Notícias na TV Global: Diferenças (ou não) entre o telejornalismo americano e europeu Fabiana Piccinin∗ Resumo O debate proposto acerca da globaliza- ção pode ser estendido a todas as áreas da As raízes históricas do telejornalismo apon- sociedade. Mas é fato que esse fenômeno tam dois caminhos distintos entre a Europa está articulado sobre bases muito precisas e os Estados Unidos. Nascidos de modelos no que diz respeito à tecnologia informacio- de televisão diferentes, enquanto a Europa nal e midiática enquanto infra-estrutura, por praticava o jornalismo engajado, partidário, conta especialmente dos saltos de desenvol- analítico, os americanos criavam a escola vimento registrados a partir do século XIX, do jornalismo “clean”, asséptico, onde os de maneira que qualquer reflexão sobre os mitos da imparcialidade e da objetividade meiosdecomunicaçãoexigepensarosfenô- são defendidos como verdades inabalávies menos globalizantes e pós-modernos. Esse até hoje. No entanto, a desestatização das artigo pretende refletir, diante desse pano- televisões européias, fruto do processo rama,oqueacontececomatelevisãoe,parti- globalizante que impõe o modelo liberal cularmentecomotelejornalismo,queparece como parece ser a alternativa de sobrevi- rumarnumcaminhoúnicoenquantotécnica, vência às emissoras, tem aproximado as frutodesseprocessoderelaçõesmundializa- televisõespúblicascadavezmaisdomodelo das. de televisão privada. E o que acontece como Pensar a televisão, enquanto um dos mais telejornalismo? O processo globalizante, importantes e populares meios de comu- que é acima de tudo homogeinizador, tem nicação e a produção de notícias neste diminuído qualquer diferença entre os dois meio, deve-se pensar a grande interven- modelos de produção telejornalística? E se ção das mídias no cotidiano dos indivíduos, isso for fato, qual é a escola dominante? Ou debruçando-se sobre a fenomenologia e raí- seja, assumir as tendências e características zes epistemológicas dessa atuação, a bem globais equivale a adotar o modelo ameri- dizer ilimitada, que será sempre motivo de cano? reflexões teóricas, tornam-se fundamentais paraacompreensãodestenovotempo. ∗ProfessoraeCoordenadoradoCursodeComuni- A própria idéia de pós-modernidade - se- caçãoSocialdaUNISC,DoutorandadoPPGCOMda gundo Rodrigues (1994), o período poste- PUC-RS. rioràidéiahegemônicadamodernidadefun- 2 FabianaPiccinin dada na razão e nos princípios iluministas - de forma espetacular sem que esso estávinculadaaumasériedefenômenosque sejaobstáculoparasuacapacidade baseiam o desenvolvimento da humanidade de conexão. (Castells apud Gid- na idéia de desterritorialização, na mobili- dens: 2000,82) dade do capital e na interligação dos indiví- duos pelo planeta através das novas tecnolo- Paraoautor,estaflexibilidadenaatividade gias, onde a atuação dos meios de comuni- econômica permite investimentos de qual- cação é decisiva, tanto como causa quanto quer ordem em qualquer ponto do planeta conseqüência. Significa dizer que, em to- condicionada apenas por apertar de botões. dos os âmbitos de desenvolvimento da soci- Eembuscadosganhosgeométricos,osgran- edade pós-moderna, há o mesmo ponto co- des investidores são também os grandes res- mum: a rearticulação e os rearranjos econô- ponsáveis por quebras financeiras em diver- micos, políticos e sociais promovidos a par- sos mercados do mundo inteiro. Indo além, tir da onipresença das mídias na vida coti- é fácil perceber a fragilidade e a suscetibi- diana. Uma presença e referência tão im- lidade desse novo sistema de maneira que o portante capaz de ser garantia de integração mercado financeiro acaba sofrendo todas as dosindivíduosaomundo,convertendo-sena interferências de outros campos de atuação própria viabilidade da grande teia das rela- da mídia como a política por exemplo, onde ções mundiais. No âmbito econômico, Cas- osmeiosdecomunicação,enquantoa“ágora tells (Giddens:2000) explica como a revolu- dos tempos modernos”, têm grande partici- ção informacional se torna a base viável do pação. RetomandoCastells(2000): processoglobalizante: Se analisarmos a repercussão As novas tecnologias da in- que têm os acontecimentos políti- formação e a comunicação basea- cos e as declarações dos grandes das na microeletrônica, as teleco- responsáveis da tomada de deci- municações e programas de com- sões sobre os mercados financei- putador para o funcionamento em ros, podemos chegar à conclusão rede, proporcionam a infraestru- de que as turbulências informati- tura dessa nova economia. Ainda vas, em grande parte descontrola- que a internacionalização das ati- das, são um fator tão importante vidades econômicas não seja nada como a oferta e a demanda para de novo, essa infraestrutura tecno- fixar preços e as tendências nos lógica é. As tecnologias de in- mercadosmundiais. (Castellsapud formação e a comunicação conce- Giddens,2000: 87) bidas em função das redes permi- tem uma velocidade e complexi- É interessante observar como o mercado dadesemprecedentesnagestãoda mantém uma posição de absoluto destaque economia. Como conseqüência, nesse novo tempo de maneira que todas as as transações econômicas e a pro- outras instâncias sociais torna-se subjacen- dução podem aumentar sua escala tes ao poder central que é sempre econô- www.bocc.ubi.pt NotíciasnaTVGlobal 3 mico. Por naturalizarmos discursos estra- mico–aarticulaçãoantesdemonetáriaémi- tegicamente concebidos dentro da idéia do diática. “global”, torna-se imediata a associação en- Por outra palavras, significa dizer que é tre relações interplanetárias e suas revezes impossível pensar o cotidiano e a subjetivi- econômicas como a preocupação mais re- dade da sociedade sem considerar a expe- corrente entre os países. As conseqüências riência midiática. Ainda que abstraia-se a da globalização mais diretamente ligadas à questão das mídias do ponto de vista da re- vida social e política são desdobramentos cepção,demaneiraaater-seaquisomenteao de um processo iniciado pela informação- fenômeno da intervenção, todos estão de al- mercadoria. No dizer de Sodré (2000), é o guma maneira colocados em contato com os paradigma do mercado imposto e cujos cri- meios de comunicação do nascimento até à térios de lucro e competitividade tendem a morte. substituiranaturezaeahistórianateoriage- Também no âmbito cultural, sobre o qual raldassociedades: é da mesma maneira muito importante que a força da globalização seja vista na pro- Surge daí, aos poucos, uma vi- dução televisiva, é preciso pensar que, se- são de mundo comprometida com gundo Giddens (1997), a própria constru- a supremacia da instância econô- ção da identidade de cada indivíduo é pro- mica sobre a política. (...) As tec- duto dessa interação mídia e contexto local, nologias da informação, geradoras de maneira que, inexoravelmente, pensar a de uma ideologia da comunicação identidade e a cultura, obriga a considerar universal, adequam-se bem à fase o panorama da transnacionalização dos bens em que os mercados financeiros culturais resultantes da transnacionalização constituem o principal modelo de econômica, social, política. Resulta dessa funcionamento da vida social: ve- idéia, a necessidade de rediscutir e redefi- locidade,probabilidadeeinstabili- nir esses conceitos de natureza tão mutáveis dadeoucaostornam-separâmetros e passíveis das interferências planetárias e de aferição do “mundo da vida”. que, por isso, se encontram num momento (Sodré,2003:28) de relativização do que até então funcionava como referência para a constituição da iden- Noentanto,aindaqueofenômenodaglo- tidadecultural. balização se explique prioritariamente pelo Sem limites precisos, a identidade de um mercado, Castells (Giddens: 2000) chama a indivíduo ou povo também vê nas suas ins- atenção para a importância que os meios de tituições representativas, os efeitos da mun- comunicação têm nisso na medida em que dialização. O enfraquecimento do Estado- fornecem a infra-estrutura através da redes Nação,afragilizaçãodoslimitesfronteiriços como já foi dito, assim como interfere no de territórios e identidades, as influências de comportamentodosmercadosporseremfor- diferentesculturasinteragindocadavezmais madores de opinião, o que nos dá a garantia próximas nos quatro cantos do planeta pare- de que sob, qualquer viés, ainda que o que cem criar as lacunas de incertezas necessá- pareçaseromotordesseprocesso–oeconô- rias das quais os media vão se apropriando, www.bocc.ubi.pt 4 FabianaPiccinin preenchendo este espaço através do seu dis- quanto“fornecedores”dasnotíciasquecom- cursodeoráculodenossotempo. põem a realidade à nossa volta, a convicção Assim, no vácuo do Estado, enquanto po- da televisão como “janela” para o mundo, é der legítimo e instituído, os meios de comu- surpreendente. nicação ganham força e se solidificam am- Essas questões ficam ainda mais eviden- parados pelo deslumbre tecnológico pode- tes referenciando-se o contexto brasileiro. A roso e sedutor. Num país como o Brasil, grande massa da população brasileira não porexemplo,parecenuncademaisdizerque, tem acesso aos jornais impressos. De um com sérios problemas e desigualdades soci- lado pela limitação financeira, já que com- ais, o consumo e a referenciação aos media prar jornal diariamente torna-se um “luxo” torna-se ainda mais evidente. Essa referen- à grande maioria pertencente às classes po- ciação é especialmente notada com relação pulares – e de outro lado, pontencializando à televisão, o meio de comunicação de po- este problema, está o limitador do domínio tencialmentemaiorconsumoaquinopaísem dalíngua,exigidoporquemdesejaconsumir muitospaísesnomundointeiro. notícias sob a forma impressa, haja visto o fatodequeastaxasdeanalfabetismoesemi- analfabetismosãoaltasnoBrasil. A TV Global é americana? Dealgunspontosparaorestodoplaneta,a TV faz com que a informação mundializada Em tempos de globalização, a TV parece seja consumida por bilhões de pessoas que seraexpressãopotencialdainterligaçãopla- assistemaosmesmoseventos,assimcomose netária na medida em que é o veículo de tornem tão ignorantes exatamente dos mes- maior alcance aos usuários. E por conta mosfatosquenãoaparecemnatelevisão. disso, a reflexão sobre a produção telejorna- Dessa maneira, a Tv é centro de excelên- lística ganha ainda mais importância. Ape- cia. Ela está na sala, no lugar mais privilegi- sar de não se citarem números quantitativos ado da estante. Segundo Mattos (2000), são sobre o consumo – que nem assim traduzi- 53 milhões aparelhos em todo país segundo riam exatamente esse fenômeno, ou pouco dados de 1999, o que representa uma média diriam enquanto realidade fria estatística – de um aparelho para cada três pessoas. Essa deantemãoéjustoafirmarque,acapacidade programação, que vai da telenovela ao pro- da televisão de comunicar por conta da ima- grama de auditório, filmes, telenovelas, está gemquetranscendefronteiras,culturaseidi- o telejornal que, diante desse contexto, tem omas, concede ao veículo um poder de pe- umgrandepoderdepenetraçãoereferencia- netração incomparável a outros media. Ali- çãoparaseususuários. Éespecialmenteatra- ado a isso, percebe-se que o avanço tecno- vés desta instituição telejornal, que se apre- lógico tem na televisão grande visibilidade senta como o porta-voz dos acontecimentos pela sedução do ponto de vista do poder de no país e no mundo, que muitos brasileiros transportarostelespectadoresaindaqueima- pensam tomar conta dos principais fatos e ginariamentee/ouimageticamenteaosacon- notícias que se sucedem no dia. Segundo tecimentos exatamente no momento em que Mattos(2000): ocorrem. No que diz respeito aos media en- www.bocc.ubi.pt NotíciasnaTVGlobal 5 (...) hoje a tecnologia permite (...) o mundo é composto por tanto à mídia impressa como à mí- actores individuais e nacionais, e dia eletrônica inserir em seus no- uma vez que é evidente que a ação ticiários locais, instantaneamente, sebaseianaimagemqueoatorfaz qualquer reportagem internacional da realidade, a ação internacional de última hora, enriquecendo o será baseada na imagem da reali- telejornalismo local, contribuindo dade internacional. Esta imagem para aumentar no telespectador a não é só moldada pelos media no- sensação de que o mundo é pe- ticiosos (...). Mas a regularidade, queno. (Mattos,2000: 17) a ubiqüidade e a perseverança dos media noticiosos transforma-los- Tão evidente torna-se a referenciação dos ão em competidores de primeira telespectadores com as notícias e o telejor- categoriaembuscadaprimeirapo- nal, que ele é freqüentemente a pauta das sição, enquanto modeladores de conversasmaiscotidianas,ratificandoaidéia imagem internacionais. Dado que da hipótese do agenda-setting Wolf (1995), a adequação da imagem em que se segundo a qual os meios de comunicação baseia, o estudo que os media no- pautam a sociedade, determinando os assun- ticiosos dão do mundo, é de im- tos sobre os quais o público deve ter opinião portância primordial. (Galtung & ediscutir. MelhorditoporEsteves: RugeapudTraquina,1993: 62) As conversas dos espectadores Ao considerar as dimensões internacio- sobre os conteúdos dos programas nais de alcance, o autor fala dos atores e são uma das mais poderosas for- da ação planetária corroborando a idéia dos mas de evidência empírica a ser media – e da televisão especificamente – e considerada em qualquer aprecia- do jornalismo neste caso como articuladores ção substantiva e revelação de as- causa/conseqüência desse processo. Ocorre pectos sociais e culturais da tele- que,enquantoexpressãotambémdaglobali- visão. É através da conversa so- zação cultural, a televisão mundial segue os bre a televisão que audiência se preceitos do fenômeno da globalização que, forma em determinadas direções, por essência, ao intentar tornar-se mundial, com determinadas características. homogeiniza e anula as diversidades ao não (Esteves,1998:160) preservar as diferenças e partularidades re- gionais. O movimento globalizante é feito Ao fazer um estudo do fluxo de notícias também do seu contraponto que é ou deve- internacionais em quatro noticiários noru- ria ser o recrudescimento do local. Em tese, egueses, Galtung & Ruge (Traquina:1993) quantomaisseglobaliza,tambémmaisselo- apontam a dimensão da importância do te- calizaomundo. lejornal na vida dos telespectadores, especi- Aprovadissoéqueatraduçãodaglobali- almente na contribuição para a formação da zaçãoparaalgunsautoreséaamericanização visãodemundo,nestecasoúnica: do mundo, uma vez que o movimento que www.bocc.ubi.pt 6 FabianaPiccinin é de natureza hegemônica, encontra a soci- Toynbee (2000) de se ter uma só visão atra- edade americana como a expressão máxima vés da TV em todo planeta. Uma visão do e potencial dada sua interferência nos mais queécertoeerradoemqualquerdisputa,um variados âmbitos no mundo inteiro. São os gerenciamento de estilo, um formato de ne- americanosdizToynbee(In: Giddens: 2000) gócios, uma teoria econômica. E dispara ao que “vendem” os sonhos globais que devem desafiar os jornalistas dizendo que não são sersonhadospelomundointeiro. Asgrandes maisquereprodutoresdeinformaçãogerada marcas americanas nos lugares mais inusita- do governo e de press release, neste caso dos,desconhecidoseinacessíveisdomundo, tratando-se da visão única que atinge a pro- sãoosexemplosusadospeloautorparamos- dução jornalística dentro da televisão, inter- trar que a mundialização é sobretudo a con- ferindonaculturatelejornalística. solidação da hegemonia americana seja no É um contrasenso o sentido único já que meio do deserto do Saara, no pico do Monte deveria ser em tese o momento da grande Everest ou no Ártico, ou ainda ao se referir “diversificação” de canais e emissoras ad- aos resorts no Kenya ou Gambia, que repro- vinda do progresso tecnológico. Conforme duzem a vida na Flórida. Por isso, o autor Bustamante (2003), a tecnologia digital de- sustentaatesedequeodebatesobreagloba- veria se traduzir em privilégios na área da lizaçãoculturalésobretudoumdebatesobre televisãojáqueasnovastecnologiaspropor- a América e os valores adquiridos pela sua cionariamobarateamentodoscustos,doau- influênciacrescente. Evaimaisalém: mentodamobilidadeeflexibilidadeesobre- tudo de incremento da produtividade televi- A geração de nossos pais foi siva. melhor que a nossa, dos nossos E a contrapartida dada exatamente pelo avós melhor ainda. (...) nós somos não aproveitamento desses recursos na “pul- moralmente, espiritualmente em- verização” de vozes midiáticas, porque o pobrecidos comparados com nos- processoproduzatravésdareestruturaçãodo sos grandes antepassados. Eles podertelevisivo,seusagentesesuahegemo- aprenderam grego, nossos filhos nia, um discurso único. Para o autor o caso assistem South Park,. Eles cri- é sintomático uma vez que a televisão repre- aram seus próprios entrenimentos senta um padrão para o conjunto dos novos na própria família ao redor do pi- meios de comunicação, a partir da observa- ano à noite, nós assistimos ER e ção da diversificação de seus negócios, sua Friends. Eles tinham tradição, nós modalidadesdetarifaçãoesuaadiantadaex- queremos o novo. Eles eram sé- periência na segmentação de oferta e usuá- rios, nós apenas queremos nos di- rios. vertir. (Toynbee apud Giddens, 2000: 192) A televisão digital parecia des- tinada a levar a todos os lugares e E é claro que essa “homogeinização se a um custo bem modesto os bene- transfere para os meios de comunicação, es- fícios da televisão digital, desde a pecialmente a televisão. Um perigo segundo televisão de alta definição a oferta www.bocc.ubi.pt NotíciasnaTVGlobal 7 demúltiploscanaiseserviçosinte- americana e européia prosseguiu em para- rativos, Internet inclusive. (Busta- lelo ao surgimento das outras mídias e en- mante,2003: 181) tre elas a televisão. Quando do surgimento da Tv, o Brasil, por exemplo, já estava com- A tecnologia do cabo, por exemplo, foi pletamente inserido e adepto da tecnologia e por muito uma promessa de revigoramento doknow-howamericanoconformeoresgate da televisão local. O tempo mostrou que a histórico feito na introdução desse trabalho. tecnologiaémuitocaraeporcontadissoina- SegundoMattos(2000): cessível,alémdeterumalcancetécnicobas- tantereduzido. Desde seu advento, na década Dentro desse contexto, o que se pode es- de50,atelevisãobrasileiratemso- perardotelejornalismo? frido a influência americana, tanto Tomando a perspectiva histórica, vê-se, na estrutura comercial como na por exemplo na comparação entre a produ- produção, importando dos Esta- ção telejornalística brasileira na televisão de dos Unidos não apenas progra- inspiração nomeadamente americana, com a mas, mas idéias, temas, roteiros e produção européia, uma diminuição dessas técnicas administrativas. (Mattos, diferenças. O jornalismo brasileiro, tomado 2000: 126). pela cartilha americana, trabalha sempre a com a defesa da objetividade e imparciali- Tome-se por exemplo, o Jornal Nacional, dade, enquanto o jornalismo europeu sem- dentro do contexto brasileiro que é uma re- pre explicitou seu posicionamento até por- ferenciacomoumgrandemarco. Aapresen- que por muito esteve preso ao controle do tação do telejornal ao país pela Rede Globo Estado sofrendo forte influência e por conta foiumgrandeacontecimentoporoferecer-se disso nunca se admitiu imparcial e obje- como o programa “integrador” de um Brasil tivo por conhecer essa impossibilidade. Se- novo (Borelli & Priolli: 2000). O telejor- gundo Drummond (2003), o jornalismo bra- nal foi o primeiro a transmitir seu sinal do sileiro absorveu muito do jornalismo norte- norte ao sul do país em rede nacional, gra- americano em relação aos enfoques dados ças ao apoio do governo militar. Durante a nas matérias. Em ambos, há uma superva- ditadura, houve grandes investimentos tec- lorização de personalidades e a publicação nológicos na área e entre eles, um pioneiro dos fatos sem uma análise profunda. É um sistemadetransmissãodesatéliteemicroon- tipodejornalismoatéentãodiferentedojor- das da Embratel. Além do objetivo de inte- nalismo europeu, que tem uma abordagem graraimensidãodoterritóriobrasileiroatra- mais pedagógica e uma interpretação crítica vés da TV, os militares naturalmente tinham e intelectualizada dos fatos. Ou nas pala- interesses ideológicos no poderoso meio de vras de Herscovitz (2000) enquanto o mo- comunicação, que viria a se tornar um sus- delo americano é objetivo e a partidário, o tentáculodoregime. modelo francês é mais subjetivo, opinativo, Além disso, outra marca do telejornal em partidárioeliterário. relaçãoaosoutrosprogramasjornalísticosda A tradição da dicotomia entre a escola Tv, sempre foi a preocupação com o apri- www.bocc.ubi.pt 8 FabianaPiccinin moramento técnico, de maneira a se crista- do grupo americano que a transforma na lí- lizar como modelo de telejornalismo brasi- der de audiência e de tecnologia em bem leiro. SegundoHamburger: pouco tempo, transformando as outras emis- sorasemterraarrasada. (...) OJornalNacionalconsoli- Diante desse contexto, o padrão ame- dou um formato fixo com a cober- ricano de produção de notícias, além de tura da política nacional, uma pi- serconsideradoreferênciadetelejornalismo, tadadeinternacional,esporteseal- é sobretudo um ritual estratégico de ins- guma variedade. Apostou na agili- tinto preservacionista para a emissora, dis- dade e na rapidez da notícia curta. simulado através de um discurso da busca Com esse projeto de jornalismo “inabalável” da verdade dos fatos. Sob “clean”, o jornal se impôs como a égide/orientação dos princípios do jorna- um dos programas de maior audi- lismo americano de produção de notícias ência de nossa televisão. E se tor- paraaTV,otelejornalismoglobaltrazcomo nou referência nacional. (Hambur- características evidentes desde então, a su- ger apud Borelli & Priolli, 2000: perficialidade no tratamento dos fatos que 57) impede a prática de um jornalismo mais denso e crítico (Rezende:2000) e a conso- A busca por ser o modelo de telejorna- lidação da imagem de modelo de telejorna- lismobrasileirosetraduzexatamentenapro- lismo brasileiro, criando o Padrão Global de dução desse jornalismo “clean”, “asséptico” Telejornalismo. Em nome do Padrão Glo- que advoga os princípios da objetividade e bal, aceita-se como regra, orientações abso- imparcialidade, e que é herança da escola lutamente burocráticas, que pretendem dar americanadejornalismo. AexemplodoJor- ao jornalismo um tratamento objetivo, como nal Nacional, a cartilha americana é seguida se se tratasse de uma ciência exata. São por todos os telejornais da Rede Globo, que exemplos disso orientações como o estabe- naturalmente se deu a partir de um compro- lecimento do tempo de duração que uma so- metimento entre a emissora brasileira e os nora “deve” ter em uma reportagem, assim americanos. Grandes investimentos na pro- como o tempo total de uma matéria – in- dução e técnica dos programas foram a mo- dependentemente da a complexidade do as- eda de troca aos comprometimentos editori- sunto - para que não se comprometa o ritmo ais da Rede Globo e do telejornal, ora com a dareportagem: ideologia americana, ora com o governo mi- litar(Rezende: 2000). Não como reflexo da censura, Porcontadisso,enquantoasredesdetele- a superficialidade do noticiário visão brasileira agonizavam com problemas explicava-se, assim, como resul- financeiros e problemas advindos da própria tado de uma diretriz editorial ba- programação uma vez que a censura impu- seada na agilidade do estilo “man- nha todo uma nova forma de trabalho ao cheteado”, que se ajustava ao per- mundo televisivo, a Rede Globo surge no fil da audiência do programa. Essa Brasil com a força financeira e tecnológica orientação continua a ser adotada www.bocc.ubi.pt NotíciasnaTVGlobal 9 atéhojepeloJornalNacionaleno- télite e a abertura da televisão comercial. ticiários de outras emissora veicu- Dessa maneira, segundo o autor, a proteção lados no horário – nobre da TV. do interesse público se dá, entre outras for- (Rezende,2000:116) mas,atravésdaexistênciadeumsetordeser- viço público de medidas de regulamentação No entanto, sabe-se também que a Rede incidindoemváriosaspectosdaatividadete- Globo, por ser constituída totalmente atra- levisiva. A regulamentação televisiva foi en- vés de capital privado – inclusive com re- tão modificada para atender às novas con- cursos externos que lhe custaram transgredir dições de exercício da atividade televisiva, a Constituição Brasileira – se depara com a combinada com outras medidas, num instru- necessidade de servir a dois senhores de in- mentoadequadodeproteçãodointeressepú- teressesdistintos. Deumladoointeressepú- blico. blico, por estar trabalhando com matéria de Apesar do rompimento do monopólio es- interesse da sociedade e por estar compro- tatal da televisão de serviço público e da ex- metida com isso através do contrato de ex- pansão da televisão de mercado, o serviço ploração da concessão de um canal de tele- público se mantém devido à convicção se- visão, conforme determina a legislação bra- gundo Amorim (1997) de que sua existên- sileira. Deoutro,estáanecessidadedeauto- ciaéimportanteparaaproteçãodointeresse sustentação da emissora/ empresa, que ad- público, mesmo depois da separação entre a vém da publicidade e que por sua vez está noçãodeinteressegeraleomodopúblicode condicionada à audiência. Ora, se admite- gestãodeserviço: se que a orientação do noticiário é a lógica da audiência por estar subordinada aos prin- O caráter público de uma enti- cípios liberais ao qual qualquer organização dadecomeçouaservistonãocomo privada está, é lógico pensar que a priori- conseqüência de seu estatuto jurí- dadetalveznãosejaointeressepúblico,mas dico,masdassuasfunçõesquede- sim o interesse do público enquanto promo- sempenha. Nesses termos, passou- tor dessa audiência. Pode-se dizer que é, se a admitir que entidades, con- no mínimo, uma tarefa muito difícil conci- sideradas públicas sob o aspecto liar interesses econômicos com a prestação jurídico-formal, podem muitas ve- deserviçoaocidadão,nosentidodefazerum zes ter atuação contrária aos inte- jornalismodeesclarecimentoeformação. resses públicos, enquanto outras, Na Europa Ocidental, no entanto, o mo- consideradas privadas pelo mesmo delo estatal perdurou por muito tempo até critério,podemrealizarfunçõesde que a introdução de novas tecnologias exi- interesse público. (Amorin, 1997: giram uma nova regulamentação a respeito 544) do tema. Segundo Amorim (1997), nos paí- ses da Europa, os sistemas de televisão pas- Sobre a televisão especificamente, Amo- saram nas últimas duas décadas por grandes rim é categórico ao afirmar a necessidade da mudanças tecnológicas e econômicas como autonomia em relação às limitações econô- a introdução da televisão por cabo e por sa- micas: www.bocc.ubi.pt 10 FabianaPiccinin Dificilmente pode-se aceitar a Assim, a lógica do jornalismo como pres- idéia de que um serviço de televi- tador de serviço parece ser bem mais pre- são, funcionando de acordo com a sente na televisão e no próprio jornalismo lógica econômica, venha proporci- europeu, que tem uma história muito asso- onar, mesmo em regime de com- ciada à preocupação com os meios de co- petição, um repertório simbólico municaçãoenquantopromotoresdacontínua aptoaatenderadiversidadedeexi- melhoria da vida cultural dos usuários. Essa gências sociais, políticas e cultu- é a razão pela qual os media europeus nas- rais que dele se espera. (...) A ló- cem sob a tutela do Estado, justamente para gica econômica é, por natureza, li- se tornarem independentes dos números da mitadoradaamplitudequedeveter audiência. SegundoLopes: umserviçodetelevisão. Natelevi- Cética em relação ao libera- são de mercado a ênfase é dada ao lismo nas comunicações, a Europa econômico; e tudo que extrapola segue o outro modelo, o de ser- estaprioridadesomenteestarápre- viço público, confiando o controlo sente de maneira incidental, como da radiotelevisão ao Estado, como subproduto. (Amorim,1997: 54) aliás, já acontecia com a rádio. (Lopes,1999: 26). Segundo o autor, o controle e a supervi- são da televisão, neste caso, tem sido a cria- Segundo Leal Filho (1997), a concepção çãodeorganismosautônomos,comoITCno do modelo europeu de radiodifusão deter- Reino Unido, CSA na França, e AACS em mina que o rádio e a televisão sejam veícu- Portugal, de maneira que o poder público li- los da produção cultural de um povo ou de mitasuaintervençãoesedesvinculadocon- uma nação e, para exercerem essa tarefa não trolediretosobreosistemadetelevisão. podem ser contaminados por interferências Oquemaisinteressapriorizar,noentanto, políticas e comerciais. Por isso, o modelo são pressupostos que embasam o sistema de de televisão pública se manteve hegemônico televisão europeu como por exemplo o com- pormuitotemponaEuropa. promisso com o pluralismo e a diversidade, Não por outro motivo, a rede pública de oespaçogarantidoparaasinformaçõesedi- televisão-aocontráriodoBrasilondearede vulgação de assuntos de interesse da cida- privada é a líder de audiência - nos países dania e da política. Ou ainda segundo Lo- europeus é o principal expoente do telejor- pes (1999), há considerações específicas so- nalismo. Devidoaisso,foipossívelperceber bre a informação de serviço público como diferenças na forma de produção de notícias darumavisãoglobalecontextualizadorados no jornalismo do modelo europeu. E uma fatos, procurar o contraste de fontes diver- das razões é o fato do jornalismo do outro sificadas, fazer uma rigorosa depuração dos lado Atlântico seguir a escola européia, pre- dados,promoveroaprofundamentodascon- ocupada com um jornalismo mais analítico, seqüências sociais, políticas e econômicas, mais aprofundado, enfim com menos inves- debater-se por um equilíbrio na cobertura timentotécnicoemaiseditorialporassimdi- territorial,socialecultural. zer. www.bocc.ubi.pt
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