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Haiti -Cultura, poder e desenvolvimento PDF

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704 r Marmelo Grondin + As Culturas Populares no Capitalismo -- Néstor García Canclini B Economia e Movimentos Sociais na América Latina -- Diversos Autores HAITI : Colação Primeiros Passos cultura, poder e desenvolvimento B O que é Capitalismo -- 4#ián/o/Ue/ides Calão/ e O que é Cultura -- rosé Z.uizd os Santos e O que é Cutura Popular -- 4nfon/o 4ugusfo 4ranfes e O que é História -- Va\ryP acóeco Borgas e O que é Imperialismo- - .4/}ánlo/ Ue/idesC alam/ 8 O que é Poder -- GérardLeó/un e O que é Subdesenvolvimento -- Horác/'oG onzo/ez Colação Tudo é História e A Afro-América -- A Escravidão no Novo Mundo Cú'o Flamarion Cardoso B América Central: Da Colónia à Crise Atual -- Néctar P, Brignofi 1985 CiopyrfgÀf © Marcelo Grondin Responsável editorial: Lilia M. Schwarcz Tradução: Beatriz A. Cannabrava Capa e ilustração: Ettore Bottini ÍNDICE Revisão: Mano Nery Elizabeth Tasiro In tro du ção 7 O Caribe 13 República Dominicana 24 35 Conclusão 98 Indicações para leitura 102 Editora Brasilionse S.A R. General Jardim, 160 l 01223 -- São Paulo -- SP Fine {011 ) 231- 1422 INTRODUÇÃO Nenhum branco pode sentir o que sente um ne gro. Fomos trazidos para câ como escravos' ' Esta fntse de uma negra brasileira expressa. de forma con- cisa e brutal. a profundidade e a complexidade da re- lação entre cultura, poder e desenvolvimento. A pre- sença dos negros na América é um espinho na carne dos brancos, pois essa presença perpetua a memória e. muitas vezes. a realidade persistente de um dos dramas mais trágicos vividos por uma considerável parte da humanidade. E como acontecee m todos os dramas, s6 aqueles que o vivem ou viveram na prõpna carne podem senti-lo e compreendo-lo em toda a sua profundidade. O negro trazido para as plantações não somente foi separado violentamente dos elementos que forma- vam a rede de suas relaçõesn o seu país da Africa para ser transplantado a um universo diferente: ele foi trazido como escravo, situação que o negro que permaneceu na Ãfrica, embora colonizado, não co- 8 Marmelo Grondin 9 Haiti: Cultura. Poder e Desenvolvimento nheceu. ''Escravo'' e ''negro'' são termos com dois balho do recolher definiçõesd e cultura e encontrou significados diferentes que, na América, as circuns- mais de 5001 Aqui, entenderemos cultura como o tâncias históricasa proximaram, até fazer com que conjunto integrado de formas de comportamento dos coincidissem (na mentalidade colonial) e se perpe tnembros de um grupo humano. Essas formas de tuassem. E por isso que o preconceito de inferiori- comportamento não são herdadas; são aprendidas na dade e a idéia de que o negro era um ser totalmente comunicação oral ou vivencial entre os membros, e abjeto, desprezível, ficaram finalmente grudados à são sujeitas a normas e valores estabelecidos pelo gru- sua própria pele. po. Tais formas de comportamento são expressão das Esse acontecimento, que marcou séculos de his- relações dos indivíduos e do grupo com a natureza tória e permitiu, em parte, a consolidação do sistema (produção), com o próprio grupo (sócio-política), capitalista, deixou profundas raízes e marcas indelé- com a célula reprodutiva (família) e com o sobrena- veis no continente americano, particularmente no Ca- tural (religião, mitos, ritos). Por isso, as relaçõesd e ribe, região de maior concentração de população ne- diferentes indivíduos, dentro de um grupo humano, gra depois da Africa. ajustam-se a um molde preestabelecido pelo grupo, Reconhecendo o desafio expressado pela frase embora evoluam juntamente com a evolução das re- inicial e respeitando os limites que o caso aconselha, lações mencionadas. Todos os grupos humanos esta- este trabalho tem como finalidade analisar precisa- belecem relações acerca dos diferentes fatores ou ins- mente a cultura negra num país do Caribe, sua rela- tituições que compõem a sociedade, mas se distin- ção com a luta pelo poder e os condicionamentos que guem pela forma como o fazem: isso é cultura. Por ela impõe aos programas de desenvolvimento. esse motivo, em sociedades divididas em classes so- Para qualificar a relaçãoe ntre cultura, poder e ciais não pode haver uma cultura comum ou uma desenvolvimento, foi escolhido um país da complexa cultura nacional, embora não sda fácil delimitar as e variada região do Caribe: o Haiti, que partilha com características de cada cultura ou subcultura dessas a RepúblicaD ominicanaa ilha de São Domingos, sociedades. No Haiti, por exemplo, hâ uma diferença também chamada a Hispaniola.. A escolha deveu-se grande entre a cultura dos mulatos, a dos negros ri- principalmente às suas características próprias, à sua cos da burguesia, a da pequena burguesia e a cultura história e sua trajetória, que ilustram de forma con- da grande massa negra camponesa. .trastante o tema deste estudo. Não há poder sem cultura. Em um grupo hu- O que é cultura? Ãs vezes, é identificada como mano, o mais poderosoé o membro ''culto'', aquele arte ou conhecimento. Daí se diz de uma pessoa que que conhece melhor as relações e instituições estabe- é ''culta''. O antropólogo A. L. Kroeber deu-se o tra- lecidas pelo grupo, e as normas, valores e postulados r 10 Marmelo Grondin Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento 11 que definem o comportamentod o grupo a respeito nas colónias do Sul que estabeleceu a primeira repú- dessas relações. Para controlar o comportamento do blica negra do mundo: a revoluçãod e negros e es- grupo, é importante controlar sua cultura e suas ex- cravos contra os patrõesb rancos das plantações,o pressões. Foi o caso do ditador Duvalier no Haiti. que consagrou sua liberdade, sua independênciae Embora fosse da burguesia negra, conhecia muito seu orgulho. Grande parte daqueles que lotaram por bem a cultura da massa da população negra e soube essa liberdade eram escravos nascidos na África e re- instrumentalizâ-la. Da mesma forma, o enfrenta- cém-chegados ao Haiti. Depois de conquistar sua li- mento de grupos de interesses de uma classe para a berdade, tiveram que continuar lutando para gozã- conquista do poder -- os mulatos e a burguesia negra la. Depois de quase dois séculos, a maioria de seus do Haiti, por exemplo -- é necessariamente envol- habitantes, camponesesp obres, ainda não estão se- vido por expressões culturais. guros de que seja deles a terra que pisam e cultivam Desenvolvimentoé mais do que crescimento. E -- uma terra que eles conquistaram --, dando a im- mudança de estruturas, ou seja, mudança dos tipos pressão de uma população que se considera ainda de relaçõese instituições na produção, nas classes so- tanto em trânsito como em transição. ciais, no sistemap olítico, como foi mencionadoa ci- Além disso, as lutas internas pelo poder e as per- ma. Sendo todas essas relações imbuídas de cultura, manentes intervenções estrangeiras de todo tipo, des- esta poderá ser um instrumento de incentivo à mu- de a Colónia até o presente, particularmente a fran- dança ou de impedimento à transformação (no ca: cesa, a inglesa, a espanhola e a norte-americana, não se dos membros de um grupo o utilizarem para pro- permitiram a formação de uma homogeneidade com- teger-se contra a infiltração alheia). Por exemplo: pacta da população. Nem africano nem americano, a religião vodu no Haiti foi um fator importante na profundamente caribenho, o Haiti ainda é somente luta para a abolição da escravidão e para a inde- um país; não é uma nação. Essa situação de transi- pendência junto à metrópole. Atualmente, é um dos ção e de divisão se reflete nos elementos culturais da instrumentos conservadores face à modernização do população e condiciona suas potencialidadese m re- país lação ao desenvolvimento. O Haiti é freqüentementec onsiderado, no Ca- O texto divide-se em três partes. A primeira, de- ribe, como o país ''africano por excelência'' e, na dicada ao Caribe permite situar o Haiti nessa região, América, o país negro, o país do vodzze da coumólfe, cuja populaçãoé principalmenten egra. Ao mesmo do tambor e do ergo/e, coberto de capas (casas típi- tempo, permite mostrar como o Haiti, assim como cas) e animadop or costumesa ncestrais.M as o Haiti acontece com as outras ilhas, tem uma identidade é muito mais que isso: é o país da primeira revolução própria dentro do conjunto. 12 Marmelo Grondin A segunda parte introduz historicamente o Hai- ti, situando-o no seu contexto mais próximo através de uma breve descrição da República Dominicana. De fato, não se pode compreender o Haiti sem algum conhecimentod a sua vizinha, a República Domini- cana, com a qual partilha a Hispaniola. Esta vizinha marcou profundamente a evolução política do Haiti e continua até hoje influindo em sua vida económica e em sua cultura. O CARIBE A terceira parte aborda aspectos da sociedade haitiana que fundamentam a cultura dos diversos se- tores dessa sociedade, fomentam ou facilitam as re- lações de poder e podem revelar-se como fatores posi- tivos ou negativos para o verdadeiro desenvolvimento. A região assim denominada é mais que um mar ou um arquipélago:é um mundo. Vinte e setei lhas Uma atenção particular é dada à questão da ''negri- principais e quatro territórios em terra firme: trinta e tude'' e da evolução da propriedade e do uso da terra. dois países, colónias ou departamentos diferentes. já que estes aspectos se relacionam particularmente Embora, à primeira vista, certas característicasc o- com as duas características que marcaram profunda- mente a população trazida da Âfrica: ela era escrava muns sejam suficientes para que se considere o Ca- Q negra . ribe como um conjunto, esse conjunto é muito mais heterogéneo que homogéneo. Características comuns O aspectoc omum mais evidenten o Caribe é o fato de que suas unidades, com exceçãod as três Guianas e de Benze, que estão em terra firme, são ilhas esparsas num mar deslumbrantep or sua bele- za. Essas ilhas foram habitadas originariamente por autóctones vindos do continente e conheceram um dos maiores genocídios da história, com o extermínio b. 14 Marmelo Grondin Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento 15 quase total de sua população em menos de cinqüenta zavam e do produto que saía de suas mãos para ali- anos,.c om exceção de um pequeno grupo de Caribes mentar o consumo das metrópoles, que eles desco- da ilha Dominicana. O desaparecimento dessa mão- nheciam. Sistematicamentel imitados em sua possi- de-obra gratuita obrigou os colonialistas europeus a bilidade de comunicação -- o sistema misturava es- importar mão-de-obraa fricana desde o início do sé- cravos oriundos de várias tribos --, os africanos tive- culo XVI. Começou, então, no Caribe, o fenómeno ram que esquecer sua forma de produção, seus costu- da escravidão, que transformaria o Caribe atual mes, sua língua, sua religião e sua música, e moldar numa das maiores, senão a maior, concentrações ne- o créoZed e sua ilha, língua franca do lugar para os gras depois da Africa. negros; o vodu, no Haiti, religião franca dos negros; As ilhas do Caribe têm também em comum o o tambor, instrumentom usical franco para os negros fato de haverem sido colonizadas pelo sistema de entre as ilhas. plantações, embora fossem de diversos tipos. Os es- É importante salientar que a presença dos afri- cravos africanos além de não terem controle sobre a canos escravos nas plantaçõese ra limitada unica- produção e sobre a distribuição dos ingressos, sequer mente à produção dentro dos limites do território de tinham direito sobre si mesmos. Essa experiência co- seu dono, sem nenhuma participação na dinâmica da mum das ilhas -- o sistema de plantaçõesc om o tra- estrutura sócio-económicae política da Colónia, da l balho dos escravos -- juntamente com o fato de have- qual eram sistematicamente afastados. Essa política rem permanecido como colónias até o século XX (com explica, em grande parte, a impossibilidade da for- raras exceções, como o Haiti, a República Domini- mação de uma identidade nacional, enquanto senti- cana e, até certo ponto, Cuba), é, em diferentes mento de pertencer a uma nação-Estado considerada l graus, a fonte estrutural mais profunda de comuni- como sua e na participação de um prometcoo mum, de l dade entre os habitantes das ilhas da região. Entre- um corpo de valores e de comportamentos que ser- tanto, essa fonte comum não supera as diferenças e vissem para unir os componentes de uma sociedade, não chega, necessariamente,a o nível ideológico ou apesar das diferenças económicas, sociais e políticas. emocional, como uma força suficiente para conseguir Despojados de tudo quanto era seu pelo europeu organizar o Caribe numa comunidade económica ou colonialista e escravjsta, o africano ou seus descen- política. dentes, homogeneizadosc omo negros pelos bran- Trabalhadores dos campos e das manufaturas, cos, apegaram-seà sua cor, pois dela não podiam ser retirados de suas terras e deslocados para outras, que despojados e a transformaram, em diferentes graus, nunca seriam suas, os escravos eram despojados de no elemento unificador diante de seus exploradores, sua própria pessoa, dos meios de produção que utili- homogeneizados por eles como brancos . 16 Marceto Grondin Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento 17 Assim é que, nas Antilhas, as sociedadest ive- ram uma tendência a se estratificarem em duas gran- des classes sócio-económicas: uma classe de planta- dores e comerciantes dominantes, e uma população escravao u, mais tarde, proletária, subordinada, dis- tinguida e apoiada pela cor (com reservas para Cuba, República Dominicana e Porto Rico). A luta entre essas duas classes resultou no confronto entre negros e brancos (tendo, estes últimos, os mulatos como aliados), ou entre mulatos e negros, como no caso do Haiti. Características diferentes As diferenças consideráveis entre as ilhas supe- ram suas características comuns e definem não só a especificidaded e cada uma delas, mas também sua estrutura e sua vida concreta. O Caribe, como uni- dade sócio-económica,p olítica e mesmo geográfica não existe: o que existe são .[es Caraíbes (As Caraí- + bas) ou ''Tàe Carzbbean /x/amas'' (As Ilhas Caribe- nhas). Geograficamente, as ilhas do Caribe se dividem em dois grandes grupos: Grandes Antilhas e Peque- nas Antilhas. As primeiras agrupam quatro ilhas vi- zinhas (5 países) e têm extensões( lue variam entre 8897 km: (Porto Rico) e 114524 km: (Cuba), e po- pulações que vão de 2,2 milhões de habitantes (Ja- maica) a l0,5 milhões de habitantes (Cuba). As Pe- O Caribe é mais que um conjuntod e ilhas, é um con quenas Antilhas são 23 ilhas espalhadas que variam junto de ilhas isoladas umas das outras. 18 Mlarcelo Grondin Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento 19 em extensão entre 1 779 km! (Guadalupe e depen- mente (no sentido estrito da palavra). Os africanos dências) e 52 km' (St. John), e têm populações que que chegavam às colónias procediam de sociedades e variam entre 10 00 habitantes( St. John) e 350 mil raças totalmente diversas. Jâ nas cidades portuárias da Ãfrica os escravos eram repartidos e misturados habitantes (Martinica). Trinidad & Tobago consti- tuem uma exceção: 5 128 kmz e um milhão de habi- de acordo com as limitações habitacionais (muitas tantes. Várias ilhas com populações inferiores a cem vezes clandestinas) e com as exigências mercantis. mil habitantes, como Dominica, já são países inde- O controle inglês sobre a venda de escravos durante o pendentes. século XVlll acrescentou mais um intermediário e O Caribe é mais que um conjunto de ilhas, é um introduziu uma nova etapa de repartição da merca- conjunto de ilhas üo/abas umas das outras. Desde o doria humana. Além disso, os navios negreiros não início da Colónia, o ritmo das comunicações entre as vendiam toda sua carga numa mesma ilha (talvez te- nha sido o caso do Haiti entre 17M e 1790). lam de ilhas, já separadas por um mar de navegação difícil, esteve na dependência do sistema administrativo das ilha em ilha alimentando os mercados com escravos metrópoles e das guerras travadas entre elas, de suas trazidos da Ãfrica. Eram barcos de contrabando de necessidades económicas e mercantis, do contra- escravos, muito numerosos nessa época. E havia tam- bando e da pirataria legendária que fez do Caribe seu bém os casos de revenda, quando os escravos eram mar predileto. Além disso,. tais comunicações entre levados de um lugar a outro de uma mesma ilha, ou as ilhas se davam quase unicamente entre as classes de uma ilha para outra. Os proprietáriose compra- dominantes e administrativas e não entre os escra- dores de escravos procuravam se abastecer o menos vos, trabalhadores das plantações ou pequenos pro- possível de indivíduos oriundos do mesmo grupo ét- nico e não os colocavamj untos numa mesma plan- dutores rurais que formavam a massa da população. Essa falta de comunicaçãoa inda acontecç. Na atua- tação. Assim, evitavamq ualquer tipo de resistência [idade, é mais fácil viajar entre Canadâ, Estados ].Jni- ou insurreição. A desarticulação sistemática dos gru- dos, Europa, América do Sul, América Central e as pos étnicos impediu a difusão de um conjunto ou de ilhas do Caribe que entre as próprias ilhas. As limi- conjuntos uniformes e integrais de organização, cren- tações da comunicação vertical com a metrópole, ças, costumes, línguas ou outras expressões cultu- rais. Embora vários elementos culturais específicos preferida à comunicação horizontal entre as ilhas, influíram consideravelmenten o fortalecimento do atuais procedam, à luz de toda evidência, de certas seu caráter individualista. regiõesp recisas da Ãfrica, seria muito difícil atribuir As ilhas do Caribe são muito diferentesu mas uma parte significativa da cultura de qualquer ilha do Caribe exclusivamentea um determinado grupo das outras, tanto étnica e racialmente como cu/feira/-

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