Reinhart Koselleck lull ESTUDOS SOBRE HISTORIA conTROPomo Reinhart Koselleck ESTRATOS DO TEMPO ESTUDOS SOBRE HISTORIA COM UMA CONTRIBUIÇÃO DE Hans-Georg Gadamer TRADUÇAO Markus Hediger conTRAPomo Editora PUC RIO © Suhrkamp Verlag Frankfurt am Main, 2000 Todos os direitos reservados e controlados por Suhrkamp Verlag Berlim Título original: Zeitschichten. Studien zur Historik. Mit einem Beitrag von Harts-Georg Gadamer Direitos adquiridos para a língua portuguesa por Contraponto Editora Ltda. Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios, sem autorização, por escrito, da Editora. Contraponto Editora Ltda. Av. Franklin Roosevelt 23 / 1405 Centro - Rio, de Janeiro, RJ - Brasil Cep 20021-120 Telefax: (21) 2544-0206 Site: www.contrapontoeditora.com.br E-mail: [email protected] Editora PUC-Rio Rua Marquês de S. 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PUC-Rio) 978-85-8006-135-2 1. História. 2. Historiografia. I. Título. 14-11503 CDD-.901 CDU: 931.1 Sumário Prefácio................................................................................................................. 7 Introdução........................................................................................................... 9 I. Sobre a antropologia de experiências históricas do tempo Estratos do tempo............................. 19 Mudança de experiência e mudança de método. Um esboço histórico-antropológico........................................................ 27 Espaço e história................................................................................................ 73 Teoria da história e hermenêutica.................................... ......................... 91 Teoria da história e linguagem. Uma réplica de Hans-Georg Gadamer................................................... 111 II. 0 entrelaçamento e a mudança das três dimensões temporais A temporalização da utopia............................................................................ 121 Existe uma aceleração da história?................................................................ 139 Abreviação do tempo e aceleração. Um estudo sobre a secularização................. 165 O futuro desconhecido e a arte do prognóstico........................................ 189 III. Atualidades e estruturas de repetição Quão nova é a modernidade?.......................................................................209 Indícios de um “novo tempo” no calendário da Revolução Francesa ... 223 Continuidade e mudança de todas as histórias contemporâneas. Notas referentes à história dos conceitos............................................... 229 Eclusas da memória e estratos da experiência. A influência das duas guerras mundiais na consciência social...... 247 IV. Perspectivas historiográficas sobre os diferentes níveis do tempo Os tempos da historiografia............................................................................ 267 Sobre a indigência teórica da ciência da história....................................... 277 A história social moderna e os tempos históricos..................................... 295 I Iislória, direito e justiça.................................................................................. 313 Alemanha, uma nação atrasada?.................................................................... 333 Prefácio Os estudos, palestras e ensaios aqui reunidos foram elaborados ao longo das três últimas décadas, sobre assuntos amplamente dispersos no espaço e no tempo, mas com uma problemática comum: as estruturas temporais da história humana, de suas experiências e de suas narrativas. Todos tra tam de uma teoria dos estratos dos tempos históricos. Brevemente serão publicados dois outros volumes, um sobre a teoria e a prática da história dos conceitos, o outro com estudos historiográficos sobre a história como percepção; cada um dos três títulos remeterá aos outros. Este primeiro volume teria sido impensável sem o auxílio de mui tos, a quem desejo expressar meus agradecimentos. No Netherlands Ins- titute for Advanced Study in the Humanities and Social Sciences encon trei tranquilidade para reler, organizar e discutir trabalhos anteriores. Sem a amável insistência de Siegfried Unseld e suas cobranças, muito teria sido deixado de lado. E sem a decisiva e competente ajuda de Wolf- gang Kaufien este trabalho não teria chegado ao fim. Agradeço a Florian Buch pela elaboração dos índices. Bielefeld, janeiro de 2000 R.K. 7 Introdução Precisamos usar metáforas ao falar sobre o tempo, pois só podemos re- presentá-lo por meio do movimento em unidades espaciais. O caminho que é percorrido daqui até lá, a progressão, assim como o progresso ou o desenvolvimento contêm imagens que nos propiciam conhecimen tos temporais. O historiador precisa servir-se dessas metáforas retira das da noção espacial se quiser tratar adequadamente as perguntas sobre diferentes tempos. A história sempre tem a ver com o tempo, com tempos que permanecem vinculados a uma condição espacial, não só metafó rica, mas também empiricamente. De maneira semelhante, “acontecer” [geschehen], verbo que antecede a “história” [Geschichte], nos remete pri meiramente a “apressar-se, correr ou voar”, ou seja, ao deslocamento es pacial.* Os espaços históricos se constituem graças ao tempo, que nos permite percorrê-los e compreendê-los, seja do ponto de vista político ou do econômico. Mesmo quando a força metafórica das imagens temporais tem origem em noções espaciais, as questões espaciais e temporais per manecem entrelaçadas. Poderíamos descartar como mero jogo de palavras o fato de que a “história” também permite uma conotação espacial, a de conter estratos [Schichten].** Mas a metáfora espacial traz consigo uma vantagem. Assim como ocorre no modelo geológico, os “estratos de tempo” também reme tem a diversos planos, com durações diferentes e origens distintas, mas que, apesar disso, estão presentes e atuam simultaneamente. Graças aos “estratos de tempo” podemos reunir em um mesmo conceito a contem- poraneidade do não contemporâneo, um dos fenômenos históricos mais reveladores. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, emergindo, em diacronia ou em sincronia, de contextos completamente heterogêneos. Em uma teoria do tempo, todos os conflitos, compromissos e formações * Em alemão, o verbo geschehen [acontecer] tem a mesma raiz que o substantivo Geschichte [história], fato que permite a este substantivo designar não apenas a ciência histórica, mas também “histórias” no plural e aquilo que aconteceu. [N.T.] ** Schichten significa “estratos” ou “camadas”. Geschichtet significaria, portanto, “estra tificado”. [N.T.] 9 Reinhart Koselleck • Estratos do tempo de consenso podem ser atribuídos a tensões e rupturas - não há como escapar das metáforas espaciais - contidas em diferentes estratos de tem po e que podem ser causadas por eles. Com isso, delineei grosso modo os limites nos quais os estudos a seguir foram elaborados. Pus à parte todos os meus trabalhos dedicados exclu sivamente à historia dos conceitos, à historiografia e à historia social, que estão destinados a uma edição separada. Priorizei aqui ensaios que ex põem as linhas de fuga da teoría do tempo. Urna das teses que constituem meu ponto de partida é a de que os tempos históricos podem ser distinguidos claramente dos tempos natu rais, embora ambos se influenciem reciprocamente. O percurso regular e repetitivo do Sol, dos planetas, da Lúa e das estrelas, assim como a rotação da Terra, remetem a medidas temporais constantes - anos, meses, días e “constelações” -, bem como à sucessão das estações do ano. Todos esses decursos de tempo foram impostos ao ser humano, mesmo que ele tenha aprendido a interpretá-los e, sobretudo, a calculá-los graças a realizações culturais e intelectuais. Calendários e cronologias, séries de dados e esta tísticas se apoiam nessas medidas de tempo derivadas da natureza, que os seres humanos descobriram como usar, mas das quais não podem dispor ao seu bel-prazer. Por isso, a linguagem dos tempos naturais preestabele cidos conserva um sentido incontestável. A metáfora dos “estratos do tempo” só pôde ser usada a partir do sé culo XVIII, após a temporalização da velha e respeitável história natural, a “historia naturalis”. Kant e Buffon inauguraram o novo horizonte tem poral, submetendo a Terra e todos os seres biológicos - animais e seres humanos - a uma perspectiva histórica. Kant procurou várias vezes um novo termo que lhe permitisse separar a assim chamada (também por ele) “história natural” e a história humana. Mas nem “fisiogênese” nem “arqueologia da natureza” conseguiram se impor na linguagem científica. Manteve-se então “história natural”, agora temporalizada.1 Kant temporalizou o ato da criação, até então singular na teologia. “A criação não é obra de um momento” - ela abrange e estrutura o pro- 1 1 Veja R. Koselleck, artigo “Geschichte, Historie”, in Otto Brunner et alii (orgs.), Geschichtliche Grundbegriffe, v. 3, Stuttgart, 1975, p. 678-682: “Von der ‘historia natu ralis’ zur ‘Naturgeschichte’”. 10