaria mais para o homem renascentista que dominava várias áreas do conhecimento e fazia uso delas, interconectando-as. Carpeaux era um erudito que, dialeticamente, conseguia unir elementos diversos e apresentá-los ao público. Esta sua História da literatura ocidental, tanto quanto os seus ensaios, demonstra a capacidade de Carpeaux de fazer ilações, descobrir nexos onde aparentemente não existem e gerar uma síntese provocadora que leva o leitor à reflexão tanto quanto ao conhecimento. A enciclopédia aqui não é a compartimentalização e o dado condensado em pílulas, mas a capacidade de alinhavar conhecimentos, fatos e dados, livros e autores, espírito de época (Zeitgeist), a fim de dar ao leitor uma visão global e social do fenômeno. Sua metodologia estava imbuída de espírito sociológico, sem esquecer o fundamental elemento estético. É por esta razão que assinala no prefácio do livro: “...em vez de uma coleção de histórias de literaturas, pretendeu-se esboçar a história dos estilos literários, como expressões dos fatores sociais, modificáveis, e das qualidades humanas, permanentes. Os critérios da exposição historiográfica são, portanto, estilísticos e sociológicos”. O Brasil ganhou muitíssimo com o aporte do imigrante culto e sua contribuição para a cultura universal e, em particular, para a brasileira. Gilberto Freyre, entusiasmado com a História da literatura ocidental, chamou o autor de “um autêntico mestre”. Introdutor no Brasil de estudos mais sistemáticos sobre Kafka, Hoffmannsthal, Jacob Burckhardt, Jacobsen e muitíssimos outros, Otto Maria Carpeaux também estudou, entre outros, os nossos José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Aluísio Azevedo, Gonçalves Dias, e, claro, Machado de Assis e tantos outros mais. Sua obra é, além do conteúdo, dividida de maneira instigante. No primeiro volume de sua História da Literatura Ocidental, Carpeaux parte da Antiguidade greco-latina, passa pelas expressões literárias da Idade Média e analisa o Renascimento e a Reforma. No segundo volume, o autor desta obra, que Carlos Drummond chamou “livro-chave essencial: a cada página suscita um problema, desvenda um significado, abre um caminho”, faz a exegese do Barroco e do Classicismo no mundo ocidental. Aqui estão analisados a poesia, o teatro, a epopeia e o romance picaresco, entre outros temas e autores, como Cervantes, Góngora, Shakespeare e Molière. Ainda no segundo volume, continua o estudo do neobarroco, o Classicismo racionalista, o pré-romantismo, os enciclopedistas e o que chama de O Último Classicismo (Classicismo Alemão, Alfieri, Chénier, Jane Austen). O terceiro tomo refere-se à literatura do Romantismo até nossos dias. Um diversificado e denso estudo sobre as causas sociais e estéticas do Romantismo. Os grandes autores do período foram acuradamente estudados (um elenco incomparável e uma hermenêutica rigorosa). Nele também está incluído o nosso Romantismo com substancial contribuição para entendimento de autores brasileiros como José de Alencar, Castro Alves, Álvares de Azevedo e até mesmo o Machado de Assis da sua primeira fase, cunhada de romântica. Ainda neste terceiro volume estão o Realismo e o Naturalismo e seu espírito de época. Balzac, Machado, Eça, Tolstoi, Zola, Dostoievski, Melville, Baudelaire, e mais Aluísio Azevedo, Augusto dos Anjos, Graça Aranha e Mário de Andrade, entre tantos autores, aqui são estudados para expressar um período de grande transformação social com o aparecimento do marxismo e das lutas sociais mais politizadas. O último e quarto volume traz extensa análise sobre a atmosfera intelectual, social e literária do fin du siècle e o surgimento do Simbolismo e aquilo que o autor chama de “A época do equilíbrio europeu”. E, por fim, envereda pelas vanguardas do século XX e faz esboço das tendências contemporâneas. Carpeaux encerra assim sua obra monumental, grandiosa não somente pela extensão e abrangência de autores e estilos de época, mas também pela verticalidade com que analisa e aprofunda cada época, autor e assunto. ESTRUTURA E MÉTODO: TEORIA DA LITERATURA E CARPEAUX O instrumental teórico e analítico de Otto Maria Carpeaux estava comprometido com tudo o que de mais avançado havia de teoria crítica da literatura. Se havia apelo ao recurso hermenêutico, ele o fazia não apenas buscando a pouco cômoda ou equivocada intenção do autor, mas colocando-a no fulcro do tempo e do espaço históricos, como no artigo Pulgas e bruxas4, que é uma preciosidade para se observar a abrangência de instrumental teórico. Nesse artigo, Carpeaux vai apoiar-se não somente na bagagem hermenêutica (Heidegger, Merleau-Ponty e outros), mas na clivagem da sociologia, na citação de Dámaso Alonso, para ingressar no universo da estilística e, mesmo, apoiando-se no New Criticism. Também vale citar o que pensava Carpeaux sobre o historicismo e o autor empírico. Diz ele: “O que, da parte do autor, entra na obra, não é a situação real, mas só a emoção, nascida da situação. Nasce uma obra de arte se o autor chega a transformar a emoção em símbolo; se não, ele só consegue uma alegoria. A alegoria é compreensível ao raciocínio do leitor, sem sugerir a emoção, essa emoção simbólica, a que Croce chama o ‘lirismo’ da obra. A forma desse lirismo é o símbolo. O símbolo fala-nos, não ao nosso intelecto, mas a toda a nossa personalidade. O símbolo exprime o que nós outros sentíamos também sem poder exprimir. A expressão simbólica é o privilégio do poeta. Tanto mais durável é a sua obra quanto mais universal é o símbolo. Há símbolos que refletem a situação humana inteira.”5 Certeira e frutificante a observação de Carpeaux na sua introdução à História da literatura ocidental: o fato literário não se desvincula do histórico e o fato histórico não pode ser separado do estético. Tratando de um discípulo de I. Richards, que Carpeaux admira, lembra que o “sentido ideológico só [existe] através da análise dos elementos literários, da análise estilística”. Não se pode, afirma, desvincular a análise ideológica do “fator individual”. Ressalta o perigo de, privilegiando a história das ideias, deixar de lado a expressão estética que é, em último caso, o elemento fundamental da expressão literária. Admirador de Hegel, Dilthey e Weber, Carpeaux tem consciência de que “a experiência vital e a expressão poética” devem andar juntas. E ainda acrescenta: “...como expressão total da natureza humana é que a literatura aparece no mundo e nessa função é que não pode ser substituída por coisa alguma. Mas cumpre distinguir a origem individual das obras, e por outro lado a relação histórica, supraindividual, entre as obras. Aquela é o objeto da crítica literária; esta é o objeto da história da literatura e só se pode basear em critérios estilísticos ou sociológicos.” O verdadeiro campo da teoria literária, contudo, em que Carpeaux era mais Carpeaux, seu mais eficaz método era a inteligência como instrumental, a erudição como pano-de-fundo, e a especificidade do fenômeno literário. Observemos, por exemplo, a análise que Carpeaux faz dos dramaturgos norte-americanos modernos. O crítico parte das grandes tradições do pensamento norte-americano: o empirismo, o pragmatismo e o puritanismo. A partir desse conjunto de ideias, Carpeaux explica alguns comportamentos dos dramaturgos como O’Neill e Arthur Miller, este com o seu A morte do caixeiro- viajante. O empirismo gerou um fatalismo existente na obra de um Faulkner, com sua “perversão diabólica” do predestinacionismo. “O fatalismo absoluto exclui a tragédia”, sentencia Carpeaux com seu singular final de alguns dos seus parágrafos. O pragmatismo “considera o mundo como obra a ser realizada pelo homem. É uma filosofia otimista.” E é ela que vai gerar o teatro leve e comercial: “o mundo é nossa tarefa e a vida recompensa o esforço”. Por fim, a grande tradição ético-religiosa, a herança do puritanismo. É o conflito entre os instintos e a norma. Sobre Arthur Miller afirma, agora aprofundando-se no caráter estético: “Sua visão heroica da vida trivial dos humildes tem algo do ‘teatro épico’ de Brecht; a construção das peças é deliberadamente não dramática; e usa todos os recursos do expressionismo para tornar ‘irreal’, visionária, a realidade. Suas peças têm força de parábolas morais. Mas essa moral é a do valor maior do sucesso espiritual

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