Fundamentalismo Religioso Cristão Olhares Transdisciplinares André Leonardo Chevitarese Juliana B. Cavalcanti Sérgio Dusilek Tayná Louise de Maria 1° edição Rio de Janeiro 2021 Fundamentalismo Religioso Cristão - Olhares Transdiciplinares 2021 Klínē Editora® Rua Maria Amália,591, Tijuca - Rio de Janeiro – RJ - Brasil [email protected] | [email protected] | www.klineeditora.com RJ - Brasil Coordenação Editorial Felinto Pessôa de Faria Neto Leonardo Gonçalves Martins Raphael Botelho Conselho Editorial Daniel Brasil Justi (UNIFESSPA) Marta Mega (UFRJ) Mônica Selvatici (UEL) Osvaldo Ribeiro (UNIDA) Diagramação e Projeto Gráfico Alberto Cavalcanti Capa Juliana Cavalcanti Raphael Botelho Revisão e Preparação dos Originais Felinto Pessôa de Faria Neto C530 Chevitarese, André L; Cavalcanti, Juliana B.; Dusilek, Sérgio; de Maria, Tayná Louise Fundamentalismo Religioso Cristão. Olhares transdisciplinares/ André L. Chevitarese, Juliana Cavalcanti, Sérgio Dusilek, Tayná Louise de Maria (organizadores). – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Klíne, 2021. 249 p., 16x23cm 1. Fundamentalismo Religioso; 2. Transdisciplinariedade; 3. Cristianismo CDU 29.22 CDD 230.220 SUMÁRIO Prefácio Introdução I. Fundamentalismo Religioso Cristão : em Busca de um Conceito II. Iluminismo: Luzes e Sombras de uma Ideia. III. A Astronomia Moderna e as Interpretações da Bíblia: novas teorias da origem e do fim do mundo para novas teorias para o mundo IV. Arqueologia Bíblica: a cultura material como discurso fundamentalista religioso cristão V. A Bíblia como Literatura e suas Implicações para a Reflexão Teológica VI. O Nascimento do Fundamentalismo Cristão nos Estaddos Unidos: das origens ao Caso Scopes VII. A Resistência VIII. Identidades e expansão do fundamentalismo de matrizes protestantes (décadas de 1930, 1940 e 1950) IX. Evangelicalismo na Segunda Metade do Século XX: O “Esquecimento“ das Ideias Fundamentalistas e a Cristalização do Evangelicalismo X. “Palavras de Morte e Não de Vida“: O Estudo dos Fundamentalismos e seu Acesso ao Primeiro Testamento XI. Fundamentalismo Cristão na Perspectiva Protestante XII. A Intolerância Religiosa e a sua Tipificação - Uma Análise de Casos Concretos XIII. O Imaginário Radical Diante dos Racismos e Fundamentalismos: Esboço do Cenário Brasileiro Denominado Evangélico Biografia dos Autores Índice Onomástico Bibliografia Prefácio Tempos como esse em que vivemos impõem urgentes e necessárias reflexões sobre fenômenos históricos de longa duração. Um deles, o fundamentalismo, que se poderia pensar como algo marginal na história da cultura ocidental, irrompeu com incomparável força nestas últimas décadas e na atual conjuntura, lavando-nos à constatação de que era uma realidade mais central do que imaginávamos. Trata-se de uma construção histórica e social que não se esgota numa definição ou num conceito, na medida em que só se pode captá-lo na sua historicidade, nas formas como se reinventou nas distintas temporalidades. Daí a pluralidade de olhares que a presente obra traz ao ajudar na compreensão de um termo que se tornou popularizado e utilizado até para estigmatizar alguém caracterizado como intolerante, radical, negacionista, anti ciência, moralista, inflexível nas opiniões e inclinado a algum tipo de violência, seja física, seja simbólica. O fato é que, assim como o termo fascismo, o seu uso se faz necessário e inevitavelmente se refere ao aspecto negativo de uma dada mentalidade política e religiosa, mas deve sempre ser compreendido nos seus limites históricos e sociais. O fundamentalismo não se constituiu como um fenômeno atemporal, antes se reinventou a partir de sujeitos, instituições, grupos sociais e condições favoráveis à sua plausibilidade e funcionalidade, no devir das mudanças e das transformações sociais. Nascido no contexto religioso e teológico estadunidense, extensão das heranças europeias da modernidade e do Iluminismo, o fundamentalismo seria a negação e, paradoxalmente, o subproduto desse complexo processo cultural. O acirrado embate entre as verdades da crença religiosa e os estatutos postos pelo racionalismo científico, gerou, no âmbito das ideias e das ações, comportamentos enrijecidos, por um lado, e tentativas de diálogo, por outro. O que estava e ainda está em causa ou em pauta seria o estatuto do que seja a verdade nas distintas esferas da fé e da razão, do conhecimento e da experiência, entre a observação e o senso comum, entre a análise e a mera opinião. Ser fundamentalista representa uma dada atitude de defesa, de trincheira, de apologética, de conservação e de reação ante a uma ameaça, ora real, ora imaginária, de perigos tidos como devastadores da ordem, do dogma, da base de autoridade para a verdade. Não é sem razão que sua estruturação teológica se deu no período coincidente à primeira grande guerra, uma guerra de trincheiras. Contudo, o fundamentalismo estadunidense mobilizou-se para adquirir argumentos e força intelectual para superar vexames públicos sofridos, a exemplo do julgamento de Scopes em 1925. Apropriou-se de bases científicas a fim de comprovar suas verdades, sobretudo as afirmadas pelas escrituras, objeto de uma leitura literalista dos seus eventos desde uma hermenêutica que tratou o livro como autoridade sagrada e não como literatura, sujeita a mudanças culturais e a processos civilizatórios. Paradoxalmente, o pensamento fundamentalista valeu-se do seu outro ameaçador, a ciência, a fim de legitimar-se como verdade. Em outras palavras, a ciência serviu aos interesses desse discurso como base de autoridade comprovadora de seus pressupostos, a exemplo das descobertas arqueológicas. O texto escrito resultado da revelação adquire e incorpora a ciência como referente material de sua autoridade, a fim de manter-se como atemporal, a-histórico. É possível, entretanto, pensar em experiências próximas ao que se denomina fundamentalismo, antes dessa configuração histórica específica, embora central na história do ocidente, e também no modo como ele se desprendeu e se deslocou para outras esferas, regiões, crenças e experiências que não estavam demarcadas como cristãs protestantes ou evangélicas. Antigas matrizes religiosas históricas monoteístas ou não apresentaram formas semelhantes de exclusivismo, de dogmatismo e de intolerância, na tentativa de fixação de suas ortodoxias. Por sua vez, sobretudo após a segunda grande guerra, os conflitos civilizacionais, a descolonização, as independências africanas e na Ásia, a mundialização do capital, as revoluções culturais e o conflito da guerra fria, criaram as condições para uma universalização dessa atitude reapresentada em culturas e políticas de outros povos, ganhando espaço na mídia internacional que as denominou de fundamentalistas, principalmente categorizando assim os grupos radicais islâmicos. Ao considerar ainda o contexto estadunidense é preciso identificar também as resistências a esse fenômeno ideologicamente ligado a grupos financeiros financiadores de suas empreitadas. Vozes internas e externas denunciaram seus reducionismos e estreitamentos em relação aos pressupostos da fé, das confissões, da figura de Jesus Cristo e das escrituras sagradas. Ao mesmo tempo, os desdobramentos de uma cultura religiosa oriunda do etos da religião civil norte-americana, geraram formas outras como o chamado que ora procura se distanciar, ora se refugia no fundamentalismo. Foi essa configuração religiosa e cultural vinculada ao processo de mundialização do capital que, por meio de agentes e instituições, aportaram no Brasil e na América Latina, trazendo seus valores, atores, literaturas, discursos, igrejas e dólares, junto com o germe de uma politização reacionária como resultado da teologia. O atual cenário coloca a urgente tarefa de se repensar a condição humana em suas conquistas, avanços e retrocessos civilizacionais, diante das atitudes de intolerâncias e de violências de várias formas, desde os feminicidios, os racismos e as agressões a cultos afro-brasileiros, tendo como matriz uma dada postura e mentalidade religiosas. Em tempos de necropolítica e de necrocalvinismos, a presente coletânea reúne textos de especialistas que contribuem para o debate, a decifração e a compreensão do que estamos passando como sociedade, ainda mais agravado em tempos de pandemia. Espero que a sua leitura inspire aos leitores e às leitoras para o enfrentamento corajoso, democrático e dialogal de tudo daquilo que nos desumaniza, porquanto gerado pela barbárie do capital. Lyndon de Araújo Santos. Rio de Janeiro, 27 de Agosto de 2020. Introdução Este livro traz dois objetivos desafiadores, comumente não enfrentados em obras publicadas sobre esta temática: tomou-se a experiência fundamentalista a partir de uma perspectiva histórica; e optou-se por construí-lo em bases transdisciplinares, de modo que o leitor pudesse entrar em contato com diferentes intelectuais oriundos das áreas de História, Teologia e do Direito. Desde o seu início, os organizadores entendiam este livro como sendo urgente e necessário. Ele se faz urgente pelo avanço nefasto do movimento fundamentalista cristão em diferentes partes do globo, no geral, e no Brasil, no particular. Enfatizasse aqui o seu elemento nefasto, na medida em que o combustível que o faz mover é composto pela aversão à democracia e pelo ódio ao diferente. Convém chamar atenção aqui: não há limites para aqueles que desprezam à democracia e vivem de semear o ódio religioso, pois se já não bastassem ser intolerantes, eles ainda ensinam o outro a ser e a praticar a intolerância; e se já fosse bastante suas ações, elas ainda descambam para a prática de várias modalidades de crimes, como homicídio, lesão corporal, crime à liberdade individual e contra à honra. Este livro se torna necessário, especialmente por produzir debates, ao mesmo tempo em que também se insere naqueles que estão em curso, a fim de construir melhores definições sobre: fundamentalismo; grupos fundamentalistas; e as “origens” de tal movimento. Por este motivo, continua na ordem do dia promover análises e discussões sobre este movimento religioso, cuja capilaridade pode ser sentida nos mais diferentes espectros de nossa sociedade. Torna-se imperativo lançar luzes sobre o fundamentalismo religioso cristão, por causa de três fatores: (i) o fator político. Percebe-se uma fortíssima inserção de discursos religiosos nas Casas Legislativas brasileiras, desde o início do século XX até os dias atuais; (ii) o fator social. Há uma estreita relação entre falas de destacadas lideranças religiosas brasileiras e ações reais, pautadas em discursos e/ou atitudes de ódio; e (iii) o fator científico. Os grupos fundamentalistas cristãos manifestam-se quase sempre contrários às ideias científicas negam ou colocam em dúvida suas certezas bíblicas. O livro Fundamentalismo Religioso Cristão conta com a participação de quinze intelectuais brasileiros, os quais produziram treze capítulos inéditos. André Leonardo Chevitarese e Tayná Louise de Maria (capítulo I) apresentam conceitualmente o que vem a ser fundamentalismo religioso. Eles pensam o conceito na História, logo, suas discussões ganham uma dimensão que, apesar de envolve, acaba também por transcender a própria a experiência religiosa cristã. Chevitarese e de Maria fundamentam suas discussões em duas forças temporais (sincronia e diacronia) que não apenas atuam initerruptamente, como também gestam o movimento fundamentalista. Uma vez que analisam o processo em sua longa duração, a começar pelo século XVI – onde definem o conceito de “ocidente” –, passando pela importância do Iluminismo e da laicização dos saberes – embasados agora na teoria do conhecimento –, até se debruçarem na curta duração, onde analisam eventos pontuais – especificamente situados nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX. Este capítulo torna-se um bom ponto de partida para se iniciar a leitura do livro, pois ele dá elementos chaves para se compreender que o movimento fundamentalista é formado por uma ideologia pautada não só na reação, mas que contém em si um elemento camaleônico, fazendo-o sempre oscilar entre a estabilidade e a mudança, a fim de defender fortemente seus princípios religiosos. Lair Amaro (capítulo II) apresenta os séculos XVII e XVIII como pontos de mudança paradigmática na História, quando as bases religiosas judaico-cristãs, constitutivas daquilo que se convenciona chamar de “Ocidente, são fortemente contrapostas diante da ciência e de seu pressuposto ancorado na teoria do conhecimento. Utilizando-se das análises de Pinker e de Todorov, Lair Amaro analisa como o Iluminismo instaurou novas finalidades ao agir humano. Carlos Ziller Camenietzki (capítulo III) parte de um interessante estudo de caso, a vida do presbiteriano William Whiston, situado no final do século XVII, matemático e professor de Filosofia Natural da Universidade de Cambridge. Ziller explicita como homens de saber conviviam com a dualidade entre Ciência e Bíblia e se sentiam pressionados em buscar soluções que mediassem estes dois universos distintos. O autor traz uma interessante ideia de que o professor Whiston precisa ser estudado em seu período histórico, pois naquele momento a Bíblia ainda era a principal fonte de inspiração, até mesmo para cientistas. Ele diz que este estudo de caso não pode ser visto como algo retrógado, pois era muito comum pessoas eruditas reunirem dois conhecimentos que hoje podem ser considerados como díspares. Juliana Cavalcanti (capítulo IV) analisa como os cristãos se comportaram após a teoria do conhecimento questionar, e até mesmo ambicionar o lugar do argumento divino. Neste capítulo, o leitor perceberá como os religiosos, pressionados em defender suas crenças, criam a chamada “Arqueologia Bíblica”, no século XIX. Desde o seu início, este tipo de arqueologia tinha (e continua ainda hoje tendo) por objetivo fortalecer o argumento religioso, fincado em bases fundamentalistas, na defesa da verdade bíblica. Marcio Simão de Vasconcellos (capítulo V), situando também as suas discussões no século XIX, coloca em evidência a Escola Teológica Alemã e o impacto por ela trazido ao dizer que a Bíblia, livro sagrado para muitos, era uma forma de literatura. Rodrigo Farias de Souza (capítulo VI) concentra a sua discussão nas primeiras décadas do século XX. A sua análise aborda a primeira fase do movimento fundamentalista religioso cristão nos Estados Unidos. Ele explica o porquê de a Teoria das Espécies ter se tornado o principal “inimigo” dos cristãos, bem como contempla uma interessante discussão sobre como muitas das principais lideranças evangélicas organizaram e sistematizaram o fundamentalismo, o qual, inclusive, acabou por produzir o célebre julgamento do professor John T. Scopes, conhecido como The Monkey Trial, em 1925. Élcio Sant’Anna (capítulo VII) traz uma discussão sobre o que ele chamou de “fundamentalismos” e suas relações com o Antigo Testamento. O seu ponto de partida é o estudo de um caso brasileiro – o Batalhão de Operações Especiais da PMERJ –, muito embora o leitor também encontrará uma discussão sobre as religiões da Era Axial.