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Geologia do Continente Sul-Americano: Evolução da Obra de Fernando Flávio Marques de Almeida PDF

570 Pages·2016·24.15 MB·English
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Geologia do Continente Sul-Americano: Evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida Índice dos CAPÍTULOS com Título, Autor(es), página inicial nesta versão digital e página inicial na versão impressa NB1: não há uma relação direta entre a numeração das páginas na edição digital e na edição impressa. NB2: ao final de diversos capítulos, às vezes na última página, às vezes na página seguinte (sem texto), foi inserida uma foto, sem legenda, do arquivo do Prof. Fernando; essa foto não tem relação nem com o artigo precedente nem com o seguinte. Página inicial Página nesta versão inicial na Cap. TÍTULO Autor(es) digital edição n de 570 impressa O QUE FAZ DE UM CRÁTON UM CRÁTON? O I CRÁTON DO SÃO FRANCISCO E AS Alkmim, Fernando Flecha de 6 17 REVELAÇÕES ALMEIDIANAS AO DELIMITÁ-LO REVISIÓN DEL LÍMITE DE LA PLATAFORMA II Almeida, Fernando Flávio Marques de 25 37 SUDAMERICANA EN LA ARGENTINA INUNDAÇÕES MARINHAS FANEROZÓICAS NO Almeida, Fernando Flávio Marques de III 30 43 BRASIL E RECURSOS MINERAIS ASSOCIADOS Carneiro, Celso Dal Ré A BACIA SEDIMENTAR DO PANTANAL MATO- IV Assine, Mário Luiz 47 61 GROSSENSE Assine, Mário Luiz OS PALEODESERTOS PIRAMBÓIA E V Piranha, Joseli Maria 62 77 BOTUCATU Carneiro, Celso Dal Ré ORIGEM DAS GRANDES CACHOEIRAS DO PLANALTO BASÁLTICO DA BACIA DO VI Bartorelli, Andrea 79 95 PARANÁ: EVOLUÇÃO QUATERNÁRIA E GEOMORFOLOGIA Boggiani, Paulo Cesar VII FAIXA PARAGUAI 99 113 Alvarenga, Carlos José de Souza A HISTÓRIA DOS CONTINENTES – Trajetórias e VIII Brito-Neves, Benjamim Bley de 105 123 tramas tectônicas IX GLACIAÇÕES PALEOZÓICAS NO BRASIL Castro, Joel Carneiro de 132 151 FERNANDO DE ALMEIDA E A “SUA” X Cordani, Umberto Giuseppe 145 165 PLATAFORMA BRASILEIRA COLLENIA ITAPEVENSIS, O PRIMEIRO FÓSSIL PRÉ-CAMBRIANO BRASILEIRO E SUA Fairchild, Thomas Rich XI 156 177 IMPORTÂNCIA NO ESTUDO DE Sallun Filho, William ESTROMATÓLITOS NO BRASIL Ferreira, Valderez Pinto INTERMEDIATE TO ACIDIC MAGMATISM AND Sial, Alcides Nóbrega XII CRUSTAL EVOLUTION IN THE TRANSVERSAL 167 189 Pimentel, Márcio M. ZONE, NORTHEASTERN BRAZIL Moura, Cândido A.V. Heilbron, Monica da Costa P. Lavalle Pedrosa-Soares, Antônio Carlos Campos-Neto, Mário da Costa XIII PROVÍNCIA MANTIQUEIRA 180 203 Silva, Luiz Carlos da Trouw, Rudolph Allard Johannes Janasi, Valdecir de Assis Lopes, Maria Margaret FERNANDO FLÁVIO MARQUES DE ALMEIDA E XIV Massarani, Luisa 213 237 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA Figueirôa, Silvia F. de Mendonça O MAGMATISMO TOLEÍTICO DA BACIA DO Marques, Leila Soares XV 220 245 PARANÁ Ernesto, Marcia COMENTÁRIOS SOBRE A ORIGEM E A XVI EVOLUÇÃO TECTÔNICA DA BACIA DO Milani, Edison José 239 265 PARANÁ O MAGMATISMO PÓS-PALEOZÓICO NO Mizusaki, Ana Maria Pimentel XVII 254 281 BRASIL Thomaz-Filho, Antonio RECURSOS ENERGÉTICOS ASSOCIADOS À XVIII ATIVAÇÃO TECTÔNICA MESOZÓICO- Mohriak, Webster Ueipass 265 293 CENOZÓICA DA AMÉRICA DO SUL Moraes, Renato Fuck, Reinhardt Adolf XIX GRANULITOS DO BRASIL Duarte, Beatriz Paschoal 292 321 Barbosa, Johildo Salomão Figueiredo Leite, Carlson de Matos Maia A CONTRIBUIÇÃO DE FERNANDO FLÁVIO Petri, Setembrino XX MARQUES DE ALMEIDA PARA A PESQUISA 317 347 Campos, Diógenes de Almeida PALEONTOLÓGICA DO BRASIL Pimentel, Márcio Martins O EMBASAMENTO DA FAIXA BRASÍLIA E O XXI Jost, Hardy 324 355 ARCO MAGMÁTICO DE GOIÁS Fuck, Reinhardt Adolf LA PLATAFORMA PATAGÓNICA Y SUS XXII RELACIONES CON LA PLATAFORMA Ramos, Victor Alberto 339 371 BRASILERA Riccomini, Claudio EVOLUÇÃO GEOLÓGICA DO RIFT XXIII Sant’Anna, Lucy Gomes 350 383 CONTINENTAL DO SUDESTE DO BRASIL Ferrari, André Luiz Sadowski, Georg Robert XXIV GRANDES FALHAS NO BRASIL CONTINENTAL 373 407 Campanha, Ginaldo A. da Cruz Sallun Filho, William PAISAGENS CÁRSTICAS DA SERRA DA XXV Karmann, Ivo 388 423 BODOQUENA (MS) Boggiani, Paulo César OS MAPAS MURAIS E A MEMÓRIA Schobbenhaus, Carlos XXVI GEOLÓGICA: 150 ANOS NO BRASIL E NA 399 435 Mantesso-Neto, Virginio AMÉRICA DO SUL GEOLOGIA DO QUATERNÁRIO E GEOLOGIA Suguio, Kenitiro XXVII 424 461 AMBIENTAL Sallun, Alethéa Ernandes Martins A EVOLUÇÃO TECTÔNICA DO CRÁTON Tassinari, Colombo Celso Gaeta XXVIII 433 471 AMAZÔNICO Macambira, Moacir José Buenano Teixeira, Antonio Luiz Gaucher, Claudio Paim, Paulo Sérgio Gomes BACIAS DO ESTÁGIO DA TRANSIÇÃO DA XXIX Fonseca, Mônica Marques da 448 487 PLATAFORMA SUL-AMERICANA Parente, Clovis Vaz Silva Filho, Wellington Ferreira da Almeida, Afonso Rodrigues de Uhlein, Alexandre Alvarenga, Carlos José Souza de GLACIAÇÃO NEOPROTEROZÓICA SOBRE O Trompette, Roland XXX CRÁTON DO SÃO FRANCISCO E FAIXAS Dupont, Henri Simon Jean Benoît 499 539 DOBRADAS ADJACENTES Silva, Marcos Egydio Cukrov, Neven Lima, Otávio Nunes Borges de Ulbrich, Mabel Norma Costas AS ILHAS VULCÂNICAS BRASILEIRAS: XXXI Marques, Leila Soares 514 555 FERNANDO DE NORONHA E TRINDADE Lopes, Rosana Peporine Valeriano, Claudio de Morisson Dardenne, Marcel Auguste A EVOLUÇÃO TECTÔNICA DA FAIXA XXXII Fonseca, Marco Antônio 533 575 BRASÍLIA Simões, Luiz Sergio Amarante Seer, Hildor José EVOLUÇÃO FANEROZÓICA DAS BACIAS XXXIII Zálan, Pedro Victor 552 595 SEDIMENTARES BRASILEIRAS Cap I O QUE FAZ DE UM CRÁTON UM CRÁTON? O CRÁTON DO SÃO FRANCISCO E AS REVELAÇÕES ALMEIDIANAS AO DELIMITÁ-LO Fernando Flecha de Alkmim Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto, MG [email protected] Resumo: À luz do conhecimento atual, crátons são entendidos como partes diferenciadas da litosfera continental, caracteri- zadas por possuírem espessas e antigas raízes mantélicas. Em virtude disso, exibem alta resistência mecânica e comporta- mento tectônico marcado por longa estabilidade. O Cráton do São Francisco é definido e delimitado como componente da Plataforma Sul-Americana não envolvido na tectogênese brasiliana do final do Neoproterozóico. Embora ainda não tenha a sua estrutura profunda caracterizada, mostra todos os traços superficiais e o comportamento tectônico típicos dos crátons. O seu substrato é constituído por um bloco arqueano que ficou poupado das orogêneses do Proterozóico e partes de um orógeno paleoprotezóico, desenvolvido durante o Evento Transamazônico, por volta de 2,1 Ga. As suas cober- turas se distribuem em duas grandes feições morfotectônicas, a Bacia do São Francisco e o Aulacógeno do Paramirim. As coberturas, juntamente com as estruturas deformacionais que exibem, registram uma história tectônica em que os episódios mais importantes foram: i) a tafrogênese estateriana em torno de 1,75Ga; ii) a tafrogênese toniana, por volta de 900 Ma; iii) inversão parcial e subsidência flexural durante o Evento Brasiliano; iv) a glaciação do Gondwana no Permo- Carbonífero; e v) renovada tafrogênese durante o evento Sul- Atlântico, no Cretáceo. Ao caracterizar e delimitar o Cráton do São Francisco, o Professor Fernando F. M. Almeida o faz com enorme sofisticação científica, entendendo-o desde já com uma entidade tridimensional e revelando a sua genealo- gia. Palavras-chave: Cráton, Raízes Mantélicas, Cráton do São Francisco, Fernando F. M. Almeida. Abstract: Cratons are presently viewed as differentiated compo- nents of the continental lithosphere, for the fact that they are endowed with thick, cold, old, but buoyant mantle roots. Consequently, they have a very high lithospheric strength that avoids pervasive deformation. The São Francisco craton in eastern Brazil is one of three other major components of the South American continent that were not significantly affected by the Neoproterozoic brasiliano orogenies. As such the São Francisco craton displays the typical attributes and tectonic behavior of the cratons identified worldwide, although its deep structure is not yet characterized. The basement of the São Francisco craton encompasses an Archean block not involved in the Proterozoic orogenies and segments of a Paleoproterozoic orogen, which consists of reworked Archean crust, microcontinents and a magmatic arc. The craton covers define two major morphotectonic units, namely the São Francisco basin and the Paramirim aulacogen. Together with the tectonic structures they display, the cover units record five major tectonic events: i) the 1,75 Ga Statherian taphrogene- sis; ii) the ~ 900 Ma Tonian rifting; iii) downwarp behavior Al caracterizar y delimitar el Cratón São Francisco el and partial inversion of interior structures induced by the Profesor Fernado F. M. Almeida, lo hace con gran sofisti- Brasiliano collisions during the Neoproterozoic Orogeny ; iv) cación científica, entendiéndolo desde ya como una entidad the Permo-Carboniferous glaciation of Gondwanaland; and tridimensional y revelando su genealogía. v) renewed rifting during the South Atlantic event in the Lower Cretaceous. Prof. F.F.M. Almeida in a very sophisti- Palabras llave: Cratón, Raíces Mantélicas, Cratón San cated way defined and traced the boundaries of the São Francisco, Fernando F. M. Almeida. Francisco craton. By doing this, he to a some extent antici- pates the view of cratons as 3D-features and brought to the Introdução light the genealogy of the São Francisco craton. O desenvolvimento do conceito de cráton constitui Keywords: Craton, Mantle Roots, São Francisco uma das mais interessantes páginas da história da geologia. A Craton, Fernando F. M. Almeida. constatação de que nos continentes existiam setores caracte- rizados por longa estabilidade tectônica partiu de simples Resumen: observações de campo para chegar aos dias atuais com um A la luz del conocimiento actual, los cratones son robusto suporte de conhecimentos dos mais variados ramos definidos como partes diferenciadas de la litosfera continen- das geociências. tal, caracterizadas por poseer espesas y antiguas raíces man- A identificação e delimitação progressivamente mais télicas. En virtud de eso, presentan alta resistencia mecánica precisas dos crátons da Plataforma Sul-Americana, especial- y comportamiento tectónico marcado por gran estabilidad. El mente do Cráton do São Francisco, tomam parte da saga do Cratón San Francisco es definido y delimitado como compo- conceito. Nesta história, a contribuição do Professor Almeida, nente de la plataforma Sudamericana, no envuelto en la consubstanciada, principalmente, em cinco notáveis artigos tectonogenesis brasiliana del final del Neoproterozoico. (Almeida, 1967; 1977; 1978; 1981; e Almeida et al., 1981), Aunque aún no tenga su estructura profunda caracterizada, além de operacionalizar o traçado dos limites dos crátons da muestra todos los trazos superficiales y comportamiento tec- Plataforma Sul-Americana, antecipa, com grande sofisticação tónico típico de los cratones. Su substrato está constituido por científica, o entendimento dos crátons como entidades tridi- un bloque arqueano estable y partes de un orógeno paleo- mensionais, tal como vieram a ser caracterizados mais tarde. proterozoico. Durante el evento Transamazónico, alrededor Neste artigo, apresentam-se, em primeiro lugar, os de 2,1 Ga, el bloque arqueano original fue parcialmente atributos fundamentais das porções da litosfera continental retrabajado y recibió importantes adiciones. Sus coberturas que possuem o status de cráton, discutindo-se as tendências se distribuyen en dos grandes unidades morfotectónicas, la assumidas pela conceituação atual. Descrevem-se, a seguir, cuenca de San Francisco y el aulacógeno de Paramirim. Las os principais traços geológicos do Cráton do São Francisco, coberturas, juntamente con las estructuras deformacionales demonstrando-se, concomitantemente, que a sua própria que exhiben, registran una historia tectónica en que los geologia encerra uma bateria de testes de “cratonicidade”. episodios más importantes fueron: 1) La tafrogénesis estate- Finaliza-se com um breve comentário sobre as incursões que riana alrededor de 1,75 Ga; 2) La tafrogénesis toniana fizera o Professor Almeida no universo dos crátons, especial- alrededor de 900 Ma; 3) Inversión parcial y subsidencia fle- mente, quando da caracterização do Cráton do São Francisco xural durante el evento Brasiliano; 4) La glaciación del e do que ele revela em suas publicações sobre o tema. Gondwana en el período Permo-Carbonífero; y 5) Renovada tafrogénesis durante el evento Sudatlántico, en el Cretáceo. O que faz de um cráton um cráton ? Do que se lê em compêndios e dicionários de geologia, conclui-se que crátons são partes relativamente estáveis dos continentes e que não foram envolvidas nas orogêneses do Fanerozóico. As definições correntes enfatizam os aspectos mais importantes da condição cratogênica, que são o caráter continental e a longa estabilidade, mas ainda nada revelam sobre as suas causas. Compilando as principais propriedades dos vários crátons já delimitados no mundo, chega-se à seguinte lista (Brito Neves & Alkmim, 1993): - Com contornos em geral elípticos, possuem diâmetros variáveis entre as centenas e alguns milhares de quilômetros (Fig.1). - Isostaticamente positivos, correspondem, porém, aos grandes baixos topográficos dos continentes, exibindo relevo interno relativamente pouco pronunciado (Fig.2). - O seu substrato é constituído, em maior extensão, por núcleos arqueanos, contendo adições significativas de mate- riais juvenis paleoproterozóicos, que podem ter experimenta- Fig. 1 - Crátons maiores da América do Sul e da África e sua relação com as zonas orogênicas brasilianas-panafricanas que os envolvem, em do, em graus variáveis, deformação e metamorfismo do uma reconstrução esquemática do Gondwana ocidental. Notar que o Arqueano ao Mesoproterozóico. contorno dos crátons, exceção feita ao do São Francisco-Congo, é - A cobertura compreende unidades cujas idades vão do aproximadamente elíptico (extraído de Alkmim & Martins-Neto, 2001) final do Paleoproterozóico ao Recente, hospedadas em aulacógenos, bacias de antepaís e sinéclises (Fig.2). Schematic reconstruction of West Gondwanaland showing the major - Além das estruturas negativas anteriormente men- cratons of South América and Africa and their relationships with the adjacent Brasiliano-PanAfrican orogenic belts. Notice that, except for cionadas, exibem também estruturas positivas, como anté- the São Francisco Congo, the shape of various cratons is in general clises, grandes domos e arcos. elliptical (from Alkmim and Martins-Neto, 2001) - As bacias da cobertura, principalmente as pré-cam- 18 Cap I 19 Fig. 2 - Principais crátons delimitados no território brasileiro e sua expressão no relevo. Notar que sobre os grandes crátons estão as grandes bacias hidrográficas e as grandes sinéclises. Observar também que os grandes altos topográficos e estruturais correspondem às faixas orogênicas brasilianas. Mapa do relevo do Brasil elaborado por J.B.Françolin e subdivisão tectônica do Brasil baseada em Almeida et al. (1977) Major cratons delimited in Brazilian territory and their topographic expression. The cratons host both the large river systems and sag basins. The major topographic and structural highs on the other hand correspond to the Brasiliano orogenic domains. Shaded relief map of Brazil compiled by J.B.Françolin. Tectonic subdivision of Brazil based on Almeida et al. (1977) brianas, podem apresentar variados graus de inversão, con- passado e fundamentavam ou decorriam da delimitação de forme a sua natureza, orientação e situação aos limites. crátons feita, até então, nos vários continentes. Dos trabalhos - Possuem uma estrutura sísmica marcada por espes- produzidos àquela época decorre uma visão de crátons como suras crustais ligeiramente superiores à média dos conti- entidades bidimensionais, correspondentes a regiões, áreas ou nentes. Porém, as espessuras crustais dos núcleos arqueanos setores dos continentes. Não havia ainda incursões nos são relativamente delgadas (média de 35 km) e das porções domínios subjacentes aos mesmos. Além disso, a condição proterozóicas mais espessas (média de 45 km) (Durrheim & cratogênica era tida, por muitos autores, como transitória Mooney, 1991) (Fig.3). (Kay, 1947 e seguidores). Sendo os crátons partes poupadas - Valores de fluxo térmico compreendidos entre 30 e 50 dos processos orogênicos, sua existência num dado momento mW/m2, representando os mais baixos valores dentre todos os da história da Terra seria fruto do acaso, ou seja, ter-se-ia uma demais tipos crustais. tal distribuição dos fronts orogenéticos pelos continentes que - Espessura elástica da litosfera de até 100 km certas partes não seriam por eles atingidas. (Grotzinger & Royden, 1990; Watts & Burov, 2003). Os avanços experimentados, a partir dos anos 70 do - Espessura litosférica entre 200 e 400 km, com a zona século passado, na geofísica, particularmente nas técnicas e de baixa velocidade do manto ausente ou muito mal definida aquisição e processamento sísmico, em paralelo ao desen- (Fig.3). volvimento e crescente sofisticação dos métodos geocronológicos Com exceção dos quatro últimos atributos da lista, e petrológicos, permitiram descortinar a tridimensionalidade dos todos os demais já eram conhecidos nos anos 60 do século crátons, o que correspondeu a um passo revolucionário. É mar- Fig. 3 - Representação esquemática de uma seção em um continente hipotético, mostrando a sua estrutura litosférica. Observar as raízes profundas do manto litosférico sob o cráton e as variações de espessura crustal Schematic cross-section of a hypothetical continent, illustrating its lithospheric structure. Observe the mantle roots beneath the craton and the crustal thickness variations cante, neste sentido, a contribuição de Jordan (1978;1981;1988) e várias outras simultâneas e posteriores, através das quais os crátons pas- saram pouco a pouco a ser entendidos como peças litosféricas diferenciadas, caracterizadas por possuir raízes mantélicas, que atingiriam a casa dos 400 km ou mais. Jordan (1978), ao constatar a existên- cia das raízes dos crátons, já tinha deparado com uma intrigante questão: como podiam os crátons manter-se isostaticamente posi- tivos com uma tal raiz litosférica, uma vez que não mostravam anomalias positivas do geóide ou gravitacionais? Ele mesmo resolveu esta questão postulando que o manto litosférico subjacente aos crátons deveria ser menos denso do que o manto sob os oceanos, e isto poderia ser conseguido através de um desfalque em Fe e Al. Dados obtidos à época e posteriormente compro- varam, em primeira instância, a hipótese de Jordan. Fig. 4 - Comportamento dos crátons quando submetidos a solicitações trativas e com- A tomografia sísmica comprovou a pressivas. O regime distensional é ilustrado pela formação de riftes, os quais possuem uma arquitetura bem distinta, conforme sejam nucleados em crosta não-cratônica ou existência das quilhas mantélicas dos crá- cratônica (vide texto para explicação). O regime compressional é ilustrado pela interação tons, caracterizando-as, além disso, como Índia-Ásia. A Índia, que em maior parte é constituída por núcleos arqueanos estáveis e litosfera fria (Pollak & Chapman, 1977; que tem como porções mais jovens terrenos retrabalhados no Mesoproterozóico Grand, 1987). O estudo dos xenólitos de (condição idêntica a dos grandes crátons) não sofre influência do processo. Já as porções rochas de derivação mantélica profunda, jovens da Ásia (orógenos paleozóicos) deformam-se a uma distância de até 4000 km do sítio da colisão (elaborado com base em Tapponnier et al.1982 e Sengör & Natal’in 2004) alcalinas e kimberlíticas, veio constituir uma fonte de dados sobre a composição do manto Tectonic behavior of cratons and non-cratons under extension and compression. The subjacente aos continentes e para a cali- extensional regime produces rifts with distinct geometries, depending on the very nature bração de resultados obtidos nas investi- of the crust (cratonic or non-cratonic). The compressional regime is illustrated by the gações geofísicas e da petrologia experimen- tectonic interaction between India and Asia. India, made up of stable Archean nuclei and tal (vide, entre outros: Allegre et al., 1982; boasting the Mesoproterozoic orogenicas belts as it youngest components (like most of the major cratons) is not affected by the collisional tectonism. Asia’s young regions Boyd, 1989; Boyd et al., 1993; Dawson, 1980; (Paleozoic orogens), on the contrary, are deformed over large distances (up to 4000 km Nixon, 1987). Além disso, a datação de from the plate boundaries) (based on Tapponnier et al., 1982, 1986 and Sengör & inclusões em diamantes e dos próprios xenóli- Natal’in, 2004) 20 Cap I 21 tos mantélicos (Richardson et al., 1984; Boyd et al., 1985; e sín- tese Pearson, 1999), associada ao estudo da anisotropia de velocidades de propagação de ondas S no manto (Babuska & Cahn, 1999; Silver, 1996) possibilitaram a datação das raízes mantélicas sob os núcleos arqueanos dos crátons. Comprovou-se que sua idade é arquena e que suas tramas cristalográficas correspondem à trama deformacional (tam- bém de idade arqueana) das rochas expostas na superfície. Sabendo-se que a resistência litosférica tem dois con- troladores fundamentais, quais sejam, estrutura térmica e composição, raízes litosféricas tão profundas, frias e antigas, necessariamente, redundam em grande e duradoura resistên- cia aos processos tectônicos. As implicações disso são enormes. Em primeiro lugar, fica claro que os crátons, enquanto domínios poupados da ação orogênica, o são, não por uma casualidade, mas por serem eles, desde o Arqueano, peças litosféricas reologicamente diferenciadas. Assim sendo, cai por terra, até certo ponto, a concepção de que a condição cratogênica seja transitória e o conceito de cráton torna-se, assim, reológico. O comportamento diferencial da litosfera cratônica sob solicitações distensionais e compressionais é ilustrados na Fig. 4. Quando submetida a regimes distensionais e entra em deformação (o que só ocorre sob altas tensões ou grande impacto termal), a litosfera cratônica dá origem a riftes estrei- tos e profundos, com pequeno número de falhas de grande rejeito. O soerguimento das ombreiras é desprezível e as taxas de deformação envolvidas são muito altas (Fig.4). A vasta maioria deles termina como aulacógenos, mas, em cenários tectônicos raros, riftes cratônicos podem evoluir para mar- gens passivas. Quando o fazem, guardam todas as caracterís- ticas dos riftes precursores. Quando submetidos a regimes compressionais, os crá- tons, da mesma forma que sob tração, concentram tensões e deformações em descontinuidades preexistentes, especial- mente, nos aulacógenos neles instalados, invertendo-os em variados graus. Gera-se assim o estilo tectônico conhecido Fig. 5 - Mapa geológico simplificado do Cráton do São Francisco (modi- como germanótipo. A deformação nestes casos não é penetra- ficado de Alkmim et al. 1993) tiva, mas concentrada em zonas discretas. O comportamento cratônico e não cratônico durante um regime compressional é Simplified geologic map of the São Francisco craton (modified from Alkmim et al. 1993) espetacularmente ilustrado pela interação atual Índia-Ásia. A Índia, essencialmente cratônica é isenta de deformação. Já a Ásia, que tem a sua porção central constituída por orógenos - O que pode destruir um cráton ? paleozóicos, é intensamente afetada e de várias formas Na busca de respostas para estas questões, um enorme (Fig.4). Por esta razão, no famoso experimento conduzido por volume de dados sobre a estrutura profunda dos crátons tem sido Tapponnier et al. (1982), a Índia foi representada por um publicado. Neste conjunto, salta aos olhos a grande variabilidade bloco rígido de madeira, ao passo que a Ásia foi reproduzida das propriedades do manto litosférico dos crátons quando em plasticina. considerados individualmente e também quando comparados Em suma, pode-se dizer que o que faz de um cráton um uns com os outros (vide, por exemplo, Jaupart & Mareschal, cráton é a sua constituição. São eles porções da litosfera con- 1999; Kaban et al., 2003). Além disso, O’Neill & Moresi tinental que, diferenciadas desde o Arqueano, ficaram dotadas (2003) em função de dados obtidos por Shimizu & Sobolev de grande resistência mecânica, comportando-se, por isto (1995) e Spetsius et al. (2002) perguntam se é mesmo válido mesmo, de modo peculiar no curso dos processos da dinâmi- usar idades atribuídas a diamantes para datar as raízes man- ca terrestre. Notável é sua tendência em subsidir e concentrar télicas. Modelos para a geração das raízes mantélicas com deformações, que faz com que eles, ainda que de maneira uma abordagem que leva em consideração a geologia de sutil, registrem a maioria dos eventos importantes nos quais superfície podem ser encontrados em Sengör (1999), Kusky os continentes seus hospedeiros se evolvem. A sua antigui- & Polat (1999) e De Wit (1998). No que tange a descra- dade e geodiversidade os tornam portadores de substancial tonização, que implicaria entre outros processos na elimi- parte da memória do planeta. Em conjunto, os crátons exis- nação das raízes mantélicas, há consenso entre os autores que tentes podem, desta forma, ser entendidos como a “caixa o impacto de uma pluma mantélica seria um dos processos preta” da nave Terra. com maior potencial de desencadeá-la (vide Sengör 1999). Questões em aberto sobre as quais se debruçam os dedicados ao tema dos crátons são as seguintes: O Cráton do São Francisco - Como se formaram as suas raízes mantélicas? - É a gênese dessas raízes um processo uniformitariano? Introdução - Uma vez formadas as raízes, como puderam elas ter sobre- vivido? Em função da longa viagem que vêm fazendo, não deveriam A história de caracterização e delimitação do Cráton ter experimentado, no mínimo, uma grande erosão geoquímica? do São Francisco acha-se sintetizada em Alkmim et al.

Description:
Martins-Neto, 2001) a) Simplified geologic map of the São Francisco basin, showing the distribution of the major fill units main structural features. b) bution of mineral resources associated to sea transgressions in the Brazilian ao norte e a leste do Pacífico Sul (do Timor e Nova Guiné para
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