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História da América Latina PDF

331 Pages·2009·91.472 MB·Portuguese
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B) g 3 2 ^ a n çz • 3 B> p» & C Q. i S f? e c ? »' «o 63 ..Q CL •n cr c ta DSJ >2 g .. 5 g- P .£ o-o HISTÓRIA NARRATIVA 36 Título original: The Penguin History ofLatin America Copyright © 1992, 2009, Edwin Williamson Todos os direitos reservados Tradução: Patrícia Xavier Revisão: Pedro Bernardo H I S T O R IA DA Capa: FBA ©Corbis/VMI A M E R I CA Depósito Legal n° 351055/12 Biblioteca Nacional de Portugal - Catalogação na Publicação WILLIAMSON, Edwin L A T I NA História da América Latina. - (História Narrativa; 36) ISBN 978-972-44-1657-1 CDU 94(8)'14/20" E D W IN W I L L I A M S ON Paginação: Impressão e acabamento: PAPELMUNDE para UERN/FAFIC/DHi EDIÇÕES 70, LDA. Grupo de Pesquisa Junho de 20 1 6 História do Nordeste: Soci«d«d« • Cultora l .' Edição: Novembro de 20 1 2 Direitos reservados para todos os países de Língua Portuguesa por Edições 70, uma ^J^ chancela de Edições Almedina, S. A. Projeto PIBIC 2014/2016 EDIÇÕES 70, uma chancela de Edições Almedina, S.A. Chamada Universal CNPq 2014 A captura do olhar do outro... Avenida Engenheiro Arantes e Oliveira, 1 1 - 3.° C - 1900-22 1 Lisboa / Portugal e-mail: [email protected] www.edicoes70.pt Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento judicial. ÍNDICE PREFÁCIO FARTEI A ÉPOCA IMPERIAL 11 1. Descoberta e Conquista 13 2. índios e Ibéricos 47 3. A Espanha na América 87 4. As índias Espanholas 127 5. O Brasil Colonial 179 PARTE n O DESAFIO DO MUNDO MODERNO 205 6. Reforma, Crise e Independência 207 7. A Procura de Ordem: Conservadores e Liberais no Século xix.... 245 8. «Civilização e Barbárie»: Desenvolvimentos Literários e Culturais I 297 PARTE m O SÉCULO XX 323 9. Nacionalismo e Desenvolvimento: Uma Análise Global 325 10. México: Revolução e Estabilidade 391 11. Brasil: Ordem e Progresso 423 12. Cuba: Dependência, Nacionalismo e Revolução 449 13. Argentina: O Longo Declínio 473 14. Chile: Democracia, Revolução e Ditadura 499 15. Identidade e Modernidade: Desenvolvimentos Literários e Culturais n.. 525 HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA PARTE IV RUMO A UMA NOVA ERA 581 16: Globalização e Reforma: Uma Análise. 583 633 ANEXO ESTATÍSTICO 654 SUGESTÕES DE LEITURA 683 MAPAS 697 GLOSSÁRIO 707 ÍNDICE REMISSIVO Prefácio Aos que a observam, a história da América Latina tem suscitado, em igual medida, fascínio e perplexidade. Há no continente uma aparente estranheza, um exotismo que advém, talvez, do facto de um dia ter sido visto como um «novo mundo», embora lá sobrevivam monumentos e relíquias de sociedades antigas, cujas culturas ainda hoje conhecemos pouco. Este carácter algo fugidio - que alude, simultaneamente, a um anterior estado de graça e a uma qualquer corrup- ção original - tomou a história da América Latina peculiarmente vulnerável à especulação e à mitificação. Assim, entreguei-me à minha tarefa com cautela, para não dizer receio. O primeiro objetivo deste livro é fornecer uma análise geral ao leitor não especialista. Tanto quanto possível, tentei apresentar um relato de aconteci- mentos desapaixonado e, por vezes, provisório, apontando lacunas no nosso conhecimento ou áreas de controvérsia. Por outro lado, evitei retirar toda a cor da pintura, e por isso o meu método é frequentemente narrativo; centrei-me oca- sionalmente em personalidades, e ao comentar obras literárias procurei dar ao leitor um vislumbre das características mais marcantes da cultura. Porque o meu principal interesse é a América Latina, e não a América pré- -colombiana, começo pela história de como alguns dos seus habitantes foram conquistados pelos Espanhóis. Antes de passar à análise das sociedades híbridas que depois emergiram, incluo um capítulo que descreve, em traços gerais, o meio dos principais povos índios e o dos conquistadores ibéricos. Quanto ao período pós-independência, decidi sacrificar um estudo exaustivo de todas as repúblicas em favor de uma abordagem seletiva, convicto de que assim conseguiria um HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA ângulo mais adequado à discussão de desenvolvimentos representativos, sem negligenciar por completo as condições locais. O século xx foi o mais difícil de cobrir; optei, finalmente, por uma análise introdutória, seguida de capítulos mais breves sobre um conjunto de países cuja experiência foi especialmente signi- ficativa. Nas últimas décadas, a literatura latino-americana foi alvo de uma extraordi- nária atenção pelo mundo fora. As circunstâncias históricas em que foi produzida não são tão bem conhecidas. Procurei, assim, inserir a minha discussão da lite- ratura e da cultura num contexto histórico mais vasto. Nesses capítulos, dedico alguma atenção a determinados autores, porque acredito que a sua obra nos dá importantes indícios relativamente às ideias, imagens e preocupações que mol- daram a «mentalidade» de um período. Por outro lado, achei que seria proveitoso destacar, na medida do possível, as descobertas da investigação história recente Primeka Parte sobre temas que motivaram debate político e cultural na América Latina durante muitos anos. s A Época Imperial Um livro desta natureza serve-se, inevitavelmente, do trabalho de muitas pessoas. Gostaria de reconhecer a minha dívida para com os numerosos inves- tigadores que contribuíram para o nosso conhecimento sobre o passado do continente. E.W. 2012 A DIVERSIDADE DO MUNDO AMERÍNDIO ANTES DAS INVASÕES EUROPEIAS Civilizações avançadas (Impérios) Tribos teocráticas e militaristas Povos semissedeatários em florestas tropicais ou savanas Kvs^ Povos semissedentários em território desértico FvT^j Povos nómadas caçadores, pescadores e coletores CAPÍTULO l Descoberta e Conquista OCEANO ATLÂNTICO Descoberta O Fascínio das índias Depois de uma viagem longa e difícil por zonas desconhecidas do oceano Atlântico, o marinheiro genovês Cristóvão Colombo avistou terra na manhã de 12 de outubro de 1492. Ao desembarcar, estava convencido de que encontrara um caminho marítimo ocidental para o continente asiático, e julgou que poderia agora cumprir-se o propósito da sua viagem: obter dos governantes do Japão e OCEANO PACÍFICO da China a permissão para estabelecer um comércio exclusivo de ouro e especia- rias sob os auspícios dos seus patronos, os Reis Católicos de Espanha. A Ásia, apesar de envolta em mistério, era um continente fascinante para os europeus. Era vagamente conhecida pelo nome de «índias», designação que se aplicava não apenas à índia propriamente dita, mas também a Malaca, às ilhas Molucas e até, num uso livre, à China e ao Japão. Poucos europeus se tinham aventurado pelas suas fabulosas regiões interiores, pelo que, no Ocidente, as imagens da Ásia continuavam a ser influenciadas pelo relato de princípios do século xrv do explorador veneziano Marco Polo, que narrara a sua viagem atra- vés das estepes centrais até aos reinos de Kublai Khan, soberano de Catai. A imaginação de Colombo foi também influenciada por outras descrições mais fantasiosas da Ásia, como as famosas crónicas de Sir John Mandeville, que em finais do século xrv evocou terras habitadas por monstros e por animais exóticos, HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA DESCOBERTA E CONQUISTA terras com minas de ouro, onde o reino cristão do Preste João estava isolado profunda. Este declínio do comércio agravou a terrível depressão que a Europa entre os pagãos. atravessava, em virtude de catástrofes naturais, de convulsões políticas e das As ligações comerciais entre a Europa e a Ásia tinham, na verdade, come- acentuadas quedas demográficas que entre 1347 e 1350 acompanharam a Peste çado séculos antes, através de uma série de rotas de comércio no Mediterrâneo Negra. Oriental, dominadas pelas repúblicas italianas de Génova e Veneza desde o Em Portugal e em Espanha, os efeitos da depressão fizeram-se sentir até século xi. No Levante, uma cadeia de colónias permitia o acesso ao Egito e à meados do século xv. Como Chaunu observou, «o ouro desapareceu quase por Síria, passagens para as riquezas da Arábia, da índia e do Extremo Oriente. Des- completo da península Ibérica. Portugal mergulhou numa crise entre 1383 e tas terras distantes, em caravanas que atravessavam os desertos ou em embarca- 1434, e Navarra viveu uma situação semelhante» (f). Portugal sofreu ainda ções que navegavam junto às costas, chegavam especiarias, sedas e outros arti- com uma escassez de cereais: obtendo más colheitas a cada três anos, apro- gos de luxo, para os quais havia uma procura crescente na Europa, em finais da ximadamente, viu-se obrigado a importar alimentos do Norte de África. No iní- Idade Média. Génova e Veneza enriqueciam graças a este comércio e tomavam- cio do século xv, as necessidades materiais, a par de um renascido espírito de -se peritas na atividade comercial e na navegação. Os Italianos também pro- cruzada contra os Mouros, encorajaram os Portugueses a tentar controlar de duziam açúcar, em plantações trabalhadas por escravos nas suas colónias medi- modo mais direto as fontes de ouro e cereal. Assim, em 1415, atravessaram o terrânicas - pois o tráfico de escravos era parte integrante do comércio entre a estreito de Gibraltar e tomaram o porto de Ceuta, mas a sua conquista de Marro- Europa e a Ásia. cos foi posta em causa em Tânger, pelo que os Portugueses acabaram por con- Os mercadores italianos tinham estabelecido trocas comerciais com a tornar o Magrebe e estabelecer uma rota marítima até às costas atlânticas da Europa do Norte viajando através dos Alpes, mas esta via de comunicação, África subsariana. demasiado lenta, levou-os a procurar melhores rotas e, em 1277, quando uma Uma fase intermédia crucial neste avanço ao longo da costa africana foi a frota genovesa atravessou o estreito de Gibraltar com destino a Inglaterra e à exploração dos arquipélagos dos Açores, da Madeira e das Canárias. A desco- Flandres, foi criada a primeira ligação marítima direta entre as economias medi- berta destes arquipélagos nos anos 30 e 40 do século xiv (já anteriormente se terrânica e atlântica. Ao fim de poucos anos, tinham-se estabelecido em Sevilha, sabia da sua existência) mostra até que ponto os pequenos portos de pesca do Sul Cádis e Lisboa comunidades de comerciantes genoveses, e esta presença italiana de Portugal e do Sudoeste da Andaluzia estavam a contribuir para a exploração na costa atlântica da península Ibérica originaria a transferência para o ocidente marítima. No entanto, estas ilhas atlânticas só foram colonizadas cerca de um das preocupações comerciais e das técnicas de navegação desenvolvidas através século mais tarde, quando a crise económica estimulou a vontade de explorar os da longa experiência do comércio com as índias, no extremo oriental do Medi- seus recursos: nos anos 30 do século xv, colonos ibéricos criaram plantações de terrâneo. açúcar na Madeira e em algumas das ilhas Canárias. Estas primeiras iniciativas Os produtos de luxo adquiridos no Oriente eram pagos em ouro e em escra- em águas atlânticas levariam à exploração da costa africana e, uma vez contor- vos, e a fonte mais abundante desses artigos era o continente africano - especial- nado o cabo Bojador, em 1434, os Portugueses tinham uma via marítima para mente as regiões centrais e ocidentais abaixo do Sara, então conhecido como o comercializar diretamente ouro e escravos com o Sudão. Algumas décadas mais império do Sudão. Em troca de bens europeus, o Sudão enviava escravos, mar- tarde, foram fundadas feitorias (entrepostos de comércio) em pontos estratégicos fim e ouro em caravanas que atravessavam o deserto até aos portos nas costas da costa ocidental africana e das ilhas ao largo. mediterrânicas do Magrebe muçulmano, de onde partiam para o Sul da Europa. Seguiu-se, então, um notável período de expansão marítima dos Portugue- Porém, quando os metais preciosos se tornaram a base da economia monetária ses, que no final do século estabeleceriam um caminho marítimo para a índia, da Europa, a procura de ouro já não podia ser satisfeita pelas caravanas de came- contornando a África e atravessando o oceano Índico para alcançarem o subcon- los que se deslocavam vagarosamente pelo Sara. No decorrer do século xiv, tinente e as ilhas Molucas, que se encontravam do outro lado. Uma vez que a surgiu aquilo que Pierre Chaunu designou uma «fome de ouro» na Europa, espe- potência emergente do Império Otomano encerrara as tradicionais rotas de cialmente no Sul (*). O comércio com o Oriente entrou em défice e o sistema de comércio com o Oriente através do Levante, Portugal tornar-se-ia o principal comércio que tão lucrativo se revelara para os Italianos mergulhou numa crise intermediário nas relações comerciais entre a Europa, a África e a Ásia, assu- mindo na última década do século xv muitas das atividades económicas de Q Pierre Chaunu, European Expansion in the Later Middle Ages (North-Holland: Ames- O Ibid. p. 103. terdão, Nova Iorque e Londres, 1979), p. 103. HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA DESCOBERTA E CONQUISTA Veneza e Génova - a produção de açúcar, o tráfico de escravos e a troca de ouro do oceano era muito inferior à geralmente aceite. Colombo, por sua vez, cometeu e especiarias por bens europeus. Ainda assim, a presença de marinheiros e mer- outros erros de cálculo, pelo que a sua estimativa reduzia ainda mais a largura do cadores genoveses nos portos atlânticos da península Ibérica, durante quase 200 oceano - para apenas 2400 milhas náuticas das ilhas Canárias ao Japão, o que anos, foi um fator vital na grande «empresa das índias» levada a cabo pelos punha o Japão onde na verdade ficam as índias Ocidentais. Se, como era prová- Portugueses. vel, existissem ilhas por descobrir no caminho, então uma via marítima por oeste era uma proposta muito prática; restava apenas persuadir o rei de Portugal a apoiar a sua nova empresa das índias. As quatro viagens de Cristóvão Colombo (1492-1504) D. João n não se mostrou, todavia, favorável ao projeto que Colombo lhe apresentou em 1485: a base científica do plano foi rebatida, e bem, pelos peritos Foi no contexto da expansão portuguesa rumo à índia que Cristóvão do rei e, para todos os efeitos, o Estado português já investira demasiado na Colombo, um membro da comunidade de comerciantes genoveses em Portuga^ procura de um caminho para a índia que contornasse África. A possibilidade de concebeu a ideia de encontrar um caminho marítimo para oeste, atravessando o uma tal via marítima ganhava força na época: em 1484, Diogo Cão descobrira a oceano Atlântico, para chegar ao continente asiático. Não se tratava, na época, foz do Congo, e desde então não parara de avançar, tendo já colocado um padrão de um projeto absurdo: na Antiguidade, chegara-se à conclusão de que a Terra à latitude de 21° 47' sul; e em 1488 Bartolomeu Dias dobraria finalmente o Cabo era redonda, pelo que seria possível, pelo menos em teoria, navegar para oci- da Boa Esperança, deixando aberto o caminho que Vasco da Gama faria para a dente até Catai, evitando desse modo a longa viagem em redor do continente índia em 1497-98, numa viagem que seria um marco na história. africano. Desconhecia-se, no entanto, a dimensão do oceano que ficava no meio, Assim, em 1485, a Coroa portuguesa viu no plano de Colombo uma diversão uma imensidão que dissuadia os navegadores de tentarem uma travessia por extravagante e pouco razoável do projeto bem mais seguro de chegar à índia oeste até às regiões lendárias do outro lado do mundo. contornando o continente africano. Colombo abordou outros príncipes europeus, Marinheiro desde a sua juventude, Colombo ligara-se pelo casamento a uma incluindo os governantes de Castela, mas ninguém se mostrou disposto a embar- importante família genovesa há muito estabelecida na Madeira: o avô da sua car em tal aventura. Contudo, em 1492, Fernando e Isabel, e especialmente esta mulher trabalhara com o infante D. Henrique, o Navegador, o impulsionador das última, tendo conseguido a histórica rendição da Granada muçulmana, estavam explorações marítimas dos Portugueses, e o seu pai distinguira-se em África. preparados para correr o risco de apoiar Colombo. O marinheiro genovês obteve Colombo participara em pelo menos uma expedição à grande feitoria em São uma licença para empreender uma viagem de descoberta; as Capitulacion.es de Jorge da Mina, na Costa do Ouro da África Ocidental, onde observara o funcio- Santa Fe eram extraordinariamente generosas, concedendo a Colombo os títulos namento do sistema de comércio português, assente em trocas de géneros e no hereditários de Almirante do Mar Oceano, Vice-Rei das índias e Governador de comércio de escravos. Apercebeu-se, então, de que um caminho marítimo por todas as terras que descobrisse na sua viagem, bem como o direito a um décimo oeste para a índia traria enormes recompensas comerciais, além de glória e fama. de todas as riquezas provenientes dessas descobertas. Fernando e Isabel também Por outro lado, essa ligação favoreceria os objetivos estratégicos e religiosos de lhe facultaram um empréstimo, e deram ordem aos pequenos portos maríti- Portugal: permitiria que os cristãos estabelecessem contacto com o reino de mos em redor de Cádis para ajudarem a equipar e a abastecer a expedição. Preste João no Oriente, obtendo um poderoso novo aliado e flanqueando o ini- Se Colombo fosse bem-sucedido, a Coroa tornar-se-ia soberana de novos terri- migo muçulmano; abriria também caminho para a conversão de muitos milhões tórios além-mar, e Castela poderia ultrapassar Portugal no estabelecimento de de almas pagãs, como preparação para o estabelecimento de uma monarquia uma ligação marítima direta com a Ásia e, assim, no controlo do lucrativo universal que precederia o Segundo Advento. comércio com os grandes reinos do Oriente. A incógnita era a largura do oceano. Colombo conhecia bem as teorias dos A 3 de agosto de 1492, Colombo zarpou do porto de Paios, no sudoeste da cosmógrafos da Antiguidade e da Idade Média, e sabia que a distância entre a Andaluzia. Tinha três navios - uma nau galega, Santa Maria (100 toneladas), e Europa Ocidental e a Ásia era objecto de alguma controvérsia, dada a discrepân- duas caravelas ao estilo português, construídas na região, Pinta (60 toneladas) e cia entre a estimativa de Ptolomeu para as dimensões da massa conjunta dos Nina (50 toneladas). Eram tripuladas por um total de 87 homens - na sua maio- continentes europeu e asiático, e o cálculo de Marco Polo. Contemporâneo de ria marinheiros robustos e experientes dos pequenos portos da região; os mais Colombo, o grande erudito florentino Paolo Toscanelli apoiava a estimativa mais notáveis, com apelidos como Pinzón, Nino e Quintero, vinham de famílias emi- otimista de Marco Polo, e levou o marinheiro genovês a acreditar que a largura nentes de marinheiros, cuja ajuda e experiência se revelaram essenciais para que - HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA DESCOBERTA E CONQUISTA Colombo cumprisse o seu projeto. Também participava na expedição o grande hospitaleiros - as mulheres nuas ofereceram-se de livre vontade aos estranhos. Na marinheiro biscaíno Juan de Ia Cosa, comandante e proprietário da nau Santa costa noroeste, Colombo deparou com um importante chefe nativo, Guacanagari, Maria, que nos anos seguintes ganharia fama como explorador e cartógrafo. que, para grande alívio do navegador, exibia alguns dos atributos de um soberano Forçada a uma pausa de quase um mês, para reparações, nas Canárias, a - o que foi tomado como indício de que se aproximavam da civilização, logo, do expedição partiu para a sua viagem de descoberta a 9 de setembro. Depois de um Japão ou da China. Quando os nativos mencionaram um lugar chamado Cibao, mês infrutífero no mar, com os homens cada vez mais impacientes e encorajados Colombo pensou que se referiam a Cipangu, o nome então dado ao Japão. apenas pela sua determinação, Colombo começou a aperceber-se de sinais favo- No Dia de Natal, o Santa Maria encalhou num recife de coral e teve de ser ráveis - bandos de pássaros no céu, ramos à tona da água, e depois uma estranha abandonado. Mas Colombo interpretou este desastre como um sinal de Deus em luz trémula no horizonte, em plena noite. Finalmente, às duas da madrugada de como deviam fundar ali a primeira colónia espanhola e, com a ajuda dos homens 12 outubro, o vigia do Pinta avistou terra - penhascos brancos iluminados pela de Guacanagari, a colónia de Navidad foi construída com à madeira do navio lua. Ao nascer do dia, os navios encontraram-se numa pequena baía e Colombo encalhado. Um grupo de 21 voluntários foi deixado no local, e Colombo, con- pisou terra firme; ajoelhou-se e deu graças a Deus por ter finalmente chegado a fiante de que alcançara as índias, partiu no dia 4 de janeiro a bordo do Nina, terra. Atravessara, com efeito, um oceano, mas não estava no Japão; tratava-se iniciando a viagem de regresso a Espanha. de uma ilha bastante pequena das Baamas, a que Colombo decidiu chamar São Condições atmosféricas terríveis obrigaram o Nina a abrigar-se nos Açores e Salvador. depois também em Lisboa. Ainda assim, D. João n recebeu o Almirante com cor- Ao ver aquelas três estranhas embarcações, os habitantes da ilha nadaram na tesia e permitiu-lhe seguir viagem para Espanha. A 20 de abril de 1493, Colombo sua direção. O Almirante, corno chamavam agora a Colombo, registou a sua compareceu perante Fernando e Isabel na corte real de Barcelona, com uma aparência: andavam completamente nus, alguns tinham o corpo pintado, as suas escolta que incluía seis nativos que levavam papagaios em gaiolas. Triunfante, armas eram muito primitivas, e no entanto pareciam bastante dóceis, ansiosos Colombo apresentou-se como o descobridor de novas terras nas índias, terras por trocar os seus pertences pelas bugigangas oferecidas pelos Espanhóis. Mas onde havia ouro e com as quais a Espanha poderia lucrar através do comércio. nada daquilo era o que Colombo procurava: propusera-se chegar ao Japão, e Os Reis Católicos podiam agora esperar vencer Portugal na competição para aquelas pessoas eram demasiado bárbaras para serem súbditos de um rei pode- estabelecer relações comerciais diretas com a índia (os Portugueses só chega- roso. Colombo era um homem de objetivos bem definidos - apostara a sua vida riam à índia em 1498). A necessária legitimidade para tal empresa foi concedida e a sua honra em como chegaria ao Oriente, e agora procurava obstinadamente pelo papa Alexandre VI, um Bórgia espanhol, que emitiu uma série de bulas provas que confirmassem a sua ideia. Além disso, como conhecia as iniciativas atribuindo a Castela o domínio sobre todas as terras que viessem a ser descober- comerciais dos Italianos e dos Portugueses, podia facilmente avaliar o potencial tas no hemisfério ocidental. Por forma a evitar conflitos com Portugal, as bulas económico da sua descoberta. Não tendo encontrado muito em São Salvador concediam a cada uma das potências ibéricas rivais uma secção da parte do - embora lhe tivesse ocorrido a possibilidade de os nativos serem usados no globo por descobrir. Em 1493, traçou-se uma linha de demarcação a uma longi- comércio de escravos -, visitou outras ilhas das Baaamas, impressionado pela tude de 100 léguas a oeste dos Açores e das ilhas de Cabo Verde, mas no Tratado beleza da paisagem, até ouvir falar das ilhas maiores, para sul, onde havia ouro. de Tordesilhas, celebrado em 1494, a pedido de Portugal, e com o acordo diplo- Chegou depois à costa norte de «Coíba» (nome que mais tarde seria hispanizado mático da Espanha, a referida linha avançou mais 270 léguas para ocidente, como Cuba), esperando ter finalmente encontrado o Japão. O ouro que ali havia colocando, inadvertidamente, sob domínio de Portugal o até então desconhecido era escasso, mas Colombo observou como os nativos ficavam descontraídos ao território mais tarde chamado Brasil. soprar um grande rolo feito de folhas a arder, a que davam o nome de tabacos, Ainda antes de se chegar a este compromisso diplomático, Colombo partira um hábito que os Espanhóis acabariam por adquirir e introduzir na Europa. de Cádis a 25 de setembro de 1493 com uma grande expedição de 17 navios e No extremo leste da ilha, o Almirante tomou conhecimento, através das cerca de 1500 homens (não havia mulheres a bordo), com o intuito de fundar dóceis tribos aruaques que encontrara até então, da existência dos violentos cari- uma colónia permanente nas ilhas anteriormente descobertas. Ao regressar a benhos, canibais, e por isso navegou para leste. Quando chegou a outra ilha de Espanola, Colombo verificou que os nativos haviam destruído a colónia e grande dimensão que lhe pareceu semelhante à Espanha, deu-lhe o nome de La+ matado os espanhóis, como vingança pelo seu comportamento ganancioso. Era Islã Espanola (a ilha que hoje compreende o Haiti e a República Dominicana). Aí um acontecimento sinistro, que revelava a natureza das expectativas dos homens. encontrou nativos cobertos de ornamentos de ouro e que se revelaram bastante Os colonos eram aventureiros endurecidos, e as suas motivações básicas, que HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA DESCOBERTA E CONQUISTA não diferiam muito das de Colombo, eram, no entanto, concebidas de modo bem frota de exploração, sob o comando de Vasco da Gama, na esperança de chega- mais rude. Correndo riscos pessoais consideráveis, tinham ficado naquelas terras rem finalmente à índia. para procurar a riqueza e o estatuto que lhes eram negados no seu país de origem. Colombo precisou de cerca de 18 meses para organizar uma nova expedição, Não se contentariam, obviamente, com uma vida de camponeses, cultivando a desta vez financiada pelo tesouro real, sob a supervisão do arcediago de Sevilha, terra ou negociando pacificamente com os nativos; afinal havia grandes reservas Juan Rodríguez de Fonseca, um funcionário ambicioso que ao longo das duas de mão de obra indígena a utilizar de modo a que os europeus enriquecessem o décadas seguintes conquistaria uma enorme influência na direção da empresa das suficiente para viverem como senhores ao regressar a Espanha. índias. Colombo zarpou em maio de 1498 e chegou à ilha de Trindade em julho; Transtornado com a destruição de Navidad, Colombo navegou para leste, explorou em seguida a costa da Venezuela e, pela força das correntes de água procurando um novo local onde fundar um entreposto de comércio ou uma fei- doce no golfo de Pária e no delta do Orenoco, depreendeu que aquele lugar devia toria ao estilo português, como os existentes na costa africana. Fundou uma fazer parte de um grande continente, uma tierra firme. Porém, obcecado pela colónia, a que deu o nome de Isabela, em homenagem à rainha, num local parti- demanda do Oriente, não se apercebeu das implicações da descoberta daquela cularmente mal escolhido, e daí o Almirante enviou expedições para o Cibao, imensa massa de terra, embora a referisse metaforicamente como um «outro com o objetivo de localizar a fonte do ouro dos nativos. Embarcou em seguida mundo». Seria um outro explorador italiano, Américo Vespúcio, navegando num numa viagem de reconhecimento que o levou mais uma vez a Cuba e em redor navio espanhol por rotas abertas por Colombo, a formular a ideia poderosa de da Jamaica, e regressou a Isabela em Setembro de 1494, deparando-se com que aquele era um continente sem ligação à Ásia: foi o primeiro a chamar-lhe novos problemas de indisciplina por parte dos seus - uma facão de catalães mundus novus, um «novo mundo». Colombo, por sua vez, nunca se libertou do revoltara-se contra o seu irmão Diego, que deixara à frente da colónia. Com uma seu pensamento medieval; foi, até ao fim, o visionário apocalíptico, intrigado crescente tensão entre, por um lado, a sua vocação de explorador e comerciante pelas maravilhas que se lhe revelavam, especulando, por exemplo, que o delta do (orgulhosamente reconhecida no seu título, Almirante do Mar Oceano) e, por Orenoco talvez fosse o rio de quatro braços que, segundo as Escrituras, atraves- outro, o seu papel de governador da nova colónia espanhola (Vice-rei das índias, sava o Paraíso Terrestre. como anunciava o seu outro grande título), Colombo tentou satisfazer as ambi- Ao chegar a Espanola, o Almirante encontrou os espanhóis num estado de ções de espanhóis desordeiros que queriam recompensas rápidas pela coloniza- guerra civil. A cidade de Santo Domingo, construída na sua ausência pelo seu ção: autorizou novas expedições brutais pelo interior, em busca de ouro, e pro- irmão Bartolomeu, tornara-se tão ingovernável como a colónia de Isabela. cedeu a um repartimiento (uma distribuição) de índios cativos, que passaram a Colombo tentou estabelecer um acordo entre as facões belicosas, mas o Almi- trabalhar para os espanhóis. Considerou igualmente a possibilidade de iniciar um rante e os seus irmãos eram desprezados como estrangeiros, e a incapacidade de tráfico de escravos com vista a melhorar as perspetivas económicas da sua coló- controlar a situação minou ainda mais a sua autoridade. Finalmente, em agosto nia, e enviou para Espanha um navio com aproximadamente 500 índios (cerca de 1500, chegou um administrador real, Francisco de Bobadilla, com ordens da de 200 morreram de frio durante a viagem e a maioria dos restantes faleceu Coroa para investigar o conflito. Os irmãos Colombo foram detidos e Cristóvão pouco depois de chegar ao mercado na Península). As tribos índias de Espanola foi enviado para Espanha, a ferros. revoltaram-se e avançaram sobre Isabela, mas foram facilmente dominadas pelas Este tratamento tirânico foi, evidentemente, uma humilhação terrível para o armas e pelos cães selvagens dos espanhóis. Almirante, mas as circunstâncias exigiam uma revisão do empreendimento ori- Em março de 1496, Colombo voltou a Espanha para se defender de calúnias ginal de Colombo. Os problemas políticos de Espanola tinham-se tornado tão espalhadas por colonos dececionados que haviam regressado de Espanola. A sua graves porque a ilha não podia ser convertida num entreposto de comércio, como empresa das índias vinha sendo desacreditada na corte: parecia não haver gran- Colombo planeara. Não era possível obter ouro através de um sistema de trocas, des indícios de jazidas de ouro, não fora estabelecido qualquer contacto com os como acontecia nas feitorias portuguesas das costas africanas; era preciso extrair governantes do Japão ou da China, e Espanola vivia agitada pelo descontenta- diretamente o minério, o que requeria uma operação mais complexa, incluindo mento; além disso, a devota rainha Isabel mostrava-se insatisfeita com o trata- uma colonização permanente e a organização de um conjunto de trabalhadores, mento dado aos índios e proibira expressamente que estes fossem feitos escra- operação que exigia a intervenção do Estado, para criar um sistema de governo vos. Ainda assim, Colombo verificou com alívio que os Reis Católicos, apesa» efetivo. E, assim, o monopólio pessoal de Colombo sobre a empresa, conforme das suas reservas, continuavam a confiar nele - talvez porque estivessem preo- definido nas Capitulaciones de Santa Fe, chegou ao fim. Em fevereiro de 1502, cupados com as intenções dos Portugueses, que se sabia estarem a preparar uma os Reis Católicos de Castela enviaram um administrador experiente, Nicolás de

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