^ Fama e Infâmia no Mundo Antigo Leni Ribeiro Leite Gilvan Ventura da Silva Raimundo Nonato Barbosa Carvalho Organizadores Fama e Infâmia no Mundo Antigo PPGL Vitória 2014 © Copyright dos autores, Vitória, 2014. Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violação da LDA 9610/98. Universidade Federal do Espírito Santo Reitor: Reinaldo Centoducatte Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação: Neyval Costa Reis Júnior Diretor do Centro de Ciências Humanas e Naturais: Renato Rodrigues Neto Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras: Wilberth Claython Ferreira Salgueiro Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História: Sebastião Pimentel Franco Imagem da capa: Joyce Cavalcanti do Carmo Revisão: Camilla Ferreira Paulino da Silva Catalogação: Saulo de Jesus Peres – CRB6 – 676/ES Projeto gráfico e editoração eletrônica: Os organizadores Programa de Pós-Graduação em Letras – Ufes Telefone: (27) 4009-2515 E-mail: [email protected] Site: www.literatura.ufes.br Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Centro de Documentação do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Centro de Documentação do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) F198 Fama e infâmia no mundo antigo [recurso eletrônico] / Leni Ribeiro Leite, Gilvan Ventura da Silva, Raimundo Nonato Barbosa Carvalho, organizadores. – Vitória : PPGL, 2014. 231 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-99345-24-5 1. Civilização clássica – Discursos, ensaios, conferências. 2. Fama – Aspectos sociais. I. Leite, Leni Ribeiro. II. Silva, Gilvan Ventura da. III. Carvalho, Raimundo Nonato Barbosa. CDU: 94(37+38) Sumário APRESENTAÇÃO........................................................................................................06 ARTIGOS A INFÂMIA DE POLIFEMO: HETEROTOPIAS NA ODISSEIA DE HOMERO Ana Penha Gabrecht......................................................................................................................08 HONRA E INFÂMIA NA TRIPOLITÂNIA ROMANA: O CASO DE APULEIO DE MADAURA (SÉCULO II D.C.) Belchior Monteiro Lima Neto......................................................................................................18 A GLÓRIA E A INFÂMIA DE AUGUSTO EM DE VITA CAESARUM, DE SUETÔNIO Camilla Ferreira Paulino da Silva..................................................................................................27 PHRONESIUM VERSUS THAIS: A FAMA DA MERETRIX EM PLAUTO E EM TERÊNCIO Caroline Barbosa Faria Ferreira....................................................................................................36 O MILITAR E AS SUAS FANFARRAS: DE QUANDO A FAMA VIRA INFÂMIA EM MILES GLORIOSUS, DE PLAUTO Caroline Barbosa Faria Ferreira e Fernanda Maia Lyrio.............................................................. 47 A VITA RAPTA AO FLORESCER DA FAMA Douglas Gonçalves de Souza.......................................................................................................58 COMENTÁRIOS AO EPIGRAMA 23 PF. DE CALÍMACO – O CASO CLEÔMBROTO DE AMBRÁCIA Douglas Silva................................................................................................................................68 NON SOLUM FAMA: OS EXEMPLA DE PRISCIANO NA CONSTITUIÇÃO DE UM “CÂNON LITERÁRIO” Fábio da Silva Fortes.....................................................................................................................76 FINGIMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO: TRADUÇÃO DE AMORES 3,12 DE OVÍDIO Guilherme H. Duque....................................................................................................................82 ENTRE A FAMA E A INFÂMIA: A CONTROVÉRSIA EM TORNO DE OLÍMPIA, ASCETA DA IGREJA DE CONSTANTINOPLA (SÉC. IV-V) João Carlos Furlani.......................................................................................................................91 FAMA E INFÂMIA DO MUNDO ANTIGO: TIBULO E SEUS TRADUTORES João Paulo Matedi.......................................................................................................................104 FAMA E INFÂMIA NA SÁTIRA I DE HORÁCIO Luciana Mourão Maio.................................................................................................................117 ENTRE A FAMA E A INFÂMIA: O RECONTAR DE UMA NOVA HISTÓRIA DE MARIA NO PROTO-EVANGELHO DE TIAGO Ludimila Caliman Campos.........................................................................................................129 ETÉOCLES E POLINICE: FAMA E INFÂMIA EM OS SETE CONTRA TEBAS Marco Aurélio Rodrigues...........................................................................................................136 AGOSTINHO DE HIPONA E O OLHAR SOBRE AS RELAÇÕES SEXUAIS NA ANTIGUIDADE TARDIA Maria Emília Helmer Pimentel...................................................................................................141 A ELEIÇÃO CICERONIANA DOS MAIS ILUSTRES ORADORES Mariana Pini Fernandes .............................................................................................................153 O CORPO ATLÉTICO DO AVRIGA: SOBRE O DESEJO, A INVEJA E O PRESTÍGIO NO AMBIENTE CITADINO NORTE‐AFRICANO (SÉC. III E IV) Natan Henrique Taveira Baptista...............................................................................................161 BÁRBAROS BÁRBAROS: DRUIDAS ENQUANTO CONTRADIÇÃO NO OLHAR ROMANO Nelson de Paiva Bondioli............................................................................................................172 A INFÂMIA DO BÁRBARO: O GAULÊS E O GERMANO NOS COMENTÁRIOS DE CÉSAR Priscilla Ylre Pereira da Silva......................................................................................................182 ROTEIRO DA FAMA E DA INFÂMIA NAS METAMORFOSES DE OVÍDIO Raimundo Nonato Barbosa de Carvalho....................................................................................192 FAMA E EXCELÊNCIA NAS ÍSTMICAS 5 E 6, DE PÍNDARO Roosevelt Rocha.........................................................................................................................211 A VALORAÇÃO LITERÁRIA E A MÉTRICA EM MARIO VITORINO Vivian Carneiro Leão.................................................................................................................221 SOBRE OS AUTORES............................................................................................................229 Fama e Infâmia no Mundo Antigo APRESENTAÇÃO Os trabalhos aqui reunidos derivam da III Jornada de Estudos Clássicos Ufes – Fama e Infâmia no Mundo Antigo, ocorrida entre os dias 28 e 29 de maio de 2012, nas dependências da Universidade Federal do Espírito Santo. Durante aqueles dias, mais de cem pesquisadores de variados níveis se reuniram para discutir, em três seções de conferências, três oficinas e doze mesas de comunicações, os fenômenos da fama e da infâmia na Antiguidade. Diferentemente do que ocorria no passado, o olhar dos pesquisadores contemporâneos tende a se voltar para os anônimos da História, na tentativa de elucidar o lugar ocupado pelas camadas populares, pelos homens e mulheres comuns, dentro da rede de relações sociais, numa tentativa de captar as nuances daquilo que muitas vezes é tratado de modo secundário na documentação, para valorizar a atuação de personagens/coletividades que tiveram seus registros adulterados ou apagados, seja por não terem acesso a mecanismos duradouros de preservação da memória, seja por representarem os “vencidos”, ou seja, grupos ou facções que, num determinado momento, se rebelaram contra o status quo e que, portanto, atraíram para si o desprezo daqueles que detinham os instrumentos de coerção física e ideológica. Multiplicam-se assim as pesquisas voltadas para a compreensão da maneira pela qual a ordem, por intermédio dos seus agentes, evoca a desordem, como ela é capaz de produzir o desvio e a divergência, valendo-se de um sistema classificatório que fixa as fronteiras entre o que é normal e o que é patológico como um recurso altamente sofisticado de reforço dos pressupostos que a mantêm, o que dá margem ao surgimento de um extenso volume de estudos sobre o papel histórico dessas figuras de alteridade que são os loucos, os enfermos, os criminosos, as prostitutas e as feiticeiras. O estudo do desvio e dos mecanismos de exclusão social é definitivamente apropriado pelos pesquisadores das Humanidades. Como parte deste movimento, propôs-se Fama e Infâmia como tema desta Jornada de Estudos Clássico. Discutiram-se então os mecanismos pelos quais são produzidos carismas e estigmas na Antiguidade Clássica, analisou-se a produção da fama e da infâmia, especialmente nos ambientes urbanos, pois como sugere Moses Finley, a cidade antiga era, por excelência, uma comunidade face a face, na qual as pessoas interagiam umas com as outras em múltiplos espaços, como o fórum, o mercado, os 6 Fama e Infâmia no Mundo Antigo templos, o ginásio, as termas, o anfiteatro e outros. Desse ponto de vista, a fama e a infâmia eram rótulos gerados a partir dessa interação direta, sem intermediários, atingindo com intensidade os seus destinatários, quer para o bem ou para o mal. Esperamos dividir agora com o público, através das páginas que se seguem, os instigantes debates ocorridos naquela ocasião, trazidos por pesquisadores de diversas instituições em várias partes do Brasil. Gilvan Ventura da Silva Leni Ribeiro Leite Raimundo Carvalho 7 Fama e Infâmia no Mundo Antigo A INFÂMIA DE POLIFEMO: HETEROTOPIAS NA ODISSEIA DE HOMERO Ana Penha Gabrecht O século VIII a.C. é o momento em que a Grécia está se recuperando de um longo período de retração material e isolamento, abrindo-se para o exterior.1 Isso se manifesta na Literatura da época, por intermédio do relato das viagens de Odisseu, personagem central da Odisseia de Homero. Após anos lutando na Guerra de Troia, em sua jornada de retorno (nostos) para sua terra natal Ítaca, Odisseu passa por várias terras estrangeiras, lugares de alteridade, de enfrentamento com o diferente, com o “Outro”. Os lugares citados no périplo de Odisseu, podem ser entendidos como um reflexo deste contato dos gregos com outros povos. O próprio Odisseu é visto, por alguns pesquisadores, como um proto-colonizador (MALKIN, 1998, HALL, 2008). Sob essa perspectiva, a Odisseia é entendida, então, como um produto do processo colonizatório grego. Processo este que teve início no século IX a.C. quando a Hélade começou a retomar as relações comerciais com povos vizinhos.2 Para Malkin (1998, p. 1) é nesse momento que os mitos sobre o nostos se popularizam, pois criam uma mediação cultural e étnica com as populações não-gregas. No período compreendido entre meados do século IX a.C. até o século VIII a.C. ocorrem importantes transformações no mundo grego. É nessa época que se vê um súbito e acelerado crescimento da agricultura e um considerável aumento demográfico (HALL, 2007, p. 78). Muitos estudiosos acreditam que esse recorte temporal – conhecido como Período Geométrico – seria o momento em que começa a se vislumbrar o nascimento da polis no mundo grego. Descobertas arqueológicas como cerâmica mais elaborada, aumento dos vestígios de habitações e mobiliário funerário, nos levam a acreditar que houve de fato um crescimento demográfico em meados do século IX a.C. Esse desenvolvimento populacional certamente produziu efeitos na ocupação do território (LONIS, 1994, p. 14). Para François de Polignac (1995, p. 7), é 1 Após a destruição dos palácios micênicos – fato ocorrido na virada do século XIII para o XII a.C., por motivos ainda não totalmente comprovados – a Grécia mergulha num período de aproximadamente quatro séculos – do XII ao VIII a.C. – em que há uma acentuada redução da produção material e do crescimento demográfico. Nesse momento, há também o desaparecimento da escrita, fato que dificulta muito o entendimento sobre o que se passou no decurso destes séculos. 2 A civilização micênica que se desenvolveu na Grécia continental aproximadamente entre 1600 e 1200 a.C., mantinha contatos comerciais com várias reinos, entre eles o hitita e o egípcio. 8 Fama e Infâmia no Mundo Antigo possível detectar, ao final do Período Geométrico, o nascimento da polis, entendida por ele como uma das formas possíveis de organização da sociedade.3 O contraste entre o mundo “civilizado” dos gregos e a selvageria de povos que Odisseu encontra em sua viagem de retorno – como os ciclopes, que não possuem assembléias, moram em cavernas e não conhecem a agricultura (HOMERO, Odisseia, IX, 112–15) – define a identidade dessa polis nascente, percebida através do confronto com o outro, o diferente. Nessa viagem aos extremos do mundo conhecido pelos gregos, o contato com as alteridades é levado ao limite: Odisseu se depara com entes monstruosos, seres antropofágicos, deuses e povos que desconhecem os elementos basilares da civilidade. Com o fim da guerra de Troia, os heróis gregos retornam para casa. Antes de chegar à ilha dos ciclopes, Odisseu e seus homens aportam em Ísmaro, lar dos Cícones, onde saqueiam, matam os homens e raptam as mulheres (HOM., Od., IX, 39-42). Em seguida, chegam à terra dos lotofagos, os comedores de lótus, de onde saem fugidos. Após a fuga, finalmente chegam à ilha dos ciclopes, gigantes que representam o extremo de alteridade para os gregos, simbolizam tudo aquilo que desprezam. Para descrever a ilha em que moram os monstros, Odisseu usa palavras depreciativas: Fundeamos no país dos brutos antileis ciclopes olhiesféricos, que fiam nos deuses a ponto de não cultivarem o plantio: a floração se dá sem a semente e o arado, de grãos, cevada, videiras dulcicachos do vinho puro: chove Zeus e faz crescer. Desconhecem concílios na ágora e as normas, habitam píncaros de altíssimas montanhas, em grutas côncavas. Alheios aos demais, mandam nos próprios filhos e na esposa. (HOM., Od., IX, 106-115) Odisseu se surpreende com a abundância da terra que não precisa ser trabalhada para produzir e onde cabras selvagens pastam sem se preocupar com caçadores, 3 O autor chama a atenção para o fato de que esta é uma realidade certamente diferenciada da encontrada no Período Clássico. Porém, podemos visualizar, já neste momento, importantes aspectos físicos que caracterizam a polis grega: templos, muralhas, a ágora. Estes elementos podem ser encontrados também, nos poemas homéricos, testemunhos das transformações ocorridas ao final do Período Geométrico. 9