Não é à toa que este livro foi dedicado~'a todos aqueles que ousaram sonhar, ousaram lutar, ousaram correr riscos, ousaram dizer não". Sua autora, Cecilia Coimbra, era uma jovem professora de IIistória que estudava Psicologia quando, em agosto GUARDIÃES DA ORDEM de 1970, no período mais duro regime militar foi presa (I() pdo DOI-CODI!Rj. Sólidos conhecimentos de História e dl' Psicologia - em que mais \:mll', depois de libertada, Cecilia se graduou - são uma 111n<:1a deste livro. Mas ele é, 1;llllb('I11,muito fortemente 1ll:lrcado pela vivência pessoal e pda personalidade forte e cor;ljosa de sua autora. Cecilia é, antes de mais 11:lda,LImacidadã sintonizada ('0111o seu tempo - no que ele lelll de Illais rico e generoso. É :llgu{'1llcom uma qualidade que distingue os melhores seres hUlllanos: sabe se indign:lr diante das injustiças, llleslllo qUl'hoje esteja na 111od:1:1 conversa fiada de que l'l:ls UIllpre\'o inevitável a S;tO M' p;lg:11' pvla "modernidade". Cecilia Maria Bouças Coimbra GUARDIÃES DA ORDEM CONSELHO DIRETOR Túlio Vagner dosSantos Vicente Ronaldo FonsecaPaesdeLima Luiz Ricardo Leitão uma viagem pelas práticas psi no Brasil do "Milagre" Jane Lucas Assunção AsSESSORIAJURíDICA Lia de Oliveira CONSELHO EDITORIAL CarlosEduardo Falcão Uchôa JoãoRamosFilho JoséNovaes Manoel de Carvalho Almeida Manoel Ricardo Simões Tamara Egler Oficina do Autor RiodeJaneiro - 1995 1 @ 1995-Cecilia Maria Bouças Coimbra SÉRIE CENA ABERTA volume 2 SUPERVISAO EDITORIAL Luiz Ricardo Leitâo PROJETO GRÁFICO &EDITORAÇAo ELETRÔNICA leme Lucc~,Assunçâo PREPARAÇAo DE TEXTO E REVISAo loâo Ramos Filbo Manoel de Camalho Almeida Ronaldo Fonseca PaesdeLima CAPA A todosaqueles que ousaram sonhar, ousaram lutar, Lui, Hem'ique Nascimellto ousaram correr riscos, ousaram dizer nào. Àqueles que FOTOS sonharam novos encontros, novos agenciamentos, novas AgPttcialB formas de lJÍlJerneste mundo eque, por estessonhos elutas, Ct~,tódio Coimbm como apesteforam marcados, mas,sacrados, extenninados. [MPRESsAo E ENCADERNAÇAo Marques-,<'ctraiuaGráficos eEditol'es A todos que, nos anos 60 e 70, apaixonadamente, tentaram - e ainda hoje tentam - marcar suas uida..<n;ào pela "mesmice", pelo instituído, pela naturalizaçào, mas, ao contrário, pela denúncia, pela desmitificaçào, pela criaçào de novos espaços. A todos osque sohrelJÍveram a esta luta, a este mas- sacre. emhora com projlmdas marcas e, em especial, aos Reservados osdil'eÍtos de publicaçâo desta ediçâo pela que nào mais estâo entre nós - aosMortos e Desapare- OFICINADO AlffOR cidos Políticos e a seus }ámiliares, em particular ao Editam eDistrilJuidom de PulJlicaçàes Cultumis L!da. guerreiro Joào Luiz de Moraes - dedico este Trabalho. Caixa Postal 25004 - GEP20552-970 Te! (()21) 331-5001 - Rl As minhas saudades. a minha indignaçâo, a minha C017t?ioElefl'Ónico [email protected] força para continuar lutarldo, de outra..<fo;roTas ejeitos, em busca de norJ(lSalianças, enco11trosecaminhos. Impresso no Brasil -Printed inBrazi/ Novembro cle 199') AGRADECIMENTOS Atodos às que foram por mim entrevistados eque, efetivamente, contribuíram para que esses fragmentos de histórias pudessem ser costurados e contados. Atodos os amigos e companheiros que, direta ou indiretamente, estiveram comigo nesta travessia. Em especial ao José Novaes, ao Norberto de Abreu Silva Neto, e ao Eduardo Lociser. Ao João Ramos, Angela da SilvaRodrigues, MariaElisaRodrigues Coimbra, Emidio Tadeu B. Coimbra, Dora Cristina Rodrigues Coimbra, Esther Arantes, Lilia Ferreira Lobo, Heliana de B.Conde Rodrigues, Ana Maria Mota Ribeiro, Ana Paula Jesus de Melo, Fernanda Coelho, Suzana K.Lisboa e Mirtha Ramirez. Aos meus ftlhos José Ricardo e Sérgio Ricardo Novaes pela paciência e cumplicidade. Ao Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em especial a Cléa Lopes de Moraes. A Ivan Cavalcante Proença que, por sua generosidade e cora- gem, possibilitou que eu trilhasse muitos outros caminhos até escrever este livro. Em 1º de abril de 1964, quando o CACO foi cercado por grupos paramilitares, o tenente Ivan salvou a minha vida e a de cerca de 200outros companheiros universitários. Após istofoipreso e expulso do Exército. Avocê, Ivan, os agradecimentos de todos nós que sobre- vivemos. lNDICE APRESENTAÇÃO i INTRODUÇÃO li I-AQuestão da Militância :\il' CAPÍTULo I Alguns processos de subjetivação nos anos 60,70e 80no Brasil 1 I-OsAnos Instituintes 2 1 De 60a 64:o engajamento populista 2 2 De 64a69:o engajamento consentido e seu rompimento 7 11-OsAnos da Institucionalização 17 I O terrorismo de estado 19 2 Ecomo nós, classe média, reagimos a isso 22 .-) Ofamiliarismo como controle social )0 -1 Apsicologização e os especialistas "pSi" ')4 ') Aprodução subterrânea de algumas práticas instituintes 38 'i.1 Alguns movimentos sociais nagrande SãoPaulo 4') ').2 Asassociações de moradores no RiodeJaneiro 48 ').) O "Novo Sindicalismo" e seus efeitos ')3 CAPÍTIJI,O 11 Aspráticas psicanalíticas nos anos 70 no Brasil 60 I-A"venladcira" psicanálise ou oSantuário deVesta 6) n-Ainstituição fonuação analítica ou apedagogia dasubmissão 69 m-Algumas situaçõcs analisadoras das práticas psicanalíticas 79 I Oanalisador Werner Kemper 80 2 () analisador Anna Katri.n Kemper ~ 84- .-) O analisador Décio Soares de Souza &í () analisador ReginaChnaiderman 89 ::; Oanalisador Helena Besserman Vianna 94 () () analisador AmilcarLobo 99 IV -Aprocura. da diferença I07 I O Instituto de Medicina Psicológica 107 2 O Círcub Psicanalítico do Riode Janeiro 108 2 O grande happeninge acisão do movimento psicodramático paulista ..216 3 AClínica Social de Psicanálise 112 2.1 As duas sociedades de psicodrama: ABPSe a SOPSP 221 3 Dalrniro Bustos e uma outra vertente do psicodrama argentino V-Omovimento dos psicólogos eopatemaHsmo dos no Brasil 222 psicanalistas 115 4 Anormatização das práticas psicodramáticas: aFEBRAP 224 1 Apsicologia: seu boom e as faculdades particulares 115 2 Os psicólogos paulistas e a SBPSP 118 n-OPsicodramano Rio deJaneiro 228 3 O movimento dos psicólogos cariocas 124 1 O psicodrama triádico e a Sociedade Brasileira de 3.1 Instituto de Orientação Psicológica 125 Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama 230 3.2 Ascomunidades terapêuticas e os "psi" cariocas 127 2 O psicodrama moreniano: a SOPERJ,asociedade 3.3 Os psicólogos cariocas e a tutela dos psicanalistas 129 moreniana e o CPRJ 231 3.4 O "modismo" grupal entre os "psi" cariocas: a SPAG 137 m-Algumas situações analisadoras das práticas psicodramáticas 234 VI -ARuptura com associedades ligadas àIPA 144 1-O analisador poder médico 235 1 Asegunda geração dos argentinos 145 2-O analisador psicodrama pedagógico 239 2 Sampa e o movimento "psi" na segunda metade dos Anos 70 152 IV-Alguns efeitos das práticas psicodramáticas 243 2.1 O Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada 152 2.2 O Instituto de Estudos e Orientação da Família 153 2.3 O Instituto Sedes Sapientiae 154 CAPÍIlJLo IV 2.4 O Núcleo de Estudos de Psicologia e Psiquiatria 160 Algumas práticas ligadas ao Movimento do Potencial Humano 247 2.5 ACasa e o CEPAI 161 I-OMovimento do Potencial Humano 247 3 Enquanto isso, no Riode Janeiro 163 3.1 O Núcleo de Estudos de Formação Freudiana 163 n-Aspráticas de "aconselhamento rogerianas" 259 3.2 O Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições 164 1 Na Paulicéia 259 3.3 A Sociedade de Estudos Psicanalíticos Latino-Americanos 169 1.1 O Grupo de Abordagem Centrada na Pessoa 262 3.4 AClínica Terra 170 1.2 O Sedes Sapientiae 262 4 O movimento lacaniano 171 2 Eno Riode Janeiro: o Centro de Psicologia da Pessoa 264 4.1 O lacanismo em solo carioca 171 m-Aspráticas da Gestalt-Terapia 267 4.2 O lacanismo em solo paulista 178 1 Na Paulicéia: o Sedes Sapientiae 269 5 As "crises" nas sociedades oficiais (Quebra-se o monopólio da IPA?) 184 2 No RiodeJaneiro 272 5.1 ABrasileira de São Paulo : 184 5.2 ABrasileira do Riode Janeiro 186 IV-AsPráticas "Neo-Reichianas" 275 5.3 A Psicanalítica do Rio de Janeiro 188 1 Em São Paulo: as duas gerações de "corporalistas" 279 1.1 No Sedes Sapientiae 280 vn- Um adendo àspráticas psicanalíticas: afumília eaSubversão 194 1.2 Outros estabelecimentos: Ágora e IPE 282 1 A pesquisa sobre O perfil psicológico do "terrorista" brasileiro 197 1.3 Asomaterapia : 284 2 Outras participações "psi" 204 2 E,em solo carioca 288 2.1 Alguns "cotporalistas" 289 CAPÍIlJLom 2.2 Rádice e os simpósios altemativos 291 As práticas psicodramáticas 207 2.3 Alguns estabelecimentos: CIO, IOOR e outros 295 1- Sampa e oPsicodrama 211 V-Algwnas situações analisadoras das práticas ligadas ao 1 O GEPSP e o "sucesso" do psicodrama 211 Movimento do Potencial Humano 301 .• 1 O analisador especialista - perito 301 APRESENTAÇÃO 2 O analisador "amágica elasalvação" 30Ce VI-Algumas considerações :no CAPÍ11JLOV Os Anos 80 e a Análise Institucional no Brasil 316 I-Alguns processos de suhjetivação na segunda metade dos anos 80 no Brasil 317 11-OMovimento Institucionalio;ta Francês 323 É sempre animador encontrar psicólogos atentos à ciência que 1 () período da psicossociologia institucionaL 32.'1 praticam. Formados sobretudo como técnicos, esses profissionais 2 O período das intervenções socioanalíticas 329 geralmente não dispõem de instrumentos teóricos que lhes permitam 3 Aanálise institucional se institucionaliza 332 perceber que suas práticas não são politicamente neutras. m -OMovimento Institucionalio;ta no eixo Rio-São Paulo 33'; Qual anatureza daatuação política que se esconde sob aschamadas 1 No Riode Janeiro 338 "práticas psi"? Via de regra, uma prática que justifica a desigualdade 2 NaPaulicéia 341 social, a exclusão, o confinamento, o preconceito; via de regra, uma prática que quer ajustar os desviantes, que arredonda as arestas de IV-Algumas Considerações 343 respostas de resistência justas e saudáveis, patologizando-as em nome da ordem e do progresso. Discurso lacunar, suas concepções quase CAPÍTUlO VI sempre omitem as questões da ideologia e das relações de poder e Algumas conclusões' Ênecessário' 347 explicam comportamentos reduzindo-os a uma dimensão psicológica reificada. BmIJOGRAFIA Cecília Coimbra faz uma incursão pelo universo dos psicólogos I-Livros e artigos 3';2 nos anos 70, período escuro da vida brasileira, à procura de convergên- II-Revistas, jornais, boletins, etc 363 m-Documentos, prospectos. etc 367 cias entre as modalidades psicoterapêuticas então em vigor e os desíg- nios da ditadura militar. Atarefa égigantesca ecomplexa, não só porque IV-Anais de congressos : -)68 as modas terapêuticas em vigor no país naquela época eram muitas, mas também porque eram diversas as suas extrações teóricas. Estavam DISCOGRAFIA 369 presentes mistificações fáceis de criticar, pois que não iam além do nível raso do mais absoluto senso comum; chegaram também métodos de ANEXOS intervenção que, embora em essência conservadqres, continham mo- I-Psicanalistas entrevisL1.dos -)70 mentos de lucidez que é importante sublinhar; foram introduzidas tam- li -Outros profissionais e ex-presos políticos entreviSL1.dos 371 m-Psicodramatistas entrevistados 371 bém propostas de intervenção atentas à dominação e à exploração IV-Profissionais entrevistados ligados ao movimento do inerentes às sociedades capitalistas e que propunham a desmontagem potencial humano 371 de práticas autoritárias nas instituições e nas relações sociais. Em relação a essas últimas, Cecília adverte para o perigo da transformação de originalmente críticas em automatismos que se conjugam com a ordem que interessa aos poderosos. Os Guardiães da Ordem éum mural, feito de largas pinceladas, das práticas psicológicas no Brasil do milagre. Ponto de partida impres- cindível, a análise que ele contém certamente é um convite a outras análises mais profundas. O principal está feito; alertar os psicólogos para a dimensão histórica e social de idéias e técnicas que aparecem como isentas. Otexto de Cecíliaéindignado eradical, como devem ser, segundo "Nãoserei opoeta de um mundo caduco Agnes Heller, as idéias que querem denunciar ainjustiça ea iniqüidade; Também não cantarei omundo futuro .. "asidéias tolerantes", dizHeller em OCotidiano eaHistória, "sãopassivas epor isso historicamente ineficazes. Uma idéia não pode se permitir ser Estoupreso àvida eolho meus companheiros: liberal. Deve ser enérgica, tenaz, fechada em si mesma, para cumprir o Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. mandato divino de ser produtiva". Entre eles,considero a enorme realidade. Cecília Maria Bouças Coimbra é uma mulher corajosa e lúcida Opresente étãogrande, não nos afastemos. quando se trata de enfrentar trabalhos hercúleos. Este livro émais uma Nã,onos afastemos muito, vamos de mãos dadas. prova de que amilitância por um mundo mais humano está no coração de sua vida de guerreira. Não serei ocantor de uma mulher, de uma história, Não direi ossuspiros ao anoitecer, Apaisagem vista dajanela, Nãofugirei para as ilhas, Nem serei raptado por serafins. Maria Helena Souza Patto Otempo éa minha matéria, São Paulo, outubro de 1995. Otempo presente, Oshomens presentes, A vida presente!" (MãosDadas -CarlosDmmmond deAndrade) ií iií IN1RODuçÃO "...devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências sociais epsicológicas, ounocampo dotrabalho social- todosaqueles, enfim, cujaprofissão consisteemseinteressar pelo discurso do outro. Elesse encontram numa encruzilhada política e micropolítica fundamental. Ou vãofazer ojogo dessa reprodução de modelos que não nospermitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão estar trabalhando para ofuncionamento dessesprocessos na medida desuaspossibilidades edosagenciamentos que consigam pôrpara funcionar Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nessecampo, nem uma suposta neutralidade na relação". Félix Guattarl1 Este trabalho pretende ser um levantamento do que foram algumas práticas "psi" na década de 70 no Brasil e um repensar sobre elas: a que demandas atenderam e ao mesmo tempo produziram, e quais foram algumas de suas gêneses históricas. Nele pretendo também pensar a "encruzilhada" em que todos nós, "psi", nos encontramos. "Encru- zilhada" em que estão também todos aqueles que ensinam e que, como qualquer outro dispositivo social, são responsávei,> pela produção de 11l1iitassubjetividades. Por isso, minha proposta é caminhar por alguns processos de slIbjctivação nos anos 60, 70 e 80: como são produzidos hegemonica- l11ente2, em que momentos conseguimos forjar processos de singula- Guattari, F.eRolnik,s.Micropolitica: Cartografias do Desejo. ~, Vozes,1988,p. 29. 2 Noconceito de subjetividade dominante ouhegemônica, Guattari mostra que "...aprodução de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção. As forças sociais que administram o capitalismo hoje entendem que a produção de subjetividades talvez seja mais importante quequalquer outro tipodeprodução, maisessencial atéqueopetróleo easenergias, visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo". In:Guattari, F.e Rolnik, S. (>p.cit.,p. 40. v