BIBLIOTHECA DO EXERCITO Casa do Barão de Loreto — 1881 — Fundada pelo Decreto no 8.336, de 17 de dezembro de 1881, por FRANKLIN AMÉRICO DE MENEZES DÓRIA, Barão de Loreto, Ministro da Guerra, e reorganizada pelo General de Divisão VALENTIM BENÍCIO DA SILVA, pelo Decreto no 1.748, de 26 de junho de 1937. Comandante do Exército General de Exército Enzo Martins Peri Departamento de Educação e Cultura do Exército General de Exército Rui Monarca da Silveira Diretor do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército General de Brigada Juarez Aparecido de Paula Cunha Diretor da Biblioteca do Exército Coronel de Artilharia e Estado-Maior Josevaldo Souza Oliveira Conselho Editorial Presidente General de Brigada Aricildes de Moraes Motta Benemérito Coronel Professor Celso José Pires Membros Efetivos General de Exército Pedro Luís de Araújo Braga Embaixador Marcos Henrique Camillo Côrtes General de Divisão Ulisses Lisboa Perazzo Lannes General de Brigada Cesar Augusto Nicodemus de Souza General de Brigada Sergio Roberto Dentino Morgado Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Nilson Vieira Ferreira de Mello Coronel de Engenharia e Estado-Maior Luiz Carlos Carneiro de Paula Professor Doutor Arno Wehling Professor Doutor Guilherme de Andrea Frota Professor Doutor Paulo André Leira Parente Biblioteca do Exército Praça Duque de Caxias, 25 – Ala Marcílio Dias – 3o andar 20221-260 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil Tel.: (55 21) 2519-5707 – Fax: (55 21) 2519-5569 DDG: 0800 238 365 – Endereço Telegráfico “BIBLIEX” E-mail: [email protected] ou [email protected] Homepage: http://www.bibliex.com.br Augusto Tasso Fragoso H G ISTÓRIA DA UERRA T A ENTRE A RÍPLICE LIANÇA P E O ARAGUAI A história dessa campanha oferece vasto repositório de fatos que encerram as mais proveitosas lições para uma educa- ção militar. Mas, para que assim aconteça, é indispensável que sejam esses fatos analisados criteriosamente e sem pre- venções de qualquer natureza, o que está ainda por fazer. Coronel Jeronimo de Morais Jardim Discurso pronunciado no Círculo Militar, em 14 de maio de 1899 Biblioteca do Exército Editora Rio de Janeiro 2009 BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA Publicação 819 Coleção General Benício Volume 453 Copyright © 2009 by Biblioteca do Exército Editora Capa MURILLO MACHADO Revisão ELLIS PINHEIRO, FABIANE MONTEIRO, MARCIO COSTA E SUZANA DE FRANÇA F811 Fragosso, Augusto Tasso, 1867-1945 História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai / Augusto Tasso Fragoso. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2009. 5 v.: il.; 23 cm – (Biblioteca do Exército; 819. Coleção General Benício; v. 453) ISBN 978-85-7011-430-3 1. Paraguai, Guerra do, 1864-1870. I. Título. II. Série. CDD 981.04492 Impresso no Brasil Printed in Brazil A PRESENTAÇÃO E m seu livro Síntese de três séculos de literatura militar brasileira, Francisco de Paula Cidade comentou que os maiores historiadores brasileiros da Guerra do Paraguai foram Rio Branco, Jourdan, Bormann e Tasso Fragoso. Passadas algumas décadas sobre a primeira edição daquela obra, poder-se-iam acres- centar outros trabalhos, de conjunto ou com recortes específicos, entre os quais se destaca o livro de Francisco Doratioto, Maldita guerra, publicado em 2002. O tema já pede, aliás, um estudo historiográfico aprofundado, pois en- volve autores de quatro historiografias nacionais diretamente envolvidas no conjunto — Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai —, além de historiadores e depoentes de outras nacionalidades. Ademais, não é apenas a equação nacional que deve ser levada em conta, mas o uso ideológico da guerra, como ocorreu com a construção do mito lopista no Paraguai ou a interpretação que demoni- zava a Inglaterra, percebendo os aliados como marionetes lutadores contra um Paraguai que escapava ao jugo britânico. Finalmente, precisa também ser leva- da em conta uma historiografia que procurou transcender aos bias de ideolo- gias em conflito, analisando a guerra com a profundidade que um aconteci- mento dessa dimensão merece, sem deixar-se envolver por maniqueísmos como fracos versus fortes, barbárie versus civilização, explorados versus exploradores, autonomistas versus imperialistas, enfim... bons versus maus. O livro de Tasso Fragoso merece receber destaque especial em uma obra sobre a historiografia da guerra, por diferentes motivos que procuraremos esboçar brevemente. A História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai foi publicada pela primeira vez em 1934, em cinco volumes. O autor vinha de longa carrei- ra militar, cujo episódio mais conhecido acabou sendo a participação na 6 HISTÓRIA DA GUERRA ENTRE A TRÍPLICE ALIANÇA E O PARAGUAI Junta que depôs Washington Luís Pereira de Sousa, em 1930, passando o poder logo em seguida ao chefe do movimento vitorioso, Getulio Vargas. Entretanto, também já publicara outros trabalhos de natureza histórica, como A batalha do Passo do Rosário, de 1922. A segunda edição, também com cinco volumes, foi publicada entre 1956 e 1960. Seu organizador, Francisco Ruas Santos, foi encarregado pelo Estado- Maior do Exército de elaborar uma edição, na sua expressão, “melhorada”. Sem interferir no conteúdo, mas apenas na forma, procurou-se corrigir as falhas apontadas na primeira edição, como a ausência de índice onomástico e de assuntos e a falta de uniformidade e relação entre o texto e os mapas. Em uma obra com as características desta História, realmente a ausência de in- dexação nominal e de assuntos dificulta em muito a leitura, pois esta se as- sume, via de regra, como consulta específica e não como a inteira narrativa. O mesmo organizador daquela edição acrescentou ao final de cada vo- lume notas que completam o texto original e que se referem a pessoas, eventos, obras, lugares, tipos de armas e de navios. A terceira edição baseia-se, assim, na anterior. O objetivo da obra, segundo Tasso Fragoso, foi o de fazer uma história “sem prevenções de qualquer natureza”, conforme a epígrafe que escolheu para a folha de rosto do livro. A afirmação constava de um discurso feito em 1899 no Círculo Militar, no qual o Coronel Jerônimo de Morais Jardim afirmava a necessidade dessa atitude, acrescentando que isso estava “ainda por fazer”. O próprio autor, no prólogo, explica ao leitor a estrutura do livro, a partir do assunto de cada volume, dos antecedentes históricos sobre as inter- venções na região platina, que remonta a 1828, até a fase final da guerra com a derrota e morte de López. Ao último volume também agregou um “Resumo sintético da história do Brasil no século XIX até a guerra do Paraguai”. A bibliografia e as fontes publicadas que compulsou estão relacionadas ao final do volume V, muitas delas com comentários sobre a sua utilidade para o trabalho realizado, o que nos permite conhecer a opinião sobre diversas obras e o valor por ele atribuído. Assim, a Guerra do Paraguai, de Emilio Jourdan, que sabemos por Paula Cidade ter sido muito importante para uma primeira versão do manuscrito, foi considerada “narrativa de pouco mérito, quer pelo texto reduzido e criticável, quer pelo estilo”, embora reconhecesse valor ao Atlas histórico da guerra, do mesmo autor. A explicação para a mudança de opinião está no 7 APRECSAEPNÍTTAUÇLÃOO I trabalho com fontes documentais, notadamente do Arquivo Nacional, que Tasso Fragoso empreendeu logo depois. A Guerra do Paraguai de George Thompson, publicada pela primeira vez em 1869, antes, portanto, do final da guerra, por um militar que atuou muito próximo a López, embora “francamente hostil aos brasileiros, que ele se compraz em deprimir (...) não se pode deixar de levá-lo em conta, com as devidas cautelas, quando se estudam certos episódios sobre que ele devia estar mais bem informado do que ninguém”. A edição argentina de Thompson, por sua vez, foi anotada por Lewis e Estrada, cujas observações, como corretamente observa o autor, “são escritas com visível intenção de enaltecer Mitre e os argentinos”. Já a obra do também argentino Juan Beverina, embora dele discorde em alguns pontos, seria “a mais completa história da guerra do Paraguai nesse primeiro período, especialmente quanto às operações em território argenti- no. É trabalho meticuloso, feito com espírito moderno e por um oficial sabedor da profissão”. Para o quadro histórico geral, o principal ponto de apoio de Tasso Fragoso foi Um estadista do Império, de Joaquim Nabuco, justamente conside- rado um clássico não apenas da biografia, mas da história política do Impé- rio. O comentário do autor certamente seria subscrito por qualquer historia- dor contemporâneo: “É uma obra magnífica pela profundeza dos conceitos, serenidade das apreciações e visão segura dos acontecimentos... trata com bastante desenvolvimento da intervenção brasileira no Uruguai em 1864 e da guerra do Paraguai, que ele examina e julga sob o aspecto político e social, emitindo sentenças, a meu ver, imparciais e definitivas.” Muitas outras opiniões fornecem um quadro interessante para situar o pensamento de um autor que conheceu tão bem a guerra do Paraguai, tanto nas diferentes versões conflitantes quanto nas próprias fontes documentais. Quanto a estas, Tasso Fragoso utilizou-se de documentos do Arquivo Nacional, do arquivo do Itamaraty e da Biblioteca Nacional, além do mate- rial já publicado em sua época, o que lhe permitiu enorme intimidade com o tema e grande segurança na sua abordagem. * * * Vários são os aspectos que podem ser assinalados na História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, segundo a ótica do autor. Sem nenhum 8 HISTÓRIA DA GUERRA ENTRE A TRÍPLICE ALIANÇA E O PARAGUAI intuito exaustivo, podemos lembrar alguns que bem a exemplificam. A pró- pria estrutura da obra revela a interpretação militar da guerra. Dos cinco volumes, dois, o terceiro e o quarto, tratam daquilo que considerava o cerne do conflito: a conquista ou neutralização da fortaleza de Humaitá e a con- quista de Assunção, isto é, o domínio da principal força militar do adversá- rio e seu cérebro político e estratégico. Os volumes iniciais, referidos a Mato Grosso e às operações na Argentina e no Rio Grande do Sul, são o introito para a ação principal. O último volume é apenas o apêndice que trata do rescaldo da guerra, em que ainda sobra espaço para a síntese sobre a história do Brasil oitocentista. Tasso Fragoso baseou-se, para esse encaminhamento, não em uma per- cepção externa ao conflito, mas no estudo dos planos de operações da guerra, que sempre apontavam como objetivos Humaitá e Assunção. Aliás, chamou a atenção para o fato de que tais planos fluíram de um protótipo, o plano de operações apresentado pelo Marquês de Caxias em 25 de janeiro de 1865, do qual nem este nem os demais comandantes se afastaram. Outros destaques do autor são a constatação da liderança de Osorio e de Caxias na tropa, os únicos a efetivamente superarem os conflitos entre os diferentes oficiais, a avaliação das ideias estratégicas de Caxias e de Mitre, a conquista de Humaitá, a marcha de flanco e a Dezembrada. Tão significativos das intenções do autor quanto a esses destaques são as ausências. Não aparece no livro a Retirada da Laguna, justificada por Tasso Fragoso ainda no prólogo, como não tendo tido “nenhuma influência... no desenlace da guerra travada no teatro principal. É episódio secundário na tra- ma das operações, embora de grande relevo sentimental para os brasileiros”. Também não aparecem os aspectos internacionais da guerra, que Tas- so Fragoso denomina “incidentes diplomáticos”, cuja ausência corresponderia a apenas “pequena lacuna”. As referências internacionais estão apenas no esboço que fez sobre os “antecedentes históricos da invasão de Mato Grosso”, na primeira parte do livro, em que analisa a atuação brasileira no Prata e a influência dos conflitos platinos na Revolução Farroupilha. Embora tal juízo deva sofrer revisão com as diferentes questões dessa natureza, apontadas pela historiografia posterior, como os interesses ingle- ses e a solidariedade ao Paraguai demonstrada por vários países hispano- americanos, é emblemático do pensamento do autor, que desejou fazer efe- tivamente uma história militar do conflito, conforme esta se entendia à épo- 9 APRECSAEPNÍTTAUÇLÃOO I ca: uma análise estratégica e tática — frequentemente mais tática que estra- tégica — do conflito, à luz do desenvolvimento quotidiano das operações. Mérito da obra é também a preocupação de assinalar o que hoje cha- maríamos, no âmbito da pesquisa das ciências sociais, de “questões em aber- to”, apontando para futuras investigações. * * * A História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Brasil é livro denso, que parte da seguinte proposta: “Procurei inspirar-me em documentos dignos de fé e apreciar os acon- tecimentos com a mais absoluta serenidade. Pus o máximo empenho em explanar esses acontecimentos nas suas grandes linhas, de modo que certas questões estratégicas e táticas ganhassem o merecido relevo.” Dificilmente poder-se-á dizer que a primeira sentença não teve seus objetivos atingidos. A documentação compulsada é extensa e relevante, e a apreciação das situações foi realizada com critério e isenção, mesmo no caso de juízos sobre os quais possam pairar dúvidas, o que faz parte de qualquer interpretação no campo dos estudos históricos. No segundo aspecto, tem sido discutido não o empenho, mas o resulta- do. Por vezes as grandes linhas se esmaecem no caudal dos acontecimentos, soterrados de pormenores que, se satisfazem a consciência erudita de qual- quer autor, podem, entretanto, prejudicar a visão de conjunto do leitor, mes- mo especializado. Talvez a avaliação da Dezembrada, em seu pleno sentido estratégico, tenha sofrido pela adoção desse enfoque. Várias vezes, ao percorrermos as páginas desta História, sentimo-nos como Funes, “el memorioso”, de Jorge Luis Borges: um homem inteiramente absorvi- do pelos detalhes da memória. Em uma escala quase 1:1, os acontecimentos obscurecem as grandes linhas, se não temos um fio condutor que os sustente. Diga-se que com muitos historiadores, de sua geração ou não, empolga- dos pela colossal massa documental que compulsaram, ocorreu o mesmo. Lembremos de outro grande historiador, Afonso Taunay, seu contemporâneo sete anos mais moço, que escreveu duas alentadas histórias, uma do café no Brasil, outra das bandeiras paulistas, sobre as quais pode fazer-se idêntico juízo. Não há dúvida de que Paula Cidade tinha razão em cobrar de Tasso Fragoso mais concisão e menos detalhes. Contudo, esse reparo, embora subs- tantivo, não retira o caráter monumental da obra e sua singular contribuição 10 HISTÓRIA DA GUERRA ENTRE A TRÍPLICE ALIANÇA E O PARAGUAI para o conhecimento da Guerra do Paraguai. Por essa razão, aliás, no âmbito do Conselho Editorial da Biblioteca do Exército, chegou-se a cogitar de uma edição reduzida. Todavia, tal solução obviamente mutilaria o texto, por me- lhores que fossem intenções e critérios. Certamente a melhor opção foi publicá-la na íntegra, com os ajustes já feitos na segunda edição. Por último, vale lembrar que a História de Tasso Fragoso assinala tam- bém um importante aspecto que interessa à história intelectual do Brasil e à história do Exército. Tasso Fragoso, nos primeiros anos de sua vida militar, foi influenciado pelo positivismo e pela visão deste sobre a guerra. Para Comte e seus discípu- los, a guerra corresponderia ao estado teológico da humanidade e à sua transi- ção “metafísica” para a era positiva. Nesta, porém, não haveria lugar para con- flitos, os exércitos desapareceriam e permaneceriam apenas organismos poli- ciais, gendarmeries para a manutenção da ordem pública. No Brasil, essa perspectiva foi aplicada ortodoxamente pelo Apostolado Positivista do Rio de Janeiro por toda a República Velha, resultando em uma copiosa obra de condenação da política imperial no Prata e à Guerra do Paraguai, culmi- nando em uma campanha pela devolução dos troféus conquistados àquele país. Tasso Fragoso, em sua fase positivista, defendeu essa posição: “Fui discí- pulo de Benjamim Constant... alistei-me sem hesitação entre os que aplaudi- ram a devolução dos troféus, redigi de meu próprio punho um dos manifestos em que se propugnava essa medida como testemunho da ausência de qualquer rancor e do desejo de concórdia americana.” Em que contexto? Diz Tasso Fragoso: “houve um período em que ser veterano da guerra com López equivalia para alguns críticos a ter cometido uma verdadeira ignomínia. Os velhos guerreiros andavam escondidos, teme- rosos desse conceito.” Seu livro A batalha do Passo do Rosário ainda reflete esse ponto de vista. Mais tarde, o retorno ao catolicismo e à própria carreira militar fizeram-no avaliar de outro modo a política brasileira no Prata e a Guerra do Paraguai. A História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, de certa forma, é a monumental obra dessa conversão, como remissão e como ato de justiça. Arno Wehling Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Membro do Conselho Editorial da Bibliex