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Guerra de Orixá: Um estudo de ritual e conflito PDF

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~ li Sumário 11tl'/r1t'io à 3!! edição ..... ..... .... ......... .. .. ... ........... 7 l'tl'/rlrio à 111 edição ............................. .......... . 11 Copyright © 2001, Yvonne Maggie 111/t/lr/ll(fiO •. ...... ....•........ .... ...•.. ..•....... . .... . 13 Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo I 'il(tliiO 1- O TERREIRO .. .. . .. ...... . .. ... ... .. ...... 19 ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) 2001 I ljdtulo 11- 0 DRAMA ..... .. ........ . .. .............. 43 Direitos para esta edição contratados com: A loucura da mãe-de-santo .. ... .... .. ... ...... .. .... .... 47 Jorge Zahar Editor Ltda. A volta da mãe-de-santo ............ ...... .. ...... ... ... . 52 rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ A demanda de Aparecida .. .. ................. ........... 55 te!.: (21) 2240-0226/ fax: (21) 2262-5123 A~ duas ordens .............. .... ..... ... .... ........... 59 e-mail: [email protected] A vlnda de velha Leda ...... ........................ ..... 63 site: www.zahar.com.br A pmva de fogo ou uma guerra de orixá ......... .. ........ 67 Capa: Sérgio Campante 1 l 1 istna ............... ............................... 70 I ) drama: análise ............. .... .............. ........ 77 CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte I oqt(ltdo III- QUATRO PERSONAGENS DO DRAMA ..... .... ... 83 Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. ~lilt·io: o presidente .............. .... .... .. ... .. ........ 85 MMina: a primeira mãe-pequena .... .. ........ .. ....... .. 93 Maggte, Yvonne Ml72g Guerra de Orixá: um estudo de ritual c confiito I I1 1•d 1'0: o pai-de-santo .............................. .. .. . 96 3.ed. Yvonne Maggie. - 3.ed. - Rio de Janeiro: Jorge '•fllli:t:asegundamãe-pequena ........ ...... ........ .. .. 100 Zahar Ed., 2001 A11.1lisc: o código do santo e o código burocrático .. ....... . 103 -(Antropologia social) IISnBclNu i8 b5i-b7l1io1g0r-a6f1ia1. -8 I ljl(lliiO IV- RITUAL E CONFLITO: ANÁLISE SIMBÓLICA .... ... 111 1. Brasil - Religião - Influência africana. 2. 1 ,.,,/tt.\cJcs ..... ...................................... ... 129 Cultos afro-brasileiros-Esmdo de casos. 3. Sincre Nll/rl\, ..................... .•. ... .............•........ 135 thmo (Religião). 4. Etnografia. I. Título. II. Série. t ,f,,lllt io ... .. ............ .............................. 140 coo 306.60981) l't•/r't ~11rins bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 III 111111'1 CDU 316.74:2(81) /',11/rkio ......... ....... ............ .. ............. .. ... 157 Prefácio à 3ª edição lttli ,, Nt•l.~ anos depois de ter escrito Guerra de orixá: um estudo de '111111/ r• 1o ujlito, com o qual me iniciei como antropóloga, posso dizer I"' 'lt• t\ <.'01110 qualquer produto cultural, marcado pela sua época. f '''' tllttltlo, por esta razão e porque ainda se mantém atual em muitos •lllhltlll,tkcidi publicá-lo praticamente em sua forma original. 1 ,'llt'//11 rle ori.xá, escrito em meio a um turbilhão de mudanças no I' ti ,. 1111 1111Lropologia brasileira, é fruto do esforço de uma geração , Ji'' ltii'Hl ltl novos caminhos e novas perguntas para entender a sacie I 11lo ltntr.ilcira. Uma geração que, impedida de expressar-se por 111• 111~ pnlft icos e ceifada das responsabilidades do poder, tentou por llliltdtth~ menos ortodoxos, uma outra descrição do país. Guerra de ,,,, ,, lt•t pnrlc de um conjunto de livros e filmes caracterizados por 1 1 \llttlitdc ele conhecer e também de entender os limites das nossas 1 '" 11 ltlnpicn.s sobre a sociedade brasileira. 1 1 livro rompe com uma corrente que buscava nas origens das 11 ill'ltll'~ lt'nzidas pelos escravos a explicação do presente. Algum tem I' 1 1 J, 111 ~~~surgiram trabalhos que foram mais longe neste rompimen- 111 • 1 llllllllS de Peter Fry, na sua coletânea Para inglês ver, e o de Beatriz ' ttl I llltllns, Vovô nagô e papai branco: usos e abusos da África no llttl 1/, qtlt' redimensionaram as estratégias teóricas dos autores que lt t\ 111111 .,,.dedicado ao estudo dessas religiões. Uma geração depois, a 111111 11 .ln.~ I rabalhos que questionavam esta busca de origens já era lltllil•tlotlt• c n vida nos terreiros, muito mais presente nos relatos dos '''''''l"tlogns. 1 ,'1ft' I 1'11 rll' orixá é também um livro que inaugurou uma maneira l1 ''' t'l t'lnograria, então pouco usual e hoje quase rotineira. Antes 7 Guerra de orixá Prefácio à 3ª edição 9 mesmo do surgimento desta onda mais reflexiva sobre o papel e a 11ltlt 111do d(.• lerem se aproximado do grupo estudado de forma não autoridade do antropólogo no campo, que influenciou o fazer da i'' , 11111 ,;l(llOilt'l. Guerra de orixá segue a trilha destes autores. etnografia a partir do final da década de 1980, aproximei-me de Max ;\ "1;111111dn critica refere-se à minha interpretação do ritual como Gluckman e Victor Turner para falar de versões dos acontecimentos " I'" ••'11111~no clc versões do grupo sobre a sociedade mais ampla na que se estruturam e, com um olhar muito crítico, percebi a importân pt•d ~~~ JHll'li ipnntes estavam envolvidos e baseia-se no fato de que cia de refletir sobre a presença e a posição do observador no drama e •I 1 llllltH•II'rl de interpretar rituais e representações é um olhar de de seu papel no desenrolar da história. Se tivesse que escrever este 1"1•1, 11 1dm~lndo portanto a visão do outro à da sociedade do pesquisa livro hoje, não poderia deixar de lançar mão da análise de evento e tl•u 1111 dito de outra forma, a crítica refere-se a uma sociologização estrutura de Marshall Sahlins em Ilhas de história, para entender ain til 111tlldud •, Acredito, no entanto, que esta aproximação feita entre da mais a estrutura da conjuntura e desvendar as versões do grupo ,, l1jill111 I' Nocicdade, antes de ser um reducionismo, segue a lição de sobre o lugar do observador neste drama. l111il•• I 111rkhcim de uma maneira muito direta: demonstra a relação Através da noção de "drama social" elaborada por Victor Turner, , 11111 1 ~111M duas esferas da vida social, a religião e as relações sociais. pude perceber a importância dos acontecimentos que estavam se de 1 llttlll~llltHI on tropologia pós-Lévi-Strauss é neste sentido que se pro senrolando sem perder de vista que tais transformações e sucessões de III 1 liilt•I'JHctnr crenças e ritos. A tensão que descrevo no terreiro conflitos eram percebidas dentro de um contexto ritual e interpreta 11111 lllt~digt> do santo e o código burocrático ao interpretar a guerra das à luz de códigos próprios. Victor Turner foi guia neste estudo e 11· 111h 111, 11 demanda e o conflito que funda a história descrita só é pude, anos mais tarde, retribuir o privilégio de suas lições proporcio I'" •lvt•IPtt mesmo necessária porque o ritual e a crença em questão nando a ele e a Edith Turner, sua esposa, uma visita a um dos terreiros 111j l1ltl t' desta sociedade particular. por mim estudados no Rio de Janeiro. \11 lnnno dos anos que separam Guerra de orixâ de Medo do Duas principais críticas foram levantadas e merecem ser discuti f IIII''• tlii'H segundo livro, busquei o fio da meada a partir destas das por terem produzido respostas que busquei aprofundar em traba 111 h~~-. Pol neste último trabalho que encontrei a relação possível lhos posteriores. IIII• ''~ lt•l't•ciros, entre os diversos segmentos da crença e também os A primeira e mais recorrente se refere ao fato de ser um estudo de 1 lltlt I(IIWI qnc organizam as hierarquias dos terreiros construídas caso. Apenas um terreiro estudado, segundo os críticos, não pode 111 lldnli'JIIt•. Tentei entender as homologias entre a feitiçaria e o uni explicar a complexidade de uma religião. O caso estudado, um terrei ' 1!11• 'li''' 1 humei de religiões mediúnicas. Nos anos em que pesquisei ro na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro e sua brevíssima histó I· 111lt•'" diversos e muitos processos criminais pude voltar a pensar, ria, foi o palco por onde tentei desvendar as formas pelas quais o ''"'" I ltll'khcim, que, no Brasil, a religião é o elo entre os vários poder é estruturado nesta instituição religiosa. Estudei assim em um 1 '"1'"~ ljlll' compõem nossa sociedade e que as religiões mediúnicas, terreiro e não o terreiro e segui trilhas que foram abertas por três dos , ptl tllll\1\t'lll pessoas de todas as classes. Comparando a mediunida mais importantes estudiosos do tema e que mais marcaram minha f, , 1 lo•lll~tll'ia daqui com a da antiga Rodésia, pude demonstrar que trajetória neste campo de estudo: Nina Rodrigues em O animismo 1 .ltlt "'"~·ns encontradas expressam de maneira muito particular a J<-t ichista dos negros baianos, Nunes Pereira em A casa das minas e Ruth 1 lu. I•• •'til rc religião e relações sociais. Em Medo do feitiço aprofundei Lnndcs cm A cidade das mulheres. Estes trabalhos foram tão impor 'lfllllllt ld{ins apenas esboçadas em Guerra de orixá, como a univer- '''''t~·s pnra a minha compreensão destas religiões e do próprio fazer d 1 '\ 11 dn crença no espírito em nossa sociedade e as diversas for dnunt1'opnlogia que decidi, muito tempo antes de encontrar o terrei "'' dt• tl\1\~·cb~-lo. Foi naquele terreiro- Caboclo Serra Negra I"' I'''"' IO 1111 qtt:d pesquisaria, que faria um estudo deste tipo. De toda a vivi primeira vez a problemática que hoje ocupa minhas lltt•n1l111'11 sobre o Lema estes três livros são os que até hoje não perde- ''"I~~ dt•l111bnlho: a importância de "ter estudo" para aquele grupo e 1'1111l sun lill'~'ll l'Xplicativa. A razão desta força está, a meu ver, no fato , 1, ' '\''"' ot idiona entre brancos e negros na vida brasileira. Em meio dt• <:'sles ll11l01't'S terem acreditado na versão dos seus informantes e ''IIII j,,~ Hllt'l'l'f\S cm que deuses lutavam por homens e mulheres esco- 10 Guerra de orixá lhidos, vivenciei a tensão entre ter estudo e ser "bom no santo", c também entre ser um bom pai-de-santo e ser um estudante, inde Prefácio à 1 ~edição pendentemente de ser negro ou branco. Hoje meu esforço se volta para a pesquisa sobre educação e relações raciais. Guerra de orixá foi portanto um livro de estréia, mas constituiu se também em um plano de vôo da minha vida profissional. Jorge Zahar, o grande editor brasileiro e amigo saudoso, acredi tou e confiou naquela iniciante, e devo a ele o privilégio da oportuni dade. Foi dele a coragem de lançar um trabalho que ia tão contra a corrente da época. Rio de janeiro, maio de 2001 l!stc trabalho foi apresentado como dissertação de mestrado no Pro grama de Pós-Graduação em Antropologia Social da Divisão de An tropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Teve como ponto de partida a leitura crítica da !itera Jura sobre cultos afro-brasileiros realizada no Brasil e na Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos. A partir da leitura e análise desse lllOterial pude repensar alguns problemas que me levaram a procurar r•cspostas através de um estudo de caso. O trabalho de campo foi realizado em um terreiro de umbanda localizado no bairro do Andaraí (RJ), no período compreendido entre Jnnho e setembro de 1972. Nesses quatro meses observei a vida deste tc:rreiro, desde sua inauguração até seu fechamento. De setembro a outubro de 1972 acompanhei a trajetória do grupo que se dispersou depois do seu fim. Quero agradecer ao Conselho Nacional de Pesquisas através do qual obtive bolsa para freqüentar os cursos do Programa de Pós-Gra- 11~ tação em Antropologia Social da Divisão de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, assim como para realizar o trabalho de campo. Agradeço ainda à Fundação Ford pela bolsa que me permitiu ll'~·qüentar a Universidade do Texas. Como special student no Depar l,,rncnto de Antropologia dessa universidade tive oportunidade de l1·cqüentar cursos e manter contatos com professores e alunos, aper lt'içoando minha perspectiva teórica. Agradeço a todos eles, especial lllCnte aos professores Richard N. Adams e Anthony Leeds. Como professora do Departamento de Ciências Sociais do Insti tuto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ contei sempre com o apoio de meus colegas. 11 12 Guerra de orixá Agradeço aos professores, colegas e amigos do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ. En fa Introdução tizo particularmente o apoio do prof. Roberto Cardoso de Oliveira, antigo diretor do Programa, e de seu atual diretor, meu orientador dr tese, prof. Roberto DaMatta. A este devo muito em termos de um Iemanjá~ é nossa mãe contínuo e saudável estímulo intelectual. E Oxalá~ é nosso pai. As críticas e sugestões da profª Francisca Schurig Vieira Keller t' Eu vim aqui pedir a Jesus do prof. Peter Fry, membros de minha banca, muito incentivaram :1 E à Virgem Maria. Nossa Senhora é nossa mãe continuidade de meu trabalho. E Oxalá é nosso pai. Minha gratidão à falecida profª Marina São Paulo de Vasconccl Eu vim aqui pedir a Jesus los. Minha profissionalização muito deve a seu incentivo e apoio. E à Virgem Maria. Agradeço a meus irmãos que, de várias maneiras, me ajudaram a Estrela d'Alva é nossa guia Que nos alumeia neste dia. realizar este trabalho. Eu vim aqui pedir a Jesus Este livro não teria sido realizado sem a cooperação e disposição E à Virgem Maria. dos médiuns e clientes da Tenda Espírita Caboclo Serra Negra de me Ponto cantado* na abertura prestar informações. Gostaria de agradecer a cada um em particular t' das sessões* de domingo desculpar-me pela imperfeição deste livro. Seus nomes foram manti dos em sigilo e os aqui citados são fictícios. Agradeço de forma particular a Gilberto Velho pelo carinho t' '" 1udn iniciei minhas leituras sobre o que se convencionou chamar amor com que me ajudou e acompanhou durante todas as fases deste 1. 11l ij\llks afro-brasileiras, fiquei impressionada com a continuidade trabalho. • 1111 1 11cia com que eram tratados certos temas. Estes quase não ""'" 111111l desde o início dos estudos sobre essas religiões. Os proble- 1"' 1 ~~~interpretações variavam pouco apesar da imensa bibliografia I I• IIli'. As questões abordadas não mudavam devido às determi- 11 "•''' ~ ideológicas dos autores. Foi necessário fazer uma crítica da I 1. 1. j, 1f\lll subjacente às afirmações dos estudiosos que se dedicaram ', 1 II'IIHI para tentar fazer novas perguntas que levassem a respostas t• •V ~~ t'u1 prime iro lugar, as religiões afro-brasileiras foram sempre vis- 11 1• 11110 um fenômeno de sincretismo religioso no qual se encontra ' 111 1111~ os africanos associados a traços católicos. A esse sincretismo 11h 1 d loi acrescentada a mistura de traços do espiritismo kardecista •ttl lr11~os indígenas. O próprio nome genérico que foi escolhido 11 1 d1'110miná-las expressa essa visão de uma religião sincretizada. ltn, pois tinham traços africanos. Brasileiras, pois apresentavam tra ' 111lúlicos, espíritas e indígenas. (I Vtll ,\hulos assinalados com asterisco constam do Glossário. 13 14 Guerra de orixá Introdução 15 Em segundo lugar, esses traços foram associados a um maior ou 111111 llllllll, nilo-racional, menos compatível com a vida civilizada e, menor grau de desenvolvimento ou de evolução cultural. Assim, O~> lo· 1 tllll'tltc, negro. Se existisse maior número de traços espíritas, no traços de origem africana foram colocados no vértice mais baixo da 1111" oposto, sendo menos primitivo, menos fetichista, mais racio evolução cultural, seguidos dos traços indígenas e dos traços católico~ >1 d tllt'IIOii emocional e branco. Esses cultos eram colocados, ainda, assimilados de forma primitiva. No vértice mais elevado dessa evolu ''" 11• 11111 todo no vértice mais primitivo em relação às religiões "civi ção cultural colocavam-se os traços espíritas. l! I ol ol" 1~ De início, por serem religiões classificadas como primitivas, fel i i\ lt\11 ns autores vão até a África para verificar de que grupos esses chistas e mágicas, elas estariam, frente a outras religiões, num estágio 11 1',''" II'I'Íllm provindo. Muitas vezes, os mesmos autores remetem inferior da evolução cultural. Os primeiros autores que procuraram ''''1 1 ll~tlbcnius1 para nele encontrar a explicação ou o significado de dar uma abordagem científica a esse tipo de estudo colocaram ess~· 1' ''"' l1nços. Essa busca de origens ocorre, na grande maioria das primitivismo associado ao fato de serem religiões de negros, "trans '•· t'lll detrimento da análise das explicações dos próprios seguido plantadas" para o Brasil na época da escravidão. Sendo seus membros ' 1 oi11~HII religião no Brasil. negros, suas crenças deveriam ser condizentes com o estágio "primil i lluKl'l' Bastide, por exemplo, faz uma análise exaustiva de uma vo" e por que não "inferior" dessa raça. Mais tarde, com o aprimora ·oh lllol 1 mtral encontrada nos terreiros nagôs na Bahia. Cita Frobe menta das abordagens científicas, o primitivismo foi associado :h tdtl , hdn clo vodu haitiano e descreve os mitos iorubanos da África. camadas baixas da população brasileira que, com forte contingcnll' I 111 d1111'IIIC chega à seguinte conclusão: "A abundância dessas repre- negro, adotavam essas religiões por não terem ainda alcançado esl6 1111\0t•s do espaço, em pedra, em madeira e em ferro, comprova a \ gios mais altos da evolução cultural, a "civilização': Mais recentemcn l~tqntllnncia, mesmo se os fiéis esqueceram o significado, desse simbo- te, um outro tipo de associação foi feito. Esses traços foram associadm 11 11111 du criação." (Bastide, 1958, p.72. O grifo é meu.) a uma maior ou menor adaptação ao meio de vida urbano. Aparc<:l' t\~Rill1, se os fiéis no Brasil esqueceram o significado dos símbo- 1.. 11 1111tor busca na sua origem seu significado. Será que os fiéis se assim uma nova oposição rural-urbano, o pólo rural associado a •jlll'l t•rnm de seu significado? Ou terão outro significado a dar? O traços primitivos, emocionais, não-racionais e o pólo urbano associn I''' 11\uifica um signo cujo símbolo já foi esquecido? Talvez este signo r, do a traços mais civilizados, não-emocionais, racionais. Dessa forma, '' nluna central-em relação a outros tenha se transformado em os traços africanos estariam no pólo mais rural, primitivo, emocion:1l, 11111 1111Vn símbolo. Mas fica difícil saber, pois o autor, aparentemente, não-racional, enquanto os traços espíritas seriam mais compatívci~ o1111 l"'l'gunta aos fiéis por que existe aquela coluna hoje. com um estilo de vida urbano, racional, civilizado, não-emocional. I ~li o estou com isso negando a importância que tiveram esses Dentro dessa linha foi desenvolvida uma classificação desses cu I 1111lu11 para a compreensão de tais religiões. Estou apenas tentando tos, a qual seguia o mesmo raciocínio evolucionista. Assim, teríamo~ 1111 11 III C diante dessas abordagens, tentando perceber os valores que na Bahia o candomblé*, com forte influência africana. No Rio, S:lo t t\'•1111 por trás desses estudos, ou melhor, suas determinações idea Paulo e estados do Sul, teríamos a macumba*, ainda próxima de Stla\ l 'I h ol~. O que me impressionou na leitura dessas obras foi a continui- origens africanas, e a umbanda*, na qual predominam as característ i 1t o!. dt•ssc tipo de perspectiva desde Nina Rodrigues, em fins do cas espíritas. A Bahia era vista como pólo mais tradicional, sendo um.1 · • ttlt oX 1 X , até Cândido Procópio na década de 1960 (Rodrigues, 1935 sociedade menos urbanizada. Rio e São Paulo, como pólo mais mo I'J 1'1; Camargo, 1961).2 dcrno c urbanizado. 'ouhjaccntes a tal visão estavam contidos, de forma branda, os Ao ler um estudo sobre qualquer um desses tipos de cultos fil.1 lo1 1•t11ipos e preconceitos que Nina Rodrigues não tinha pruridos ela ro, ele i rncd ia to, um raciocínio teleológico. Os autores procuravan 1, 111 l'~plicitar. Talvez seja por isso que sua obra continua até hoje de início, os traços, depois verificavam sua origem e chegavam final · 11oln o documento mais importante sobre o assunto. mente à explicação do presente. Ou seja, se existisse maior número d1• I 'hnmar essas religiões de afro escondia um medo de chamá-las traços africanos, o culto era situado no pólo mais primitivo, fetichist:1, 1. to•llniôcs negras. As origens africanas lhes davam um caráter mais Guerra de orixá Introdução 17 "I impo" e "aristocrático". A África está longe, os africanos são estran estava por trás desses rituais, dos símbolos e do discurso daqueles que geiros e isso lhes confere um outro status. Nesse sentido, na obra de os praticavam. Údison Carneiro (Carneiro, 1948 e 1964), embora contendo esses Minhas conclusões serão, portanto, limitadas ao universo pesqui mesmos pressupostos, é mencionado o caráter nacional dos cultos, a sado. Não estou com elas explicando todo o fenômeno da umbanda sua nacionalização, o que é uma perspectiva menos comprometida. ou macumba no Rio de Janeiro. Mas, na medida em que este terreiro Na medida em que esses autores buscavam a explicação dos tra- fazia parte de um universo maior de terreiros, minhas conclusões i' ços na sua origem, não conseguiram dar conta do próprio objeto que talvez possam explicar terreiros que tenham uma equivalência estru se propunham a analisar, ou seja, o fenômeno do sincretismo. Num tural com o caso estudado. primeiro momento, viam os rituais sendo compostos de traços, peda No primeiro capítulo discuto algumas categorias-chave e descre ços, símbolos. No entanto, buscavam na África a explicação desses vo o terreiro e seus principais rituais. pedaços. Não perceberam que a relação entre essas partes é que dá No segundo capítulo narro o "drama", ou a história do terreiro, sentido ao todo. Assim, não importava saber qual o significado de desde seu nascimento até sua morte. Procuro relatar não só os fatos exu* na África. Importava verificar o significado que lhe era dado ocorridos como também as versões deles apresentadas por cada pelas pessoas que praticavam esses rituais no Brasil e qual a relação membro do grupo. entre esse traço-exu-e os demais. No terceiro capítulo descrevo quatro histórias de vida e a posição Mas havia ainda uma outra problemática que preocupava os au desses personagens no drama, tentando através delas entender por tores, qual seja, o fato de essas religiões terem surgido nos centros que tiveram essa posição e qual o seu significado. urbanos e suas ramificações no meio rural serem muito menos ricas. O quarto capítulo é uma tentativa de análise simbólica de alguns Por que no meio urbano uma religião fetichista? Alguns autores res aspectos do drama e de alguns rituais realizados. Aqui minha preocu ponderam que, por serem os membros desses cultos de origem rural, pação foi tentar verificar os modelos expressos pelos membros do estariam tentando recriar no meio urbano os laços primários nele grupo e quais as visões que, através desses modelos, tinham da socie perdidos. Mas, ainda assim, o problema não se resolvia e aí podemos dade mais ampla. encontrar um dos tipos de contradição dessa perspectiva evolucionis ta e de busca de africanismos. Diante do que foi exposto quero dizer que não estou interessada no sincretismo, nem na origem dos traços, nem tampouco no primi tivismo ou fetichismo dessas religiões. Não estou também vendo-as como religiões negras. Não estou, por outro lado, preocupada em dar uma explicação para esse fenômeno tão abrangente e com tantas diferenças. Não pretendo esgotar o estudo das religiões chamadas de afro-brasileiras, nem de sua ramificação no Rio, a umbanda ou ma cumba. ._ Meu objetivo neste trabalho é muito restrito. Fiz um estudo de {' caso de um terreiro*, ou seja, um local de culto. Neste estudo de caso, r minha preocupação básica foi partir das informações do universo pesquisado c tentar verificar como um grupo de pessoas vivia, numa época deterrn inada, usando determinados rituais, símbolos e costu mes. Num segundo momento, procurei interpretar o que estava sendo expresso através da história desse terreiro, de seus rituais e da exegese , ,dos membros do grupo. Ou seja, pretendia perceber a lógica que CAPÍTULO I O terreiro Eu me perdi, meu pai Eu me perdi Lá na mata da furema* eu me perdi. Fui procurar seu Serra Negra* Não achei e lá na mata da Jurema Eu encontrei. Eu me perdi, meu pai Eu me perdi. Ponto cantado do caboclo Serra Negra, que deu nome ao terreiro Neste capítulo pretendo fazer a etnografia do terreiro Tenda* Espírita Caboclo Serra Negra e um breve relato de sua história, assim como descrever os principais rituais realizados e a composição da clientela e dos médiuns*. Como parte dessa mesma etnografia, pretendo me localizar como observadora e, de certa forma, como participante dos fatos ocorridos no curto período de vida deste terreiro. É importante frisar que minha percepção do objeto de pesquisa aguçou-se no momento em que compreendi que a relação observador e observado também faz parte desse objeto de pesquisa. Isso se dá no nível de interferência do obser vador na vida do observado, e sem a consciência deste fato muitos dados importantes se perdem. Fui apresentada aos membros do grupo estudado por seu presi dente*, Mário, meu aluno no curso de Ciências Sociais. Este aluno era médium de um terreiro na Zona Norte e, freqüentemente, conversá vamos sobre problemas relativos à umbanda e à sua participação nessa religião. Certo dia, disse-me que estava querendo abrir um terreiro com uma conhecida que era mãe-de-santo*. Passado algum tempo, convidou-me para assistir à inauguração do terreiro do qual seria presidente. Comecei, então, a freqüentá-lo. Mesmo me definin do como observadora, pesquisadora, antropóloga, e talvez por isso mesmo, passei a ser também peça do drama. Meu primeiro contato tinha sido com o presidente, que fazia questão de me apresentar como sua professora na universidade. Cada vez que um elemento novo me 19 20 Guerra de orixá O terreiro 21 era apresentado pelo pai-de-santo*, este pedia ao presidente para preto-velho*, chamou-me e pediu para colocar o charuto que fumava dizer quem eu era. "Ter estudo" era para o grupo um sinal de prestí em minha boca com a brasa voltada para dentro. Relutei, mas insistiu gio, enfatizado pelo presidente, que era estudante universitário. As e, então, fiz o que tinha mandado - com muito medo, confesso. sim, não tive muitos problemas para ser aceita, pois logo se estabele Devolvi-lhe o charuto e ela, abraçando-me, disse: "Chucê* é filha-de ceu um mecanismo através do qual aquele que me desse mais infor fé*, não queimou, vou protegê chucê e abri seus caminho*." Alguns mações ganhava um pouco de prestígio. dias depois o mesmo preto-velho me disse, meio rindo: "Chucê é Mas ter estudo não era apenas um sinal de prestígio; também era filha-de-curiosidade*, mas vai sê filha-de-fé." sinal de ignorância das "leis da umbanda"* ou da "lei espiritual"*, das Após esses ensaios de classificação - médium científico, filha "coisas do santo"*, como diziam. Eu mesma me definia como igno de-curiosidade, filha-de-fé-não houve mais perguntas sobre o mo rante no assunto, queria aprender com eles, saber como pensavam e o tivo de minhas idas ao terreiro. Passado algum tempo, a mãe-pequena que significava tudo o que ali se passava. Essa problemática ficará insistiu para que eu "entrasse de sócia"*, contribuindo como os ou mais clara no decorrer do trabalho. tros para a manutenção do terreiro. De início hesitei, mas depois Senti também, por parte dos membros do terreiro, a necessidade resolvi contribuir e fui arrolada como sócia da casa. de me classificar. Era uma pesquisadora e tinha estudo, mas queria aprender com eles. Freqüentava todas as sessões, mas como observa Antes de iniciar a descrição do terreiro e de seus rituais, farei um breve dora; no início, não queria participar. histórico e discutirei algumas categorias-chave. Farei, também, a des O pai-de-santo, logo no primeiro contato, terminou a conversa crição da classificação dos deuses de sua relação com os médiuns. falando sobre vários tipos de médiuns, ressaltando o caso de um O terreiro foi inaugurado por um grupo de 14 médiuns e algumas rapaz: "Era igual à senhora", disse, "e conversava muito comigo. Me pessoas que, mesmo não sendo médiuns, eram a eles ligadas. O grupo contou que estava lá no interior de Minas e foi visitar um velho que de médiuns, embora participasse de outros terreiros, era unido por morava numa casa pobre. Quando chegou na porta, antes de bater, o conhecer Maria Aparecida, que era mãe-de-santo. Não tendo um ter velho chamou ele e disse que sabia de tudo o que ele queria. Ensinou reiro, costumava "dar consulta"* nas casas das pessoas, inclusive des alguma coisa e disse que ele podia voltar pro Rio que ele ia ensinar ses médiuns. Um dos médiuns do grupo, Mário, resolveu ceder sua tudo, ele em Minas e o rapaz aqui." Continuou dizendo que o rapaz, casa para que Maria Aparecida pudesse dar consultas sem precisar se mesmo só estando estudando há seis meses, havia escrito um livro, e deslocar de casa em casa. Nesse período, que durou uns três meses, o que agora trabalhava na Congregação Umbandista*, indo aos terrei grupo manteve estreito contato e os que não se conheciam antes ros para ver se "tudo está feito de acordo com a lei*". Terminou puderam ali se conhecer. Foi nessa época que o grupo resolveu abrir dizendo: "Ele é um científico, sabe de tudo mas não recebe*. Ele pode um terreiro para ajudar a mãe-de-santo que era "excelente" mas mui ver tudo, estar do seu lado num bar e saber sua vida. É ... existe ainda o to pobre. Diziam também que no terreiro de origem não tinham médium científico*." "conhecimentos", enquanto no novo todos eram amigos. Algum tempo depois, conversando com o pai-de-santo e a mãe O terreiro foi inaugurado e Mário, locatário da casa, assumiu o pequena*, depois de termos ouvido a gravação que eu havia feito posto de presidente. Uns dez dias depois da inauguração a mãe-de numa sessão de domingo, esta perguntou-me: "Você não quer 'traba santo "ficou maluca", como diziam, e foi internada em um hospital lhar'* aqui?" Não entendi bem e ela insistiu, dizendo: "Você não quer psiquiátrico. Depois disso, os médiuns resolveram chamar um pai ser médium aqui?" O pai-de-santo, que ouvia calado, olhou para a de-santo para substituí-la. Esse novo pai-de-santo só era conhecido mãe-pequena e os dois começaram a rir. Resolvi não responder e ri por um casal do grupo original e, imediatamente, reiniciou os "traba também com eles. lhos"*. O terreiro teve um curto período de vida sob a chefia desse Uma outra médium, durante uma conversa, já havia me pergun novo pai-de-santo, mas durante esse tempo houve intensa participa tado se eu não queria "trabalhar no santo"*. Um dia, possuída por seu ção dos membros do grupo. Dedicavam muitos dias e noites ao terrei-

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