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Estudo sobre fauna urbanizada, I: Psittaciformes na cidade de Porto Alegre, RS PDF

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V. S. Torres Estudo sobre fauna urbanizada, I: Psittaciformes na cidade de Porto Alegre, RS Vladimir Stolzenberg Torres¹ ¹Prefeitura Municipal de Porto Alegre Resumo A urbanização modifica a estrutura física e biótica do hábitat, podendo afetar diversos processos ecológicos que envolvem a fauna e a flora. Com isto, objetivou-se identificar as espécies de Psittaciformes ocorrentes no ambiente de Porto Alegre, RS, bem como, registrar sua possível adaptabilidade a este ambiente. As observações e registros foram realizados no período de junho de 2003 a julho de 2020, por avistamento. Registrou-se a ocorrência de sete espécies de Psittaciforme no interior do perímetro urbano de Porto Alegre, a saber: Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783), Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1818), Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818), Amazona aestiva Linnaeus, 1758, Amazona pretrei (Temminck, 1830), Melopsittacus undulatus (Shaw, 1805), todos da família Psittacidae, e Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792), da família Cacatuidae. Dentre as espécies apenas Amazona pretrei (Temminck, 1830) se encontra em condição de vulnerabilidade Lista Vermelha da IUCN. É fundamental a ampliação de estudos ecológicos em áreas urbanas para conciliar o desenvolvimento humano com a manutenção da biodiversidade e sustentação dos serviços ecossistêmicos. Palavras-chave: Psittaciformes. Psittacidae. Cacatuidae. Study on urbanized fauna, I: Psittaciformes in Porto Alegre city, RS Abstract Urbanization changes the physical and biotic structure of the habitat, and can affect various ecological processes involving fauna and flora. With this, the objective was to identify the species of Psittaciformes occurring in the environment of Porto Alegre, RS, as well as to register their possible adaptability to this environment. Observations and records were made from June 2003 to July 2020, by sighting. Seven species of Psittaciforme were registered within the urban perimeter of Porto Alegre city: Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783), Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1818), Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818), Amazona aestiva Linnaeus, 1758, Amazona pretrei (Temminck, 1830), Melopsittacus undulatus (Shaw, 1805), all from the Psittacidae family, and Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792), from the Cacatuidae family. Among the species only Amazona pretrei (Temminck, 1830) is in a condition of vulnerability IUCN Red List. It is essential to expand ecological studies in urban areas to reconcile human development with maintaining biodiversity and sustaining ecosystem services. Keywords: Psittaciformes. Psittacidae. Cacatuidae. Introdução sobre o meio físico, causando profundas alterações sobre este e na qualidade de O ambiente urbano é a resultante das vida dos seres (LOMBARDO, 1990). A interações dos fatores ambientais, urbanização modifica a estrutura física e biológicos e socioeconômicos, onde o biótica do hábitat, podendo afetar meio edificado pelo homem predomina UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 252 V. S. Torres diversos processos ecológicos que aumento do parasitismo, predação de envolvem a fauna e a flora nestas áreas. ninhos, colisão com veículos, poluição, mudança nos recursos alimentares, Como resultado da intervenção mudança do tipo de predador e antrópica, a paisagem urbana competidores introduzidos (CASE, geralmente se apresenta fragmentada 1996). Assim, enquanto algumas em um mosaico de diferentes ambientes espécies podem se habituar facilmente a e, tanto a estrutura da vegetação, quanto viver em áreas urbanas, outras, mais a sua composição florística, costumam sensíveis, são negativamente afetadas diferir daquela originalmente presente, pelo processo de urbanização disponibilizando, portanto, condições e (LUNIAK, 2004). E, neste caso, a recursos distintos a serem explorados avifauna costuma, com frequência, ser pela fauna (MENDONÇA; ANJOS, empregada como bioindicadora, quando 2005). Na sequência e, em são avaliados os efeitos da urbanização consequência, tem-se que o sobre a biodiversidade, por serem um adensamento urbano conduz à formação grupo diverso quanto a hábitos, taxa e de inúmeros microecossistemas, os níveis tróficos. quais refletem diretamente na fauna urbana, o que a torna resultante de Considerando que as aves sejam fatores, tanto ecológicos como animais que despertam interesse nos históricos e, portanto, não originada, humanos, agregando grande somente, pela depauperação da importância ecológica e cultural, e que composição faunística, original pelo se expressam como o grupo taxonômico processo de urbanização, mas, também, que parece melhor se adaptar, em pela constante introdução de espécies diversidade e riqueza dentre as espécies (JAPYASSÚ; BRESCOVIT, s/d). urbanizadas, natural que este estudo este primeiro estudo a respeito da fauna Do ponto de vista da conservação da urbana se dê por conta deste grupo. E, biodiversidade, a urbanização é neste contexto, é de se considerar que considerada uma das principais causas um dos taxa mais admirado em todo o de extinção de espécies (CZECH et al., mundo é a ordem Psittaciformes. Esta é 2000). O estabelecimento e a expansão constituída por 344 espécies, sendo o de centros urbanos facilitam a Brasil o país mais rico, com não menos proliferação de vegetação, considerada de 85 espécies reconhecidas (CBRO, exótica quando na interação com a 2015). O grande apreço dos humanos natural do exterior ao perímetro urbano, por esse grupo favorece o com isto contribuindo para uma redução aprisionamento de espécimes selvagens da complexidade da vegetação regional, em cativeiro e a biopirataria. Além incrementam as distâncias de dispersão desses problemas que afetam essas aves, entre os hábitats apropriados para as a perda do habitat tem sido reconhecida espécies, e isolam fragmentos de como o principal fator para o declínio ecossistema (MCKINNEY, 2001; de muitas populações de Psittaciformes ZIPPERER et al., 2012). (ICMBIO, 2014). A redução da cobertura vegetal nativa e Segundo o livro vermelho (CITES, a modificação da composição florística 2017) há 42 espécies desse grupo devido à urbanização afetam a ameaçadas de extinção. Desse modo, sobrevivência de grande parte da fauna torna-se fundamental que sejam nativa, incluindo a avifauna (CHACE; realizados estudos sobre a interrelação WALSH, 2006), que é atingida pelo das populações humanas com tais aves, UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 253 V. S. Torres tão afetadas pela destruição de áreas uma mesma espécie de psitacídeo naturais e tão apreciadas no tráfico consumindo um determinado item nacional e internacional, para que alimentar, pertencente a uma mesma estratégias de conservação e espécie vegetal, foi considerado um sensibilização ambiental sejam evento de alimentação (EA). Definiu-se colocadas em prática.Assim, espécies grupo de alimentação como grupo de que se apresentem mais k estrategistas, indivíduos de uma mesma espécie de se adaptando ao ambiente urbano psitacídeo que consumiam em um representam uma importante mesmo momento itens alimentares justificativa de estudo, em decorrência pertencentes a uma mesma espécie da possibilidade de preservação de vegetal. “bancos genéticos” que possam ser empregados, no futuro, para recompor A fim de constatar o status ambiental de populações silvestres em seus centros cada espécie da avifauna, consultou-se a de origem. IUCN Red List of Threatened Species, disponível online em <h t t p : / / w w w . i u c n Desta forma, a presente pesquisa r e d l i s t . o r g />, acrescida da lista objetivou identificar as espécies de vermelha do estado do Rio Grande do Psittaciformes ocorrentes no ambiente Sul (Decreto Nº 51.797/2014). de Porto Alegre, RS, bem como, registrar sua possível adaptabilidade a A nomenclatura e a ordem taxonômica este ambiente. das espécies brasileiras de psitacídeos foi realizada com base em Bencke et al. Material e métodos (2010), com isto, seguindo-se As observações foram conduzidas no integralmente a classificação adotada na período de junho de 2003 a julho de mais recente lista do Comitê Brasileiro 2020, sem um horário específico uma de Registros Ornitológicos (CBRO, vez que, em sua maioria, eram 2015), com a revisão nomenclatural decorrentes da atividade profissional do sendo, ainda, processada através do autor – vistoria e avaliação da Avibase – the world bird database <h t t p arborização urbana de Porto Alegre. : / / a v i b a s e . b s c – e o c . o r g / a v i b a s e . j s p>. Todos os registros foram visuais, os A identificação das espécies vegetais, primeiros a vista desarmada, quando necessário, foi realizada com posteriormente com uso de binóculos base em Torres (2018, 2019a), com a (8x40) que passaram a acompanhar o taxonomia sendo, então, revisada autor conjuntamente a outros empregando-se as bases de dados do acessórios. O principal aspecto para Missouri Botanical Garden <h t t p : / / w w determinar a presença de Psittaciformes w . t r o p i c o s . o r g /> e do REFLORA – está na característica vocalização, Plantas do Brasil <r e f l o r a . j b r j . g o v . b r>. bastando, localizar o(s) indivíduo(s) e realizar o devido registro. Foram Resultados e discussão registrados ainda os indivíduos das Observações do autor e a leitura de diferentes espécies observados em outras pesquisas como Scherer et al. percurso, isso é, passaram voando e que (2005) e Torres et al. (2015), revelam a estivessem ao alcance da visão sem, no ocorrência de sete espécies de entanto, terem pousado. Psittaciforme no interior do perímetro urbano de Porto Alegre, a saber: Cada vez que era observado um Myiopsitta monachus (Boddaert,1783), indivíduo ou grupo de indivíduos de Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1818), UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 254 V. S. Torres Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818), É a única espécie de psitacídeos que Amazona aestiva Linnaeus, 1758, constrói o seu próprio ninho (fig. 1), de Amazona pretrei (Temminck, 1830), caráter comunitário (alguns com mais Melopsittacus undulatus (Shaw, 1805), de uma centena de quilogramas), o que todos da família Psittacidae, e lhe trouxe inúmeras vantagens exemplares de Nymphicus hollandicus adaptativas no ambiente urbano de (Kerr, 1792), neste caso, da família Porto Alegre, construindo em árvores, Cacatuidae. Das espécies nativas do palmeiras e torres de telefonia celular. Brasil, aqui observadas, apenas P. Esta espécie utiliza os ninhos durante frontalis não é referenciada por Bencke todo o ano; quando não estão no et al. (2010). período reprodutivo, usam-nos para dormir ou como proteção em caso de Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783). temporais. Com isto, ocasionou Como distribuição natural, é registrada problemas como a dificuldade para o no pantanal (população bastante manejo de árvores onde ocorram os numerosa), nos pampas a leste dos ninhedos, em face de serem Andes na Bolívia, Paraguai, Uruguai e consideradas, neste contexto, como sul do Brasil até a região da Patagônia espécie silvestre stricto sensu. na Argentina. Possui três subespécies Posteriormente, evocando o art. 29 da conhecidas com Myiopsitta monachus Lei N° 9.605/1998, a Instrução monachus (Boddaert, 1783) se Normativa IBAMA Nº 141/2006, e o constituindo na que é encontrada na art. 165 da Lei Nº 11.520/2000, a região sulbrasileira e, particularmente, Secretaria Municipal do Meio Ambiente na área urbana de Porto Alegre.A e Sustentabilidade elaborou um Termo população da capital é oriunda de de Referência Remoção de Ninhos escapes ou solturas de aves nascidas em visando normatizar a solicitação de cativeiro ou trazidas de outras regiões autorização de remoção dos ninhos, via tráfico de fauna silvestre estando desta espécie localizados em antenas de estabelecida há mais de 20 anos na telefonia celular, torres de iluminação e cidade. Não há uma estimativa do árvores em situação de risco, dentro dos número de indivíduos que vivem em preceitos de bem estar animal e Porto Alegre, mas, bandos de mais de respeitando a legislação vigente. 20 indivíduos não são raros. UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 255 V. S. Torres Figura 1. A) Exemplar de Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783) “domesticado” (fonte: imagem cedida por Ritchelle Pereira Iranzo); B) Ninho comunitário de M. monachus observado na Praça Leda Schnneider (fonte: banco de imagens do autor). Foram observadas forrageando os frutos estudo de Scherer et al. (2005) que (rompendo-os) e se apropriando das consideram esta espécie como sementes de Ligustro, Ligustrum essencialmente frugívora. lucidum W.T. Aiton (Oleaceae) – comportamento não referenciado por Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1818) – fig. Moermond e Denslow (1985) –, no 2. Não foi possível sua identificação em bairro Jardim Lindóia, consumindo nível de subespécie, mas, com muita frutos de Nespereira, Eriobotrya probabilidade, deva se tratar de japonica Thunb. (Rosaceae), de Pyrrhura frontalis chiripepe (Vieillot, Butiazeiro, Butia aff. capitata (Mart.) 1818), que possui distribuição natural Becc. (Arecaceae), e de Amoreira, no sudeste e sul do Brasil até o sudeste Morus nigra L. (Moraceae), no bairro do Paraguai e norte da Argentina e Jardim Sabará. Fabichak (1989) citou Uruguai. Não se tem conhecimento de frutas e sementes, como alimento básico que tenham sido observados fora do para papagaios em geral e que os contexto do Parque Farroupilha, no que mesmos não se alimentariam no chão, o se é respaldado por Scherer et al. que é contraposto neste estudo para o (2005). Possivelmente se tratem de particular desta espécie, que foi exemplares que tenham escapado do observada forrageando sementes de viveiro no antigo Minizoo Palmira gramíneas, possivelmente de Azevem, Gobbi ali existente anos atrás, Lolium multiflorum L. (Poaceae), na constituindo um pequeno bando que se Praça Dr. Samir Squeff; também estabeleceu no local e, de alguma observado na Praça Leda Schnneider, forma, se autorregula onde consome, algumas vezes, milho populacionalmente. (Zea mays L. – Poaceae) presente em oferendas de rituais de matriz africana A nidificação se dá em ocos de árvores, (TORRES, 2019b). Da mesma forma, o o que pode se constituir em um fato de utilizar sementes, por si só, já importante fator para a existência desta representa uma novidade em relação ao pequena população no Parque UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 256 V. S. Torres Farroupilha e a sua possível não por Maurício et al. (2018) e frugívora expansão para outras áreas da cidade. É por Scherer et al. (2005). considerada espécie de hábitos florestais Figura 2. Exemplar de Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1818), na área do Parque Farroupilha (fonte: banco de imagens do autor). Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818)– fig. da Palmeira tamareira, Phoenix 3. Esta espécie possui distribuição canariensis Hort. ex Chabaud (Palmae), natural no Leste e Sul do Brasil, do neste aspecto se destacando dois locais, Ceará, Maranhão e Sul do Pará ao Rio o Shopping Bourboun Wallig e o Barra de Janeiro, Oeste de São Paulo e Mato Shopping que distam, entre si, Grosso, e no Norte e Leste da Bolívia, aproximadamente 11Km. Paraguai e Norte da Argentina (FORSHAW, 1989).A exemplo de A espécie parece estar nidificando (ou outras espécies, esse psitacídeo ocupando como refúgio e dormitório) originalmente exótico ao RS– seu em tais palmeiras e utilizando seus registro no estado se dá pelo estudo de frutos como fonte alimentar principal, Bencke (2001) – vem sendo registrado devendo suplementar com outras opções regularmente na zona urbana de Porto alimentares na região de entorno, no Alegre (BENCKE, 2001; FONTANA, que o estudo de Paranhos et al. (2007) 2005) há mais de duas décadas, revela-se particularmente interessante, podendo ser considerado como haja vista que, das espécies por eles estabelecido na cidade. elencadas, pelos menos quinze possuem ocorrência no entorno, sob a forma de Assim, no contexto urbano de Porto arborização urbana. De forma similar, Alegre, a espécie encontra-se Marques et al. (2018) relatam o estabelecida, mas, interessantemente, de emprego de 28 espécies arbóreas forma diferente do que se verifica com empregadas como recursos alimentares Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783), por B. chiriri, das quais, dezesseis, os bandos estão regionalizados como na condição anterior, podem ser formando, segundo se acredita, encontradas nas regiões consideradas metapopulações associadas à ocorrência neste estudo. UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 257 V. S. Torres exótica o que denota a capacidade de De acordo com Low (1972), o gênero adaptação alimentar desta espécie e sua Brotogeris alimenta-se de diversos plasticidade. frutos, que provavelmente constituem o item mais importante de sua dieta na No que tange ao comportamento natureza. Forshaw (1989) e Paranhos et reprodutivo Lopes et al. (2013), relatam al. (2007) relatam que esta espécie se a observação de cópula em área urbana alimenta de sementes, frutos, e Pires e Faria (2019), relatam que a infrutescências e inflorescências.Porém, espécie faz o ninho em cavidades de Marques et al. (2014) trazem uma árvores, telhas de edificações e até interessante observação, qual seja, a de mesmo em casas de joão-de-barro que no contexto do ambiente urbano, a abandonadas; as duas últimas condições maioria das espécies vegetais plenamente disponíveis no ambiente consumidas por B. chiriri foi de origem urbano de Porto Alegre. Figura 3. Exemplar de Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818), em área próxima ao Bourbon Wallig – bairro Cristo Redentor (fonte: banco de imagens do autor). Amazona aestiva Linnaeus, 1758. Porto Alegre a não menos de vinte anos, Infere-se que a subespécie ocorrente em havendo inclusive relatos e evidências Porto Alegre seja a tipo, em decorrência indiretas de nidificação na cidade de sua distribuição regional: leste do (BORSATO et al., 1993; BENCKE, Brasil do estado do Maranhão e Pará até 2001; FONTANA, 2005). Apesar de o Rio Grande do Sul (FORSHAW, relatada como florestal (SILVA, 1995), 1989), habitante de regiões tropicais, de A. aestiva parece preferir áreas com florestas secas em regiões subtropicais e influência antrópica (GOULART et al., de savanas. Ainda é uma espécie 2011). Assim, embora sua ocorrência abundante e de distribuição ampla, seu como espécie naturalizada no RS não estado de ameaça é pouco preocupante, tenha sido assumida anteriormente porém a população já apresenta (BELTON, 1994; BENCKE, 2001), tendência ao declínio (BIRDLIFE esse psitacídeo pode hoje ser INTERNATIONAL, 2016). considerado estabelecido em Porto Alegre. Pequenos bandos têm sido Encontra-se presente na área urbana de observados, particularmente na zona sul UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 258 V. S. Torres de Porto Alegre. Paraguai e Argentina, mas é considerada muito rara ou vagante Alguns indivíduos foram registrados no nesses países. Espécie enquadrada na bairro Menino Deus, cortando os frutos categoria Vulnerável (MMA, 2014). e se alimentando das sementes de Alguns raros indivíduos observados na Cinamomo, Melia azedarach L. zona sul de Porto Alegre há (Meliaceae). Segundo Barbosa (com. aproximadamente dez anos, não pes.) um bando iria até a região do havendo registros oficiais posteriores, arquipélago no início do dia e retornaria podendo ser procedentes de fugas do ao final da tarde passando pelo bairro antigo Minizoo Palmira Gobbi existente Centro Histórico em direção ao Menino anos atrás no Parque Farroupilha. A Deus sugerindo que o forrageamento exemplo de outras espécies, sua principal ocorra nas ilhas e o bairro de nidificação ocorre em ocos de árvores, destino ocupe posição de dormitório. aceitando caixas ninho (KILLP et al. Carvalho (2019), relata semelhante 2014). situação na cidade de Brasília, onde a intensidade de movimentos de A. Melopsittacus undulatus (Shaw, 1805) – aestiva partindo das áreas protegidas da fig. 4. Tem sua origem na Oceania, cidade durante o início do dia e onde, em ambiente natural, forma retornando no final do dia, parece estar bandos com centenas de indivíduos. A associado com os períodos de criação de M. undulatus, como animal florescimento e frutificação, quando doméstico, foi considerada a partir da partem para explorar jardins, parques e Portaria IBAMA Nº 93/1998, outra áreas verdes distribuídas pela regulamentadora da importação e cidade. exportação da fauna silvestre e na qual foi, ainda, acrescida uma lista de Carvalho (2019) relata que A. aestiva se animais exóticos, de criação permitida alimentou em 19 espécies vegetais, das no Brasil como domésticos. No quais, onze cultivadas, e sendo oito contexto do ambiente urbano de Porto exóticas; tendo ingerido, em ordem de Alegre, observam-se indivíduos, preferência, sementes de frutos imaturos normalmente, solitários, muito e maduros, polpa e arilo em frutos excepcionalmente formando grupos de maduros, flores e néctar e folhas. dois ou três animais. Ao que se perceba, Plantas exóticas formaram 74% das não consegue, em nosso ambiente, observações de alimentação sobreviver fora de cativeiro, não (CARVALHO, 2019). Seis das espécies conseguindo, muito provavelmente, citadas por Carvalho (2019) possuem localizar e/ou identificar opções ocorrência na região urbana de Porto alimentares alternativas no ambiente, Alegre. nem locais apropriados para nidificação. Outro aspecto a ser considerado está nas Amazona pretrei (Temminck, 1830). baixas temperaturas no inverno, que Apresenta, atualmente, uma área de podem se apresentar como um fator ocorrência muito restrita, negativo para esta espécie. Os primordialmente associada com à espécimes observados, com maior matade araucária, ocorrendo apenas no probabilidade, são oriundos de fugas e, RS e sudeste de SC (FONTANA, 2008; mais raramente, de solturas. ANJOS, 2009), há registros para UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 259 V. S. Torres Figura 4. Exemplar de Melopsittacus undulatus (Shaw, 1805) (fonte: h t t p s : / / c d n . b r i t a n n i c a . c o m / s : 5 7 5 x 4 5 0 / 0 4 / 1 4 3 6 0 4 – 0 0 4 – 8 E 7 E 5 B F C . j p g). Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792). Trata-se da única espécie representante Adler e Tanner (2015), trazem dois de Cacatuidae (subfamília interessantes aspectos que não podem Nymphicinae) observada no ambiente deixar de ser considerados, o primeiro é urbano de Porto Alegre. Sua criação, a o de que algumas espécies urbanas estão exemplo de M. undulatus, também é fadadas à extinção. O outro aspecto, prevista e autorizada pela Portaria muito mais uma concepção, é o de IBAMA Nº 93/1998. É proveniente da sumidouro para algumas populações; Oceania, onde, em seu habitat natural, neste caso, “espécies incapazes de se costuma viver em regiões desérticas, reproduzir de modo a se manter, mas chegando a viajar quilômetros de que sobrevivem por receber imigrantes distância, em bandos, a procura de de outros locais, chamados fontes, onde alimento, próximo às águas dos rios. a espécie tem sucesso reprodutivo” Semelhantemente a M. undulatus, os (ADLER; TANNER, 2015), cativeiros espécimes observados, com maior de onde possam fugir, por exemplo. probabilidade, são oriundos de fugas e, mais raramente, de solturas. Os poucos Segundo Scherer et al. (2005), Amazona indivíduos observados estão sempre aestiva (Linnaeus, 1758) e Brotogeris solitários. Segundo se conjectura, não chiriri (Vieillot, 1818), cujas consegue localizar e/ou identificar distribuições e registros não constavam, opções alimentares alternativas no há algum tempo, para a região ambiente externo ao cativeiro, e, como metropolitana de Porto Alegre, decorrência, muito provavelmente seja pareciam mais presentes em alguns facilmente recapturado, com isto não parques como Moinhos de Vento e prosperando para estabelecer uma Farroupilha, que possuiriam uma população “silvestrada” em condições localização mais central e funcionam urbanas. Também exposta a mesma como ilhas de vegetação; porém, esta hipótese levantada para M. undulatus, observação, específica para B. chiriri no que tange as baixas temperaturas de conflita-se com a atual regionalização inverno. observada no presente estudo, no qual UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 260 V. S. Torres os agrupamentos mais perceptíveis foram verificados em outras regiões Dentre as espécies observadas no sem a característica de parques, ambiente urbano de Porto Alegre, sugerindo, então um maior nível de apenas Amazona pretrei (Temminck, adaptabilidade desta espécie aos rigores 1830) se encontra em condição de urbanos e sua expansão territorial. vulnerabilidade Lista Vermelha da IUCN, o que reforça a importância da A utilização expressiva de espécies preservação desta população, inclusive, exóticas – relatada por Marques et al. se necessário, com o fornecimento de (2018) e observada para algumas ninhos artificiais. espécies, neste estudo – como fonte alimentar, é, segundo Simão et al. Os recursos vegetais explorados pelos (1997), indicativa do seu psitacídeos podem apresentar grande comportamento oportunista e da sua variação temporal e espacial, em termos capacidade de explorar recursos de abundância, de modo que os relativamente novos e incomuns. Assim, indivíduos e/ou bandos podem se elas facilitam o estabelecimento de deslocar, ao que se infere, por grandes populações de psitacídeos no meio distâncias, acompanhando a sua urbano, aumentando a gama de recursos disponibilidade. potencialmente exploráveis como alternativas alimentares. Tais registros Muito embora o presente estudo não se contrapõem, portanto – pelo menos tenha observado a ocorrência de no que possa se referir a Psittacidae – ao Agapornis spp, sua ocorrência em registro de Aronson et al. (2014), condições similares a de Melopsittacus segundo os quais, árvores de espécies undulatus (Shaw, 1805) e de Nymphicus nativas oferecem um ambiente de hollandicus (Kerr, 1792) não deve ser melhor qualidade ambiental para aves desconsiderada. nativas quando comparadas a árvores de espécies exóticas. A ampliação de estudos ecológicos em áreas urbanas é fundamental, pois Aspecto importante para o pleno compreender a estrutura e a composição desenvolvimento e ocupação de nichos, taxonômica e funcional das por tais espécies, encontra-se na comunidades biológicas em tais necessidade de disponibilidade de locais ambientes é de suma importância para aptos próprios para nidificação, o que conciliar o desenvolvimento humano determinará a densidade da reprodução com a manutenção da biodiversidade e (JUNIPER; PARR, 1998). Outro fator, sustentação dos serviços ecossistêmicos. relevante e relacionado, é citado por Marques et al. (2018), segundo os quais, Referências essas aves geralmente possuem baixas ADLER, F. R.; TANNER, C. J. taxas de reprodução, baixa Ecossistemas Urbanos: princípios sobrevivência de filhotes, longo tempo ecológicos para o ambiente construído. para atingir a maturidade sexual, e São Paulo: Oficina de Textos, 2015. elevadas exigências na escolha de locais ANJOS, L. dos. Aves da floresta com para nidificação, sendo que este último araucária. In: FONSECA, C. R. et al. aspecto não encontra sintonia no (Orgs). Floresta com araucária: presente estudo, especificamente para ecologia, conservação e Myiopsitta monachus (Boddaert,1783). desenvolvimento sustentável. Ribeirão Preto: Holos, 2009, p. 163-169. Considerações finais UNISANTA Bioscience Vol. 9 nº 3 (2020) p. 252 - 264 Página 261

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