Filosofia da Matemática Stewart Shapiro Tradução e Notas de Augusto J. Franco de Oliveira Professor Emérito (Universidade de Évora) Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa O SABER DA FILOSOFIA 1. A Epistemologia, Gaston Bachelard 2. Ideologia e Racionalidade nas Ciências da Vida, Georges Canguilhem 3. A Filosofia Crítica de Kant, Gilles Deleuze 4. O Novo Espírito Cientifico, Gaston Bachelard 5. A Filosofia Chinesa, Max Kaltenmark 6. A Filosofia da Matemática, Ambrogio Giacomo Manno 7. Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura, Immanuel Kant (agora na colecção textos filosóficos, n.º 13) 8. Rousseau e Marx (A Liberdade Igualitária), Galvanno Delia Volpe 9. Breve História do Ateísmo Ocidental, James Thrower 10. Filosofia da Física, Mário Bunge 11. A Tradição Intelectual do Ocidente, Jacob Bronowski e Bruce Mazlish 12. Lógica como Ciência Histórica, Galvano Delia Volpe 13. História da Lógica, Robert Blanché e lacques Dubucs 14. A Razão, Gilles-Gaston Granger 15. Hermenêutica, Richard E. Palmer 16. A Filosofia Antiga, Emanuele Severino 17. A Filosofia Moderna, Emanuele Severino 18. A Filosofia Contemporânea, Emanuele Severino 19. Exposição e Interpretação da Filosofia Teórica de Kant, Felix Grayeff 20. Teorias da Linguagem, Teorias da Aprendizagem, Jean Piaget e Moam Chomsky 21. A Revolução na Ciência (1500-1750), A. Rupert Hall 22. Introdução à Filosofia da História de Hegel, Jean Hyppolite 23. As Filosofias da Ciência, Rom Harré 24. Einstein: uma leitura de Galileu a Newton, Françoise Balibar 25. As Razões da Ciência, Ludovico Geymonat e Giulio Giorello 26. A Filosofia de Descartes, John Cottingham 27. Introdução a Heidegger, Gianni Vattimo 28. Hermenêutica e Sociologia do Conhecimento, Susan J. Hekman 29. Epistemologia Contemporânea, Jonathan Darcy 30. Hermenêutica Contemporânea, Josef Bleicher 31. Crítica da Razão Científica, Kurt Hubner 32. As Políticas da Razão, Isabelle Stenghers 33. O Nascimento da Filosofia, Giorgio Colli 34. Filosofia da Religião, Richard Schaeffler 35. A Fenomenologia, Jean-François Lyotard 36. A Aristocracia e os Seus Críticos, Miguel Morgado 37. As Andanças de Cândido. Introdução ao Pensamento Político do Século XX, Miguel Nogueira de Brito 38. Introdução ao Pensamento Islâmico, Abdullah Saeed 39. Um Mundo sem Deus. Ensaios sobre o Ateísmo, Michael Martin 40. Emmanuel Levinas. Entre Reconhecimento e Hospitalidade, aavv 41. Concepções da Justiça, João Cardoso Rosas 42. Filosofia da Matemática, Stewart Shapiro Título original: Thinking about Mathematics, The Philosophy of Mathematics Thinking about Mathematics, The Philosophy of Mathematics foi originalmente publicado em língua inglesa em 2000. Esta tradução é publicada por acordo celebrado com a Oxford University Press. Edições 70 é apenas responsável por esta tradução a partir da obra original e a Oxford University Press não tem qualquer responsabilidade sobre quaisquer erros, omissões, discrepâncias ou ambiguidades desta tradução ou por quaisquer falhas nela expressas. Copyright © Stewart Shapiro, 2000 Tradução: Augusto J. Franco de Oliveira Capa: FBA Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação SHAPIRO, Stewart, 1951-Filosofia da matemática. - (O saber da filosofia ; 42) ISBN 978-972-44-1871- 1 CDU 164 Junho de 2015 Direitos reservados para todos os países de língua portuguesa por Edições 70 EDIÇÕES 70, uma chancela de Edições Almedina, S.A. Avenida Fontes Pereira de Melo, 31 – 3.º C – 1050-117 Lisboa / Portugal e-mail: [email protected] www.edicoes70.pt Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento judicial. Para Rachel, Yonah, e Aviva, que cresceram demasiado rapidamente PREFÁCIO: FILOSOFIA DA MATEMÁTICA Este é um livro de filosofia, sobre matemática. Há, primeiro, questões de metafísica: de que trata a matemática? Tem um conteúdo? Qual é esse conteúdo? O que são números, conjuntos, pontos, linhas, funções, e por aí adiante? E depois há questões semânticas: o que é que as proposições matemáticas significam? Qual é a natureza da verdade matemática? E de epistemologia: como se conhece a matemática? Qual é a sua metodologia? Está envolvida a observação, ou trata-se de um exercício puramente mental? Como são adjudicadas as disputas entre matemáticos? O que é uma demonstração? As demonstrações são absolutamente certas, imunes à dúvida racional? O que é a lógica da matemática? Há verdades matemáticas incognoscíveis? A matemática tem uma reputação de disciplina predeterminada, o mais distante da filosofia (a este respeito) que pode ser imaginado. Na matemática as coisas parecem ficar definidas, por norma, de uma vez por todas. É assim? Tem havido revoluções em matemática, em que crenças de longa data tenham sido abandonadas? Considere-se a profundidade da matemática utilizada – e necessária – nas ciências naturais e sociais. Como é que a matemática, que se apresenta como sendo principalmente uma actividade mental, lança luz sobre o mundo físico, humano, e social estudado na ciência? Por que é que não podemos ir muito longe no entendimento do mundo (em termos científicos) se não entendemos muita matemática? O que é que isto diz sobre a matemática? O que é que isto diz sobre o mundo físico, humano e social? A filosofia da matemática pertence a um género que inclui a filosofia da física, a filosofia da biologia, a filosofia da psicologia, a filosofia da linguagem, a filosofia da lógica, e até filosofia da filosofia. O tema é lidar com questões filosóficas que concernem a uma disciplina académica, questões sobre a metafísica, epistemologia, semântica, lógica e metodologia da disciplina. Tipicamente, a filosofia de X é prosseguida por aqueles que se preocupam com X, e querem destacar o seu lugar no empreendimento intelectual global. Idealmente, alguém que pratica X deve ganhar algo por adoptar uma filosofia de X: uma apreciação da sua disciplina, uma orientação sobre ela, e uma visão do seu papel no entendimento do mundo. O filósofo da matemática tem de dizer algo sobre a própria matemática, algo sobre o matemático humano, e algo sobre o mundo onde a matemática é aplicada. Uma tarefa de vulto. O livro divide-se em quatro partes. A primeira, “Perspectiva”, proporciona um panorama geral da filosofia da matemática. O Cap. 1 ocupa-se do lugar que a matemática tem tido na história da filosofia, e o relacionamento entre matemática e filosofia da matemática. O Cap. 2 proporciona uma visão ampla dos problemas na filosofia da matemática, e as posições mais importantes, ou categorias de posições, nestas questões. A Parte II, “História”, esboça os pontos de vista de alguns filósofos históricos no que respeita à matemática, e indica a importância da matemática no seu desenvolvimento filosófico geral. O Cap. 3 lida com Platão e Aristóteles no mundo antigo, e o Cap. 4 avança para o chamado “período moderno”, e considera principalmente Immanuel Kant e John Stuart Mill. A ideia por detrás desta parte do livro é ilustrar um racionalista implacável (Platão) – um filósofo que defende que a mente humana não assistida é capaz de conhecimento substancial do mundo – e um filósofo empirista implacável (Mill) – um filósofo que fundamenta todo, ou quase todo, o conhecimento na observação. Kant tentou uma síntese heróica entre racionalismo e empirismo, adoptando as forças e evitando as fraquezas de cada. Estes filósofos são precursores de muito do pensamento contemporâneo sobre a matemática. A parte seguinte, “As Três Grandes”, cobre as posições filosóficas importantes que dominaram os debates do início do século passado, e ainda proporcionam muitas linhas de combate na literatura contemporânea. O Cap. 5 diz respeito ao logicismo, o ponto de vista de que a matemática é, ou pode ser reduzida à lógica. O Cap. 6 trata do formalismo, um ponto de vista que se focaliza no facto de que muita da matemática consiste na manipulação de caracteres linguísticos. O Cap. 7 diz respeito ao intuicionismo, um ponto de vista de que a matemática consiste em construções mentais. Cada uma das “três grandes” tem apoiantes hoje em dia, alguns dos quais são tomados em conta nesta parte do livro. A Parte IV intitula-se “A Cena Contemporânea”. O Cap. 8 incide sobre pontos de vista que tomam a linguagem matemática literalmente, pelo seu valor nominal, e defende que as afirmações dos matemáticos são, na maioria, verdadeiras. Estes filósofos defendem que números, funções, pontos, e assim por diante têm existência independente do matemático. Eles tentam então mostrar como podemos ter conhecimento sobre tais itens, e como a matemática, assim interpretada, se relaciona com o mundo físico. O Cap. 9 diz respeito aos filósofos que negam a existência de objectos especificamente matemáticos. Os autores considerados aqui ou reinterpretam as asserções matemáticas de modo que elas resultem verdadeiras sem pressupor a existência de objectos matemáticos, ou delimitam outro papel sério para a matemática que não o de afirmar verdades e negar falsidades. O Cap. 10 trata do estruturalismo, o ponto de vista de que a matemática diz respeito a padrões em vez de objectos individuais. Esta é a minha posição (Shapiro 1997), logo podemos dizer que guardei o melhor para o fim. Com excepção deste atrevimento temporário, tentei ser imparcial no resto do livro. Desde o começo que o plano foi tentar escrever um livro que oferecesse algo àquelas pessoas interessadas em matemática que tivessem pouca experiência em filosofia, assim como aos interessados em filosofia que tivessem pouca experiência em matemática. Para a maioria, alguma familiaridade com a matemática do nível secundário ou universitário básico, e talvez uma introdução à filosofia deve bastar. Evitei a simbolização excessiva, e tentei explicar os símbolos que realmente utilizo. Posso ter suposto de mais, em alguns locais, para os não iniciados na matemática superior, e de mais noutros locais para aqueles que são pouco familiarizados com a terminologia filosófica, mas espero que esses locais sejam muito raros e esparsos, e que não interrompam a fluência do livro. O Dicionário de Oxford de Filosofia (The Oxford Dictionary of Philosophy, Blackburn 1994) pode constituir uma fonte conveniente para os iniciandos à filosofia académica. As minhas dívidas relativas a este projecto são muitas. Agradeço primeiramente a John Skorupski por me ter sugerido este livro, e a Peter Momtchiloff, George Miller, Lesley Wilson, e Tim Barton da Oxford University Press, pelo encorajamento e acompanhamento durante o processo de publicação. Quando a ideia para este livro foi primeiramente levantada, o conselho mais frequente que recebi de colegas e amigos foi o de que seria impressionante se um livro como este existisse, e que eu seria uma boa escolha para o escrever. Fiquei lisonjeado pelos elogios, e assustado pela tarefa que me esperava. Espero ter mantido a decepção num nível mínimo. Agradeço especialmente a Penelope Maddy por ter lido e dado conselhos detalhados sobre primeiras versões da maioria dos capítulos. Muitos colegas e amigos leram partes deste livro em esboço e generosamente deram-se a sua ajuda. Aprecio especialmente a ajuda em material histórico que recebi. A minha lista de conselheiros inclui: Jody Azzouni, Mark Balaguer, Lee Brown, John Burgess, Jacob Busch, Charles Chihara, Julian Cole, Michael Detlefsen, Jill Dieterle, John Divers, Bob Hale, Peter King, Fraser MacBride, George Pappas, Charles Parsons, Michael Resnik, Lisa Shabel, Allan Silverman, John Skorupski, Mark Steiner, Leslie Stevenson, Neil Tennant, Alan Weir, e Crispin Wright. As omissões desta lista não são intencionais, e peço desculpa por elas. Agradeço também ao Departamento de Lógica e Metafísica da Universidade de St. Andrews por me ter permitido oferecer um curso no período outonal de 1996 sobre a matéria deste livro. Apresentei o meio-capítulo sobre Kant a um pequeno grupo de docentes e alunos na Universidade de Leeds, e beneficiei consideravelmente da discussão subsequente. Agradeço a Benjamin Beebe que ajudou na edição final. Devo um tipo diferente de dívida à minha esposa, Beverly Roseman Shapiro, e aos meus filhos. Eles estariam justificadamente incomodados com o tempo que despendi neste projecto. Dedico afeiçoadamente o livro aos meus filhos, Rachel, Yonah, e Aviva. Sem eles, até uma vida filosoficamente rica ficaria vazia. PREFÁCIO DO TRADUTOR Durante os últimos quatro anos regi a disciplina de Filosofia da Matemática no Mestrado em História e Filosofia das Ciências na Faculdade de Ciências de Lisboa. Para benefício próprio, apoio das aulas e trabalhos de seminário no Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL) utilizei, entre outros, o livro cuja tradução fui fazendo e agora se apresenta. A escolha não foi imediata. Há diversos bons livros de (introdução à) filosofia da matemática, uns mais técnicos, outros mais históricos, e ainda outros que cobrem apenas algumas doutrinas ou dão mais ênfase às doutrinas preferidas dos seus autores. Penso ter feito uma boa opção: o livro de Shapiro é equilibrado na história, na escolha dos assuntos e no nível de tratamento. De pendor mais filosófico do que matemático, interessa a filósofos, matemáticos, estudantes e professores destas disciplinas do nível secundário ao superior, bem como ao público geral interessado naquelas matérias. A minha principal preocupação foi manter o estilo levemente colorido e idiomático sem prejudicar a compreensão. Para benefício do leitor português acrescentei algumas notas técnicas e/ou editoriais, que se distinguem das notas do autor por estarem incluídas entre colchetes. Nelas também se referenciou, ocasionalmente, uma actualização bibliográfica. Agradeço ao Dr. José Manuel Mestre, ao Prof. José Roquette e ao Dr. Aires Almeida a colaboração na revisão de terminologia de pendor filosófico, e aos restantes alunos o desafio de uma nova e rica experiência. Espero que o prazer da leitura possa corresponder aos prazeres lectivos e de tradução que me foram proporcionados. AJFO Cotovia, Janeiro de 2015