Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de Estudos Clássicos Fílon de Alexandria Flaco Tradução, Introdução e Notas Tatiana José Rodrigues Faia Dissertação de Mestrado Orientada pela Prof.ª Dr.ª Cristina Abranches Guerreiro Mestrado em Estudos Clássicos Edição e Tradução de Textos Clássicos 2010 1 2 Resumo Esta monografia consiste numa tradução de Flaco de Fílon de Alexandria, a partir do texto fixado por S. Reiter (Reimer, Berlim, 1915), acompanhada por uma introdução e notas. Palavras-chave Fílon de Alexandria, Flaco, Tradução, Judaísmo na Antiquidade, Império Romano 3 Summary The present monography consists in a translation of Philo of Alexandria's treatise Flaccus, based upon the text established by S. Reiter (Reimer, Berlin, 1915), accompanied by an introduction and notes. Keywords Philo of Alexandria, Flaccus, Translation, Judaism in Antiquity, Roman Empire 4 Agradecimentos e Dedicatória Ao Professor Manuel Alexandre Júnior, coordenador do projecto Fílon de Alexandria nas Origens da Cultura Ocidental, projecto em cujo âmbito esta tese se escreveu, pela sua inestimável orientação em vários momentos do meu estudo da obra de Fílon. À Professora Cristina Abranches Guerreiro, minha orientadora. Pela sua paciência e amabilidade. Por todo o tempo que dedicou a pensar comigo as diferentes versões deste trabalho. Com ela aprendi uma preciosa forma de reflectir sobre os inúmeros factores que influenciam as decisões de um tradutor. À Professora Sofia Frade, que, de Oxford, me permitiu o acesso a obras e documentos fundamentais sobre Flaco. À Professora Ana Alexandra Sousa, que aceitou ler partes deste trabalho. Aos de Clássicas. Aos meus. Para José Pedro, meu marido, meu irmão, minha casa. 5 6 Índice 9 Introdução 9 1. Fílon de Alexandria 11 2. O contexto histórico de Flaco 11 2.1. A comunidade judaica de Alexandria no período anterior a 38 d.C. 13 2.2. Os primeiros anos de soberania romana sobre Alexandria 16 2.3. Alterações nas estruturas económicas e sociais 18 3. A primeira parte de Flaco 18 3.1. Flaco, governador de Alexandria e do Egipto 20 3.2. Agripa em Alexandria: o início da perseguição 23 3.3. O decreto de Flaco e o apogeu da perseguição 26 3.4. O decreto promulgado pela comunidade judaica e a prisão de Flaco 28 4. A segunda parte de Flaco 30 5. Embaixada a Gaio 30 5.1. Uma «sequela» para Flaco 32 5.2. Uma estátua no Templo de Jerusalém 33 5.3. A última audiência concedida à embaixada 34 6. O imperador Cláudio e a resolução do conflito 34 6.1. Edictos promulgados por Cláudio, novos tumultos em Alexandria 36 6.2. A carta de Cláudio aos Alexandrinos e a pacificação da cidade 39 7. Flaco e o corpus filoniano 39 7.1. Os tratados históricos de Fílon 41 7.2. O título do conjunto de tratados históricos 42 7.3. O lugar de Flaco no corpus filoniano 43 7.4. Os diferentes títulos de Flaco 44 7.5. O género literário de Flaco 45 8. Publicação de Flaco 45 8.1. Data de composição e publicação 46 8.2. Destinatários de Flaco 46 9. O texto de Flaco 46 9.1. Manuscritos 47 9.2. Os excertos citados por João Damasceno 48 9.3. Indícios de lacunas em Flaco 48 9.4. Edição crítica utilizada e outras edições 50 10. Conclusão 53 Fílon de Alexandria: Flaco 105 Bibliografia 105 1. Edições críticas, comentários e traduções de Fílon 105 1.1. Edições críticas, comentários e traduções de Flaco 106 1.2. Edições críticas, comentários e traduções de outras obras de Fílon 106 2. Edições críticas e traduções de outros autores clássicos e bizantinos 108 3. Outras fontes 108 4. Estudos sobre Fílon e Flaco 111 5. Estudos de carácter geral 119 Anexos 119 Anexo 1: Algumas figuras históricas de Flaco 119 1. Agripa I 121 2. Dionísio 121 3. Flaco 7 123 4. Isidoro 124 5. Lâmpon 125 6. Macro 126 7. Sejano 128 Anexo 2: Corpus Papyrorum Judaicarum, n.º153 133 Anexo 3: ΕΙΣ ΦΛΑΚΚΟΝ 8 Introdução 1. Fílon de Alexandria Fílon de Alexandria, «homem em tudo notável, irmão de Alexandre, o alabarca, e não inexperiente em matéria de filosofia.» Eis algumas das palavras de que Flávio Josefo se socorre quando descreve Fílon num dos dois parágrafos que lhe dedica em Antiguidades Judaicas1. Esta informação é tanto mais valiosa, quanto Gaio Júlio Fílon, em tudo o que escreveu (e o corpus filoniano é bastante abundante), nos falou muito pouco acerca de si próprio. As informações que encontramos noutros autores são, também elas, escassas2. Fílon, de acordo com a Suda, descendia de uma linhagem de sacerdotes e nasceu em Alexandria, onde residia a maior comunidade de Judeus fora da Palestina, e onde terá vivido a maior parte do tempo, dedicando-se ao estudo da filosofia3. O único acontecimento da sua vida de que temos notícia é uma viagem feita pelo autor a Roma, como responsável pela embaixada que a comunidade judaica enviou ao imperador Gaio (Calígula), muito provavelmente no Outono de 384, de que a sua obra Embaixada a Gaio (Legatio ad Gaium) nos dá testemunho. Contudo, como bem nota Schwartz5, se atentarmos no contexto histórico em que Fílon viveu e nas informações de que dispomos acerca da sua família, podemos aprender um pouco mais sobre ele: como o seu pai era cidadão romano, desde a infância, Fílon gozou das vantagens de uma educação enraizada na cultura grega6. Isto reflecte-se na sua obra: o autor dominava de forma irrepreensível a língua e os estilos literários gregos e conhecia bem os autores e filósofos dos Helenos. No corpus filoniano menciona-se autores como Aristóteles, Boécio, Demócrito, Diógenes, Ésquilo, Eurípides, Heraclito, Hesíodo, Hipócrates, Homero, Íon, Panécio, Píndaro, Platão, Sólon, Xenofonte, Zenão... Não sabemos se falava o hebraico. 1…Φίλων ὁ ... ἀνὴρ τὰ πάντα ἔνδοξος Ἀλεξάνδρου τε τοῦ ἀλαβάρχου ἀδελφὸς ὢν καὶ φιλοσοφίας οὐκ ἄπειρος … (AJ, 18. 259-260). 2Como por exemplo Eusébio (HE, II, 4.2); Suda, s.v. Φίλων. 3Cf. Suda, s.v. Φίλων. 4Sobre a autencidade dos relatos de uma segunda viagem de Fílon a Roma, como membro de uma segunda embaixada, e do seu encontro com o apóstolo Pedro (feitos por Eusébio in HE II 17.1 e 18.8), cf. Box (1939: xxi, n. 9). 5In Kamesar (2010: 9). 6Cf. C. Mondésert in Horbury et al. (1999). 9 Alexandre era, já se disse, alabarca em Alexandria, o que é um indício do prestígio da sua família, porque o alabarca era um dos responsáveis pela comunidade e uma das suas funções, desde o tempo dos Ptolemeus, seria cobrar impostos. Sabemos também que era uma família muito abastada (Josefo7 conta que o irmão de Fílon, em certa ocasião, emprestou ao rei Agripa I uma soma de duzentas mil dracmas) e que tinha ligações à casa imperial: Alexandre foi procurador de Antónia, mãe do imperador Cláudio. Um dos seus filhos, Marco, geria importantes negócios com países na zona da Arábia e da Índia e casou com Berenice, filha de Agripa I8. A morte prematura de Marco pôs fim a este casamento. Não temos qualquer notícia de que Fílon tenha tido mulher e filhos, mas sabemos que Alexandre tinha outro filho, Tibério Júlio Alexandre, que, tendo renunciado à religião dos seus antepassados9, desempenhou, entre outros, os cargos de governador da Judeia em 46 – 48, governador do Egipto durante o principado de Nero, comandante de Tito durante a guerra na Judeia10 e prefeito do Pretório em Roma. Quanto a Fílon, ele refere-se a si mesmo como sendo um ancião no primeiro parágrafo da Embaixada a Gaio. A viagem a Roma descrita neste tratado terá ocorrido ca. 38/39 d.C. Estima-se que o autor tenha nascido ca. 20 – 10 a.C. Infere-se esta data a partir do seu diálogo Sobre os Animais (De Animalibus). Nele, Fílon surge como um adulto já maduro envolvido numa discussão com o seu sobrinho, Tibério Júlio Alexandre, claramente um jovem. Ora, em 42 d.C., este sobrinho tinha idade para desempenhar o cargo de sub- governador da Tebaida, mas, em 70, era ainda vigoroso o suficiente para exercer funções como general de Tito no cerco de Jerusalém. Se o nosso autor se descreve a si próprio como um ancião em ca. 38 d.C., e se se infere que ele era um homem maduro na época em que escreve Sobre os Animais, torna-se plausível que a data de nascimento de Tibério seja ca. 15 d.C, e daí 20-10 a.C. ser uma data provável para o nascimento do seu tio. Não sabemos quando morreu Fílon. O facto de o autor se referir a um acontecimento que sucedeu já durante o principado de Cláudio (Legat. 206) dá-nos como terminus post quem o ano de 41 d.C. Mas Mondésert11 estima que Fílon tenha morrido ca. de 50, muito provavelmente pelo facto de, em Sobre os Animais 58, o autor 7AJ, 18. 159-160. 8AJ, 19. 276-7. 9AJ, 20. 100. 10BJ, 5. 45-6, 6. 237. 11In Horbury et al. (1999: 878) 10
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