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Geografia Histórica do Brasil: cinco ensaios, uma proposta e uma crítica PDF

74 Pages·2009·29.595 MB·Portuguese
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ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES GEOGRAFIA HISTÓRICA DO BRASIL CÍNCO ENSAÍOS, UMA pROpOSTA E UMA CRÍTÍCA SBD-FFLCH-USP m A N N / BLUME Y*ol . Infothes Informação e Tesauro A813 Moraes, Antonio Carlos Robert Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, uma proposta e uma crítica. / Antonio Carlos Robert Moraes. - São Paulo: Annablume, 2009. (Geografia e Adjacências) 152p.; 10,5 x 18 cm ISBN 978-85-391-0007-1 1. Geografia. 2. Geografia Humana. 3. Geografia Política. 4. Território. 5. História do Brasil. 6. História da Geografia Brasileira. I. Título. II. Série. CDU 911.2 CDD 910 Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt - CRB-8-1922 GEOGRAFIA HISTÓRICA DO BRASIL- CINCO ENSAIOS, UMA PROPOSTA E UMA CRÍTICA Coordenação de produção: Ivan Antunes Revisão: Ivan Antunes Capa: Carlos Clémen Diagramação: Ray Lopes Finalização: Catarina Consentino CONSELHO EDITORIAL Eduardo Penuela Canizal Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias Celia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff (In mcmoriani) Cecília de Almeida Salles Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D’Alessio Ferrara Ia edição: novembro de 2009 © Antonio Carlos Robert Moraes Para Monica, com amor ANNABLUME editora. comunicação Rua Martins, 300 . Butantã . 05511-000 . São Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax (11) 3812.6764 - Televendas (11) 3031.1754 www.annablume.com.br Sumário Apresentação 9 1. Ocidentalismo e História da Geografia Brasileira 11 2. Geopolítica da instalação portuguesa no Brasil 35 3. Território, região e formação colonial. Apontamentos em torno da Geografia y Histórica da Independência Brasileira 59 4. Introdução à afirmação da territorialidade estatal no Brasil 73 5. O sertão: um “outro” geográfico 87 6. A construção do território no Brasil. História, planejamento e infra-estrutura 103 7. Na trilha o purgatório. Política e modernidade na Geografia Brasileira Contemporânea 139 Apresentação A abordagem da geografia não se confunde com a de outros campos com os quais essa disciplina mantém intenso diálogo. A ótica da geografia humana, por exemplo, centrada no estudo da ocupação de um dado lugar, não se confunde com a da economia, ou a da ciência política, ou da antropologia, apesar da análise da atividade econômica, do domínio político, e das representações espaciais constituírem tópicos essenciais de sua explicação. A perspectiva geográfica necessariamente articula conhecimentos variados e objetiva-se numa síntese que representa algo novo em relação a cada um dos campos específicos por ela mobilizados. Em suma, a interpretação construída pela geografia é diferente da simples somatória das matérias que compõem sua abordagem, instaurando uma nova forma de equacionamento na análise do mundo. Mostrar a especificidade desta abordagem, indicando os fundamentos teórico-metodológicos que a sustentam, é o objetivo do presente livro que renega de início a idéia de ser a geografia uma ciência “excepcional”, epistemologicamente diferente de todos os demais campos do conhecimento' científico. Também não se assume a soberba de colocá-la como um corolário do saber gerado por todas as disciplinas com as quais ela dialoga. Tem-se a perspectiva geográfica como própria e alimentando-se de um grande diálogo interdisciplinar, sendo peculiar em sua essência e múltipla em suas aplicações. Nesse sentido, a diversidade é interna e externa ao campo disciplinar, Ocidentalismo e História o que torna bastante complexa sua explicitação teórica. A obra da Geografia Brasileira qüe aqui se introduz constitui um exercício e uma tentativa de tratar tal matéria, fornecendo uma argumentação coerente acerca do tema. setembro de 2009 O que tentei fazer foi uma espécie de exame geográfico da experiência histórica, tendo em mente a idéia de que a Terra é, de fato, um único e mesmo mundo... nenhum de nós está fora ou além da geografia, da mesma forma nenhum de nós está totalmente ausente da luta pela geografia. Essa luta é complexa e interessante porque não se restringe a soldados e canhões, abrangendo também idéias, formas, imagens e representações. Edward Said Discutir a história da geografia no Brasil nos marcos metodológicos dos estudos pós-coloniais revela-se um exercício bastante interessante em virtude da particularidade da formação do país e da construção da idéia de nacionalidade nesse processo. Sabemos que a criação dos Estados ibero-americanos ocorreu anteriormente ou concomitante à época áurea de constituição dos nacionalismos europeus, datada por Benedict Anderson entre 1820 e 19201. Sabemos também que a emancipação das elites americanas em face do domínio metropolitano foi feita sem romper com a idéia de civilização que sustentava a própria 1 1 Benedict Anderson Comunidades Imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difiisión de! nacionalismo, México: Fundo de Cultura Econômica, 1993, pp. 81 e 102. Eric Hobsbawn identifica uma “primeira fase” do nacionalismo entre 1830 e 1880 (Nações e Nacionalismo desde 1780, Rio de janeiro: Paz e Terra, 1990, p.126). dominação colonial. Ao contrário, como afirmam vários autores, talvez com maior ênfase dada à manutenção da forma a missão civilizatória em ambiente “bárbaro” foi brandida como monárquica de governo e da própria dinastia reinante.J ’ensar- justificativa da nova ordem instaurada, na qual a troca das figuras se como parte do ocidente significava a adesão a um conjunto de autoridade estatal não implicou em geral um alargamento de valores culturais originados e comandados pela Europa, entre social significativo da base do poder2. A manutenção de várias os quais se salienta a concordância com o controle político e instituições geradas pela colonização expressa bem esse elo de ^ econômico europeu do resto do mundo. Tal domínio, visto continuidade, com destaque para as formas compulsórias de como natural, ancorava-se numa visão evolutiva da história da controle da força de trabalho, tratando-se de movimentos onde humanidade que entendia a colonização ultramarina como uma o “povo” (ou, em outros termos, os “nativos”) teve um peso expansão de agentes do progresso social. A área central desse ínfimo no que tange à representação política3. No caso brasileiro movimento era alçada nessa visão à condição de herdeira do tal elo se acentua pela continuidade dinástica que sustentava no mais elevado conhecimento humano, constituído ao longo de plano diplomático a legitimidade ao novo Estado. <• grandes etapas civilizacionais: a Grécia clássica, o império romano, a Cristandade medieval, e, finalmente, a Europa moderna6. Nesse sentido, a emergência de novos países na América Nesse percurso retrospectivo, o Iluminismo é posto como apresentou-se como uma extensão do Ocidente, conforme culminância de um itinerário histórico progressivo em termos interpreta Walter Mignolo4. Segundo este autor, tanto Thomas de conhecimento e de organização política, trazendo a forma Jefferson quanto Simon Bolívar se viam como continuadores superior da racionalidade humana: a ciência moderna7. da obra de construção de uma civilização européia em terras ^ americanas5. Também a Coroa bragantina partilhava desse ideal, ^ A modernidade como projeto social e o capitalismo como k ------- sistema econômico teve (e tem) nesse elogio eurocêntrico um f , / í> Duas coletâneas recentes explicitam bem a perspectiva metodológica pilar fundamental. Seu correspondente geográfico material está \Jp que agrupa os chamados “estudos subalternos” ou “estudos pós- \ coloniais’: a organizada por Edgardo Lander La colonialidad dei bem expresso na constituição de uma “economia-mundo”, nJLN saber: eurocentristno y ciências societies (Buenos Aires: CIACSO, 2003) I conceito de forte conteúdo geopolítico cunhado por Immanuel e a coordenada por S.Dube, I.B.Dube e W. Mignolo Modemidades Coloniales (México: El Colégio de México, 2004). ^N a argumentação de Mignolo tal fato estaria na base da diferença entre os movimentos de descolonização do século XIX com os do h Enrique Dussel fala desse “deslizamento semântico” do conceito de século XX (Ver: “La colonialidad a lo largo y a lo ancho: el hemisfério Europa, estranho ao pensamento grego clássico, avaliando esta occidental em el horizonte colonial de la modernidad”, in E. Lander seqüência como uma “ideologia eurocêntrica do romantismo alemão” j op.cit., p.70). que buscava instituir uma “história universal falsa” (“Europa, *i Para ele, o hemisfério ocidental é uma “imagem geopolítica” do modernidad y eurocentrismo” in E. Lander op. cit., pp. 41,43 e 44L “imaginário do mundo moderno”, acrescentando que a “conceituação Paralela a essa sucessão caminharia a evolução da “subjetividade do hemisfério ocidental ocorre com a integração da América ao moderma”, com a Reforma, a Ilustração e a Revolução Francesa Ocidente” (Idem, p. 70). Vale mencionar sua observação de que (Idem, p. 46). B.Anderson também aponta que resgatar a herança Samuel Huntington retira a América Latina de sua delimitação do da Grécia clássica tornou-se um objetivo central europeu no fim do âmbito da “civilização ocidental”, referendando uma unidade século XVIII {Op.cit.. p. 109). geopolítica do “Atlântico Norte”, afeita à área da OTAN (pp. 77, 7 Lander qualifica a ciência moderna como “construção eurocêntrica’ 79 e 82). que visa instituir valores europeus como universais (“Ciências Idem, ibidem, pp.65/66. sociales: saberes coloniales eurocéntricos’ in E.Lander op.cit, p.23). 12 13 para operar o deslindamento dessa trama complexa, Wallerstein8. A modernidade européia teve na expansão colonial estabelecendo nexos enfFe^rltefidades e totalizações11. sua alavanca fundamental, seja como economia ou como cultura. A “colonialidade”, como assinalam os teóricos dos estudos pós- Edward Said é um autor fundamental para guiar tal coloniais, foi uma espinha dorsal da modernidade. A experiência equacionamento, pois considera que há uma relação direta entre do domínio político planetário atuou como alimento básico na as ciências ocidentais e a administração colonial e que “existe afirmação da identidade européia9. A própria sistematização da uma convergência entre a enorme extensão geográfica dos geografia moderna£jQquanto ciência emerge como uma expressão impérios... e os discursos culturais universalizantes”11 12. E dessa relaçãojjque articula a narrativa colonial e a tese da adiciona: “Uma das grandes realizações do imperialismo foi superioridade ocidental. A visão do conjunto do mundo foi aproximar o mundo”, possibilitando uma “experiência histórica um elemento essencial da construção da idéia de humanidade e do império como algo compartilhado em comum”, gerando de comunidade humana que está na base de um humanismo uma dinâmica onde “estão em jogo territórios e possessões, universalista laico10. Assim, o pensamento iluminista paga seu geografia e poder”13 * * * *. Segundo sua rica argumentação é o contato tributo à barbárie da colonização relacionando - mesmo que hierarquizado com sociedades bastante diversas, dotadas de por laços pouco evidentes e por meio de muitas mediações — as características díspares, que permitiu ao pensamento europeu teorias democráticas do contrato social na Europa com a prática elaborar teorias gerais da história e desenvolver abordagens do escravismo moderno no mundo colonial. A história da totalizantes acerca da vida social, cunhando conceitos que por geografia aparece nesse enquadramento como um bom campo meio de um aparato planetário de socialização e ensino tornaram- se de fato universais. A própria noção eurocêntrica de “cultura” inscreve-se nesse processo de realização do imperialismo, o qual 8 Immanuel Wallerstein El moderno sistema mundial, México: Siglo Veintiuno, 1987. Mignolo considera tal conceito “economicista”, 11 Cabe, segundo S.Dube, discutir o “núcleo das meta-geografias dominantes” e “os conjuntos de imaginações espaciais e disposições apesar de resgatá- lo associado ao conceito de “geocultura” do mesmo estruturais por meio das quais se isola e segmenta o mundo, e se autor, entendendo esta como um “componente do imaginário do mundo moderno-colonial que se universaliza”, logo do “imaginário orquestra e se ordena o conhecimento dessas esferas” (op.cit., p.99)”; hegemônico da segunda fase da modernidade” (Op. cit., p. 74). apontando “os vínculos entre o colonialismo e a modernidade, os nexos entre o poder e a diferença”, com a análise do “impulso 5 Diz Saurabh Dube que “a aquisição pela Europa de um status como sede da fundação do moderno, é um resultado da dialética entre a homogenizador da modernidade euro-americana moderna e do Ilustração e os impérios coloniais” (“Espacios encantados y lugares conhecimento eurocentrista” (“Introduccion. Cuestiones acerca de modernos” in S.Dubi et alli, op,cit., p. 105). Dussel acrescenta: “O las modemidades coloniales” in Idem, pp.24/25). etnocentrismo europeu é o único que pode pretender identificar-se 13 Edward Said, Cultura e Imperialismo, p.202. Diz ele: “Para seu com a universalidade-mundialidade” (op.cit., p.49). Também público no final do século XIX e começo do XX, os grandes Lander assinala que a alteridade colonial cria a identidade moderna, sintetizadores geográficos ofereciam explicações técnicas para embasada na “grande narrativa” da história universal eurocêntrica realidades políticas dadas... o mapa imperial autorizava de fato a (op.cit., p. 16). visão cultural” (p.83). 10 B.Anderson credita a esse universalismo laico do liuminismo a 13 Idem, ibidem, pp. 23 e 37. “O imperialismo, afinal, é um gesto de possibilidade de emergência das identidades nacionais (Op.cit., violência geográfica por meio do qual todo o espaço do mundo é explorado, mapeado e, por fim, submetido e controlado” (p.384). p.29). apresenta seus “códigos historicizantes” sob a aparência de uma com os olhos da descolonização” sintetiza1 18, num “universalidade neutra”14. Em meio à diversidade de idéias ali aconselhamento de pesquisar a produção geográfica com uma geradas um padrão recorrente de reconhecimento do mundo visão de determinação geográfica do saber. Em suma, começar vai se firmando: a “consciência ocidental” que protagoniza e pela avaliação geográfica da “ciência” geografia. Nesse contexto, racionaliza a “dominação colonial”. Para Said cabe analisar os evidencia-se a civilização ocidental e os impérios e, no contra- “olhos do império” como prática e representação, vendo a foco, o “mundo colonial” em si, como uma construção política “descolonização” como, antes de tudo, um movimento para material e simbólica. Enfim, cabería questionar a origem “recuperar a identidade geográfica”15. geopolítica dos discursos científicos em geral e de seus - fundamentos epistêmicos, utilizando para tal operação os - Vale observar que a perspectiva acima exposta contempla -- -- “poderes de dissolução da modernidade crítica”19. - as duas acepções de geografia manejadas pela historiografia crítica -- - do campo disciplinar16: o entendimento da geografia como --- Tendo em vista as diretrizes de método formuladas por - - materialidade e como discurso. Na diferenciação e na então --- Said, vale retomar o questionamento da particularidade - - possível relação entre os significados o autor capta bem a ---- americana e da singularidade brasileira. Como mencionado, - problemática que podería ser definida como a da “meta- ---* estas mediações resultam do colonialismo e do imperialismo geografia”17. Ao focar o imperialismo e a dominação colonial --- europeu, representando construções da modernidade e - - como elementos vitais da cultura ocidental, Said propicia um --- expressando uma expansão do ocidente por meio de formas - - enfoque interessante para a interpretação da história da geografia -- próprias (miméticas, só até certo ponto, para com o padrão do (no segundo sentido, como representação). Propõe assim uma centro). Pode-se acompanhar Saurabh Dube acatando o conceito de “modernidade periférica”, o qual qualificaria abordagem politizada que se fundamenta epistemologicamente, de imediato, na sua localização geográfica. “Ler as obras imperiais formações sociais referidas ao modelo europeu, porém dinamizadas em histórias peculiares e diferenciadas entre si20. 1 * Idem, ibidem, p.220. Em suas palavras: “a objeção de que não se deve considerar a cultura como parte do imperialismo pode se converter numa tática para se impedir que se estabeleça uma conexão entre !S Said, op.cit., p.212. E outro grande ensinamento para a geografia ambos (p.213). Eis um bom ensinamento para certa geografia cultural: “A espacialidade torna-se, ironicamente, a característica cultural “apolítica”. de uma dominação mais estética do que política, à medida em que Idem, ibidem, p.284. Diz ele que na militância anti-colonial o um número crescente de regiões... vai questionando os impérios território “a princípio só é recuperável pela imaginação” (p. 284). E clássicos e suas respectivas culturas” (p.244). acrescenta: "A lenta recuperação, muitas vezes amargamente 19 Idem, ibidem, p.385. Vale salientar que Said tece críticas ao “culto disputada, do território geográfico, a qual encontra-se no cerne da do pós-modernismo” nas universidades americanas questionando o descolonização, foi precedida - como no caso do imperialismo - de “pensamento débil” do fim da modernidade (p.373), mas alertando um mapeamento do território cultural” (p.266). que “as teorias clássicas do modernismo não dão conta das questões u> Ver: Marcelo Escolar, Crítica do Discurso Geográfico, São Paulo: contemporâneas” (p. 404). Hucitec, 1996. i0 Dube considera que se trata de uma “figura híbrida”, um “conceito 1 Tal como expusemos no primeiro capítulo de nossa tese de livre- metáfora” ancorado “num campo conceituai constituído de docencia (Antonio Carlos R. Moraes, Geografia, Capitalismo e Meio desacordos” (“Introducción. Cuestiones acerca de las modernidades Ambiente, São Paulo:FFLCH/USP, 2000). coloniales" op.cit., pp. 17 e 18). 16 17 1 cuja variedade resulta exatamente da “diversidade de As teorias totalizadoras e os conceitos universais atuam experiências coloniais (reestruturadas pela globalização e o exatamente na tentativa de aproximação do diverso, tentando colonialismo global)”25. A partir de tal constatação, pode-se consolidar nesse ato a vigência (mesmo que formal ou como questionar os projetos universalistas com base numa “geopolítica mera referência) de alguns valores ocidentais. Serge Latouche do conhecimento” fundamentada em “epistemologias fala de uma “ocidentalização do mundo”, posta como “o confisco fronteiriças”26. Novamente se repõe a própria geografia como do planeta pelo Ocidente”21, cujos novos agentes de dominação mediação epistemológica na construção de uma teoria crítica. na situação pós-colonial “são a ciência, a técnica, a economia e o imaginário sobre o qual elas repousam: os valores do progresso”22. Se a descoberta da América inaugurou a era moderna, Mesmo aceitando que essa forma de pensar foi imposta pelo como acatam muitos autores27, o movimento de independência centro, e que “o desenvolvimento é uma relação triangular americana pode ser lido como um marco inicial de passagem específica entre a economia, o poder e o espaço”23, é difícil para a “segunda modernidade”28 *.Vale lembrar que os federalistas acompanhar este autor em sua defesa da possibilidade de uma que comandavam a emancipação das Treze Colônias em 1776 cultura periférica não contaminada pelo ideário moderno24. Mais liam os pensadores políticos europeus, e que a Constituição do razoável é a ótica de Mignolo ao reconhecer o “mundo colonial EUA influenciou os teóricos da Revolução Francesa em 1789, moderno” como dotado de culturas que partilham esta, por sua vez, esteve na base do segundo movimento de historicamente (e de modos variados) a vivência da modernidade, 2’ W.Mignolo, “Capitalismo y geopolítica do conhecimento” in S.Dube 21 Serge Latouche, A Ocidentalização do Mundo, Petrópoiis: Vozes, ; et alli, op.cit., pp. 252/253. 1996, p.18. Segundo ele, “o Ocidente é, antes de tudo, uma entidade 26 Para Mignolo tal postura - de “descolonização intelectual” - articula geográfica” que, com o imperialismo, se objetiva como uma ideologia: “razão e localização geohistórica” (Idem, ibidem, pp. 231 e 239). centrada na idéia de “civilizar” o inundo (pp. 35/36). Ele defende a busca da “relação que a epistemologia moderna 22 Idem. Ibidem, p.26. Este autor aponta como básica nesse processo a estabeleceu entre localizações geo-históricas e produção de idéia iluminista da dominação como “liberação” (p. 42) que, na conhecimento” (p.230). Em outro texto, acrescenta: “A colonialidade prática, implanta a moral do mercado. Para ele, a linguagem científica é constitutiva da modernidade, e não derivativa” (“La coloniaiidad...” impõe conceitos ocidentais que fundamentam a “economização do in E.Lander, op.cit., p.61). E Lander destaca a necessidade de captar social” (p. 70). Lander também qualifica o conhecimento científico as “modernidades subalternas”, desconstruindo as “taxonomias ocidental como o veículo do novo colonialismo (“Eurocentrismo, imperiais” e fazendo a “crítica da modernidade por suas margens” saberes modernos y naturalización dei orden global dei capital” in {Op. cit., p.36). S.Dube et alli op .cit., p.272). 27 E.Dussel, “Europa...”, op.cit., p.49. Mignolo vè a América como u Latouche completa a citação: “O espaço do desenvolvimento é uma “entidade geo-social” que institui o sistema-mundo europeu primeiramente o território nacional”, e reafirma “a base natural do (“La coloniaiidad...”, op.cit, p.57). desenvolvimento econômico é o território do Estado” {op.cit., p. 98), 2li Enrique Dussel argumenta que a “primeira modernidade” européia 24 Latouche considera que a noção de “desenvolvimento” foi cunhada foi ibérica, a qual conviveu (e foi periférica) com uma economia- como um projeto de imposição do imaginário da modernidade mundo asiática comandada pela China, destacando que até o século ocidental para o Terceiro Mundo, por meio das metas de XVIII esse mundo oriental era tnais rico e desenvolvido culturalmente nacionalização, urbanização e industrialização (Idem, pp. 52 e 71). que o ocidente (“Sistema-Mundo y Transmodernidad” in S.Dube íal projeto opera, segundo ele, uma “economização do social” que et alli, op.cit., pp.213 e 217). A hegemonia européia, por tanto, rompe a segurança dos laços culturais tradicionais e frustra os anseios contaria dois séculos de vigência, sendo um elemento instituidor da das populações submetidas (Idem, p. 70). segunda modernidade (p.215). independência na América, o do Haiti na última década do O tema da nação e do nacionalismo aparece nesse quadro século XVIII. Enfim, a imbricação histórica Europa-América com particularidades evidentes, pois a conceituação empregada bem demonstra a relação já apontada entre a modernidade e a em seu equacionamento emerge impregnada de conteúdo colonÍ2ação29. Nessa perspectiva, os processos de independência moderno, ocidental e eurocêntrico. Isso, contudo, não constitui americanos não devem ser analisados como tributários de uma um vicio de origem (epistêmico) do método adotado e sim, dinâmica praticada em solo europeu, em outras palavras, não como visto, pode ser avaliado como uma qualidade intrínseca devem ser equacionados como resultados adaptativos de do objeto em seu equacionamento em face de tais parâmetros. transformações política ocorridas no centro. São em si Vale, nesse ponto, retomar a argumentação de Benedict protagonistas da história da economia-mundo capitalista, em Anderson acerca dessa problemática, apesar da crítica — de seus relacionamentos mútuos contraditórios. As sociedades linearidade na periodização - a ele endereçada por E.Said30. A periféricas expressam a modernidade em formas econômicas, idéia de “comunidade imaginada” de imediato qualifica a políticas e culturais próprias. E quando se opera a desconstrução discussão em tela, entendendo de início que a identidade da retórica da missão civilizatória da cultura ocidental, e da nacional .é uma construção cultural de múltiplos caminhos de visão evolucionista nela implícita, a orientação metodológica afirmação, seja na Europa ou no resto do mundo. Anderson dos estudos pós-coloniais revela sua potência explicativa na concebe a nação enquanto “uma comunidade política imaginada análise da formação e das singularidades dos países da periferia como inerentemente limitada e soberana”, como uma do capitalismo. E é nesse pano-de-fundo que deve se enquadrar “comunhão” entre indivíduos e grupos sociais que aspira a genericamente o estudo da história da geografia brasileira, isto condição de um Estado soberano como “emblema de sua é, intrincada mais com a evolução política do país do que como libendade”31. Na própria arena européia, em certos contextos um capítulo numa história universal do desenvolvimento desse essa idéia sustenta um pleito político autonomista em face de campo disciplinar. Trata-se, portanto, de uma meta-geografia um poder central espacialmente mais extenso, em outros geopoliticamente localizada e prenhe de determinações contextos serve a uma justificação ex post de uma dominação históricas e geográficas específicas. 30 E.Said critica as “periodizações equivocadamente lineares” do processo de descolonização utilizadas por Anderson (op. cit., p.292). 31 Op.cit., pp. 23 a 25. Ele entende o nacionalismo hoje como uma “generalidade” (semelhante à família ou a religião), um “sistema cultural” que não se confunde com uma “ideologia, consciente” (como 29 W.Mignolo, por exemplo, considera que o mundo colonial deve ser o fascismo, o liberalismo ou o socialismo), a qual é veiculada por entendido como um “interno-externo” do imaginário moderno, variados projetos políticos, e em distintos contextos históricos (pp. devendo a colonialidade ser observada como o outro lado” da 23 e 30). Para ele, a nação e o nacionalismo são componentes da modernidade (“La colonialidad...”, op. cit., pp. 55/56). Este autor consciência moderna, que subverte a noção do tempo como “presente aponta que “a diferença colonial é um lugar passivo nos discursos instantâneo”, desenvolvendo a idéia de futuro e da experiência da pós-modernos” (p.58). Enrique Dussel aprofunda a crítica, simultaneidade (pp.46). Vale apontar o posicionamento valorativo avaliando que o pós-modernismo não questiona o eurocentrismo de Anderson sobre o tema: “a nacionalidade é o valor mais (“Sistema-Mundo...”, op.cit., p.219). universalmente legítimo da vida política do nosso tempo” (p.19). 20 21

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