UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NÍVEL MESTRADO HENRIQUE ABEL A DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E SUA (IN)COMPATIBILIDADE COM O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – POSITIVISMO, PRAGMATISMO E CETICISMO NO CENÁRIO DO “PÓS-POSITIVISMO” São Leopoldo 2011 HENRIQUE ABEL A DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E SUA (IN)COMPATIBILIDADE COM O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – POSITIVISMO, PRAGMATISMO E CETICISMO NO CENÁRIO DO “PÓS-POSITIVISMO” Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Orientador: Profª Drª Fernanda Frizzo Bragato São Leopoldo 2011 A139d Abel, Henrique A discricionariedade judicial e sua (in)compatibilidade com o Estado democrático de direito – positivismo, pragmatismo e ceticismo no cenário do “pós-positivismo”/ por Henrique Abel. 2011. 122 f. ; 30cm. Dissertação (Mestrado) -- Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Programa de Pós-Graduação em Direito, São Leopoldo, RS, 2011. Orientadora: Profª Drª Fernanda Frizzo Bragato. 1. Direito - Positivismo. 2. Discricionariedade judicial. 3. Neoconstitucionalismo. 4. Ceticismo. 5. Dworkin, Ronald. I. Título. II. Bragato, Fernanda Frizzo. CDU 340.13 Catalogação na Publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184 2 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Wladimir Barreto Lisboa, orientador do meu Trabalho de Conclusão na graduação do curso de Ciências Jurídicas e Sociais nesta universidade, no ano de 2004. A presente dissertação, sob muitos aspectos, é uma evolução natural daquele trabalho – que, cabe lembrar, foi fortemente inspirado pelas excelentes aulas que tive na disciplina de Filosofia do Direito com o Prof. Dr. Gerson Pinto Neves, a quem igualmente agradeço. À minha orientadora, Prof. Dra. Fernanda Frizzo Bragato, pela sempre atenciosa disponibilidade, pela leitura minuciosa de todos os capítulos e pelas ótimas sugestões metodológicas e bibliográficas. Ela detectou e apontou todas as falhas desta dissertação durante a sua elaboração - as que eventualmente sobraram são de minha inteira responsabilidade. Ao Prof. Dr. Lenio Luiz Streck, pelo voto de confiança quando da apresentação em banca do projeto desta dissertação. À Chaiane Thiesen Bitelo e Juliani Leal, pelas sugestões de organização para elaboração deste trabalho. Ao Setor de Referências da Biblioteca da Unisinos, pelo excelente - e gratuito - trabalho de orientação no tocante à rigorosa adequação desta dissertação às regras da ABNT. Aos amigos e pessoas queridas, pelos muitos momentos subtraídos de nosso convívio. A meus pais, Heron e Maria Regina, por absolutamente tudo. 3 "Each of us burts with love of life and fear of death: we are alone among animals conscious of that apparently absurd situation. The only value we can find in living in the foothills of death, as we do, is adverbial value." 1 RONALD DWORKIN “[…] it is the mark of an educated man to look for precision in each class of things just so far as the nature of the subject admits: it is evidently equally foolish to accept probable reasoning from a mathematician and to demand from a rhetorician demonstrative proofs.” 2 ARISTÓTELES "Caso alguém me convencer, me provar que penso ou procedo erradamente, tratarei de corrigir-me, já que busco a verdade, que nunca fez mal a ninguém. Mas, quem persiste no erro e na ignorância faz mal a si mesmo." 3 MARCO AURÉLIO "[...] o que torna verdadeira uma convicção não é o prazer nem o conforto que nos proporciona. [...] As descobertas da investigação às vezes são errôneas, mas isso não as torna subjetivas. [...] Os que insistem em que a verdade é algo maleável e subjetivo não compreendem que, com tal critério, a investigação é impossível." 4 BERTRAND RUSSELL “Did you see the frightened ones? Did you hear the falling bombs? Did you ever wonder Why we had to run for shelter When the promise of a brave new world Unfurled beneath a clear blue sky?”5 ROGER WATERS 1 DWORKIN, Ronald. Justice for Hedgehogs. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2011. p.13 2 ARISTOTLE. Nicomachean Ethics. 1094b24. 3 MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Martin Claret, 2001. p.54. (Original: Livro VI, XXI). 4 RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. 6ª edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 452. 5 Trecho da letra de Goodbye Blue Sky, do álbum The Wall, lançado pela banda britânica Pink Floyd em 1979. RESUMO O presente trabalho busca fazer uma análise do status quaestionis do positivismo jurídico na atualidade, compreendido em dois planos: primeiro, enquanto construção teórica que busca se renovar e se reafirmar dentro das ciências jurídicas após a ampla repercussão da famosa - e já bem assentada - crítica de Dworkin ao positivismo; segundo, na forma de práticas que continuam presentes no senso comum teórico dos juristas brasileiros, dentre as quais se destaca a questão da discricionariedade judicial. Deseja-se, com isso, superar o debate clássico Hart-Dworkin de trinta anos atrás e analisar como esse debate evoluiu, ou seja, como os positivistas contemporâneos lidaram com as críticas de Dworkin e o que este autor, hoje, tem a dizer do positivismo jurídico que ainda sobrevive no meio acadêmico. Pretendemos, também, demonstrar que a discricionariedade judicial que herdamos do positivismo normativista pós-Kelsen possui um "Calcanhar de Aquiles" filosófico, qual seja, a sua necessária vinculação com o ceticismo filosófico, uma postura historicamente superada dentro da filosofia desde os tempos de Platão e Aristóteles. Além dessa má fundamentação filosófica, sustentaremos ainda que a discricionariedade judicial positivista é intrinsecamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, nascido no Século XX dentro do paradigma do neoconstitucionalismo (Constitucionalismo Contemporâneo) do segundo pós- Guerra. Palavras-chave: Dworkin. Positivismo jurídico. Discricionariedade judicial. Neoconstitucionalismo. Ceticismo. ABSTRACT The present study attempts to analyze the status quaestionis of legal positivism today, understood on two levels: first, while theoretical construct that seeks to reassert itself within the legal sciences after the famous and well established critics of Ronald Dworkin. Second, in the form of practices that are still present in the common sense of Brazilian jurists, among which highlights the issue of judicial discretion. This study seeks to overcome the classic Hart-Dworkin debate of thirty years ago to look at how this debate evolved. In other words: how today positivists dealt with the critics of Dworkin and what this author now has to say about contemporary positivist theories in Law academy. We also wanted to demonstrate that judicial discretion inherited from Kelsen's normativism has an "Achilles Heel" philosophy, namely, its necessary connection with the philosophical skepticism, a position historically overcome within the philosophy since the times of Plato and Aristotle. In addition to this poor philosophical background, the positivist judicial discretion is inherently incompatible with the modern models of democratic rule of law, born in the twentieth century within the paradigm of neoconstitutionality (Contemporary Constitutionalism) after the Second World War. Keywords: Dworkin. Legal positivism. Judicial discretion. Neoconstitutionality. Skepticism. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................7 1 A CLÁSSICA CRÍTICA DE DWORKIN AO POSITIVISMO JURÍDICO............11 1.1 DWORKIN E O DIREITO COMO INTEGRIDADE..................................................11 1.2 A CRÍTICA DE DWORKIN AO POSITIVISMO JURÍDICO....................................22 1.3 O PODER DOS JUÍZES NA TEORIA DE DWORKIN...................................................26 2 A SOBREVIDA DO POSITIVISMO JURÍDICO NO PLANO TEÓRICO E ACADÊMICO.........................................................................................................................28 2.1 POSITIVISMO INCLUSIVO E POSITIVISMO EXCLUSIVO......................................30 2.2 O POSITIVISMO EXCLUSIVO EM JOSEPH RAZ E ANDREI MARMOR E O POSITIVISMO INCLUSIVO DE JULES COLEMAN...........................................................32 2.3 AS DEFICIÊNCIAS DAS TEORIAS POSITIVISTAS PÓS-DWORKIN.......................46 3 A DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL POSITIVISTA COMO MANIFESTAÇÃO DO CETICISMO FILOSÓFICO..........................................................................................59 3.1 SÓCRATES E PLATÃO - O NASCIMENTO DA FILOSOFIA CLÁSSICA E DA CRÍTICA AO CETICISMO.....................................................................................................59 3.2 A CRÍTICA AO CETICISMO EM ARISTÓTELES – A NÃO-CONTRADIÇÃO COMO UM PRINCÍPIO PRELIMINAR DO MÉTODO CIENTÍFICO.................................69 3.3 IMPLICAÇÕES DA REFUTAÇÃO DO CETICISMO FILOSÓFICO NA REFUTAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E NA QUESTÃO DA POSSIBILIDADE DE RESPOSTAS CORRETAS NO DIREITO..............................................................................73 4 A SOBREVIDA DA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL NA PRÁXIS JURÍDICA BRASILEIRA E SUA INCOMPATIBILIDADE COM O NEOCONSTITUCIONALISMO..........................................................................................92 4.1 DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL POSITIVISTA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E NEOCONSTITUCIONALISMO (CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO).............................................................................................................93 4.2 A SOBREVIDA DO POSITIVISMO JURÍDICO NO BRASIL.....................................108 CONCLUSÃO.......................................................................................................................119 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................126 7 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, em grande parte em virtude do neoconstitucionalismo europeu e das reações intelectuais aos horrores da Segunda Guerra Mundial, o positivismo jurídico sofreu críticas fulminantes provenientes do meio acadêmico. Provavelmente, nenhum outro autor contribuiu tanto para a superação do discurso positivista quanto o jusfilósofo norte- americano Ronald Dworkin, principalmente em virtude de suas três obras mais emblemáticas: Levando os Direitos a Sério (1977), Uma Questão de Princípio (1985) e O Império do Direito (1986). As críticas de Dworkin (e as derivadas de seu trabalho) progressivamente se popularizaram entre a comunidade jurídica internacional. Como resultado, elas acabaram por minar as bases teóricas do positivismo jurídico, que passou a ser comumente visto sob o rótulo de uma doutrina ultrapassada e superada – ao ponto de o termo pós-positivismo ter se popularizado no jargão jurídico como sinônimo da realidade contemporânea dos ordenamentos jurídicos ocidentais. A ideia de “pós-positivismo”, no entanto, abriga um comodismo perigoso. Ela ignora dois fatos fundamentais para a compreensão do status do positivismo jurídico na contemporaneidade. O primeiro ponto é o fato de que a alardeada “morte” intelectual do positivismo jurídico é colocada em cheque pela perseverante sobrevida que esta corrente de pensamento vem recebendo nos meios acadêmicos, em diferentes versões e concepções, destacadamente por meio dos esforços intelectuais de autores como Joseph Raz, Andrei Marmor e Jules Coleman. Uma verdadeira superação do positivismo jurídico no plano teórico, dessa forma, precisará tomar o debate Hart/Dworkin não como solução, mas sim como ponto de partida para sedimentação de uma teoria da decisão verdadeiramente pós-positivista. Passados mais de vinte e cinco anos desde a publicação das obras seminais de Dworkin, é necessário que o status acadêmico do positivismo jurídico seja reavaliado, no sentido de uma renovação do combate intelectual às ideias positivistas - que prosseguem, de forma perseverante, no objetivo de desconstruir a crítica dworkiniana, resgatando (total ou parcialmente) o legado de Hart e Kelsen. O fato, assim, é que hoje já existe uma nova geração de positivistas do Direito, que já absorveram a crítica de Dworkin e que, não obstante, continuam defendendo um projeto de positivismo jurídico para a contemporaneidade. Dessa forma, é preciso tomar a crítica de Dworkin a Hart não mais como objeto de novos estudos, mas sim como o pressuposto a
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