PAPIA,SãoPaulo,27(1),p.11-31,Jan/Jun2017. Estratégias de subordinação comitativa no português rural afro-brasileiro StrategiesofcomitativesubordinationinruralAfro-brazilian Portuguese DanteLucchesi UniversidadeFederalFluminense/CNPq, Niterói,Brasil [email protected] DéboraGomes UniversidadeFederaldaBahia,Salvador,Brasil [email protected] CristinaFigueiredo UniversidadeFederaldaBahia,Salvador,Brasil [email protected] Abstract: The popular Portuguese of Bahia has two strategies of comitativesubordination:withtheadverbmoreandwiththepreposi- tionwith(Johncamemore/withMaria).Theresultsofsociolinguistic analysis in vernacular speech samples of Afro-Brazilian rural com- munitiesofBahiaindicatedthatthevariationmore/withresultsfrom thecontactbetweenlanguages,whichoccurredduringtheformation ofthesecommunities. Thequantitativeanalysisusingthesoftware Varbrulsuggestedthatthesyntacticstatuteofthegovernedconstituent (adjunctorcomplement)anditsreferentialityarerelevantaspectsof thephenomenon.Duringthechangeinducedbylanguagecontact,the adverbmorecouldhavesufferedgrammaticalization.Itbegantoact asacommutativesubordinatorbymantainingthesemanticfeatureof addition,whichallowedthevariationwiththeprepositionwith.The useofthevariantmoreisfavoredinthesyntacticalpositionofadjunct asitactsasalexicalprepositionthatassignscaseandathematicrole e-ISSN2316-2767 12 DanteLucchesi/etal. totheNPthatitgoverns.Thevariablereferentialitysuggestsamore referential feature of the adverb more. In the social context, older individualswhohavealwayslivedinthecommunityfavortheform more.Theseresultssuggestthatthevariantmoreismoreconservative, andaremnantofthelanguagecontactthatoccurredinthepastin thesecommunities. Keywords: Languagecontact;Afro-BrazilianPortuguese;language variation;subordination;grammaticalization. Resumo:OportuguêspopulardaBahiacontacomduasestratégias desubordinaçãocomitativa: umacomoadvérbiomaiseoutracom a preposição com (João chegou mais/com Maria). Os resultados da análisesociolinguísticaemamostrasdefalavernáculadecomunidades ruraisafro-brasileirasdoEstadodaBahiaindicaramqueavariação mais/com resulta do contato entre línguas que marca a formação dessascomunidades.AanálisequantitativacomoprogramaVarbrul reveloucomocondicionamentosrelevantesdofenômenooestatuto sintático do constituinte regido (adjunto ou complemento) e sua referencialidade.Namudançainduzidapelocontatoentrelínguas,o advérbiomaisteriasofridoumprocessodegramaticalização,passando a atuar como subordinador comitativo, através do traço semântico inclusivo, queterialicenciadoavariaçãocomapreposiçãocom. O uso da variante mais é favorecido na posição sintática de adjunto, funcionandocomopreposiçãolexical,queatribuicasoepapeltemático aoSNquerege.Avariávelreferencialidadeapontaparaumtraçomais referencialdoadvérbiomais. Noencaixamentosocial,aformamais éfavorecidanafaladosindivíduosmaisvelhosquesempreviveram nacomunidade.Essesresultadoscaracterizamavariantemaiscomo maisconservadoraeumresquíciodocontatolinguísticoocorridono passadodascomunidades. Palavras-chave: Contato entre línguas; português afro-brasileiro; variaçãolinguística;subordinação;gramaticalização. Introdução Aanálisedascaracterísticasdoportuguêsbrasileiro(PB),particularmentedesuas variedadespopulares,deveteremcontaque,aolongodequasequatroséculos,o portuguêsfoiadquiridocomosegundalíngua,emsituaçõesadversas,pormilhõesde índiosaculturadoseafricanosescravizados,eessavariedademaisoumenosdefectiva e/oureestruturadadesegundalínguafoisenativizandoentreseusdescendentes, PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 Estratégiasdesubordinaçãocomitativanoportuguês... Strategiesofcomitativesubordinationin... 13 formandohistoricamenteoquesepodedenominarportuguêspopulardoBrasil (PPB).Esseprocessodetransmissãolinguísticairregular(Lucchesi2003;2008:Baxter & Lucchesi 2009) estaria na origem de muitas características que separam essas variedadespopularesdachamadanormacultanoBrasil. As mudanças produzidas pelo contato na fala popular, bem como o estigma socialqueseabatesobreasformasproduzidasporessasmudanças,configurama polarizaçãodarealidadesociolinguísticabrasileira(Lucchesi2015), combasena oposiçãoentreoconjuntodecaracterísticaslinguísticascomunsaosfalantesda elite letrada e o conjunto comum aos falantes das classes mais baixas, em cuja composiçãoétnicapredominamosdescendentesdosíndiosaculturadoseafricanos escravizados,comummaiorpesodemográficodessesúltimosnacomposiçãoda sociedade brasileira (Mattos e Silva 2004). Na transmissão geracional da língua entre esses segmentos, ocorreu em vários momentos a aquisição do português comolínguamaterna,apartirdeummodelodeportuguêsfaladocomosegunda língua.ConsiderandoquecercadedoisterçosdapopulaçãodoBrasileramformados porafricanoseíndiosaculturadoseseusdescendentes, ébastanteplausívelque as variedades linguísticas resultantes desse processo de nativização da língua portuguesanessessegmentostenhapassadoporumprocessodereestruturação, atravésdeumprocessodetransmissãolinguísticairregular. Alguns documentos linguísticos revelam dados sobre o estabelecimento de línguas africanas no Brasil. Segundo Petter (2006), durante os três séculos de colonização,apresençadelínguasafricanasnasociedadebrasileiraéatestadaem situaçõesdiversas:noséculoXVII,osafricanosangolanosutilizavamoquimbundo paraacomunicaçãoemSalvador1;noséculoXVIII,háevidênciasdeumalíngua geralafricanaformadaporumconjuntodelínguasdogrupogbe2;noséculoXIX, houveumplurilinguísmoafricano, sobretudoemSalvador, ondepredominavaa línguaioruba3. Considerandoarealidadesociolinguísticaemqueoportuguêspopularseformou no Estado da Bahia, este trabalho investiga o uso do advérbio mais como uma estratégiadesubordinaçãoemestruturascomitativas,variandocomapreposição com,comoexemplificadoem(1),nodialetoruralafro-brasileirodoEstadodaBahia: 1ConformePetter(2006:126),emArtedalínguadeAngola,oferecidaaVirgemSenhoraN.doRosario, Mãy&SenhoradosmesmosPretos,peloP.PedroDiasdaCompanhiadeJesu,Lisboa(1697).Segundoa autora,otrabalhodeDias“éagramáticadoquimbundo,faladaemSalvador,pelosescravosoriundos deAngola”. 2ConformePetter(2006:127),ObranovadaLínguaGeraldeMinna,deAntoniodaCostaPeixoto,Ouro Preto(1741). 3DadosreveladospelosestudosantropológicosdeNinaRodrigues,iniciadoemSalvador,em1890 (Petter2006:129). PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 14 DanteLucchesi/etal. (1) a. Joãocasoumais/comMaria. b. Joãosaiumais/comMaria. A subordinação é um processo que forma unidades complexas a partir da combinaçãodeunidadesgramaticais,quesesituamemníveisdistintos,deforma queumaunidadesubordinadaestácontidaemumaunidademaior,estabelecendo umahierarquiagramatical(Azeredo2008:294). Nos termos da tradição gramatical, o conector subordinativo com, nessas construções, é considerado uma preposição essencial. Nos termos dos estudos linguísticosdecarátergerativista(Chomsky1981),écaracterizadocomopreposição funcional,quandoapenasatribuiCasoaoargumentoselecionadopeloverbo,como em (2a), ou como preposição lexical, que, dotada de valor semântico, seleciona argumentointernoeaeleatribuipapeltemático,comoem(2b). (2) a. João[ casou[comMaria] ] SV SP b. Joãosaiu[comMaria] SP Em (2a), o SP com Maria exerce função sintática de complemento do verbo casar ecoméumapreposiçãofuncionalqueatribuiCasoaocomplementoMaria.O valorsemânticodecomitativoéatribuídoaoargumentopeloverbo.Em(2b),oSP desempenhafunçãosintáticadeadjuntodoverbosair,sendocomumapreposição lexical,jáqueselecionasemanticamenteumargumentointernoelheatribuiCasoe papeltemático. Nosexemplosem(3),apresentam-sealgunsdosvaloressemânticosquecompode atribuir:comitativo,comoem(3a),ajuntamento,comoem(3b),ereciprocidade,como em(3c).Nessescasos,ousodecomimplicasempreapresençade“pelomenosmais um”,ounaspalavrasdeBechara(2009)“copresença”4.Emtodosessescontextoso advérbiomaispodevariarcomapreposiçãocomitativacom,emvariedadespopulares doPB. (3) a. Estar[comalguém]. b. Conversar[comalguém]. 4“Alínguaportuguesasóatribuiacomosignificadode“copresença”;oque,nalíngua,medianteo seusistemasemântico,seprocuraexpressarcomestapreposiçãoéque,nafórmulacom+x,xestá semprepresenteno“estadodecoisas”designado.Ossignificadosousentidoscontextuais,analisados pelanossaexperiênciademundoesabersobreascoisas(inclusiveascoisasdalíngua,queconstitui anossacompetêncialinguística)nospermitemdarumpassoamaisnainterpretaçãoedepreender umaacepçãosecundária”(Bechara2009). PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 Estratégiasdesubordinaçãocomitativanoportuguês... Strategiesofcomitativesubordinationin... 15 c. Comprarumlivro[comooutro]. Baxter(1987)jáhaviadestacadoofatodequeessavariaçãonoportuguêspoderia seconstituirumvestígiocrioulizanteemdialetosruraisdoPB.Buscandoapresentar novasevidênciaspararelacionaraformaçãodoportuguêspopularaocontatoentre línguas, a investigação desse fenômeno é norteada pela hipótese de que o uso do advérbio mais como subordinador comitativo é uma mudança induzida pelo contatoentrelínguasquemarcouahistóriasociolinguísticadoBrasil.Averificação empírica dessa hipótese será feita por meio de uma análise sociolinguística que visaaidentificaroscondicionamentoslinguísticosesociaisdofenômenovariável (Labov1966,1994,2001,2008).Ouniversodeobservaçãoéconstituídoporquatro comunidades rurais do interior do Estado da Bahia, cujos membros são em sua imensamaioriadescendentesdiretosdeescravosafricanos.Essascomunidadesse estruturamsobretudoemtornodaagriculturadesubsistênciaesemantiveramem relativoisolamentoatébempoucotempo.Algumasdelasseformaramapartirde antigosquilombos. Aescolhadesseuniversodeobservaçãodecorredapremissa deque,seocontatointerferiunaformaçãodoportuguêspopularbrasileiro,essa variedade,denominadaportuguêsafro-brasileiro(Lucchesi&Baxter&Ribeiro2009), seriaaquelaemqueosefeitosdesseprocessoseriammaisnotáveis. Paraapresentarosresultadosdessaanálise,esteartigoseestruturadaseguinte maneira.Naseçãoseguinteapresentam-seasdiferentesfunçõesqueoadvérbiomais podedesempenharnoportuguêsafro-brasileiro,fenômenosemelhanteaoqueocorre emlínguasafricanas, pidginsecrioulas, comoapresentadonasubseção1.1. Em seguida,naseção2,sãofeitasalgumasconsideraçõesarespeitodoenquadramento teórico e metodológico que fundamenta a análise, relacionando o conceito de transmissão linguística irregular aos fundamentos teóricos e metodológicos da análise Variacionista. Finalmente, apresentam-se, na seção 3, os resultados da análisesociolinguística,feitasobreasamostrasdefalavernáculadascomunidades estudadas. 1 Amultifuncionalidadedomaisnascomunidades afro-brasileiras Asestratégiasdesubordinaçãoemestruturacomitativanoportuguêspopularda Bahiaenoportuguêsafro-brasileirocompreendemavariaçãoentremaisecom. Sintaticamente, oadvérbiomais éconsiderado, pelatradiçãogramatical, um adjunto adnominal ou adjunto adverbial (Cunha 1986; Almeida 2005; Rocha Lima 2006; Bechara 2009). Semanticamente, possui o valor de intensificador, e éclassificadocomopronomeindefinidoquandointensificaumnome,comoem(4), ecomoadvérbioquandointensificaadjetivos,verboseadvérbios,comoem(5). PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 16 DanteLucchesi/etal. (4) Pronomeindefinido a. Osvencedoresficarammaistempo naspiscinasduranteotreinamento. n (5) Advérbio a. Algunsnadadoresestavammaispreparados nestaolimpíada. adj b. Algunsatletasmelhoramseudesempenho,correram mais,porémnão v alcançaramBolt. c. ThiagoBrazpulamaisalto eganhamedalhadeouro. adv Daleituradessesexemplos,podemosconsiderarqueomaiséumquantificador, queseligaaumnomeem(4),umadjetivoem(5a),umverboem(5b),umadvérbio em(5c). Porém, afuncionalidadedomais, noportuguêsafro-brasileiro, noEstadoda Bahia,éampliada,poiseleexercetambémafunçãodepreposiçãoeafunçãode conjunçãoaditiva5,comoem(6): (6) Fonte:(Gomes2014:28) a. Conjunção:Eumaiseleia,pegavaoônibus.(HV12)6 b. Preposiçãofuncional:FideDenestina(...)écasadomaisNezim.(HV22) c. Preposiçãolexical:Cantavamaisosôto.(CZ10) d. Advérbio:Eramaisaltodoqueaquelepédecoquêro.(HV03) e. Pronomeindefinido:Issojátácummaisdequatromês.(HV07) Comosepodeobservar,aolongodesuatrajetórianoPB,omaistemperdido traços, ampliando suas possibilidades de uso. Esse comportamento também se observaemlínguasquesurgiramemsituaçãosemelhanteàformaçãodoportuguês afro-brasileiro,adecontatolinguísticomaciçoemquefalantesadultosdelínguas diversastêmdeutilizar,comocódigodecomunicaçãointerétnica,alínguadeum grupo dominante minoritário. Durante o contato linguístico, parece haver, na aquisiçãodomais,perdadetraçosqueoidentificamcomomodificador(donome, 5Umaanálisedousodomais comoconjunção, variandocomaconjunçãoe, noportuguêsrural afro-brasileiro,podeserencontradaemGomes&Figueiredo(2013)eGomes(2014). 6Ocorrênciaseliciadasnaamostradefalavernáculadoportuguêsafro-brasileiro.Indicadaspelasigla deumadasquatrocomunidades(HV,Helvécia;CZ,Cinzento;RC,RiodeContas;SP,Sapé),seguida donúmerodoinformante(cf.seção2adiante). PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 Estratégiasdesubordinaçãocomitativanoportuguês... Strategiesofcomitativesubordinationin... 17 doadjetivo,doverboedoadvérbio),passandoaexerceropapeldeconector,com afunçãodeconjunçãoepreposição. Omaissegramaticalizae,semanticamente, guardatraçosquepermitemumaleiturainclusiva,deadição.Amanutençãodesse traçosemânticolicenciaaampliaçãofuncionaldesseitem,permitindooseuusoem variaçãocomapreposiçãocom(objetodestaanálise)ecomaconjunçãoe. Lucchesi(2000:111)afirmaque,emsituaçõesdecontatolinguístico,elementos gramaticaismaisabstratossãoperdidoseoutroselementossãointroduzidosnum processodereestruturaçãodosistemalinguístico.Deacordocomoautor,pormeio dagramaticalização7,podehaveraampliação/maximizaçãodasfunçõesdos(poucos) itensgramaticaisqueseconservaramnousolinguísticodacomunidade,oquepode explicarousodomaiscomosubordinadorcomitativo. Nesteartigo,assume-seapossibilidadedeumprocessodegramaticalizaçãono qualoquantificadormaisseconverteemumelementodeconexão,umapreposição funcionaloulexical,queexpressaumarelaçãodeinclusão,adição. Emseguida,seráfeitaumabrevedescriçãodecomolínguasafricanas,bemcomo pidginsecrioulosexpressamgramaticalmenteasrelaçõesdecoordenaçãoaditiva esubordinaçãocomitativa.Essesfatosdarãoensejoasignificativosparalelosque fundamentamahipótesequeaextensãodousodomaisnoportuguêsafro-brasileiro derivahistoricamentedemudançasinduzidaspelocontatocomlínguasafricanas. 1.1 Pidginsecrioulos No português afro-brasileiro, mais exerce função de subordinador comitativo e coordenadordeSNs,comoexemplificadoem(6).Fenômenosemelhante,amesma palavragramaticalexercendofunçõesdecoordenativoecomitativo,verifica-seem línguasafricanas,pidginsecrioulas,comoem(7),(8)e(9),respectivamente. (7) Haussá(Jaggar2001:393,396) a. Àbo¯kanmù Mu¯sa¯ dà Mammàn Amigo-POSS Musa com Mamman “NossosamigosMusaeMamman.” b. Sun zo¯ tàre dà Hàl¯imà 3SG vir-PASS junto com Halima “EleveiocomHalima.” 7OconceitodegramaticalizaçãoutilizadoporLucchesirefere-se“amudançadeumacategorialéxica paraumafuncional,associadaàperdadeconteúdolexical”,conformepropõeRoberts(1997). PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 18 DanteLucchesi/etal. (8) PidginInglêsdaNigéria(Faraclas1996:83) a. Im wìt dèm gò dans 3SG com 3PL IRR dançar “Ele(a)eelesdançarão.” b. Im gò dans wìt dèm. 3SG IRR dançar com 3PL “Ele(a)vaidançarcomeles.” (9) Sango (pidgin/crioulo lexicalmente derivado da língua africana ngbandi) (Michaelisetal.2013:280) a. Laso mbi na mo, i ke gwe biani. Hoje 1SG com 2SG, 1PL COP ir verdadeiramente “Hojevocêeeuvamoscomcerteza.” b. Mbi lango na ita ti mbi. 1SG dormir com irmão PREP 1SG “Eumoreicommeuirmão.” Pidginsecrioulossãolínguasformadasemcondiçõessócio-históricasespecíficas decontatomaciçoeradicalentrelínguas,emuitasexibemcaracterísticasdaslínguas africanasquecompõemoseusubstrato.Ofatodeoportuguêsafro-brasileiroexibir um padrão análogo ao encontrado em línguas pidgins e crioulas, bem como em línguasafricanas(amesmapartículadesempenhandoasfunçõesdecoordenadorde SNsesubordinadorcomitativo),fundamentaahipótesedequeagramaticalização doadvérbiomaisfoiumamudançainduzidapelocontatoentrelínguas,combase naespecificaçãogramaticaldosubstrato(Lefebvre&Lumsden1994;Lefebvre1998, 2001;Bruyn2008).Essahipóteseéreforçadatambémpelofatodetalpadrãonãose encontrarnagramáticadoportuguêseuropeu. DeacordocomParkvall(2012:138),ousodeummesmoelementogramatical paracoordenarSNseintroduzirconstituintecomitativosemostramaisfrequente entreoscrioulosAtlânticos,nosquaisoroldeconjunçõesfoiincrementado“quer pelareintroduçãodemorfemas[dalíngualexificadora],querpelaatribuiçãodeum papelconjuncionalaoutrositens”.EmdiferentescrioulosAtlânticos,oelemento gramaticalquecoordenaSNséderivadodeumapartículacomitativaeseencontra em distribuição complementar com um conector de orações/frases. No crioulo deCamarões,porexemplo,apartículawiti (doinglêswith)éoconectordeSNs, enquantooan(doinglêsand)éoconectordefrases/orações. Nos crioulos de base lexical portuguesa, o comitativo que também coordena SNségeralmenteapartículaku(dapreposiçãoportuguesacom),conformeParkvall (2012).Oexemploem(10)édocrioulodeCaboVerde. PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 Estratégiasdesubordinaçãocomitativanoportuguês... Strategiesofcomitativesubordinationin... 19 (10) CrioulodeCaboVerde(Baptista2002:133,134) a. Nha mai ku nha pai 1SG-POSS mãe com 1SG-POSS pai “Minhamãeemeupai.” [lit.Minhamãecommeupai] b. E fika ku povu la 3SG ficar com pessoas lá “Eleficacomaspessoaslá.” Segundo Parkvall (2012: 141), uma palavra africana que significa com não equivaleatodasasformaseuropeiasdee,masapenasaalgumas,comonoQuadro1. Adposiçãocomitativa Morfemausadopara Morfemausadoparaligar ligarsintagmasnominais sintagmasverbaisoufrases Línguaseuropeias COM E Línguasnigero-congolesas COM E Quadro1:Comitativoecoordenadoresemlínguaseuropeiasenigero-congolesas. Fonte:Parkvall(2012:140) Noportuguêsafro-brasileirodoEstadodaBahia,verifica-seomesmopadrão das línguas nigero-congolesas, conforme o Quadro 1, em que o mais é utilizado paracoordenarSNs,variandocomaconjunçãoe,eparaintroduzirSNcomitativo, variandocomapreposiçãocom.Omaisnãocoordenafraseseorações,talfunção éexercidapeloeouporoutrosconectores8.Poroutrolado,navariedadecultado PB,verifica-seopadrãodaslínguaseuropeias,jáqueacoordenaçãoentreSNsea coordenaçãoentreoraçõescomvalorsemânticoaditivosãofeitaspeloconectore. O uso de mais como subordinador comitativo também se verifica no crioulo cabo-verdianodeSãoVicente,debaselexicalportuguesa,comomostraoexemplo em(11)enoportuguêsdacomunidadebilíngueTonga,dailhadeSãoTomé-África, comoem(12). (11) El bai pa Praia má se irmon 3SG ir-PASS-3SG para Praia com 3SG-POSS irmão “ElefoiparaPraiacomseuirmão.” [lit.“Elefoiparaapraiamaisseuirmão.”] 8Oconectorepossuivalorsemânticoaditivo. Frasesouoraçõestambémpodemserligadaspor conectorescomoutrosvaloressemânticos,comoadversativo,alternativo,conclusivoeexplicativo. PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767 20 DanteLucchesi/etal. (12) Mas eu fui feliz, nõ fui pra mato mais Mas 1SG ser-PASS-1SG feliz, NEG ir-PASS-1SG para mato com os pais DEF pais “Maseufuifeliz,[porque]nãofuiparaomatocomos[meus]pais.” NoAtlasdasLínguasPidginseCrioulas,Michaelisetal.(2013)tambémlocalizama áreaatlântica,sobretudoaÁfricasubsaariana,comoaregiãoqueconcentradiversas línguasemqueocorreessefenômeno.Petter(2006)estimaquevieramparaoBrasil de200a300línguasafricanasprocedentesdeduasáreaslinguísticas,aoeste-africana eabanta.Combasenessasinformações,épossívelinferirapresençadeumsubstrato africanonoBrasilcujaslínguasapresentamfenômenosemelhanteaoqueseverifica noportuguêsafro-brasileiro. Iorubá,hauçáequimbundosãoexemplosdelínguasquevieramparaoBrasil duranteosséculosdecolonizaçãoepossuemummesmoelementogramaticalque, oraépartículacomitativa,oraéconjunçãoaditivaemcontextosdecoordenaçãode SNs.SegundodadosdodocumentohistóricodeDias9(1697),noquimbundo,língua faladaemAngola,apartículanefuncionatantocomoconjunçãoe,quantocomo preposiçãocom,comvalorcomitativo(Bonvini2008: 109,116). Essedocumento revelaque,emSalvador,noséculoXVII,osafricanosoriundosdeAngolautilizavam largamentealínguaquimbundo.Alémdisso,oquimbundotambémpredominouem váriasregiõesdoBrasil,emfunçãodocopiosotráficonegreiroentreAngolaeoRio deJaneiro. Aanálisesociolinguísticadavariaçãomais/comemcomunidadesruraisafro- brasileirasofereceevidênciasempíricasconsistentesdequeessavariaçãoresultade umamudançainduzidapelocontatoentrelínguasqueocorreuduranteaformação dessascomunidades,atravésdeumprocessodetransmissãolinguísticairregular.A seçãoseguinteapresentaumaformulaçãodoconceitodetransmissãolinguística irregularquefundamentateoricamenteahipóteseaquiadotada,edescreveamaneira comoaanálisesociolinguísticapodefornecerasevidênciasempíricasquesustentem essahipótese. 9ArtedalínguadeAngola,oferecidaaVirgemSenhoraN.doRosario,Mãy&SenhoradosmesmosPretos, peloP.PedroDiasdaCompanhiadeJesu,Lisboa(1697).Petter(2006:127)afirmaqueotrabalhode Dias“testemunhaoempregocorrente,naquelaépoca,deumalínguaafricana,oquimbundo,(...) trata-sedeumalínguaplenamenteafricana,próximadaquesefalahojeemAngola”. PAPIA,27(1),e-ISSN2316-2767
Description: