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Foucault : o pensamento, a pessoa PDF

148 Pages·2009·7.889 MB·Portuguese
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0 pensamento a pessoa edições « . texto ggc. R a fia Ili ...................■ ■ ■- ;•................>. • > ■ - • :*.• . . . . 'i ' W ? 4 . ; f •< ' j i . i& ( ‘ i '.¡¡v. , ; .h_ ..u:; . : PILARES —————1 ^ — i PaulVeyne i§fl i - ■■ ' > Sl .-í-v Ü 0 pensamento a pessoa EDIÇÕES K | texto Rafia Título original: Foucault, Sa pensée, sa personne Tradução: Luís Lima Revisão: Gabinete Editorial Texto & Grafia Grafismo: Cristina Leal Paginação: Vitor Pedro © Éditions Albin Michel, 2008 © Todos os direitos desta edição reservados para Edições Texto & Grafía, Lda. Avenida Óscar Monteiro Torres, n.° 55, 2.° Esq. 1000-217 Lisboa Telefone: 21 797 70 66 Fax: 21 797 81 03 E -mail: texto -grafía@texto-grafia. pt www.texto-grafia.pt Impressão e acabamento: Papelmunde, SMG, Lda. 1.a edição, Setembro de 2009 ISBN: 978-989-95884-9-3 Depósito Legal n.° 297530/09 Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, sem a autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei do Direito de Autor será passível de procedimento judicial. O panorama das idéias, do pensamento e das transformações culturais avulta e recorta-se, rico e diverso, na mole de obras e de acontecimentos com que a humanidade foi deixando a sua incisão no corpo irrequieto da história. Neste contexto, a colecção PILARES publicará trabalhos que, além do seu valor intrínseco, encerrem uma garantia de perenidade temática que os possam inscrever no rol de textos fundamentais para a articulação e a conversação, cada vez mais urgente, dos saberes entre si. Como lembrança reconhecida dos nossos mestres, Hans-Georg Pjlaum e Louis Robert Introdução Não, Foucault não era um pensador estruturalista. Também não foi fruto de um certo «pensamento de 1968»; não era mais relativista do que historicista, nem do género de farejar ideologia por toda a parte. Coisa rara nesse século, ele foi, por confissão própria, um cépticoum céptico que acreditava unicamente na verdade dos inúmeros factos históricos que enchem todas as páginas dos seus livros, e nunca na verdade das idéias gerais. Ele não admitia qualquer transcendência fundadora. Mas nem por isso foi um niilista: constatava a existência da liberdade humana (o termo está patente nos seus textos) e não pensava que a perda de qualquer fundamento metafísico ou religioso, mesmo que erguida em doutrina «desencantada», pudesse ter alguma vez desencorajado essa liberdade de ter convicções, esperanças, indignações, revoltas (ele próprio foi disso um exemplo, militou à sua maneira, que era a de um intelectual de um novo tipo; em política foi um reformador). No entanto, considerava falso e inútil pensar nos seus combates, dissertar sobre as suas indignações, generalizar. «Não utilizem o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade», escreveu; ele. Foucault não foi o inimigo do homem e do sujeito humano que se julgou que fosse; considerava, simplesmente, que esse sujeito não podia fazer cair do céu uma verdade absoluta nem agir soberanamente na cons­ telação das verdades; que só podia reagir contra as verdades e as realidades da sua época ou inovar sobre elas. Como Montaigne, e nos antípodas de Heidegger1 2 3, Foucault considerava que «não temos qualquer comunica­ ção com o Ser»4. Todavia, o seu cepticismo não o faz exclamar: «Ah! 1 John Rajchman, Michel Foucault: la liberté de savoir, trad. Durastanti, PUF, 1987, p. 8. «Foucault é o grande céptico da nossa época. Duvida dos nossos dogmatismos e das nossas antropologías filosóficas, ele é o pensador da dispersão e da singularidade». 2 Dits et Ecrits, ed. Defert et Ewald, Gallimard, 1994, 4 vol. (será doravante citado pelas iniciais DE), III, p. 13S. 3 Foucault disse o quanto Heidegger contou para ele e evocou as suas leituras do autor em DE, IV, p. 703; mas, na minha modesta opinião, de Heidegger não terá lido nada além de Vom Wesen der Wahrheit e o grande livro sobre Nietzsche — que importou para ele, já que esse livro teve como efeito paradoxal torná-lo nietzschiano e não heideggeriano. 4 Montaigne, II, 12, Apologie de Kaymond Sebond. FOUCAULT, O PENSAMENTO, A PESSOA Tudo é duvidoso!». Se preferirmos, este pretenso adepto do Maio de 68 foi um empirista e um filósofo do entendimento, por oposição a uma ambiciosa Razão. Ele formula, de modo quase inconfesso, uma concepção geral da condição humana, da sua liberdade reactiva e da sua respectiva finitude; o foucaultismo é, na verdade, uma antropologia empírica que tem a sua coerência e cuja originalidade reside em ser fundada sobre a crítica histórica. Passemos agora aos pormenores, mas não sem termos, com um objectivo de clareza, enunciado primeiro quais serão os nossos dois prin­ cípios. Primo, o que está em jogo na história humana, para lá mesmo do poder, da economia, etc., é a verdade: que regime económico conceberia confessar a sua falsidade? Este problema da verdade na história não tem nada, rigorosamente nada a ver com duvidar da inocência de Dreyfus ou da realidade das câmaras de gás. Secundo, o conhecimento histórico, por seu lado, se quiser levar a bom termo as análises de uma dada época, terá de atingir, para além da sociedade ou da mentalidade, as verdades gerais nas quais os espíritos dessa época estavam, sem saber, encerrados, quais peixes num aquário. Quanto ao céptico, é um ser duplo. Na medida em que pensa, em que se mantém fora do aquário e olha para os peixes que nele andam às voltas. Mas como é preciso viver, dá por si dentro do aquário, também ele peixe, para decidir que candidato receberá o seu voto nas próximas eleições (sem por isso atribuir valor de verdade à sua decisão). O céptico é ao mesmo tempo um observador, fora do aquário de que se distancia, e um dos peixinhos vermelhos. Desdobramento que nada tem de trágico. Na circunstância, o observador que é o herói deste livro chamava-se Michel Foucault, essa personagem magra, elegante e incisiva que nada nem ninguém fazia recuar e cuja esgrima intelectual manejava a escrita como se fosse um sabre. E por isso que eu poderia ter intitulado o livro que vai ler 0 Samurai e o peixinho vermelho. 10 Tudo é singular na história universal: o «discurso» Quando apareceu a História da Loucura, alguns historiadores (entre os quais o autor destas linhas) não viram logo o alcance do livro; Fou- cault mostrava simplesmente, pensava eu, que a concepção da loucura que tínhamos construído ao longo dos séculos havia variado muito; o que não nos ensinava nada; já o sabíamos, as realidades humanas traem uma contingência radical (é a conhecida «arbitrariedade cultural») ou são, pelo menos, diversas e variáveis — não há nem invariantes histó­ ricas, nem essências, nem objectos naturais. Os nossos antepassados desenvolveram estranhas idéias sobre a loucura, a sexualidade, o cas­ tigo ou o poder. Mas tudo se passava como se admitíssemos que esse tempo do erro estivesse ultrapassado, que fazíamos melhor do que os nossos avós e que conhecíamos a verdade em torno da qual eles tinham girado. «Este texto grego fala do amor de acordo com as concepções da época», dizíamos nós; mas a nossa ideia moderna do amor valia mais que a deles? Não ousaríamos afirmá-lo se essa questão ociosa e caduca nos fosse colocada; mas pensaremos nela seriamente, filosoficamente? Foucault pensou seriamente nela. Eu não tinha compreendido que Foucault tomava partido, sem o dizer, num grande debate do pensamento moderno: é ou não a verdade uma adequação ao seu objecto, parece-se ou não com aquilo que enuncia — como supõe o senso comum? Na verdade, não se vê bem como se poderia saber se ela é parecida, já que não temos qualquer outra fonte de informação que permita confirmá-lo, mas adiante. Para Foucault, como para Nietzsche, William James, Austin, Wittgenstein, Ian Hacking e tantos outros, cada um com a sua própria visão, o conhecimento não pode ser o espelho fiel da realidade. Foucault não acredita mais do que Richard Rorty’ nesse espelho, nessa concepção «especular» do saber: segundo ele, o objecto na sua materialidade não pode ser separado dos quadros formais através dos quais o conhecemos e que Foucault, com uma palavra mal escolhida, designa por «discurso». Está tudo aí. 5 5 R. Rorty, Philosophy and the Mirroí ofNature, Princeton, 1979. FOUCAULT, O PENSAMENTO, A PESSOA Mal compreendida, esta concepção da verdade como não corres­ pondência com o real fez crer6 7 que, segundo Foucault, os loucos não eram loucos e que falar de loucura era ideologia; até mesmo um Raymond Aron não compreendia diferentemente a História da Loucura e dizia-mo sem rodeios: a loucura não é senão demasiado real, basta ver um louco para sabê-lo, protestava ele, e tinha razão; o próprio Foucault professava que a loucura, por não ser aquilo que dela disse, diz e dirá o respectivo discurso, nem por isso «era nada»1. O que entende então Foucault por discurso? Algo bastante simples: é a descrição mais precisa, a mais cerrada de uma formação histórica na sua nudez, é o pôr em dia da sua última diferença individual8. Ir assim até à differentia ultima de uma singularidade datada exige um esforço intelectual de apercepção: há que despojar o acontecimento da roupagem demasiado ampla que o banaliza e racionaliza. As consequências vão longe, como se poderá ver. No seu primeiro livro, o ponto de partida heurístico de Foucault foi o esclarecimento do discurso daquilo a que chamamos loucura (a desrazão, dizia o discurso de outrora); os livros seguintes exempli­ ficaram através de outros assuntos a filosofia céptica que ele tinha retirado dessa experiência de pormenor; mas ele próprio nunca expôs dos pés à cabeça a sua doutrina, deixou essa temível tarefa para os seus comentadores9. Vou tentar aqui explicar o pensamento daquele que foi um grande amigo e que me parece ser um grande espírito. 6 DE, IV, p. 726: «Fizeram-me dizer que a loucura não existia, quando o problema era absolutamente inverso.» Ver também Naissance de Ia biopolitique. Cours au Collège de France 1978-1979, Flautes Études-Gallimard-Seuil, 2004, p. 5. 7 Sécurité, territoire, population, ed. Ewald, Fontana, Senellart, col. Hautes Etudes- -Gallimard-Seuil, 2004, p. 122: «Pode sem dúvida dizer-se que a loucura não existe, mas isso não significa que ela não seja nada». 8 Eis um exemplo. Em Homero, como ao longo de toda a Antiguidade, escreve M. I. Finley, «as mulheres eram tidas como naturalmente inferiores e o seu papel limitava - -se por conseguinte à procriação e à execução das tarefas domésticas» (Le Monde d’Ulysses, trad. Vernant-Blanc e Alexandre, Maspero, 1983, p. 159). Hélène Monsacré, num recorte mais fino, escreve: «E na impossibilidade de integrar verdadeiramente uma parte de masculinidade que reside a alteridade profunda da mulher» (Les Larmes d’Acbille: le héros, la femme et la souffrance dans ¡a poésie d’Homére, Albin Michel, 1984, p. 200). 9 Como constata Daniel Defert, «De la violence entre pouvoirs et interprétations chez Foucault», em De la violence, Séminaire de Françoise Héritier, Odile Jacob, 2005, vol. I, p. 105. Foucault raramente explicitou os grandes temas da sua filosofia. 12 I. TUDO É SINGULAR NA HISTÓRIA UNIVERSAL: O «DISCURSO» Citarei abundantemente os seus Ditos e Escritos porque ele aí evoca os fundamentos da sua doutrina com mais frequência do que o faz nas suas obras principais. Antes de nos aventurarmos por essa via, partamos de um exemplo. Suponhamos que empreendíamos escrever uma história do amor ou da sexualidade ao longo dos tempos. Poderiamos estar satisfeitos com o nosso trabalho quando o tivéssemos levado até ao ponto em que o leitor nele pudesse ler quais as variações que os pagãos ou os cristãos, nas suas idéias e práticas, haviam modulado sobre o tema bem conhecido que é o sexo. Mas suponhamos que, chegados a esse ponto, algo nos inquietava ainda, que julgavamos dever levar a análise mais longe; teríamos sentido, por exemplo, que determinado modo de expressão de um dado autor grego ou medieval, tal palavra, tal contorno de uma frase deixavam, após a nossa análise, um resíduo, uma nuance que implicava algo que não víramos. E que, em vez de ignorar esse resíduo como não passando de uma expressão desajeitada, um mais ou menos, uma parte morta do texto, fazíamos mais um esforço para explicitar o que ele parecia implicar e que o conseguíamos. Então a venda cai-nos dos olhos: uma vez explicada a variação até ao fim, o tema eterno esbate-se e, no seu lugar, só restam variações sucessivas, diferentes umas das outras a que chamamos os «prazeres» da Antiguidade, a «carne» medieval e a «sexualidade» dos modernos. Estas são três idéias gerais que os homens sucessivamente tiveram sobre o núcleo incontestavelmente real, provavelmente trans-histórico e inaces­ sível, que se encontra por detrás delas. Inacessível, ou antes, impossível de discernir: dele fatalmente faríamos um discurso. Suponhamos que, graças ao «programa» de uma ciência, se aprende algo verdadeiro, científico, sobre a homossexualidade (para Foucault, a ciência não era uma palavra vã); por exemplo (suposição gratuita da minha parte) que os gostos homossexuais são de origem genética. Seja, e daí? And then what? O que é a homossexualidade? O que faremos desse pedaço, grande ou pequeno, de verdade? Foucault desejava que se fizesse o discurso de um detalhe insignificante que só dissesse respeito à anato­ mia e à fisiología e não à identidade dos indivíduos; enfim, um detalhe de que só se falaria na cama ou com o médico: Precisamos realmente de um sexo verdadeiro? [é ele quem sublinha, ironicamente] Com uma constância que roça a teimosia, as socieda­ des do Ocidente moderno responderam afirmativamente. Puseram obstinadamente em jogo esta questão do «verdadeiro sexo» numa

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