BALDUINIA, n.42, p. 17-26, 30-XI-2013 ESTUDO ANATÔMICO DO LENHO DE DUAS ESPÉCIES DE SENEGALIA RAF. (FABACEAE) COM VARIABILIDADE DE HÁBITO I SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP ANELISE MARTA SIEGLOCH4 RESUMO Opresente trabalho compara aanatomia da madeira deduas espécies dogênero Senegalia Raf. com variabi- lidade de hábito, nativas no Rio Grande do Sul. Os dados qualitativos equantitativos que serviram de base para oestudo procedem do trabalho de Marchiori (1990). Foram observadas várias diferenças na estrutura anatômica deambas asespécies eformas decrescimento, confirmando acorrelação entre anatomia ehábito, postulada por muitos autores. Entre os principais caracteres diferenciais citam-se: frequência, diâmetro e volume de poros; largura linear de raios multisseriados; percentual das diferentes classes de raios; compri- mento, espessura de parede epercentagem de fibras. Palavras-chave: Acacia Mil!., anatomia ecológica, hábito, liana, Senegalia Raf. ABSTRACT [Wood anatomy of two species of Senegalia Raf. (Fabaceae) with distinct growth habit]. Inthepresent work iscompared the wood anatomy oftwo species ofSenegalia Raf. (Fabaceae) with distinct growth habits. The qualitative and quantitative data were taken from Marchiori (1990). Several differences were observed in wood structure for both species and growth forms, confirming the relationship between wood anatomy and habit, postulated by several authors. The main distinctive anatomical features include: frequency, diameter and volume ofpores; raywidth; percentage ofdistinct rayclasses innumber ofcells; and length, wall thickness and percentage offibers. Key words: Acacia Mill, ecological wood anatomy, habit, liana, Senegalia Raf. INTRODUÇÃO culadas à antiga série Phyllodineae, de George Antes de sua segregação, o gênero Acaeia Bentham (Orchard & Maslin, 2003). Os repre- Mil!. (Fabaceae) apresentava distribuição cos- sentantes americanos foram todos distribuídos mopolita, reunindo cerca de 1.450 espécies de entre os gêneros Vaehellia Whight & Am., árvores, arbustos elianas, concentradas na Aus- Senegalia Raf., Aeaeiella Britton & Rose e trália (Rico-Arce, 2007). Em 2005, o Congres- Mariosousa Seigler & Ebinger. Dos gêneros so Internacional de Botânica de Viena aprovou nativos no Brasil, Senegalia é o mais numero- adivisão em cinco gêneros, restando, em Acaeia so, incluindo aproximadamente 53 espécies, ao Mill., notadamente as espécies australásicas vin- passo Vaehelliaestá representado por apenas três (Morim & Barros, 2013). Muitas das espécies de Senegalia Raf. são Recebidoparapublicaçãoem05/08/2013eaceitopara I publicaçãoem20/l0/20l3. lianas ou trepadeiras lenhosas de áreas úmidas, Biólogo, Dr.,Universidade Federal doPampa, CEP: tais como aMata Atlântica eAmazônia, ao pas- 96450-000, Dom Pedrito, RS, Brasil. [email protected]. so que nas regiões mais secas, como no Cerra- 3 EngenheiroFlorestal,Dr.BolsistadeProdutividadeem do e Caatinga, encontram-se sob aforma de ar- Pesquisa(CNPq- Brasil).ProfessorTitulardoDepar- bustos e árvores (Barros, 2011). É o caso, por tamentode Ciências Florestais, Universidade Federal deSantaMaria,SantaMaria,RS,Brasil. exemplo, de Senegalia tueumanensis (Griseb.) EngenheiraFlorestal,MestrandadoProgramadePós- 4 Seigler &Ebinger ede Senegalia velutina (De.) GraduaçãoemEngenhariaFlorestal,UniversidadeFe- deraldeSantaMaria,SantaMaria,RS,Brasil. Seigler & Ebinger, objeto do presente estudo. 17 Acapacidade dos organismos de alterar sua de do Sul (Cialdella, 1984; Barros, 2011), limi- fisiologia/morfologia em resposta a diferentes tando-se, no último Estado, às regiões do Alto condições ambientais é conhecida como Uruguai, Depressão Central e Floresta Atlânti- plasticidade fenotípica. Tal habilidade é parti- ca (Rambo, 1966). Trata-se de espécie heliófila cularmente importante para plantas cujo estilo e seletiva higrófila, que habita a beira de estra- de vida éestático (Schlichting, 1986). Segundo das, capoeiras, formações vegetacionais aber- Heywood (1970), os genótipos variam com re- tas e a orla de matas, mas raramente o interior lação ao grau de plasticidade fenotípica, o que das mesmas (Burkart, 1979). reflete na possibilidade de seus representantes ocuparem ambientes diversos ou não, respecti- Anatomia e hábito vamente. Diversos estudos demonstram a correlação Das diferentes maneiras ou estratégias de entre características anatômicas ehábito decres- adaptação das plantas ao ambiente (Aoyama & cimento, notadamente o de liana (Baas et aI., Mazzoni- Viveiros, 2006), uma das mais impor- 1983; Carlquist, 1985; Pefialosa, 1985; Baas & tantes, pela função desempenhada no vegetal é Schweingruber, 1987;Gasson &Dobbins, 1991; a que se manifesta no xilema secundário, so- Zhang, 1992;Noshiro &Suzuki, 2001; Wheeler bretudo emelementos vasculares, quechega, por et aI., 2007; Terrazas et aI., 2008). vezes, a reverter tendências taxonômicas Lianas são plantas lenhosas de crescimento (Carlquist, 2001).Ainvestigação dolenho, dessa rápido, cujo caule, pela fragilidade ou deficiên- forma, mostra-se importante para se avaliar até cia em tecidos de sustentação, não oferece re- que ponto a estrutura anatômica é modificada sistência suficiente para manter-se ereto e su- sob ainfluência de diferentes formas de cresci- portar o peso da copa, motivo pelo qual neces- mento e condições ambientais. O presente tra- sita de suporte mecânico fornecido por outra balho, ao comparar aestrutura interna do caule planta ou substrato para elevar-se ao dosseI da de duas espécies de Senegalia Raf. com varia- floresta, oquejustifica aalcunha de trepadeira, bilidade de hábito, visa, justamente, a contri- de que goza o vegetal. buir para o esclarecimento dessa questão. A necessidade de apoio levou as lianas a desenvolverem adaptações específicas relacio- REVISÃO DA LITERATURA nadas aohábito eestratégia decrescimento, tan- Liana aculeada ou arbusto, Senegalia velu- to na morfologia externa como na estrutura in- tina é nativa no Paraguai, Argentina e Brasil, de terna docaule. Embora formados pelos mesmos Pernambuco aoRioGrandedoSul(Barros,2011). elementos observados nolenho de árvores ear- Neste Estado, aespécie éconhecida como "unha- bustos, as lianas exibem estrutura anatômica de-gato" e ocorre naturalmente em áreas de Flo- muito peculiar, com características geralmente restaPluvial desuametade norte (Rambo, 1966), semelhantes, como apresença devariantes cam- habitando tantoointerior damatacom solosúmi- biais e caules de diâmetro reduzido, muito fle- dos ou rochosos, como em clareiras, capoeiras, xíveis, com elevada percentagem de pa- beira de rios e estradas, locais onde, por vezes, rênquima, baixo percentual de fibras, elemen- chega aserfrequente (Burkart, 1979). tos vasculares curtos e de grandes diâmetros, e Arbusto escandente ou liana, Senegalia dimorfismo de vasos (Carlquist, 1985; 1991). tucumanensis apresenta ramos cilíndricos pro- Além destes aspectos, é também comum a au- vidos de acúleos recurvos, a exemplo da espé- sência de paredes transversais, bem como mo- cie anterior, motivo pelo qual também éconhe- dificações nas placas de perfuração de elemen- cida como "unha-de-gato". Aespécie distribui- tos vasculares (Pefíalosa, 1985). se, naturalmente, na Argentina, Bolívia, Correlações de algumas características Paraguai eBrasil, doMato Grosso aoRio Gran- anatômicas com outras formas de crescimento 18 foram também reconhecidas por Baas et aI. Entre outros caracteres, citam-se, ainda: o (1983) eWhee1eretaI.(2007), autores que com- parênquima axial escasso « 20%); os raios es- provaram aocorrência de elementos vasculares treitos (até 4 células); e aocorrência de cristais mais curtos emarbustos doque emárvores. Baas pequenos (Marchiori & Santos, 2011). Desvios &Schweingruber (1987), por sua vez, verifica- destes padrões podem serencontrados, todavia, ram que perfurações escalariformes, porosidade salientando-se apresença de parênquima abun- em anel e vasos exclusivamente solitários são dante em espécies escandentes (Brandes &Bar- mais comuns em árvores do que em arbustos e ros,2008). subarbustos, ao passo que aocorrência de dife- rentes classes de diâmetro de vasos e apresen- MATERIAL E MÉTODOS ça de traqueídeos vasculares segue tendência OS dados qualitativos e quantitativos que inversa. Mais recentemente, Terrazas et aI. serviram de base para o presente estudo foram (2008) comprovaram que as fibras apresentam extraídos do trabalho de Marchiori (1990), rea- maior comprimento e diâmetro em árvores do lizado com base em material procedente doRio que em arbustos, entre outras diferenças. Grande do Sul e de Santa Catarina. As descri- Gasson & Dobbins (1991), em estudo com- ções anatômicas doestudo original foram reali- parativo da anatomia da madeira de árvores e zadas apartir de amostras retiradas de arbustos lianas dafanulia Bignoniaceae, observaram que elianas de Senegalia tueumanensis eSenegalia algumas características são típicas de lianas, ao velutina, conforme as orientações da COPANT passo que outras são mais comuns em árvores (1973), constando nas fichas de herbário as se- ou em ambas as formas de crescimento. guintes informações: A madeira das Acácias Senegalia tueumanensis De acordo com Cozzo (1951), Tortorelli Arbusto: (1956), Metcalfe & Chalk (1972) e Marchiori HDCF 307; HDCF 339; (1990), os seguintes caracteres anatômicos são HDCF 340; HDCF 341 -Jaguari, RS. comumente encontrados na estrutura do lenho HDCF n.6-Nova Esperança doSul,RS. de espécies do antigo gênero Acaeia Mil!.: ele- Liana: HDCF 167-Dona Francisca, RS. mentos vasculares curtos; placas de perfuração HDCF 791 -Jaguari, RS. simples; pontoações intervasculares alternas, Senegalia velutina ornamentadas e de diâmetro pequeno a médio; Arbusto: parênquima paratraqueal; raios com células ex- HDCF 783; HDCF 789 -Santiago, RS. clusivamente procumbentes; fibras libriformes; Liana: e ausência de estratificação. Reitz &Klein n.17076 -Itapiranga, SC. Alguns autores consideraram o gênero es- truturalmente homogêneo, caso de Cozzo Adescrição microscópica da madeira seguiu (1951); outros, ao contrário, reconheceram a anorma daCOPANT (1973), com asalterações existência de padrões anatômicos distintos no recomendadas por Teixeira (1977) e Marchiori antigo gênero Acaeia, permitindo o reconheci- (1980). As medições foram realizadas em mi- mento de três grupos (Senegalia, Vaehellia e croscópio fotônico com ocular de escala gradu- Acaeia) , coincidentes com os subgêneros de ada. As fotomicrografias foram tomadas em Vassal (1972) e,parcialmente, com aatual clas- microscópio Olympus cx40, equipado com sificação genérica (Marchiori & Santos, 2011). câmera digital Olympus Camedia c3000, no Senegalia Raf. diferencia-se dos demais gê- Laboratório de Anatomia da Madeira da Uni- neros pela presença exclusiva defibras septadas. versidade Federal do Paraná, aquem os autores 19 agradecem. Detalhes sobre a microtécnica uti- superior (Tabela 1). A ocorrência combinada lizada no preparo das lâminas histológicas po- destas características é amplamente recorrente dem serbuscados napublicação original, listada em trepadeiras etem valor adaptativo, uma vez ao final do texto. que a presença relativamente frequente de po- ros de grande diâmetro tende a compensar, em RESULTADOS E DISCUSSÃO eficiência condutiva, alimitada seção transver- Foram observadas diferenças estruturais sal do caule das lianas. Tal configuração, no marcantes no lenho de indivíduos arbustivos e entanto, implica em maior vulnerabilidade do lianas, tanto em Senegalia velutina como em sistema condutor a problemas, tais como Senegalia tucumanensis (Tabela 1),confirman- cavitação eembolismos, justificando aocorrên- do arelação entre anatomia e hábito de cresci- ciapreferencial delianas por áreas úmidas, com mento, postulada por diversos autores abundância de água (Carlquist, 1985). (Carlquist, 1975; Baas et aI., 1983; Carlquist & Ocomprimento deelementos vasculares não Hoekman, 1985; Bass &Schweingruber, 1987; demonstra correlação com o hábito de cresci- Gasson &Dobbins, 1991). Dos caracteres dife- mento; arelação comprimento/largura, todavia, renciais, a maior parte é típica da anatomia de é em ambos os casos inferior em lianas do que lianas, e está relacionada ao modo de cresci- em arbustos (Tabela 1),concordando, neste as- mento destas espécies. pecto, com oreferido por Carlquist (1975). Se- Como se pode observar na Figura 1,o diâ- gundo esse autor, ocomprimento de elementos metro e o percentual ocupado pelos poros são vasculares em lianas geralmente não excede o significativamente maiores em lianas doque em dobro do diâmetro dos mesmos. Ocorre que o indivíduos arbustivos, para ambas as espécies. comprimento relativamente pequeno dos vasos A frequência de poros mostra-se, igualmente, largos aumenta sua resistência ao colapso, cau- diâmetro de poros 160 143 140 120 98 100 -Arbusto 80 volume de poros Liana 60 41,6 40 20 o 1 2 3 4 FIGURA I- Variação nodiâmetro (~m) evolume (%) deporos no lenho das duas espécies investigadas, em função do hábito de crescimento. (1e3-Senegalia tucumanensis; 2e4 -Senegalia velutina). 20 sado por altas pressões negativas, motivo pelo comprimento das fibras pode estar relacionado qual o caráter tem valor adaptativo. No tocante ao aumento da resistência mecânica do caule, aocomprimento de vasos, cabe salientar que es- que é pobre em tecidos de sustentação, tendo, tudos têm demonstrado fortes vinculações a portanto, valor adaptativo. Valelembrar, noen- questões taxonômicas, bem como ao tanto, que nem sempre lianas têm fibras longas, posicionamento filogenético e disponibilidade como sepode confirmar notrabalho deBamber hídrica (Carlquist, 1985; Lindorf, 1994; &Ter Welle (1994). Carlquist, 2001; León, 2005; Santos & Outro aspecto diferencial ocorre na espes- Marchiori, 2010). A relação entre este caráter sura da parede de fibras, que se mostra signifi- anatômico e o hábito, por sua vez, mostra-se cativamente maior em lianas do que em arbus- mais clara quando se compara lianas ou arbus- tos, em ambas as espécies investigadas (Tabela tos com árvores, as quais geralmente - embora 1).Valores semelhantes aos presentemente ob- nem sempre (Terrazas et aI., 2007) -, apresen- tidos foram também encontrados por Brandes tam vasos mais longos (Baas et aI., 1983; &Barros (2008), em estudo com trepadeiras do Wheeler et aI., 2007). mesmo gênero, provenientes da Mata Atlânti- O volume ocupado pelas fibras nocaule das ca. A maior espessura da parede de fibras em duas espécies de Senegalia é nitidamente infe- lianas, tal como observado, tende, presu- rior em lianas do que em arbustos (Tabela 1). mivelmente, acompensar aescassez destas cé- Como anteriormente mencionado, nestas espé- lulas na madeira, aumentando, assim, oreforço cies énecessário um maior percentual de tecido mecânico oferecido pelo tecido. condutor paracompensar apequena seção trans- No presente estudo, era esperado um volu- versal docaule, eeste aumento sedá, principal- me percentual de parênquima axial mais eleva- mente, à custa de uma redução no volume do no lenho de lianas do que de arbustos, ajul- percentual de fibras. Como as trepadeiras se garporreferências daliteratura (Carlquist, 1985; apoiam em outros indivíduos para elevar-se ao Bamber &TerWelle, 1994; Brandes &Barros, dossel, oreforço mecânjco nãotem, nessas plan- 2008). Esta tendência, todavia, confirmou-se tas, a mesma importância verificada em árvo- apenas para Senegalia velutina, espécie que res (ou arbustos), para as quais mais da metade apresenta, inclusive, um percentual de do tecido lenhoso geralmente corresponde afi- parênquima axial superior ao de fibras. Aocor- bras, apesar do mesmo caráter também servir rência escassa de parênquima axial no caule de na prevenção da ruptura de vasos, em casos de Senegalia tucumanensis não constitui novida- torção (Carlquist, 1975). Dito de outra manei- de para lianas, tendo sido reportada, igualmen- ra, árvores e arbustos investem em tecidos de te, para o lenho de Gouania ulmifolia, entre sustentação, ao passo que plantas escandentes outras espécies. Segundo Marchiori & Santos no desenvolvimento rápido de caules finos e (2011) e Santos et aI. (2008), respectivamente, longos, com vistas a atingir, em menor espaço em ambos os casos a característica tem forte de tempo, o nível de iluminação ideal (Gasson vinculação taxonômica. & Dobbins, 1991; Engel et aI., 1998). Como demonstrado por inúmeros trabalhos As fibras, por outro lado, são bem mais lon- de anatomia ecológica, as características gas em lianas do que em indivíduos de hábito taxonômicas podem se modificar pela influên- arbustivo (Tabela 1).Oaumento nocomprimen- cia do ambiente, desde que a espécie tenha to das fibras de arbustos para lianas foi também vivenciado pressões ambientais nesse sentido, verificado por Terrazas et aI. (2008), embora a o que, efetivamente, nem sempre ocorre. Se, relação mais clara setenha estabelecido nacom- mesmo assim, uma maior percentagem de teci- paração de árvores com arbustos. No caso de do parenquimático fosse esperada devido ao lianas, Carlquist (1975) explica que o maior valor adaptativo docaráter em lianas (Carlquist, 21 TABELA 1:Principais características anatômicas das duas espécies investigadas. Senega/ia Senega/ia Caracleristicas lucumanensis ve/lIlina anatômicas arlmsto liana arbusto liana Comprimentovasos (fuu) 295 241 281 345 Relaçãocomprimento/largura vasos 3,0 1,6 3,4 2,4 Diâmetroporos (~m) 98 151 84 143 Espessura paredeporos (~m) 5,5 5,9 2,5 43 Poros/nuu2 17 23 8 29 Volumeporos(%) 8,1 41,6 4,2 27,3 Diâmetro PIV(~m) 8,4 8,1 7,4 6,5 DiâmetroPRV(~m) 5,8 7,1 5,1 5 AlturasériesPA(células) 2-8 2-8 2-4 2-4 AlturasériesPA(~m) 298 290 350 259 VolumePA(%) 12,7 7,2 15,3 31,7 Alturaraiosmultisseriados (l1Iu) 289 257 349 376 Alturaraiosmultisseriados (células) 25 21 25 32 Larguraraiosmultisseriados (~m) 18 28 22 29 Larguraraiosmultisseriados (células) 2-4 2-4 2-4 2-5 Raios/mm 10 11 6 6 Volumeraios(%) 13,9 8,7 9,3 11 Comprimento fibras(~m) 691 1120 784 1165 Diâmetrofibras (~m) 15,6 17,3 16 14,3 Espessura paredefibras (fuu) 3,7 5,2 2,6 5,7 Volumefibras(%) 65,3 42,5 71,2 30 Fração raiosunisseriados (%) 22,6 14 12 6,3 Fração raiosbisseriados (%) 47,8 23,7 48,3 13,2 Fraçãoraiostrisseriados (%) 26,9 43,5 38 44,2 Fraçãoraios>3células (%) 2,7 18,8 l,7 36,3 PIV =pontoações intervasculares; PRV =pontoações raio-vasculares; 1991), poder-se-ia aventar, em princípio, que as À semelhança do parênquima axial, o volu- condições decrescimento favoreceram aforma- meocupado pelos raios mostrou comportamen- ção de fibras em detrimento de tecidos to variável nas duas espécies de Senegalia parenquimáticos nessas espécies, devido à ne- presentemente investigadas. Alargura linear dos cessidade de sustentação mecânica ou de maior raios multisseriados, todavia, mostrou-se mai- rigidez para prevenir lesões. Esta hipótese ga- or em lianas do que em arbustos, fato que se nha força, pelo menos no caso de Senegalia pode atribuir, principalmente, ao maior tucumanensis, ao se analisar os resultados de percentual de raios largos naquelas espécies Brandes & Barros (2008), que em estudo (Tabela 1;Figura 3). Raios de maiores dimen- anatômico de lianas da Floresta Atlântica en- sões não são, todavia, novidade na estrutura de contraram abundância detecido parenquimático lianas, havendo abundantes referências nesse (>30%) em todas asespécies dogênero por eles sentido, na literatura (Fisher & Ewers, 1989; investigadas, o que sugere ser este caráter am- Bamber & Ter Welle, 1994; Carlquist, 1991; plamente predominante no referido táxon. Gasson & Dobbins, 1991). Como no caso do 22 FIGURA 2 - Aspectos anatômicos da seção transversa] dos lenhos de Senegalia tucumanensis (A, B) e Senegalia velutina (C, D). Observar adiferença nafrequência evolume de poros, entre oshábitos arbustivo (fotomicrografias da esquerda) ede liana (fotomicrografias da direita). tecido parenquimático, a ocorrência de raios tais. Este conjunto compartilhado de caracteres mais largos tem importante significado anatômicos é típico da fanu1ia Fabaceae (anti- adaptativo em trepadeiras, por aumentar a fle- ga Leguminosae) e do gênero Senegalia Raf., xibilidade mecânica do caule, reduzindo, por motivo pelo qual se pode atribuir aos mesmos consequência, o risco de danos ao tecido uma vinculação taxonômica (Cozzo, 1950; vascular (Carlquist, 1985). Tortoreli, 1956;Record &Hess, 1950;Metcalfe Além dos caracteres diferenciais relaciona- & Chalk, 1972). dos aohábito, acima mencionados, diversas ca- O dimorfismo de vasos, caracterizado pela racterísticas anatômicas são comuns às duas reunião num mesmo lenho de poros grandes e espécies em estudo: elementos vasculares cur- pequenos, com relativamente poucos interme- tos; poros solitários e em múltiplos; placas de diários (Carlquist, 1975), foi constatado na es- perfuração simples; pontoações intervasculares trutura anatômica de ambas as espécies e for- alternas e ornamentadas; fibras septadas, com mas de crescimento (Figura 2). Trata-se de co- pontoações simples; raios homocelulares, de nhecida estratégia parareduzir avulnerabilidade células procumbentes; parênquima paratraqueal; do sistema hidrocondutor, uma vez que alia a ausência de estratificação; e presença de cris- segurança, proporcionada por vasos estreitos, 23 FIGURA 3- Aspectos anatômicos da seção longitudinal tangencial dos lenhos de Senegalia tucumanensis (A, B) e Senegal ia velutina (C, D). Notar a diferença na largura e no percentual das diferentes classes de raios entre arbustos (fotomicrografias daesquerda) elianas (fotomicrografias da direita). com a eficiência condutiva, fornecida por po- ajudando na prevenção de rupturas por torção, ros de maior diâmetro (Carlquist, 2001). Em- detalhe especialmente importante no caso de bora típico da anatomia de lianas, não écaráter lianas. Burger & Richter (1991) relacionam a exclusivo, podendo ocorrer, igualmente, em presença do caráter ao lenho de tração das outros tipos de plantas, notadamente em arbus- folhosas, decorrente da inclinação do tronco. tos xéricos (Baas &Schweingruber, 1987). Marcati et aI. (2001), por sua vez, conside- Em todas as amostras investigadas foram ram que asfibras gelatinosas podem auxiliar na observadas fibras gelatinosas. Esta característi- reserva de água em espécies submetidas a ca mostra-se importante em espécies sujeitas à estresse hídrico, devido à presença abundante movimentação docaule, por conferir maior fle- decelulose, substância altamente higrófila. Esta xibilidade aomesmo. Valeressaltar, todavia, que hipótese épouco plausível, ajulgar pela dispo- o caráter pode estar relacionado a outros fato- nibilidade hídrica daregião de coleta epela pre- res, o que justifica sua ocorrência tanto em ár- ferência das espécies por locais úmidos vores como emarbustos elianas. Deacordo com (Marchiori, 1990). Omesmo detalhe anatômico Vieira (1994), a ocorrência de fibras gelatino- pode também estar relacionado a questões he- sasconfere menor rigidez àestrutura anatômica, reditárias. Carlquist (2001) explica que aocor- 24 rência de fibras gelatinosas é caráter notavel- tracheids,vasicentrictracheids,narrowvesselsand mente escasso em algumas famílias e ordens, parenchyma. Aliso, v.11,n.2,p. 139-157, 1985. ao passo que, em outras, o mesmo se mostra CARLQUIST, S.Anatomy ofvine and liana stems: areview and synthesis. In: Putz, F.E.,Mooney, abundante. O esclarecimento deste ponto, que H. A. The Biology of Vines. Cambridge: é de difícil definição, foge, todavia, aos objeti- Cambridge University Press, p. 53-72, 1991. vosdopresente estudo,podendo-se concluir, ape- CARLQUIST, S. Comparative Wood Anatomy: nas, que não se trata de característica exclusiva- systematic, ecological and evolutionary aspects mente relacionada ao hábito de crescimento. ofDicotyledon woods. 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