T(tulo da Edição Francesa / georg lukács EXISTENCIALISME OU MARXISME © 1948 Editions Nagel - Paris EXISTENCIALISMO . ou MARXISMO DEDALUS -Acervo - FFLCH-FIL Capa de: l1 111111111111111 lllll lllll lllll ll/1111/ll lllll lllll 1111111111111 YVONNESARUÊ 21000000578 · Tradução de JOSÉ CARLOS BRUNI / ). . ;..,. SBD-FFLCH-USP · © Copyright by L.E.C.H. Livraria Editora Ciências Humanas Ltda. 1111111111mm111 Todos os direitos reservados. Interdito qualquér tipo de reprodução, 140966 mesmo de parte deste livro, sem a permissão por escrito, dos editores. Rua Sete de Abril, 264 - Subsolo B - Sala S - São Paulo - SP LIVRARIA EDITORA cmNCIAS HUMANAS LTDA. Impresso no Brasil ' SÃO PAULO Printed in Brazil 1979 - ,~: .~J r 1 ~:.. l/~><. l~t~ ÍNDICE Apresentação do Tradutor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Nota do Autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Capítulo I .A Crise da Filosofia Burguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1. O pensamento fetichizado e a realidade . . . . . . . . . . . 27 2. A evolução do pensamento burguês . . . . . . . . . . . . . . 30 3. A filosofia do imperialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4. A pseudo-objetividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 5. O "terceiro caminho" e o mito. . . . . . . . . . . . . . . . . 471 6. Intuição e irracionalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 7. Os sintomas da cris.e.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Capítulo II Da Fenomenologia ao Existencialismo . . . . . . . . . . . . . . 65 l. O método enquanto comportamento . . . . . . . . . . . . . 66 2. O mito do nada ... . ... . . . '-: ~. . ... . . . . . . . . . . . 77 ( 3. O mundo fetichizado e o fetiche dã liberdâde . . . . . . . 89 Capítulo III O Impasse da Moral Existencialista ... .. . . . . .. ... . . 101 1. A situação histórica do existencialismo . . .. ..... . . . 101 2. Moral da intenção e moral do resultado ........ . . . 1 3. Sartre contra Marx .. . . . .. . . .. ... . ... . . . · · · · 111200 4. A moral da ambigüidade e a ambigüidade da moral existencialista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 5. A ética existencialista e a responsabilidade histórica . .. 164 Capítulo IV A Teoria Leninista do Conhecimento e os Problemas da Filosofia Moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 1. A atualidade ideológica do materialismo filosófico . . . . 207 2. Materialismo e dialética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 APRESENTAÇÃO DO TRADUTOR 3. Significação dialética da aproximação na teoria do conhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228 · 4. Totalidade e causalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238 É sem dúvida na França que se têm mostrado • 5. O sujeito do conhecimento e ação prática. . . . . . . . . . 245 mais ricas e complexas as relações entre as duas filosofias mais representativas dos problemas huma· nos de nossa época. Os existencialistas sempre fize ram questão de tomar posição em relação ao marxis mo (aproximando-se ou afastando-se dele), até che gar, em Sartre, a um determinado tipo de adesão t"Xplícita, enquanto, por outro lado, os próprios mar xistas nunca se furtaram ao debate e sempre procura ram "conquistar" os existencialistas, principalmente após o XX Congresso. Mas até onde realmente pode o existencialismo filiar-se ao marxisll)o? Essa questão permite dois níveis de resposta: do JlOnto de vista prático, as po sições do existencialismo francês, enquanto atitudes políticas concretas, são inegavelmente progressistas e democráticas - e existem I)..UPlerosos exemplos dis so, desde a Resistência até hoie; mas do ponto de vista teórico é possível a sua, para não dizer integra ção, aproximação? Sartre é dos que dizem sim, Lu kács um dos primeiros a dizer não. Na Crítica da Razão Dialética, Sartre acusa o marxismo atual, seus representantes franceses, - e chega a nomear também Lukács - de esclerose, de i~capacidade de apreender o particular, de esquemá tico, fácil, em suma de "idealismo", porquanto se deixa levar antes por esquemas preconcebidos ("idéias") gerais e abstratos, ao invés de proceder, 7 pela síntese de todas as mediações, à representação, nuamente a reformular suas idéias e se aproxim.ar como o faz Marx, do homem na sua vida concreta, cada vez mais do_m arxismo. Lukács, inflexível, vem do movimento de sua totalização. mantendo as ,críticas expostas em Existencialismo ou Lukács, por sua vez, aponta o "ser social" em Marxismo?, que data de 1947. Na segunda edição I que está apoiado o existencialismo, cujas conclusões da tradução francesa, publicada em 1960, escreve: ''poderiam ser feitas por qualquer pequeno-burguês", "Impossível dissimular que a intenção do meu editor mas cujó auditório não estaria apenas "entre os esnÓ de reeditar antigos estudos meus, _publicados há mais bes, mas também nos meios reacionários". Para de uma década, causa-me alguma hesitação." Mas Lukács, o existencialismo francês está definitivamen "não a. propós!to do fundo filosófico dessa pequena te comprometido com certa camada social e mesmo obra: amda hoJe mantenho minha crítica de princípio aparentando ser uma ideologia democrática e pro em relação ao existencialismo". E mesmo reconhecen gressista, não se pode conciliar, sob hipótese alguma, do que "Sartre e Merleau-Ponty tenham mudado fun com o marxismo. damentalmente nesse lapso de tempo" e que os gran Ora, Questão de Método e Existencialismo ou des processos de 1938 na Rússia tivessem sido "inú Marxismo? são antes de mais nada escritos essen teis", mantém o ponto de vista de 1947, pois tais dados cialmente polêmicos e portanto não podemos esperar novos do problema "não tocam nem as bases do mar de seus autores ·a necessária imparcialidade, obrigató xismo, nem sua oposição ao existencialismo". O má ria numa análise rigorosamente científica. Assim, as ximo que tais fatos novos poderiam acarretar seriam _discussões, os ataques muitas vezes situam-se em ní alguns resultados diferentes, no que diz respeito a cer veis diferentes, e até opostos. Sartre, ao exigir dos tas reflexões filosófico-históricas e éticas, e a certos marxistas atuais instrumentos para a análise de si des~nv.olvimentos pa~t!c~lares, que nunca atingiriam a essenc1a mesma da critica. tuações particulares concretas, e propondo para tanto seu próprio método, que seria diretamente fundado Mais recentemente, Lukács, numa entrevista que em Marx, aponta deficiências antes de mais nada c~nc;deu a Naim Kattan, pu~Jí..cada em La Quinzaine metodológicas. Lukács, ao querer apreender a sig Latt~raire (1-12-1966), mantém. novamente seu ponto nificação do existencialismo- como um todo, na sua de vista em relação ao existencialismo: "Não tenho generalidade e não de cada existencialista em parti muita confiança nas tendências do pensamento oci cular, refere-se ao conteúdo ideológico próprio a certa dental contemporâneo, quer se trate de neopositivis camada social, num determinado momento da evolu ~o ou de existencialismo. Acho mais útil reler Aris ção da sociedade. Daí a rudeza das acusações mú toteles pela vigésima vez." E refe rind_o-se especial tuas e a mesma certeza de falar em nome de Marx. mente a Sartre, afirma: " .. . é um homem muito vi ~º· Na história das relações entre as duas filosofias, Passei a compreendê-lo bem melhor depois que Lukács tem-se mantido mais constante que Sartre. h As Palavras, uma ob.ra admirável, que demonstra Aliás, o próprio Sartre reconhece que sua primeira tue este. ~ornem jamais teve contacto com a realidade. posição continha contradições que o levaram conti- omo filosofo, fez progressos depois de O Ser e o 8 9 Nada, aproximando-se do marxismo. Entretanto há Em suma, A Destruição da R.azão é a análise nele uma debilidade: quando a vida o obriga a mudar do existencialismo alemão, enquanto Existencialis de ponto de vista, não se sujeita a modificá-lo radi mo ou Marxismo? é a análise do existencialismo calmente e procura dar-nos uma ilusão de continui francês. Ora, Lukács assinala nesta última a di I dade. Em sua Crítica da R.azão Dialética aceita 'i1 ferença profunda que existe entre os dois existen- Marx, mas quer conciliá-lo com Heiclegg_er. A con I cialismos: o primeiro, como demonstra com detalhes tradição é clara: Há um Sartre número um no co S em A Destruição da R.azão, é antes de mais nada a meço da página e um Sartre número dois no fim da .-'V filosofia da pura subjetividade, do isolam~ to, ~ mesma página. Que confusão de método e de~ lncia de qualquer comprotn!.§.S.Q_ _c ..Qm_a_história e a samen!Q_!" ~~ e, i~Q!Qgiâ típ!.ç~ s intel!~tu.aj§ pequeno- Assim, seu ceticismo mantém-se de 1947 até hoje. ... burgueses do período entre-guerras, e cuja irraciona- Por quê? Por que não lhe basta a declaração de ~ idade mu'ito bem se prestou para compor na assim Sartre, segundo a qual o marxismo é a filosofia do chamada "concepção nacional-socialista do mundo" nosso tempo, por que não se impressiona com as po Mas o existencialismo francês demonstrou logo uma sições de Sartre e seus amigos durante a guerra da preocupação pelos problemas sociais e políticos, ten- Argélia ( se bem que reconheça a sua coragem na f' do de se haver de imediato com o marxismo. Assim, ocasião), por que essa desconfiança mesmo quando quando se fala na polêmica existencialismo-marxismo, Sartre aceita o fundamento econômico da história, a é antes ao existencialismo francês que se refere, se verdade da luta de classes etc. etc.? bem que, segundo Lukács, o próprio Ser e tempo de Ora, Sartre é um dos existencialistas e não o Heidegger é uma ob!:_a destt!!_a-ªª ~ ecifiç_amente a existencialismo. Se reconhece como positiva a apro combater o ~ terialismo histór'co, mesmo que Hei ximação com o marxismo, isto não o impede de con dêgger nunca o tenha confessado. tinuar a afirmar a oposição das duas filosofias, no No presente trabalho, LuKács, após caracterizar seu conjunto e na sua essência. Cremos que ficá.rá a filosofia burguesa de hoje COijlO uma filosofia em mais clara a posição de· LU:kács, se a leitura de Exis crise ( ensaio 1), e apontar as origens metodológicas tencialismo ou Marxismo? for completada pela leitu-1 do existencialismo ( ensaio II), analisa o existencia ra de outra obra sua, A Destruição da R.azão, em que lismo francês em particular ( ensaio III), dado o seu trata especificamente do existencialismo alemão, es caráter acentuadamente político que o leva a se re ttfd'~ ·doe m pormenor Heidegger e Jaspers, ~s fontes lacionar abertamente com o marxismo. E, finalmente do existe~ncialismo (Kierkegaard e Nietzsche), os fi ( ensaio IV), Lukács expõe os princípios norteadores lósofos que influíram decisivamente para o seu apa <le sua crítica, princípios estes que ao mesmo tempo recimento (Husserl e Scheler) e na qual ainda situa constituem uma resposta ao seu próprio História e o existencialismo no quadro geral do panorama filo Consciência de Classe, cuja teoria do conhecimento sófico-cultural da época. considera superada. 10 11 A idéia do presente livro nasceu em 1946, nos Encontros Internacionais de Genebra, em que sua in tervenção foi particularmente notável nos debates que travou com Merleau-Ponty e com Jaspers. E constitui um dos textos indispensáveis para a eluci NOTA DO AUTOR dação da questão: o existencialismo é compatível com o marxismo? Se a recente adesão de Sartre pode tentar os mais apressados a dar a sua afirmativa, Impossível dissimular que a intenção de meu edi não podemos esquecer, como o faz Lukács, de que o tor de reeditar antigos estudos meus, publicados há existencialismo, na pessoa de seus vários represen mais de uma década, causa-me alguma hesitação. Não tantes, em outras oportunidades, como em Heidegg.er, para citar o ex;emplo mais conheciêlõ, não só ignora a propósito do fundo filosófico desta pequena obra: ( ou finge ignorar) o marxismo, como Õ combate na ainda hoje mantenho minha crítica de princípio em prática. Desta forma:ântes mesmo do aparecimento \ relação ao existencialismo. Mas, nesse meio tempo, <là Crítica da .Razão Dialética, Lukács aponta como minhas convicções sobre certos fatos históricos mu pode haver essa aproximação e aparente compatibili r daram. Sei, por exemplo, depois do discurso de Krut dade: à custa da coerência do sistema; a noção sar treana de liberdade sofre uma substancial modifica chev, de 1956, que os grandes processos do ano 1938 ção e serve de ponte para a ação política concreta. foram inúteis. Portanto, as reflexões filosófico-his Em suma, tanto aos existencialistas como aos tóricas e éticas que,, no meu livro, estão ligadas a marxistas, ainda hoje é válido o desafio de Lukács estes fatos, podem ser •justas de um ponto de vista ·para resolver a questão: trata-se antes de tudo de abstrat~; mas os exemplos históricos são caducos. procurar, se houver, os elementos comuns aos funda t mentos teóricos dessas duas concepções do mundo. evidente que essas novas CS2ncepções podem engen Se bem que apenas esboçado, o confronto que Lukács drar igualmente conseqüências f,ilosóficas. Mas sen estabelece lança novas luzes sobre um problema que, 1 do dado que elas não tocam nem as bases do marxis por não ter ainda sido resolvido, merece toda a a ten mo, nem sua oposição ao existencialismo, podemos ção e nos obriga a pesquisar as justificativas de todas as posições, e principalmente daquele que é conside deixá-las de lado. rado o maior filósofo marxista do nosso século. O mais importante é que Sartre e Merleau-Ponty tenham mudado fundamentalmente, nes~e lapso de José Carlos Bruni tempo, sua posição política, e portanto filosófica. Uma polêmica atual levaria, sob vários aspectos·, a resul tados diferentes. 12 13 Estando muito ocupado em terminar minha obra sôbre estética, não posso pensar numa transformação completa do "Existencialismo ou Marxismo?". Ao contrário, espero poder voltar à maioria dos proble INTRODUÇÃO mas atuais da filosofia de Sartre, na minha obra sobre ética, que empreenderei após ter terminado a estética. O estudo que apresentamos hoje não tem a pre Budapeste, 11 de abril de 1960.) tensão de esgotar - nem do ponto de vista metodo 1 ,, lógico nem do ponto de vista histórico - os proble Oeorg Lukács mas que evoca. Os debates entre o materialismo dialético e o existencialismo têm lugar, em geral, num terreno muito estreito ou muito largo. Na realidade, não se trata de uma preocupação efêmera nem tampouco de um combate filosófico "eterno", se bem que nume rosos são aqueles que afirmam uma ou outra coisa. De fato, o objeto do debate é um problema ideo lógico próprio do estágio do imperialismo; s9mente, como todos os problc:,m. as desta ordem, o nosso tam bém remonta, quanto às ~uas origens, ao período con secutivo à Revolução Francesa. Num sentido mais geral, trata-se do choque de duas orientações do pen samento: de um lado, daqueJ.a. . que vai de Hegel a Marx, e de outro lado, daquela que liga Schelling (a partir de 1804) a Kierkegaard. Pôr em paralelo Marx e Kierkegaard é, certamente, um processo muito em moda e filosoficamente indefensável, mas que se jus tifica por um p;i.no de fundo muito real: a derrota do idealismo objetivo. Sua herança constitui o ponto de partida do debate entre a esquerda, isto é, a dialética materialista, e a direita, representada pelo existen cialismo. Em Kiekegaard, como do último período . de Schelling, a concepção do existencialismo é teo lógico-mística. Isto explica porque o existencialismo 14 15 não consegue então estender sua influência e que aca· materialismo antigo está ultrapassado. O grande ba, na sua forma original, num impasse de caráter combate da filosofia desenrola-se essencialmente en· manifestamente reacionário. tre o "terceiro caminho", do qual o existencialismo A derrota da revolução de 1848 foi seguida de representa a forma mais up to date e o materialismo um longo período de "segurança" econômica e polí· dialético. tica, graças ao reino da burguesia. No plano da filo· Três principais grupos de problemas resultam sofia, esse período podia, portanto, satisfazer-se com desta situação histórica. No domínio da teoria do um agnosticismo oscilante entre o "materialismo en· co!1hecimento, é a pesquisa da objetividade que do vergonhado" (Engels) e o solipsismo. mina; no plano da moral, tenta-se salvar a liberdade Uma mudança dever-se-ia produzir somente no e a personalidade; do ponto de vista da filosofia da início do estágio do imperialismo. Uma oportunidade história, enfim, a necessidade de perspectivas novas de salvar o idealismo filosófico aparecia então, sob o se faz sentir no combate contra o niilismo. aspecto desse "terceiro caminho", que vai de Mach , ~ntre es~es· t~ês g~upos de problemas, a ligação e Nietzsche até o existencialismo e que consiste em ~ mmto estreita; filosoficamente, devemos resolvê-los se proclamar neutro também frente ao materialismo _1untos. e ao idealismo, que se pretende ultrapassar, do ponto A base comum, sobre a qual repousam esses três de vista da teoria do conhecimento. De um outro la· 1 grupos de problemas, é fornecida pelo caráter mani· do, o revisionismo filosófico combate o materialismo festamente transitório da realidade social e histórica e a dialética, orientando a ideologia da classe operária anterior à atual. A filosofia anterior à Revolução Fran· para as concepço-es b urguesas. E ssa "a dapt a-çao" cesa ignorava esse pr~blema. Para ela, a luta histórica vai desde a aceitação pura e simples da ideologia bur· e social tinha lugar entre a razão (a sociedade bur guesa do período da "segurança" até o serviço das guesa ascendente) e a não-razão ( o absolutismo feu· ideologias reacionárias extremas: a carreira de um dai decadente). As contradições entre a situação his de Man, por exemplo, está longe de ser fortuita. Face tóri~a real e sua definição filosj>jica aparecem apenas a essa evolução, encontramos a renovação leniniana no fim desse período e mesmo então sob formas filo da dialética, a partir de um materialismo conseqüente. sóficamente inconscientes. Em ·Kant, por ex.emplo, Aqui, os fatos novos da história e os problemas filo apresentam-se como a antinomia entre o dogmatismo sóficos novos, trazidos pela evolução das ciências na· (a objetividade injustificada) e o ceticismo (relativis turais, recebem uma definição exaustiva. mo). Mas porque Kant não era consciente da base É assim que se constitui essa tensão particular, real do problema que se lhe colocava, não pôde chegar que caracteriza a situação do pensamento atual: o senão a pseudo-soluções, que deveriam, notadamente idealismo objetivo, após sua derrota definitiva, sobre· d~trante o per'íodo de "segurança" filosófica, influen vive apenas sob o aspecto de mitos reacionários; o c!ar todo o pensamento europeu. O problema dialé· idealismo subjetivo, que perdeu suas perspectivas, h~o da relação entre o relativo e o absoluto não pode encontra-se em plena retirada para o pessimismo; o ser colocado ·~orretamente e resolvido senão mais tar· 16 17 de, quando ·a consciência tivesse realizado o caráter trato de uma necessidade inumana, fatalista e des histórico do conjunto da realidade e, antes de tudo, provida de vida. o caráter transitório do presente capitalista. A pesquisa de uma perspectiva leva, também, a Criada por Hegel e colocada sobre fundamentos um resultado concreto. O leninismo dotou, com efeito, justos por Marx, somente a concepção da interpene o problema da perspectiva de um conteúdo concreto. tração mútua e da inseparabilidade do absoluto e do Não se trata mais, agora, das perspectivas do socia relativo pode trazer a solução dos três grupos de pro lismo somente, mas da determinação da evolução his blemas de que falamos acima. O problema da objeti tórica concreta da sociedade - e dos indivíduos que vidade do conhecimento só é r~~jdo eela teo~ a compõem - pelas ações concretas a realizar, em lética da consciência humanaq ue reflete um mundo função da significação concreta que possui a perspec exf"erior a existir independentemente do._sµ,jeito. É tiva do socialismo para o presente do conjunto social essa doutrina ainda que responde ao problema colo e dos indivíduos que o compõem. cado na teoria do conhecimento pela função da sub Mas o socialismo é possível somente - propo jetividade (papel ativo do sujeito do conhecimento, mo-nos demonstrá-lo nos quadros da presente obra - em razão da unidade inseparável da teoria e da prá sôbre a base do materialismo.dialético. A ligação des tica, e da situação histórica subjetiva no conhecimen to da realidade) e o caráter absoluto de seu conhe sa filosofia com o socialismo reveste-se, portanto, de cimento, sem suprimir a objetividade do mundo exte um caráter de necessidade essencial. rior. A posição concreta, mat'erialista-dialética da Ocorre o mesmo. no campo oposto do pensamen questão, ressalta, além disso, a função da subjetivida to: a resistência à epistemologia materialista e à dia de na História, enquanto função da atividade humana lética materialista está êm ligação íntima com a re concreta na evolução e autocriação da humanidade. sistência da ideologia burguesa ao socialismo. A con É assim que o problema da personalidade aparec~ co t.r ibuição nova da nossa época consiste somente no mo um elemento de uma sociologia histórica· geral. tato de que a aprovação do so~c~ia lismo em geral eqai- Esta demonstra, até nos seus detalhes maii sutis, os vale a um aspecto preciso da oposição intelectual à riscos, a ameaça de. aniquilamento que o capitalismo perspectiva concreta e real do socialismo. Quanto estende à personalidade humana, desde sua existência mais essa aprovação se faz sob uma forma "elevada", econômica até seus aspectos ideológicos mais matiza mais isto ocorre. E eis porque essa aprovação - se dos. Oferece, igualmente, em ligação íntima com essa bem que ao preço de ecletismos e de contradições - descrição, soluções concretas. ( Problemas da vida pú pode revestir as formas atuais do idealismo filosófico. blica, crítica do particularismo individualista, enquan É assim que o existencialismo aparece como a to sufocamento e mutilação da personalidade etc.). última variante - e também a mais evoluída - des A liberdade humana aparece então em união dialética sa oposição. Sua ontologia, baseada na fenomenolo com a necessidade e não mais como o antípoda abs- gia, representa o cume atual e o aspecto mais extremo 18 19